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UMA ABORDAGEM DO DIREITO FUNDAMENTAL DE ACESSO À JUSTIÇA COMO UM DOS ELEMENTOS FUNDAMENTAIS DA JUSTIÇA SOCIAL: o que baliza uma sociedade justa?

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UMA ABORDAGEM DO DIREITO FUNDAMENTAL DE ACESSO À JUSTIÇA COMO

UM DOS ELEMENTOS FUNDAMENTAIS DA JUSTIÇA SOCIAL: o que baliza uma

sociedade justa?

Ulisses Pereira Terto Neto

Universidade Federal do Maranhão (UFMA)

UMA ABORDAGEM DO DIREITO FUNDAMENTAL DE ACESSO À JUSTIÇA COMO UM DOS ELEMENTOS FUNDAMENTAIS DA JUSTIÇA SOCIAL: o que baliza uma sociedade justa?

Resumo: Análise do direito fundamental de acesso à justiça como um dos elementos fundamentais da justiça social.

O trabalho tece considerações teóricas sobre o tema, a partir da historicização do problemático “acesso à justiça”, adotando como ponto de partida a formação dos ordenamentos jurídicos dos Estados nacionais. Demonstra a influência dos ideais da Revolução Francesa para a defesa, pelo menos formal, dos direitos da pessoa humana, o que influenciou a maioria dos ordenamentos jurídicos dos Estados nacionais posteriormente formados. Resgata, historicamente, a categoria justiça social, sustentando que, sem acesso aos direitos fundamentais da pessoa humana, não pode haver justiça social. Indica a necessidade de uma nova sociabilidade (democrática, justa e igualitária) para o pleno exercício da dignidade da pessoa humana – sendo esta última uma questão de justiça social – em conexão com a luta social pelo acesso à justiça no Brasil e no Maranhão, explicitando sua conditio sine qua non de exigência dos demais direitos fundamentais. Apresenta também como alternativa para enfrentar a problemática da inacessibilidade aos direitos fundamentais a elaboração e implementação de políticas públicas de assistência jurídica, estas voltadas para a garantia do exercício pleno, irrestrito e efetivo ao direito fundamental de acesso à justiça.

Palavras-chave: luta social, acesso à justiça, direitos fundamentais, dignidade da pessoa humana, justiça social. AN APPROACH OF THE FUNDAMENTAL RIGHT OF ACCESS TO THE JUSTICE SYSTEM AS ONE OF THE FUNDAMENTAL ELEMENTS OF SOCIAL JUSTICE: what is a fair society based on?

Abstract: This paper analyzes the Fundamental Right of the people´s access to the Justice System as one of the

fundamental elements to achieve Social Justice. It presents theoretical considerations about the theme from a historical perspective of the category “access to the Justice System”, starting from the formation of the national States`s legal systems as to approach the theme studied in this paper. It demonstrates the importance of the French Revolution´s ideals as the primary formal defense of human rights. It´s ideals influenced the formation of later national legal systems, helping historically to approach “social justice” sustaining that without the access to all of the Human Fundamental Rights, Social Justice can´t be achieved at all. It indicates the necessity of a new social organization (democratic, fair, and equal) for the plain achievement of human dignity, as a starting point to discuss social justice – in connection with the social struggle to access the Brazilian to Justice System, specifically in the State of Maranhão. This study demonstrates that the applicability of Social Rights is a sine qua non condition the applicability of the other Human Fundamental Rights. Finally, it presents as an alternative for facing the matter of the inaccessibility of the Human Beings` Fundamental Rights, the elaboration as well as the implementation of public policies directed to guarantee the plain, unrestricted, and efficient way to achieve the social right to access the Justice System.

Key words: Social struggle, access to the justice system, fundamental Human rights, human dignity, social justice.

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1 INTRODUÇÃO

Imersos no obscurantismo da Idade Média, carentes de direitos fundamentais e desprovidos até mesmo do direito de decidir sobre seus próprios destinos, milhares de seres humanos tiveram um fim trágico, notadamente em virtude de questões relacionadas com poder e fé. Nesse sentido, a influência dos portentosos clérigos – sacerdotes poderosos, em uma época em que o Estado e a Igreja confundiam-se – sobre suas vidas sufocou-lhes a alma sem, contudo, adestrar a resistência ou asfixiar a esperança.

Na verdade, tem-se que a luta pela sobrevivência, assim como o grito em defesa, e pelo respeito à dignidade da pessoa humana, mesmo que timidamente, aflorava já em oposição aos cárceres e às atrocidades cometidas tanto pelos déspotas esclarecidos quanto pela Santa Inquisição. Ademais, tem-se que a dialética entre oprimidos e opressores fez-se presente naquele dado momento histórico, confirmando um traço peculiar de todas as sociedades humanas, qual seja, de que a história da civilização humana é a história da luta de classes1.

Com isso, faz-se importante notar que dessa oposição entre opressores e oprimidos – presente no feudalismo e evidenciada por Marx e Engels como um traço peculiar da História das sociedades humanas – resultou uma transformação revolucionária de toda a sociedade feudal, culminando com o fim do antigo regime e a ascensão da burguesia ao poder político. Obviamente que outros fatores, em sua maioria de ordem econômica e política, contribuíram para o declínio do feudalismo, mas há de se admitir que o desenvolvimento da temática dos direitos da pessoa humana, da própria ideologia dos direitos humanos – em grande parte decorrente da necessidade de se implementar uma estrutura político-administrativa que favorecesse a hegemonia liberal burguesa – foi, por via de conseqüência, viabilizado.

Assim, é forçoso reconhecer que, com o advento da Revolução Francesa, notadamente de caráter político-revolucionário, dá-se início a uma nova fase na História da Humanidade, com a pessoa humana2

como centro e a razão como norteadora das práticas científicas, sociais e políticas. Sob essa era da razão, que se inicia a partir desse recorte epistemológico com o surgimento da Modernidade, a pessoa humana passa a ser titular de direitos, ocasionando uma mudança na relação política até então presente.

Em outras palavras, houve uma inversão da relação direitos x deveres entre o soberano e a coletividade, uma vez que, antes da Revolução Francesa, a pessoa humana não dispunha de direitos, apenas de deveres. Dessa forma, com a vitória do movimento político-revolucionário francês, o indivíduo passa a ser titular também de direitos, o que pode ser interpretado como um dos marcos do

nascimento dos direitos humanos.3

Sem embargo, tem-se como outro marco na luta em defesa dos direitos humanos a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, quando se inicia uma “nova fase do desenvolvimento da luta em defesa dos direitos humanos, com o surgimento de um novo ramo do direito, caracterizado como um direito de proteção: o Direito Internacional dos Direitos Humanos” (HIDAKA, 2002, p. 23). Com efeito, o reflexo imediato desse novo quadro mundial é percebido com a implementação do processo de universalização dos direitos humanos, através de pactos e tratados internacionais, que norteiam os processos legislativos nacionais, gerando a institucionalização das demandas dos movimentos sociais organizados, com a positivação dos direitos fundamentais da pessoa humana.

