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1.1 Visão panorâmica do Evangelho de João. Designado como Evangelho segundo São João ou de São João 7, este

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PRIMEIRA PARTE:

1.1 Visão panorâmica do Evangelho de João

Designado como Evangelho “segundo São João” ou “de São João”7, este evangelho é uma reflexão e uma profecia, indissociáveis, quanto à pessoa de Jesus8. Mantém-se o nome “João”, de acordo com a tradição, todavia, é indiferente esta denominação. Linguagem, estilo e teologia sugerem a personalidade do evangelista escritor: um teólogo dos tempos antigos do cristianismo, de formação sólida, que lhe deu cunho pessoal9. Dentre os escritos do Novo Testamento, o Evangelho de João é singular, pois nos permite deduzir “importantes conclusões sobre a realidade histórica da época apostólica e sobre a exegese contemporânea”10.

O evangelho de João, bem como o de Lucas e também Atos dos Apóstolos, podem ser chamados de evangelhos do Espírito Santo, pois nestas três obras “nada se faz sem a força do Espírito Santo”11. A exemplo dos Sinóticos, João mantém, em seu Evangelho, a perspectiva “evangélica”12, pois Jesus revelou a “vida” àqueles que, pela

fé, têm parte na relação que o une ao Pai, somente compreendida após o mistério pascal. Ao voltar deste mundo ao Pai, enviou aos Apóstolos “um outro Paráclito” (14,16) para ensinar e lembrar tudo que ele disse (cf. 14,26). “Única, a revelação de Jesus, se

7 SCHNACKENBURG, R. El Evangelio según San Juan I, 43. 8 BLANK, J. O Evangelho segundo João, 8.

9 BLANK, J. O Evangelho segundo João, 8.

10 LÄPPLE, A. Bíblia: interpretação atualizada e catequese. v.4, 171. 11 MAZZAROLO, I. Lucas em João. Uma nova leitura, 224.

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realizou em dois períodos, dos quais apenas o segundo permite a plena inteligência daquilo que estava integralmente contido no primeiro”13.

A pneumatologia torna-se indispensável tanto na leitura, quanto na compreensão da assistência do Espírito, no EvJo. A João são atribuídos cinco livros no NT: o Evangelho, três Epístolas e o Apocalipse. De grande densidade espiritual e relevante papel na vida cristã, João surge como o mais profundo dos teólogos; suas visões do futuro são trágicas, porém, repletas de esperança. O EvJo apresenta-nos um quadro narrativo no qual são inseridos ensinamentos ou testemunhos sobre a vida e os ensinamentos de Jesus, à luz da Páscoa14. Remontando à época dos Padres da Igreja, que têm em Clemente de Alexandria15 um de seus mais ilustres representantes, percebemos que já denominavam o EvJo de “Evangelho espiritual16, porque nele, Cristo vem ao nosso encontro, obrigando-nos a penetrar em seu mistério humano e divino, e para que este evangelho seja meditado e aprofundado, sempre conduzindo ao essencial”17.

13 LÉON-DUFOUR, X. Leitura do Evangelho segundo João I, 20-21. 14 COTHENET, et al. Os escritos de São João e a epístola aos hebreus, 9.

15 Clemente de Alexandria teria assim se expressado: “uma vez que naqueles Evangelhos (os Sinóticos) se

havia revelado o evangelho ‘somático’, este, (o joânico), apresentou o ‘pneumático’”. SCHNACKENBURG, R. El evangelio según San Juan I, 44.

16 O grande número de publicações tanto de livros, quanto de artigos sobre o EvJo, aumenta nossa

compreensão sobre a obra que denomina “Evangelho espiritual”. HUNTER, A. M. Il dibattito sul Vangelo

di Giovanni, 5.

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1.1.1 Autoria

Considerando-se a literatura bíblica, distinguimos autor, cujas idéias o livro expressa, e escritor. Os escritores percorrem uma gama de recordações compiladas, servilmente copiadas sob ditado do autor, colaborando com seu trabalho para um rascunho final das idéias do autor, dando-lhes porém seu estilo literário próprio, ao final do trabalho. Esta distinção entre autor e escritor também nos é muito útil, se considerarmos no EvJo a existência de palavras específicas revelando, no NT um vocabulário próprio “joânico” que apresenta diferenças, em estilo, dos sinóticos18.