Tendo em vista que esse processo de mudança social tem sido gradativo, dando-se através de um embate dialético de forças contrárias, principalmente no tocante à garantia efetiva dos direitos, que passaram a ser positivados em constituições políticas, ainda hoje persiste a luta social para se garantir, no plano material, os direitos fundamentais que propiciem a plena dignidade da

pessoa humana.4

Em suma, uma mudança de materialidade na conjuntura brasileira, com os direitos fundamentais garantidos também materialmente, faz-se urgente e necessária. Nesse sentido, comentando sobre o percurso histórico dos problemas ligados à cidadania e aos direitos humanos no Maranhão e no Brasil, Costa (2004, p.7- 8), em “Estado, direitos

humanos e cidadania”, afirma:

Outra hipótese para se pensar o problema da violação sugere que a legislação acerca dos DH no Brasil instituiu direitos, mas não fez acompanhar, simultaneamente, de todos os instrumentos necessários à observância dos mesmos, situação esta que resulta em defasagem entre o direito proclamado e o direito efetivado, o que nos permite concluir que direitos estariam sendo violados por razões que poderíamos classificar como estruturais, ou seja, relacionadas a características materiais e/ou culturais mais permanentes da sociedade. Nessa perspectiva, a luta por direitos necessita se configurar como uma luta contra uma cultura difusa de autoritarismo social.

Ressalte-se, por oportuno, o trágico paradoxo presente na realidade brasileira, onde o aparato estatal serve mais àqueles que detêm o poder político do que àqueles que necessitam de garantias mínimas para uma vida digna (desprovidos de qualquer poder), especialmente quanto aos seus

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direitos fundamentais. Ou dito de outra forma: não obstante a existência de farta legislação constitucional e infraconstitucional que, pelo menos formalmente, garante os direitos fundamentais da pessoa humana no Brasil, no plano material, a realidade é deveras diferente.

A situação se agrava, ao observar-se o paradigma do acesso aos direitos fundamentais, particularmente do direito fundamental de acesso à

justiça5, que coloca a todos, independentemente de

raça, cor, fé ou condição econômica, como titulares desse direito fundamental, que é conditio sine qua

non à exigência dos demais. Com efeito, nesse

cenário de inacessibilidade aos direitos fundamentais, tem-se que – dentre outros aspectos – o exercício do direito fundamental de acesso à justiça se apresenta como um elemento eficaz para garantir materialmente os demais direitos fundamentais do indivíduo. Assim, observa-se, na conjuntura nacional atual, que sem um acesso efetivo à justiça não pode haver um exercício eficaz da dignidade da pessoa humana e, por via de conseqüência, não pode haver justiça social.

De fato, é pacífico o entendimento de que os direitos fundamentais deveriam ser assegurados com absoluta prioridade pelo Estado6, tanto quanto

pela sociedade civil, em todas as instâncias competentes. Contudo, em isso não ocorrendo – como de fato não ocorre em solo nacional –, o direito fundamental de acesso à justiça mostra-se eficaz para reprimir eventuais desrespeitos, violações ou mesmo a inobservância dos direitos humanos. Ademais, faz-se necessário explicitar que uma realidade de justiça social não se apresenta como verdadeira na sociedade brasileira, o que, por via de conseqüência, gera desigualdade, posto que a grande maioria dos cidadãos não dispõe de mecanismos efetivos para ter suas necessidades satisfeitas, seus direitos fundamentais efetivados, donde se conclui que a pobreza e a exclusão social, fatores que inviabilizam a justiça social, constituem-se em um problema persistente no cenário nacional. Com efeito, parece evidente que a pobreza é o elemento central da injustiça social no país, de forma que, em se resolvendo a questão da pobreza e da exclusão social, reduzir-se-á, consideravelmente, o quadro de injustiça social nacional7.

2 O DIREITO FUNDAMENTAL DE ACESSO À JUSTIÇA COMO UM DOS ELEMENTOS FUNDAMENTAIS PARA A CONSECUÇÃO DA JUSTIÇA SOCIAL

Levando-se em consideração a problemática da garantia aos direitos fundamentais no Brasil, a questão central das lutas sociais pelo acesso à justiça configura um processo dialético necessário e permanente, especialmente em áreas onde a distribuição das riquezas nacionais é injusta, o que ocasiona grande exclusão social8. Neste diapasão,

é correto afirmar-se que a luta social pelo exercício

pleno e efetivo do direito fundamental de acesso à justiça é, também, um elemento fundamental para a consecução da justiça social no Brasil. De qualquer forma, tem-se que o entendimento de políticas públicas orquestradas pelo Estado e voltadas para o combate à pobreza e à exclusão social deve passar por uma reflexão profunda do que seria uma sociedade justa.

Portanto, sustenta-se, no presente artigo, que a compreensão histórica da categoria justiça social9

– no caso, seria mais apropriado afirmar-se: a compreensão do histórico quadro de injustiça social no Brasil – possibilita o combate à pobreza e à exclusão social, bem como a efetivação de novas perspectivas de mudança social para o quadro sóciopolítico nacional, tendo como norte a garantia não somente formal, mas também, e principalmente, material de que os direitos fundamentais da pessoa humana serão exercidos por todos os indivíduos.

2.1 Os limites da injustiça e a resistência social: por uma nova cidadania

Evidenciou-se, anteriormente, que a história da civilização humana é marcada pela dialética entre opressores e oprimidos. Essa lógica tem se efetivado, sem exceção, em todas as formas de organização humana, mesmo naquelas onde os problemas da autoridade, da divisão do trabalho e da distribuição de bens e serviços foram política e culturalmente resolvidos, de forma diferente do modelo ocidental, ou seja, modos diversos de lidar com os problemas sociais não eliminam a opressão, intrínseca em qualquer sociedade.

Tais sociedades, para solucionar os mencionados problemas – da autoridade, da divisão do trabalho e da distribuição de bens e serviços –, tiveram, cada uma isoladamente, de estabelecer um acordo coletivo ou contrato social entre seus membros, “formulando toscos princípios de desigualdade social e ensinando umas às outras, com graus amplamente variáveis de sucesso, a aceitar e obedecer tais princípios” (MOORE JR, 1987, p. 29). Dessa lógica organizacional derivaram regras morais, que entraram em funcionamento e passaram a ser respeitadas na sociedade. Nesse diapasão, totalmente desnecessário mencionar que essas regras morais – derivando de uma organização social pautada em princípios de desigualdade social – representavam os interesses da elite dominante (lê-se opressores), como de fato ainda representam nas sociedades contemporâneas.

Nesse sentido, há que se admitir a existência de argumentos históricos para explicar a perpetuação da desigualdade social – a hegemonia liberal burguesa, a luta de classes, questões de religião e cultura, dentre outros. Todavia, há também que se admitir que tais argumentos não invalidam um outro ainda mais forte, qual seja: o de que aos

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seres sociais oprimidos é legítimo resistir e lutar por mudanças sociais.

A esse respeito, abordando as razões históricas do quadro permanente de desigualdade social, (Moore Jr, 1987, p. 79-80), em “O sentido da injustiça: algumas

constantes e variáveis”, afirma:

Há razões perfeitamente boas para o fato dos seres humanos não poderem ter o seu quinhão e saboreá-lo. Mas não existem razões para que eles não

queiram fazê-lo. Dessa maneira, é provável que haja uma corrente subterrânea de desagrado e oposição a quase todos os códigos morais, um descontentamento que é, pelo menos, uma fonte potencial de variação e mudança.

[...] As fontes fundamentais de variação originam-se da forma pela qual as pessoas definem e percebem o valor daquilo com que contribuem para uma relação social, e daquilo que extraem dela.

Assim, tem-se que essa resistência aos códigos morais sociais – embrionariamente injustos e desiguais, destaque-se –, exercida por aqueles que se encontram em uma situação de opressão na sociedade, relaciona-se com a questão dos limites à injustiça social, com a discussão acerca do direito a se ter direitos, com a necessidade de se implementar um novo contrato social – seguido de uma nova sociabilidade, democrática, justa e igualitária –, com a importância de se efetuarem mudanças nas bases materiais de uma sociedade injusta, garantindo, por via de conseqüência, o pleno exercício da dignidade da pessoa humana, com a materialidade dos direitos fundamentais do indivíduo. Em outras palavras: a resistência aos códigos morais injustos relaciona-se com as lutas sociais pelo acesso aos direitos fundamentais da pessoa humana.

Entretanto, mesmo admitindo-se a necessidade de oposição – bem como o direito de resistência dos oprimidos – à opressão exercida pelas elites dominantes, reconhece-se, ainda, uma tolerância passiva a códigos morais, base de um contrato social injusto e desigual, particularmente no Brasil, país historicamente marcado pela dialética entre opressores e oprimidos. De modo que convém indagar, por oportuno: Por que a grande maioria do

povo brasileiro mantém-se submissa à opressão da elite burguesa, sujeitando-se a um quadro de injustiça social? Por que não se revolta contra esse sistema opressor?

Estudando os casos dos ascetas, dos intocáveis (hindus indianos de casta menor) e dos campos de concentração nazistas, Moore Jr (1987) sustenta a tese de que essa passividade diante da opressão decorrere da aceitação da autoridade moral do opressor. Contudo, o autor admite, mesmo limitadamente, que os fatores históricos podem romper com o contrato social, ao afirmar:

As circunstâncias e as tendências históricas podem obviamente alterar o equilíbrio entre a aceitação da autoridade moral do opressor e várias formas de ofensa. As últimas não culminam necessariamente numa rejeição dessa autoridade moral, embora constituam provavelmente um ingrediente essencial dessa rejeição. (MOORE JR, 1987, p. 99).

Com a devida vênia ao ilustre pesquisador norte-americano, não parece ser possível aplicar a mesma lógica de raciocínio – quanto à aceitação da autoridade moral do opressor, no caso a burguesia – para a realidade brasileira, pelo menos não completamente. Na verdade, acredita-se que a resposta passa por questões mais complexas, relacionadas com a dialética entre opressores e oprimidos, bem como pela compreensão da História Moderna. Assim, alguns de seus argumentos podem ser aceitos para o caso do Brasil, especialmente, respeitadas as devidas proporções e já adaptando suas argumentações devidamente, quanto ao fato de que a maioria do povo brasileiro nasce sem a percepção de outra forma de organização social possível – vez que é carente também de informações políticas e quanto ao fato de que essa maioria passa a maior parte do tempo tentando sobreviver, nessa famigerada selva capitalista. Ainda ao fato de que, quando atingida pela ideologia liberal burguesa – de meritocracia, inclusive –, deixa-se fascinar pela promessa de ascensão social, com a idéia de que poderá – um dia e desde que trabalhe duro para tanto – ser burguês10.

Seria correto argumentar que talvez a revolta da maioria do povo brasileiro – oprimido socialmente em um sistema capitalista voltado para a lógica do mercado – não tenha ainda se efetivado, devido ao fato de que todas as condições históricas e materiais – estas necessárias para tamanha mudança social – também não tenham sido ainda as ideais. Ainda mais porque “[...] a falta de uma perspectiva realista de sucesso, uma forma de realismo que somente pode ser bastante aproximada”, não impediria que os oprimidos nacionais “se revoltassem” (MOORE JR, 1987, p. 100)11. Assim, levanta-se a percepção

de que a maioria do povo brasileiro, envolta em um ambiente marcado pela pobreza generalizada e obrigada aos atos mais degradantes para poder sobreviver, “legitima” o sistema burguês apenas para reduzir sua agonia.

Sobre esse comportamento, Moore Jr.(1987, p. 119) afirma:

A fome intensifica a prontidão para as sugestões advindas do meio social quanto às formas de se comportar que poderão reduzir as agonias. Embora ocorra considerável variação de um

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indivíduo para outro, o efeito é tornar as pessoas ávidas por aprender como agradar aqueles que controlam o meio ambiente. Quando os impulsos foram despertados, a simples retirada da situação torna-se muito mais difícil. Uma rejeição crítica da fonte de gratificação parece quase impossível. O resultado é uma aceitação dos códigos e padrões sociais sustentados por aqueles que controlam a situação. É a forma

elementar de cooptação.(grifo nosso). Na mesma linha de raciocínio, evidenciando a realidade de total opressão em que vive o proletariado no sistema capitalista burguês, Memmi, comentando o prefácio de “Une Société anonyme” de Christiane Peyre, em “Dominated Man”, afirma:

It is certain that in a society where basically everything can directly or indirectly be bought or sold, it is a terrible tragedy to be poor. And it is true that poverty is still the most striking feature of working-class life [...]. But it is also true that the oppression suffered by the working class is a total oppression, affecting every aspect of the worker‘s life, and even influencing his dress, his carriage and his behavior.

[...] The problem is infinitely more complex than that: the victim of oppression has to be transformed into a free man. For the worker is not simply a poor man, he is above all a dependent creature.12 (MEMMI, 1971, p. 120-121).

Sem embargo, tem-se como imprescindível uma conscientização individual e coletiva de que se deve mudar o contrato social, atualmente em vigor na sociedade brasileira, para que as condições materiais sejam revistas e uma nova sociabilidade (democrática, justa e igualitária) seja implementada. Dessa forma, a luta social que o povo brasileiro, oprimido e excluído socialmente, deve travar é pelo estabelecimento de um novo contrato social que garanta o direito de todos a ter direitos, ou seja, garanta materialmente os direitos fundamentais de cada indivíduo, isolada ou coletivamente. Nesse sentido, a discussão acerca dos novos atores sociais – antes excluídos do processo de decisão, agora exercendo um papel importante nas decisões coletivas –, de seu direito a ter direitos, da questão da nova cidadania por uma nova cultura política nacional, deve ser retomada. Tais mudanças devem ser efetivadas nos níveis da cultura, da estrutura social e da personalidade individual, sempre objetivando a materialidade dos direitos fundamentais da pessoa humana13.

Dessa forma, faz-se totalmente necessário, para a classe oprimida brasileira, como tarefa cultural básica, destruir a ideologia dominante, opor-se a ela, fazê-la desmanchar-se no ar, ou seja, sua “tarefa

principal é superar a autoridade moral das fontes de seu sofrimento e criar uma identidade politicamente efetiva” (MOORE JR, 1987, p. 130). Em outras palavras: a tarefa fundamental do povo brasileiro é construir uma nova cultura política que favoreça o estabelecimento de um novo contrato social, mudando as bases materiais da sociedade brasileira e, por via de conseqüência, acarretando uma nova sociabilidade (democrática, justa e igualitária), garantindo-se, com isso, no plano material, o pleno exercício da dignidade da pessoa humana.

2.2 Sem um acesso eficaz à justiça também não há justiça social

Na História recente do Brasil, particularmente nas décadas de 70, 80 e 90, observa-se o papel importante desempenhado pelos movimentos sociais, em defesa de espaços públicos mais democráticos, em que se garantisse, também materialmente, os direitos fundamentais da pessoa humana. Nesse sentido, os movimentos sociais têm contribuído para a transcendência da concepção de democracia, para muito além dos limites ideológicos e institucionais tradicionais.