O testemunho mais antigo acerca do autor do EvJo é o de Irineu de Lion (ca.180 d.C.), que nos diz que foi composto em Éfeso pelo apóstolo João19, filho de Zebedeu e Salomé, irmão de Tiago, também discípulo do Senhor. Parece que Irineu baseara seu testemunho em Policarpo, bispo de Esmirna20. Polícrates, bispo de Éfeso, escreveu ao Papa Victor (ca.190) confirmando que o apóstolo João viveu e morreu em Éfeso, sem contudo mencionar o evangelho. O Prólogo Antimarcionita da Igreja Romana (segunda metade do século II) cita obra de Papias de Hierápolis (ca.130) confirmando ser João, o apóstolo, autor do Evangelho. Tido por muitos como

18BROWN, R.E. The Gospel according to John. The Anchor Bible. v.29, LXXX.

19 Admitindo-se que João seja o autor anônimo do 4º Ev, o discípulo anônimo dos caps. 1,25-40 e 18,15, e

que também seja o discípulo amado (Jo 13,23;19,26; 20,2.4-8; 21,7.20.32), nada mais sabemos de sua vida. VAN DEN BUSSCHE, H. Jean. Commentaire de l’évangile spirituel, 13.

20 Irineu recopia as palavras de Policarpo que escutou ainda jovem, pois segundo o mesmo Irineu, Policarpo conhecera o apóstolo João pessoalmente. BROWN, R.E., FITZMYER, J.A., MURPHY, R.E.

Comentario Biblico “San Jeronimo”. Tomo IV, 400.

20 Nenhum autor anterior a Irineu havia mencionado a permanência de João em Éfeso, porém este fato

não contradiz o testemunho de Irineu. BROWN, R.E., FITZMYER, J, A., MURPHY, R.E. Comentario

Biblico “San Jeronimo”. Tomo IV, 400. 20 Jo 13,23.

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conhecedor da pessoa do apóstolo, Papias nada declara a respeito; somente afirma estar bem informado, devido à autenticidade de sua fonte: os discípulos imediatos do Senhor. O testemunho de Irineu é confirmado por outros dos séculos II e III e parece refletir a crença comum na Igreja na época em que foi escrito21. Irineu e Policarpo identificam João como o “discípulo que Jesus amava”, “o que se reclinou sobre seu peito na Última Ceia”22. Menciona-se também este discípulo inominado em 19,26s; 20,2-9 e este é provavelmente idêntico ao discípulo anônimo de 1,35-42; 18,15s, identificando-se em 21,20-24 como o testemunho autorizado que respalda este evangelho (cf.19,35)23. Pode-se verificar, no próprio Evangelho, sua autenticidade pois o mesmo afirma apoiar-se em uma testemunha presente (19,35) e de diversas formas mostra depender de alguém que esteve à margem da tradição sinótica, evidenciando ser este um judeu, familiarizado com o cenário palestinense. João especifica com precisão lugares e situações não mencionadas nos sinóticos: a piscina de Bēthzathá (Betesda - 5,2)24 e o Lithóstrōton (Pavimento - 19,13)25, cujas pesquisas arqueológicas confirmam, tanto localização quanto exatidão, da descrição do evangelista.

21 Nenhum autor anterior a Irineu havia mencionado a permanência de João em Éfeso, porém este fato

não contradiz o testemunho de Irineu. BROWN, R.E., FITZMYER, J, A., MURPHY, R.E. Comentario

Biblico “San Jeronimo”. Tomo IV, 400. 22 Jo 13,23.

23 Estas indicações fazem crer que se referem a João, filho de Zebedeu; não há, nem no próprio EvJo nem

nos sinóticos outro personagem que se identifique com ele, exceto João. BROWN, R.E., FITZMYER, J.A., MURPHY, R.E. Comentario Biblico... Tomo IV, 400.

24 Bíblia de Jerusalém, nota j, referente a Jo 5,2, 1389. 25 Bíblia de Jerusalém, nota o, referente a Jo 19,13, 1410.

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Após essas formulações sobre a autoria do EvJo26, os estudiosos ainda têm dúvidas27, deixando a pergunta sem resposta para as novas gerações: como admitir a verdadeira autoria a João, o apóstolo, filho de Zebedeu se, já no séc.I, a Igreja comemorava a data de seu martírio entre os anos de 43 a 46?28 Entre outros exegetas, R. Bultmann admite desconhecer a autoria do Evangelho e Cartas de João29. Na

tentativa de explicar o estado atual do EvJo, seus estudiosos partem da síntese das opiniões expostas, combinando-as às teorias de transposição, de intervenção de um redator e de diversidade de fontes. Para E. Hirsch, o EvJo é obra de um cristão anônimo da Igreja de Antioquia (ca.100) que, servindo-se da diversidade de fontes, obteve uma obra de unidade de estilo e pensamento. Mais tarde, entre ca.130-140, um redator (responsável pelas incoerências do atual evangelho) rompeu esta harmonia acrescentando o cap.21, uma série de adições e realizando transposições.