Adicione-se a isso o fato de que, no decorrer desse processo de mudança social, a consecução de medidas efetivas tem se efetivado, através da redefinição da noção de cidadania e de seu referencial central, ou seja, a noção de direitos. Em última instância, tem-se como irrefutável o caráter transformador das lutas sociais empreendidas pelos movimentos sociais, reivindicando uma mudança radical na institucionalidade política, bem como na postura do Estado. Nesse diapasão, iniciou-se o debate acerca do direito a se ter direitos, com a negação da tradição autoritária que impõe a pobreza como um sinal de inferioridade.

Nesse sentido, fazendo referência expressa ao fato de que a ausência absoluta de efetivação de direitos suprime a dignidade humana, Dagnino, em

“Cultura e política nos movimento sociais latino-americanos: novas leituras”, afirma:

Como parte da ordenação social autoritária, hierárquica da sociedade brasileira, ser pobre significa não apenas privação econômica e material, mas também ser submetido a regras culturais que implicam uma completa falta de reconhecimento das pessoas pobres como sujeitos, como portadores de direitos. No que Telles (1993) chamou de ‘incivilidade’ embutida nessa tradição, a pobreza é um sinal de inferioridade, uma forma de ser na qual os indivíduos perdem sua capacidade de exercer seus direitos. Essa privação cultural imposta pela ausência absoluta de direitos, que em última instância se expressa como uma supressão da dignidade humana,

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torna-se então constitutiva da privação material e da exclusão política. Nesse sentido, a luta por direitos, pelo direito a ter direitos, revelou o que, de fato, tinha que ser uma luta política contra uma cultura difusa do autoritarismo social, estabelecendo a base para que os movimentos populares urbanos estabelecessem uma conexão entre cultura e política como constitutiva de sua ação coletiva. (DAGNINO, 2000, p. 82-83).

Ressalte-se que a apropriação da noção de cidadania pelos movimentos sociais revelou-se uma arma poderosa utilizada por eles, na luta pela redemocratização do país. A esse respeito, Dagnino (2000, p. 88) esclarece:

A nova cidadania é um projeto para uma nova sociabilidade: não somente a incorporação do sistema político em sentido estrito, mas um formato mais igualitário de relações sociais em todos os níveis, inclusive novas regras para viver em sociedade (negociação de conflitos, um novo sentido de ordem pública e de responsabilidade pública, um novo contrato social, etc).

Dessa forma, faz-se necessária a compreensão de que esse projeto para uma nova sociabilidade, com a construção de uma nova noção de cidadania, vincula-se à implementação de relações sociais justas e igualitárias em todas as esferas sociais, ou seja, uma nova sociabilidade significa o

estabelecimento de uma efetiva justiça social no Brasil. No mesmo sentido, Dagnino (2000, p.89) expõe:

O processo de construção de cidadania como afirmação e reconhecimento de direitos é, especialmente na sociedade brasileira, um processo de transformação de práticas arraigadas na sociedade como um todo. Essa estratégia política implica uma reforma moral e intelectual: um processo de aprendizagem social, de construção de novos tipos de relações sociais, que requer, obviamente, a constituição de cidadãos como sujeitos sociais ativos. Mas, para a sociedade em seu conjunto, requer também aprender a viver em termos diferentes com esses cidadãos emergentes que se recusam a permanecer nos lugares definidos social e culturalmente para eles. Esse é um dos pontos em que o radicalismo da cidadania como política cultural parece bastante claro.

Destaque-se que, mesmo com todas as conquistas dos movimentos sociais que contribuíram para a consolidação da democracia

no país, há ainda uma situação paradoxal na sociedade brasileira, um quadro caótico e desolador, em que os desrespeitos aos direitos humanos persistem e a violência finca raízes. Não obstante haver, formalmente, garantias ao pleno desenvolvimento da dignidade da pessoa humana, no plano material, a realidade é deveras oposta. Como resultado, tem-se a percepção de uma tendência à redução do papel do Estado, ou das responsabilidades sociais do Estado – o que em outras palavras significa a destituição dos direitos sociais e políticos (bem como dos demais direitos fundamentais do indivíduo), historicamente conquistados com lutas sociais marcadas por sangue e fé, explicando-se, com isso, a ineficácia dos entes estatais nacionais em implementar políticas públicas saneadoras dos problemas sociais percebidos. Advém também daí a necessidade de mudarem-se as bases materiais da sociedade brasileira.

A esse respeito, Telles (2000, p. 104) afirma:

Seria possível dizer que é nos termos desses paradoxos (e outros) que a crise dos tempos que correm vem se processando. Para além de suas circunstâncias econômicas e políticas mais imediatas, é uma crise que põe em foco as questões clássicas dos direitos, da justiça e da igualdade. Questões clássicas de um contrato a ser refundado, porém não nos termos do juramento de obediência ao poder, tampouco reduzido à sintaxe liberal das regras jurídicas que ordenam relações privadas – mas um contrato capaz de firmar os direitos como princípios reguladores da vida social e que estabeleça os termos de uma negociação e interlocução possíveis quanto às regras da equidade e à medida de justiça que devem prevalecer nas relações sociais (Telles, 1994). Essa é uma possibilidade que existe, ao menos como virtualidade, no horizonte da sociedade brasileira, por conta de uma sociedade civil emergente construída no solo conflituoso da vida social, através de práticas de representação e negociação de atores coletivos reconhecidos na legitimidade de seus interesses e dos direitos reivindicados.

Para que os direitos fundamentais da pessoa humana sejam, de fato, firmados como princípios reguladores da vida social, o exercício pleno da dignidade da pessoa humana por cada indivíduo, isolada ou coletivamente, deve ser amplamente garantido, tanto no plano formal quanto no plano material. Do contrário, a justiça social apresentar-se-ia como mais uma utopia, dentre outras tantas defendidas e almejadas pelos movimentos sociais no país.

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Assim, nesse novo cenário sociopolítico brasileiro, para que a justiça social seja implementada eficazmente, é salutar compreender-se que essa justiça pode ser efetivada através de diversos fatores – sociais, políticos, econômicos, etc. Contudo a viabilização da maioria deles dá-se através do exercício pleno, irrestrito e efetivo dos direitos fundamentais, em especial, através do direito fundamental de acesso à justiça – em sendo violados, desrespeitados ou mesmo ignorados os demais direitos fundamentais.

Nesse sentido, a respeito do direito fundamental de acesso à justiça, tendo em vista sua natureza fundamentalista, Bezerra (2001, p.121), em “Acesso

à justiça – um problema ético-social no plano da realização do direito”, afirma:

[...] como todo o espírito da Constituição é eminentemente social, de justiça social, depreende-se que o acesso à justiça, a par de ser um direito do cidadão brasileiro, guinda-se à qualidade de direito fundamental constitucionalmente garantido.

Com isso, tem-se como correta a afirmação de que o acesso à justiça, enquanto direito fundamental constitucionalmente garantido – exigindo ações afirmativas do ente estatal – “gera para o Estado a obrigação de resguardar sua eficácia e garantir sua aplicabilidade” (MENDES; COELHO; BRANCO, 2002, p. 98). Ainda, comungando do mesmo entendimento, Gonçalves (2002, p. 82), em

“Assistência jurídica pública – direitos humanos & políticas sociais”, sustenta:

[...] a Constituição determina que o Estado tem a obrigação de prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos (CF/88, art. 5º, inciso LXXIV). Referida Carta Política, pela primeira vez, preocupou-se também em institucionalizar um Órgão específico para prestar tais serviços: as Defensorias Públicas da União, dos Estados-Membros e do Distrito Federal.

Na mesma linha de raciocínio, Bobbio (1992, p. 79), em “A era dos direitos”, observa que

[...] a existência de um direito, seja em sentido forte ou fraco, implica sempre a existência de um sistema normativo, por onde a ‘existência’, deve entender-se tanto o mero fato exterior de um direito histórico ou vigente quanto o reconhecimento de um conjunto de normas como guia da própria ação. A figura do direito tem como correlato a figura da obrigação.

Dessa forma, é forçoso reconhecer que ao Estado é imputada a obrigação formal de efetivar os direitos

fundamentais – no plano material insere-se também a sociedade civil, co-responsável, nesse mister, de efetivação dos direitos humanos. Nesse contexto, um sistema jurídico moderno e igualitário – ainda a ser construído nos ditames de uma nova sociabilidade democrática, justa e igualitária – faz-se também necessário. Sob esta ótica, o direito fundamental de acesso à justiça ganha destaque.

Com efeito, abordando a temática, bem como evidenciando o caráter de imprescindibilidade do direito fundamental de acesso à justiça, Cappelletti (1988, p. 12), em “Acesso à justiça”, encerrou a controvérsia, ao dispor que:

[...] o acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos.

Portanto, para que o processo de mudança social das bases materiais da sociedade brasileira de fato aconteça, é fundamental a percepção de que a justiça social, para ser implementada eficazmente, sofre influências de diversos fatores – políticos, econômicos, sociais, dentre outros. Não obstante, tem-se claro que a viabilização da maioria desses fatores dá-se através do exercício pleno, irrestrito e efetivo dos direitos fundamentais da pessoa humana, em especial, do direito fundamental de acesso à justiça – sendo este um elemento eficaz, quando em face de violações aos direitos humanos. 2.3 O pleno exercício da dignidade humana: uma

questão de justiça social.

No desenvolvimento da História das civilizações humanas, a percepção valorativa da pessoa humana tem sido repleta de avanços e retrocessos, de forma que a moderna concepção do valor atribuído ao ser humano é o resultado de um longo processo de disputas – ora simbólicas, ora políticas, mas todas relacionadas ao pleno exercício da dignidade da pessoa humana – entre segmentos opostos que, conforme anteriormente evidenciado, são representados nas figuras do opressor e do oprimido. Adicione-se a isso o fato de que, durante esse processo que projetou a pessoa humana “de joguete, nas mãos dos deuses gregos ou de parte indistinta das comunidades nos Estados antigos, ao centro de seus próprios pensamentos e realizações, dentre os quais o Estado e o Direito” (BARCELLOS, 2002, p.103), houve muita controvérsia política e teórica, de forma que ainda hoje persiste o debate, particularmente no tocante ao pleno exercício da dignidade da pessoa humana. Não obstante a diversidade de considerações sobre a matéria, o fato é que parece haver um ponto consensual unindo as mais diversas concepções, especialmente sobre o valor essencial do ser humano.

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Dessa forma, levando-se em consideração os “quatro momentos fundamentais nesse percurso: o Cristianismo, o iluminismo-humanista, a obra de Immanuel Kant e o refluxo dos horrores da Segunda Guerra Mundial, nessa ordem” (BARCELLOS, 2002, p. 104); à pessoa humana foi concedida centralidade, de forma que sua plena realização – de sua autonomia, de sua autodeterminação, bem como de seu projeto de felicidade – passou a ser amplamente defendida em um mesmo tom (embora através de instrumentos diferentes).

Nesse sentido, originou-se a percepção de que a realização plena da dignidade da pessoa humana passa pela garantia formal e material dos direitos fundamentais dessa pessoa. A propósito, Barcellos (2002, p. 110-111), abordando a temática em “A

eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana”, explica:

De forma bastante simples, é possível afirmar que o conteúdo jurídico da dignidade se relaciona com os chamados direitos fundamentais ou humanos. Isto é: terá respeitada sua dignidade o indivíduo cujos direitos fundamentais forem observados e realizados, ainda que a dignidade não se esgote neles.

Convém ressaltar, por oportuno, que há um conteúdo mínimo identificável no princípio da dignidade da pessoa humana, o qual se caracteriza como a face objetiva dessa dignidade. Em outras palavras, esse “mínimo existencial corresponde ao conjunto de situações materiais indispensáveis à existência humana” (BARCELLOS, 2002, p. 197). Na mesma linha de raciocínio e retomando a idéia nuclear já presente no pensamento clássico, o jurisconsulto Ingo Wolfgang Sarlet (2004, p. 41-42), em “Dignidade da pessoa humana e direitos

fundamentais na constituição federal de 1988”, afirma

que

[...] a dignidade, como qualidade intrínseca da pessoa humana, é irrenunciável e inalienável, constituindo elemento que qualifica o ser humano como tal e dele não pode ser destacado, de tal sorte que não se pode cogitar na possibilidade de determinada pessoa ser titular de uma pretensão a que lhe seja concedida a dignidade. Esta, portanto, compreendida como qualidade integrante e irrenunciável da própria condição humana, pode (e deve) ser reconhecida, respeitada, promovida e protegida, não podendo, contudo (no sentido ora empregado) ser criada, concedida ou retirada (embora possa ser violada), já que existe em cada ser humano como algo que lhe é inerente.

Dessa forma, a concepção de dignidade da

pessoa humana defendida no presente trabalho, sendo uma condição intrínseca do ser humano, relaciona-se com a garantia – pelo Estado assim como pela sociedade civil – de todos os meios possíveis para que a pessoa humana possa realizar seu projeto existencial e de felicidade. Ou dito de outra forma: a dignidade da pessoa humana garante ao indivíduo o direito de autonomia e de autodeterminação, implicando em uma obrigação coletiva de respeito ao ser humano.

Neste diapasão, em consonância com a idéia de que a realização plena da dignidade da pessoa humana passa pela garantia formal e material dos direitos fundamentais do indivíduo, Sarlet (1998, p. 63), agora em “A eficácia dos direitos fundamentais”, afirma:

[...] os direitos fundamentais sociais constituem exigência inarredável do exercício efetivo das liberdades e garantia da igualdade de chances (oportunidades), inerentes à noção de uma democracia e um Estado de Direito de conteúdo não meramente formal, mas, sim, guiado pelo valor da justiça material.

Sob essa ótica, convém relembrar que a autonomia e o direito de autodeterminação da pessoa são imprescindíveis para o pleno exercício desse direito fundamental, caracterizando-se, ambos, como o elemento central da dignidade da pessoa humana14. Não obstante a isso, necessário

se faz mencionar que, como um quadro histórico de injustiça social vem se perpetuando ao longo dos anos em solo nacional, esse cenário repleto de desigualdades sociais inviabiliza a autonomia e o direito de autodeterminação de cada indivíduo, impossibilitando, por via de conseqüência, o pleno exercício – pela grande maioria dos brasileiros – da dignidade da pessoa humana.

Com efeito, evidencia-se aqui o paradoxo nacional, com as estruturas políticas e administrativas servindo mais àqueles que detêm o poder político e econômico do que àqueles que realmente necessitam de garantias mínimas para sobreviver, estes desprovidos de qualquer poder. Assim, nesse ambiente perverso, onde os direitos fundamentais são garantidos apenas formalmente, o direito fundamental de acesso à justiça apresenta-se como um dos instrumentos eficazes para garantir ao indivíduo o pleno gozo – também material – de sua autonomia e de seu direito de autodeterminação, favorecendo, conseqüentemente, a consecução de uma justiça social no Brasil15.