R. Bultmann ao comentar o EvJo especifica as fontes usadas pelo evangelista, fazendo mais complexa a atividade do redator. Bultmann distingue as três fontes utilizadas pelo evangelista: 1ª - coleção de discursos (Offenbarungsreden)30: continha o

26 A maturidade teológica que perpassa todo o EvJo, a terminologia muito pessoal que ele utiliza é

diferenciada totalmente dos sinóticos, julgando-se impossível atribuir a redação a uma testemunha ocular ou a um apóstolo. VAN DEN BUSSCHE, H. Jean. Commentaire de l’évangile spirituel, 16.

27 E. Schwarz publicou (1904) um artigo sobre a "morte do filho de Zebedeu", endossando o pensamento

de alguns estudiosos, embora outros neguem esta afirmativa contudo, sem grande convicção. SCHNACKENBURG, R. El evangelio según San Juan I, 114.

28 MAZZAROLO, I. Lucas em João, 7.

29 Bultmamm afirma que não há certeza se João conheceu um os vários Sinóticos; certo é o fato que ele

conhece a tradição na qual se elaboraram os Sinóticos, manifestado claramente em ditos de Jesus, narrações de milagres e história da paixão e presume que, ao narrar os milagres, o evangelista tenha recorrido a alguma fonte escrita. BULTMANN, R. Teología del Nuevo Testamento, 419.

30 Continha a Offenbarungsreden uma fonte didática e duas narrativas; a Semeia-Quelle uma coleção de

sinais e a narrativa da paixão, independente dos Sinóticos. Um redator eclesiástico retocou-a, acrescentando ao texto original passagens relativas ao batismo, à eucaristia; e à escatologia apocalíptica evangelista e redator desordenaram a obra, tendo o exegeta que remediar, operando as transposições necessárias. Finalmente, Bultmann uniu ao método de distinção das fontes a arte de operar os remanejamentos nas disposições das perícopes. BOISMARD, M.-E. et al. L'Évangile de Jean. Études et Problèmes, 14.

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prólogo e os discursos de Jesus. A característica desta fonte é seu estilo rítmico, com proposições antitéticas e expressões reveladoras de Jesus mediante a fórmula “Eu sou”. 2ª - recolhe os milagres realizados por Jesus (Semeia-Quelle). O começo desta fonte é constituído pela vocação dos primeiros discípulos (1,35-50) e sua conclusão, a primeira conclusão atual do evangelho (20,30-31). Desta fonte procede o milagre de

Caná (2,1-12), a cura do filho do funcionário real (4,46-54), a cura do paralítico (5,1-15), a multiplicação dos pães e o andar sobre as águas (6,1-26), a cura do cego de nascimento (9,1-41) e a ressurreição de Lázaro (11,1-44). 3ª: - fonte narrativa, semelhante (não idêntica e independente) aos Sinóticos. Bultmann retira, desta mesma fonte, parte da narrativa da Paixão e Ressurreição do Senhor (18-20) e algumas perícopes do ministério público: expulsão dos mercadores do templo (2,13-22), confissão de Pedro (6,60-71), lava-pés (13,1-30). O evangelista se utilizou de material das três fontes. De grande versatilidade literária e fundamentação teológica, uniu as fontes, dando-lhes missão própria. Como o estado atual do Evangelho é de desordem, acreditamos que a primitiva ordem do evangelista tenha se perdido. Mais tarde, um redator que desconhecia a primitiva ordem do Evangelho, encontrando-o desordenado deu-lhe a atual ordenação31. Este mesmo redator e outros, acrescentaram alguns elementos à obra: o capítulo 21 e versículos dispersos: 1,6-8.22-24; 3,5 (da tradição eclesial); 3,24 e 4,22 (glosas; a primeira, de redação eclesial e a segunda, somente da redação), 6,51b-58 (sentido eucarístico); 19,34b (redação eclesial); 19,35 (o redator refere-se a uma testemunha ocular e identifica o autor do Evangelho com o discípulo); 20,9 (glosa de redação eclesial; expressa a fé da comunidade com resquícios de