3 O ACESSO À JUSTIÇA NOS CONTEXTOS BRASILEIRO E MARANHENSE: noções preliminares.

A luta social pelo acesso efetivo e pleno à justiça é uma das principais dimensões da questão social16,

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tanto pela sua conditio sine qua non para exigência dos demais direitos fundamentais, quanto pela sua importância histórico-social de viabilização de demandas políticas e ações sociais do Estado brasileiro que visem, como resultado último, a eliminação da pobreza e o pleno gozo da dignidade da pessoa humana.

Faz-se importante explicitar que a problemática do acesso à justiça no Brasil, o que denominamos de inacessibilidade à justiça, relaciona-se, embrionariamente, com a pobreza generalizada em nosso país. Ademais, convém destacar, por oportuno, que a abordagem desenvolvida no presente trabalho adotou como ponto de ignição, para a problemática do acesso à justiça, a formação dos ordenamentos jurídicos dos Estados nacionais modernos que, em sua maioria, formaram-se sob os ideais da Revolução Francesa (Burguesa). Portanto, necessário se faz uma percepção de que, quando se refere à inacessibilidade à justiça, está-se referindo à inacessibilidade a uma justiça burguesa, a uma estrutura jurídico-administrativa construída por e para sustentar os ideais liberais burgueses.

É imprescindível ressaltar que a Constituição Federal de 1988, bem como diversos dispositivos infraconstitucionais garantem, pelo menos formalmente, o acesso de todos à justiça. Para tanto, a Carta Magna dedicou tratamento diferenciado à assistência jurídica, atribuindo ao Estado a obrigação de prestá-la, bem como elevando-a, em seu art. 134, à condição de uma das mediações da assistência social17. Não obstante

isso, apresenta-se uma situação inusitada em solo nacional, que evidencia a histórica dialética entre opressores e oprimidos, uma vez que o fato de o direito fundamental de acesso à justiça estar previsto na Carta Magna, bem como disciplinado pela legislação infraconstitucional – ou seja, garantido formalmente –, não assegura sua efetiva aplicabilidade no plano material. De forma que a luta social pelo acesso à justiça prossegue, cada vez mais relacionada com o quadro de pobreza e exclusão social, ambos generalizados no país.

No estado do Maranhão, a situação não é diferente, posto que a mesma lógica perversa – das instituições políticas e estatais servindo mais àqueles que detêm o poder político e econômico, em detrimento daqueles que estão desprovidos de qualquer poder – persiste18. Nesse sentido,

abordando o percurso histórico dos problemas ligados à cidadania e aos direitos humanos, no Maranhão e no Brasil, Costa (2004, p. 8), em

“Estado, direitos humanos e cidadania”, afirma: Entre os elementos existentes na realidade maranhense que revelam como a violência tem sido uma das mediações fundamentais nas relações sociais estabelecidas no Estado, acentuando processos de exclusão, podem ser citados a concentração de renda, a relação predatória com o meio

ambiente, a configuração da questão agrária e urbana, a configuração do mercado de trabalho e o padrão político de dominação. A privação cultural imposta pela ausência absoluta de direitos torna-se constitutiva da privação material e da exclusão política.

Adicione-se a isso o fato de 68,42 % (sessenta e oito vírgula quarenta e dois por cento) da população maranhense perceber rendimentos inferiores a um salário-mínimo19, o que praticamente

inviabiliza, devido aos altos custos, um acesso efetivo à justiça (burguesa)20. Ademais, a Defensoria

Pública do Estado do Maranhão ainda não foi devidamente implementada em todas as 95 comarcas existentes no Estado. Com isso, esse trágico cenário de desigualdade social perpetua-se em solo maranhense, o que tem despertado a atenção de diversos movimentos sociais que atuam na defesa e promoção dos direitos humanos no Estado, particularmente daqueles que direcionam seus esforços para a luta social pelo acesso aos direitos fundamentais, em especial pelo exercício material do direito fundamental de acesso à justiça21.

Dessa forma, as disparidades econômicas, políticas e culturais – geradoras das desigualdades e da injustiça social – das classes sociais brasileiras fomentam um quadro generalizado de pobreza e exclusão social no país, o que confirma o argumento de que o não exercício dos direitos fundamentais da pessoa humana por cada indivíduo, bem como a inacessibilidade à justiça – ou a falta de garantias eficazes ao exercício do direito fundamental de acesso à justiça, no plano material – ligam-se, embrionariamente, com a problemática da pobreza e da exclusão social22.

4 CONCLUSÃO

Como restou demonstrado no presente trabalho, percebe-se que a luta social pelo acesso aos direitos fundamentais está sendo travada, em um momento histórico que reflete a dialética entre opressores e oprimidos, esta que esteve presente em todas as sociedades humanas – sendo que agora com proporções transnacionais, em vista do processo de mundialização do capitalismo e do capital. Some-se a isso, o fato de que os repreSome-sentantes do capital – que ocupam uma posição de poder privilegiada nesse cenário neoliberal – tentam a todo custo inviabilizar a implementação de políticas sociais como responsabilidade do Estado, mesmo que o fenômeno social esteja já aprofundado e marcado pelas desigualdades sociais, estas historicamente refletidas na pobreza e na exclusão social presentes em nosso país.

Esses representantes do capital intentam transferir as responsabilidades estatais para a lógica do mercado, reduzindo o Estado àquelas funções reguladoras mínimas, apenas para garantir uma

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ordem que privilegie a hegemonia liberal-burguesa. Sob essa perspectiva, salutar que se compreenda a importância da luta social pelo acesso aos direitos fundamentais, particularmente pelo exercício pleno e irrestrito do direito fundamental de acesso à justiça, o qual se caracteriza como um dos elementos imprescindíveis para a consecução da justiça social em nosso país.

Nesse sentido, evidencia-se que esse cenário nacional repleto de condições sociais adversas propiciou o surgimento de uma resistência organizada aos mecanismos de controle social – comandados pela elite burguesa – os quais perpetuam o quadro de desigualdade e de injustiça social no Brasil.

Essa resistência objetiva a transformação radical das bases materiais da sociedade brasileira, implementando um novo contrato social nacional – nesse sentido, a questão da nova cidadania e o debate do direito a se ter direitos ganha destaque – , com uma nova sociabilidade que esteja em consonância com o pleno exercício da dignidade da pessoa humana. Destaque-se, ainda, que no estado do Maranhão, conforme mencionado anteriormente, não há diferença perceptível, posto que as estruturas de poder estão à disposição da elite detentora do poder político e econômico23.

Com isso, urge que seja implementado um processo fundamental de transformação das bases materiais brasileiras, sendo que as mudanças sociais devem ser efetivadas nos níveis da cultura, da estrutura social e da personalidade individual, sempre objetivando a materialidade dos direitos fundamentais da pessoa humana.

No aspecto cultural, impõe-se a destruição do sistema de crenças vigentes legitimador da ordem neoliberal existente. No pertinente à estrutura social, faz-se necessário um mecanismo político-administrativo alternativo, para fazer frente à autoridade organizada, criando uma nova identidade política geradora de novas interpretações para as misérias humanas, bem como indicando soluções para o seu combate. Por fim, quanto ao aspecto psicológico, em sendo atingidos os dois primeiros, apresenta-se um sentimento avassalador na alma humana, o qual impulsiona para a conscientização acerca da conjuntura e, mais importante, para a tomada de ações. Dessa forma, em última análise, esse processo fundamental de transformação social leva à tomada do poder, ou seja, à destruição da hegemonia (neo) liberal burguesa (MOORE JR, 1987).

Nesse cenário, ressalte-se que, para a consecução dos objetivos atribuídos às políticas sociais, especialmente no pertinente à redução das desigualdades sociais e à luta contra a pobreza e contra a injustiça social, o pleno exercício do direito fundamental de acesso à justiça apresenta-se como um dos elementos eficazes para a efetivação dos demais direitos fundamentais que refletem a problemática da condição digna de existência dos

indivíduos, assim como as responsabilidades sociais do Estado.

Portanto, levando-se em consideração os argumentos até agora expostos, apresenta-se como alternativa para enfrentar a problemática da luta social pelo acesso aos direitos fundamentais por cada indivíduo, isoladamente ou em coletividade – especialmente no estado do Maranhão –, e também para a consecução dos objetivos atribuídos às políticas sociais nacionais, a elaboração e

implementação de políticas públicas voltadas para a garantia do exercício material (pleno, irrestrito, efetivo e eficaz) do direito fundamental da dignidade da pessoa humana.

Para tanto, nesse cenário de injustiça social endêmica, imprescindível se faz a elaboração e

implementação de políticas públicas de assistência jurídica, ofertando ao indivíduo possibilidades de ver sua autonomia, bem como o seu direito de autodeterminação, materialmente garantidos, com suas necessidades satisfeitas, assim como sua dignidade da pessoa humana integralmente (formal e materialmente) exercida.

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NOTAS

1. Nesse sentido, tomando lutas de classes como lutas históricas e sociais, presentes em todas as fases da História escrita da humanidade, Marx e Engels, em “Manifesto do Partido Comunista”, dizem que “A história de todas as sociedades que existiram até hoje é a história de lutas de classes. [...] Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, mestres e companheiros, numa palavra, opressores e oprimidos, sempre estiveram em constante oposição uns aos outros, envolvidos numa luta ininterrupta, ora disfarçada, ora aberta, que terminou sempre ou com uma transformação revolucionária de toda a sociedade, ou com o declínio comum das classes em luta”. (MARX e ENGELS, 2004, p. 45-46).

2. Adota-se também aqui, como já adotado em outros trabalhos, essa expressão terminológica em reconhecimento às históricas lutas sociais dos movimentos de gênero pelo fim da discriminação contra a mulher, particularmente no combate ao uso de expressões de conotação “machista” pelas línguas nacionais e estrangeiras.

3. Segundo Mendes, Coelho e Branco (2002, p. 125), a “expressão direitos humanos, ou direitos do

homem, é reservada para aquelas reivindicações de perene respeito a certas posições essenciais ao homem. São direitos postulados em bases jusnaturalistas, contam índole filosófica e não possuem como característica básica a positivação numa ordem jurídica particular. A expressão direitos

humanos, ainda, e até por conta da sua vocação

universalista, supranacional, é empregada para designar pretensões de respeito à pessoa humana, inseridas em tratados e em outros documentos de direito internacional. Já a locução direitos

fundamentais é reservada aos direitos relacionados com posições básicas das pessoas, inscritos em diplomas normativos de cada Estado. São direitos que vigem numa ordem jurídica concreta, sendo, por isso, garantidos e limitados no espaço e no tempo – pois são assegurados à medida que cada Estado os consagra.” Não obstante, por imperativo da didática, exigência quanto ao método e por

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questão prática, a terminologia usada no presente artigo será ora direitos humanos, ora direitos fundamentais.

4. Adota-se, no presente trabalho, o mesmo entendimento de dignidade da pessoa humana que Sarlet, arrimado nas lições de G. Durig e K. Stern, apresenta em sua obra “A eficácia dos direitos

fundamentais”. A temática será abordada em maiores detalhes nos itens seguintes deste artigo científico, aos quais remetemos os leitores. 5. Adota-se aqui o mesmo entendimento sobre acesso

à justiça que Cappelletti defende em sua obra

“Acesso à justiça”. Não obstante, convém ressaltarmos, por oportuno, que quando dizemos “acesso à justiça”, queremos na verdade dizer “acesso ao aparelho judiciário do Estado burguês”, posto que “Justiça”, filosófica e/ou juridicamente, se apresenta como algo a ser conseguido, como uma expectativa de resultado, e não como algo sempre efetível. A temática será abordada em maiores detalhes nos itens seguintes deste artigo científico, aos quais também remetemos os leitores. 6. Tendo em vista a atual conjuntura de transnacionalização do capital e de fortalecimento do capitalismo, onde a complexidade das relações entre o Estado e a sociedade civil requer estratégias diferenciadas para as questões sociais e onde a implementação de um desenvolvimento social sustentável e democrático – com a afirmação dos direitos humanos – mostra-se utópico em face da hegemonia liberal burguesa, adota-se como referencial teórico, para a compreensão da problemática ora levantada, a concepção gramsciana de Estado. Sem embargo, sobre as semelhanças e diferenças entre as concepções de Estado elaboradas por Marx e por Gramsci, respectivamente, tem-se SIMIONATTO (1995, p. 63-65), que assim se manifestou: “No pensamento de Marx, a questão do Estado é explicitada a partir de uma análise do Estado moderno, ou seja, da configuração que ganharam as relações políticas no período pós-Revolução Francesa, que se caracterizou pelas reduzidas possibilidades de participação política do proletariado nascente. As ações que essa classe exercia eram, sobretudo, através de ‘vanguardas combativas mas pouco numerosas, atuando (quase sempre) na clandestinidade’. Nesse contexto, era natural que a face repressiva do Estado se colocasse em primeiro plano. O ‘Estado moderno ainda não explicitara plenamente suas múltiplas determinações e, desse modo, a teoria ‘restrita’ do Estado correspondia à existência real de um Estado ‘restrito’ (e, mais geralmente, de uma esfera política ‘restrita’)’ (Coutinho, 1987, p. 64). A situação do Ocidente, à qual se referia Gramsci (1977, p. 1566-567), era diversa da vivida por Marx. A estratégia da ‘revolução permanente’ precisava ser substituída pela da ‘hegemonia civil’, pois Marx e Engels viveram ‘um período histórico em que não existiam ainda os grandes partidos de massa e os grandes sindicatos econômicos e a sociedade estava sob muitos aspectos, por assim dizer, em estado de fluidez’. Cabe observar, contudo, que, a partir do

18 Brumário, a análise marxiana sobre o Estado se

amplia e incorpora as novas determinações delineadas na história da realidade francesa. Mas, retomando a afirmação acima, pode-se concluir que o ponto de chegada para o Marx do Manifesto

Comunista é exatamente o ponto de partida para Gramsci. Se, para o primeiro, o Estado é um aparelho coercitivo, instrumento de dominação, para o segundo, o Estado não é algo impermeável às lutas de classe, mas é atravessado por elas. Contrariamente a Marx, Engels e Lênin, Gramsci vive uma outra situação histórica (e também geográfica) em que os questionamentos dirigem-se à cridirigem-se do Estado liberal e ao fortalecimento do capitalismo como sistema hegemônico. Esse período põe em cena novas relações sociais que deixam entrever uma crescente socialização da política e, conseqüentemente, permitem visualizar a ampliação do fenômeno estatal. Gramsci percebe que, na sociedade capitalista moderna, o Estado se ampliou e os problemas relativos ao poder se complexificaram na trama da sociedade, fazendo emergir uma nova esfera social que é a ‘sociedade civil’. Ou seja, ‘a esfera política ‘restrita’ [...] cede progressivamente lugar a uma nova esfera pública ‘ampliada’, caracterizada pelo protagonismo político de amplas e crescentes organizações de massa’ (COUTINHO, 1987, p. 65)”.