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terminologia sinótica). Estas adições, parecem fruto do esforço do redator, com finalidade de harmonizar a visão profunda do evangelista com a doutrina comum da Igreja, onde os sacramentos e a origem apostólica dos evangelhos têm capital importância. A ordenação e reorganização do EvJo, feita por Bultmann, parece assinalar o fim de um período. E. Hirsch, cético quanto à obra de Bultmann, seguindo um sistema diferente deste, em seus trabalhos sobre o EvJo acredita que houve intervenção de um redator ao lado do evangelista, enquanto que J. Schneider em três estudos dedicados à composição dos caps. 6, 7 e 10 do EvJo sustenta que as análises de Bultmann destroem a verdadeira unidade desses capítulos, unidades que aparecem claramente quando se reconhece que o evangelista aplicou as leis de composição que lhe são próprias32. A maioria dos estudiosos crê que o evangelista se utilizou de diversas tradições e fontes, indicando que as dificuldades em um contexto poderão revelar uma colocação primitiva diversa, como por exemplo: a distribuição dos capítulos 4-7; 13-17. Não há como admitir todas as transposições feitas por Bultmann: faltam razões que as justifiquem, há dificuldades quanto às novas disposições, e insegurança dos que sugerem estas mudanças33. Atribuir todas as transposições a somente um redator, distinto do evangelista, não satisfaz a muitos exegetas pois, além de não resolver o problema, o desloca do verdadeiro autor a um redator pouco hábil em harmonizar o conjunto. Por outro lado, cada vez mais os autores tendem a ver em todo o EvJo uma estreita unidade doutrinal como também de língua e estilo34. Entre os atuais e mais renomados exegetas, 32BOISMARD, M.-E. Évangile de Jean. Études et Problèmes, 14.

33 O próprio Bultmann refere-se a algumas transposições como meras suposições: “Eu suponho, que o

texto original...”. CABA, J. De los Evangelios al Jesús Histórico, nota 140, 239.

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estudiosos das Sagradas Escrituras, principalmente do EvJo, M.-E. Boismard e A. Lamouille35, conceituados pelas contribuições de suas pesquisas em exegese, apresentam-nos o quarto e último evangelho em forma de redação progressiva. Eles concordam quanto à opinião de que o evangelho teria sido desenvolvido em quatro etapas sucessivas porém no interior de uma mesma “escola joânica”:

- João I - denominado Documento C (nome segundo o qual os autores se referirão a João I, em toda a Synopse): redação mais antiga. Constitui, já nesta fase, o evangelho completo (desde o ministério do Batista até as narrativas de aparição de Cristo ressuscitado; escrito na Palestina com forte influência samaritana.

- João II-A - este Documento C (ou João I), revisto e ampliado por um autor, chamado de João II, que compôs sua primeira redação evangélica (João II-A), também na Palestina. Ele conservou a ordem das seções do Documento C, mas acrescentou as narrativas da vocação de André e Pedro, dois milagres tomados da tradição sinótica e alguns discursos de Jesus.

- João II-B - ao se estabelecer na Ásia Menor (Éfeso), João II se deparou com novos problemas, como a hostilidade de meios judeu-cristãos (do mesmo modo que Paulo) e escreveu uma segunda redação evangélica. Ele reviu sua primeira redação acrescentando-lhe materiais provenientes dos sinóticos (especialmente Lucas), de Paulo e de Qumran; introduziu o quadro das festas judaicas, onde se desenrola a vida de Jesus, dando primazia à festa da Páscoa, em detrimento da festa dos Tabernáculos, mencionada no Documento C.

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- João III - seria um terceiro autor. Inseriu em João II-B passagens paralelas do texto de João II-A e algumas logia provenientes de uma coleção “joânica”. Inverteu a ordem dos capítulos 5 e 6 e introduziu um certo número de glosas (algumas com o intuito de atualizar a escatologia herdada de Daniel) e também se esforçou por atenuar tendências anti-judaizantes de João II-A e sobretudo de João II-B36.

1.1.2 Data, composição, partes, fontes

Datar o EvJo nos dias atuais é ainda uma tarefa difícil, porém, quase possível. Há porém controvérsias quanto ao problema de quais escritores, no começo do século II, conheceram João. Alguns autores afirmam que Clemente, Barnabé e Hermas dificilmente o conheceram37, e outros, que Inácio conheceu João.