7. Sem dúvida, o entendimento de políticas públicas perpetradas pelo Estado e voltadas à garantia do acesso pleno e efetivo aos direitos fundamentais passa, necessariamente, em torno da reflexão do que seria uma sociedade justa. Em decorrência, observa-se na sociedade brasileira um permanente embate dialético presente nas lutas sociais pela eliminação da pobreza e pelo acesso efetivo aos direitos fundamentais do indivíduo – o que garantiria, também materialmente, o pleno exercício da dignidade da pessoa humana –, cujos reflexos demonstram que o direito fundamental de acesso à justiça configura-se – dentre vários outros – como um dos elementos determinantes da justiça social. 8. Tendo em vista que as lutas sociais pelo acesso a direitos, desenvolvidas pelos diversos movimentos sociais (gênero, etnia, orientação sexual, dentre outros), particularmente a luta social pela efetividade do direito fundamental de acesso à justiça, relacionam-se com o quadro de pobreza generalizada no país. Trabalha-se, neste artigo, com a idéia da pobreza como causa refletida também – mas não somente – na inacessibilidade à justiça, o que gera exclusão social e perpetua o quadro nacional de injustiça social. Neste contexto, onde também se apresenta a histórica luta de classes, a categoria exclusão social deve ser entendida como a negação ao proletariado do exercício efetivo do direito fundamental de acesso à justiça, ou seja, como a exclusão do proletariado da justiça burguesa. Essa abordagem foi primeiramente elaborada em nosso artigo científico

“Uma abordagem da luta social pelo acesso à justiça como expressão da questão social: noções preliminares”, submetido e aprovado pela comissão organizadora da II Jornada Internacional de Políticas Públicas, evento realizado no segundo semestre do corrente ano pelo Programa de

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Pós-Graduação em Políticas Públicas (mestrado e doutorado) da Universidade Federal do Maranhão – UFMA.

9. Tendo em vista a problemática das lutas sociais pelo acesso a direitos em geral, como reflexos da pobreza e da exclusão social, ambas generalizadas em solo nacional, trabalha-se, neste artigo científico, com a idéia de justiça social como uma realidade onde os direitos fundamentais da pessoa humana são ampla, irrestrita, efetiva e eficazmente garantidos (materialmente, inclusive); de forma que o exercício da dignidade da pessoa humana se torne uma regra principiológica seguida socialmente. Dessa forma, a categoria justiça

social dever ser entendida como algo a ser almejado, bem como implementado na realidade social brasileira, para que se garanta não somente formalmente, mas também, e principalmente, materialmente o pleno exercício da dignidade da pessoa humana por cada indivíduo, isolada ou coletivamente.

10. Adicione-se a isso, como outro argumento de Moore Jr, também adequado à realidade brasileira, a questão das sanções concretas, que são “inculcadas e mantidas” entre os oprimidos, através de um “comportamento adequado” (MOORE JR, 1987, p. 93). Ou dito de outra forma: o sistema capitalista favorece uma organização social, política e administrativa que sustenta a hegemonia liberal burguesa – o aparato judicial estatal é um bom exemplo dessa lógica, posto tratar-se de uma “justiça burguesa” –, limitando e regulando os atos dos oprimidos, verdadeiros párias sociais. Sem dúvida, como em um sistema de castas indiano, as sanções concretas servem para traçar o que é permissível e o que é proibido na sociedade capitalista, e os limites dos atos sociais exercidos pelos oprimidos vão até onde não ameacem a elite burguesa dominante – a promessa de ascensão social, a ideologia de torna-se burguês serve apenas para legitimar o sistema.

11. Ademais, não acreditamos tratar-se, o presente caso, da perigosa capacidade do Homo sapiens de acostumar-se às coisas, conforme, parafraseando Adler, sustenta Moore Jr em seu livro

“O sentido da injustiça: algumas constantes e variáveis”. Na verdade, preferimos a perspectiva

de que há, na sociedade brasileira, uma pseudo-aceitação da autoridade moral do opressor, no caso da burguesia – hoje transnacionalizada devido à mundialização do capital, sendo que se está a construir as condições históricas e materiais ideais para que a utopia comunista se concretize. 12. Tradução livre feita pelo autor deste artigo: “É certo

que em uma sociedade onde basicamente tudo pode diretamente ou indiretamente ser comprado ou vendido, é uma terrível tragédia ser pobre. E é verdade que a pobreza ainda é a mais significante característica da vida da classe trabalhadora [...]. Mas também é verdade que a opressão sofrida pela classe trabalhadora é uma opressão total, afetando cada aspecto da vida do proletariado, e mesmo influenciando sua vestimenta, sua locomoção e seu comportamento. O problema é infinitamente mais

complexo do que aquilo: a vítima de opressão tem que ser transformada em uma pessoa livre. Pois o proletariado não é simplesmente um homem pobre, ele é, acima de tudo, uma criatura dependente”. 13. Nesse sentido, explicando esse processo

fundamental de mudança social, Moore Jr, em “O

sentido da injustiça: algumas constantes e variáveis”menciona que “O processo fundamental de transformação cultural consiste num solapamento do sistema de crenças vigentes, que confere legitimidade, ou pelo menos naturalidade a algum grau de correspondência com as expectativas comuns à ordem social existente. Na área da estrutura social, corresponde à criação de uma presença política efetiva, alguma forma de organização para se contrapor à autoridade organizada, tal como o Terceiro Estado, o Povo Negro, etc. Como parte da nova identidade política, vêm à luz novos diagnósticos para as misérias humanas e novos critérios para sua condenação. [...] Psicologicamente, ocorre a infusão de energia na alma humana que lhe dá o poder de julgar e agir. O processo culmina na tomada do poder, ou, mais precisamente, numa partilha decisiva do poder, com o conseqüente estabelecimento de um novo tipo de sociedade”. (MOORE JR, 1987, p. 124).

14. Nesse sentido, Sarlet, em “A eficácia dos direitos

fundamentais”, prossegue dizendo: “À luz do que dispõe a Declaração Universal da ONU, bem como dos entendimentos citados a título exemplificativo, verifica-se que o elemento nuclear da dignidade da pessoa humana parece residir – e a doutrina majoritária conforta esse entendimento – primordialmente na autonomia e no direito de autodeterminação da pessoa (de cada pessoa). Importa, contudo, ter presente a circunstância de que esta liberdade (autonomia) é considerada em abstrato, como sendo a capacidade potencial que cada ser humano tem de autodeterminar sua conduta, não dependendo da sua efetiva realização no caso da pessoa em concreto, de tal sorte que também o absolutamente incapaz (por exemplo, o portador de grave deficiência mental) possui exatamente a mesma dignidade que qualquer outro ser humano física e mentalmente capaz”. (SARLET, 1998, p. 105).

15. Em outras palavras, o direito fundamental de acesso à justiça – seja como instrumento reparador de direitos violados, seja mesmo como instrumento para forçar a coletividade a observar direitos porventura ignorados – contribui para o pleno exercício da dignidade da pessoa humana. Esta, por via de conseqüência, em sendo plenamente gozada, assegura uma efetiva justiça social. Em suma: o pleno exercício da dignidade humana é uma questão de justiça social, sendo que o direito fundamental de acesso à justiça apresenta-se como um dos instrumentos valiosos para superar essa lógica perversa de pobreza, desigualdade e exclusão social, presente endemicamente no país. 16. Analisando a obra de Agnes Heller “Teoría de las

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