A crítica liberal dos séculos XIX e XX data o EvJo de meados do século II para adiante. Contudo, a tradição cristã o considera obra de João, o apóstolo, no fim de sua longevidade, sendo um testemunho final do período apostólico. A crítica contestava esta posição liberal fundamentando suas suposições na aparição de influências que teriam surgido não na era apostólica, porém, num cristianismo posterior. A data tardia de João estaria unida à conseqüência da convicção de que este evangelho teria escasso valor histórico e não poderia ser considerado como obra de testemunho apostólico38. Segundo a opinião de J. Caba39, existe sério problema de unidade sob uma dupla vertente de

36 BOISMARD, M.-É.; LAMOUILLE, A., Synopse, 11

37 Boismard e Braun discordam entre si neste particular. KÜMMEL, W. G. Introdução ao Novo Testamento, nota 216, 314.

38 Estas posições extremas foram regulamentadas pela Pontifícia Comissão Bíblica, sobre a autenticidade

e o valor histórico do EvJo, tendo promulgado respostas à estas questões em 29 de maio de 1907. BROWN, R.E., FITZMYER, J, A., MURPHY, R.E. Comentario Biblico, Tomo IV, 404.

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formulação externa e conteúdo estrutural. Uma série de incoerências redacionais em sua composição são facilmente verificáveis através da leitura de seu texto e o pretender dar uma solução satisfatória ao problema causou uma diversidade de opiniões, ainda hoje insolúvel.

As dificuldades que aparecem contra a unidade do EvJo são solucionadas ou se explicam porque a ordem primitiva foi alterada, ou por uma transposição casual de páginas, ou ainda por intervenção de um redator. Embora se admita a provável inversão dos capítulos 5 e 6, a teoria da transposição não inspira confiança por seu desacordo, conforme vários autores, ao querer estabelecer a ordem primitiva40. Alguns estudiosos acreditam que há sinais de incongruência quanto à ordem dos capítulos 4-5-6-7. Os capítulos 4 e 6 se passam na Galiléia (4,45ss; 6,1) e os capítulos 5 e 7, na Judéia (5,1; 7,14). O capítulo 7 reenvia ao milagre do capítulo 541, e teríamos uma leitura mais fácil se alterássemos a ordem dos capítulos para 4-6-5-7, pois conseguiríamos uma melhor ordenação geográfica: Jesus na Galiléia (4,54), atravessa o lago (6,1), sobe a Jerusalém (5,1) e volta, por segurança, à Galiléia (7,1). Há também unidade de argumentos, se houver a seguinte transposição: 5,47; 7,15-24; 7,1-14.25ss, onde 7,15-24 continua o tema de 5,47 e interrompe a conexão existente entre 7,14 e 7,2542. Considerando-se as dificuldades apresentadas quanto à ordem dos capítulos 13-17, sugere-se como intenção do escritor original, a ordem primitiva que deve ter sido a seguinte: 13,1-30; 15, 16, 13,31-38; 14; 17. Parece que houve um deslocamento na ordem dos capítulos 13-16; em 14,31 Jesus diz: “levantem, vamos daqui”; porém o discurso se prolonga durante os

40 CABA, J. De los Evangelios al Jesús Histórico, 237.

41 VAN DEN BUSSCHE, H. Jean. Commentaire de l’évangile spirituel, 50. 42 CABA, J. De los Evangelios al Jesús Histórico, 234.

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capítulos 15-17 até ele sair em 18,1. Alguns antecipam os capítulos 15 e 16 para antes do capítulo 14, inserindo-os entre 13,31a e 13,31b-38 e colocando, depois de 14,31, o capítulo 1743. Em 3,22 diz-se que Jesus batizava, e em 4,2, que não batizava; Pedro pergunta a Jesus, em 13,36: “aonde vais, Senhor?”, e em 16,5 o mesmo Jesus afirma: “nenhum de vós me pergunta aonde vou”. O EvJo perderia portanto, sua coesão e unidade; por este motivo, apareceram diversas teorias44:

1. João teria redigido todo o evangelho mas seu texto teria se desordenado, sem retornar jamais à sua ordem primitiva;

2. João teria se estendido na elaboração de seu evangelho; e negligenciado em lhe dar uma estrutura sólida e bem estruturada;

3. Ele perdeu a unidade por não ser o único ou por se utilizar de fontes de diferentes formas de pensar e de estilo. Esta hipótese ganhou

adeptos, após o ano de 1907, além do grande comentário de R. Bultmann45.

Há uma dupla conclusão no Evangelho: 20,30-31 expressa um claro final; em 21,24-25, é inserida outra conclusão. Não se tem certeza quanto à intenção do evangelista ao adicionar o cap. 21. Seria esta adição posterior ao Evangelho? Foi redigida pelo próprio autor ou é obra de outro que a acrescentou, como apêndice, à obra 43 BERNARD, J.H. A Critical and exegetical Commentary on the Gospel according to St. John. v. 1.

XX-XXXII

44 VAN DEN BUSSCHE, H. Jean. Commentaire de l’évangile spirituel, 50-51.

45 Segundo Bultmann (1941), este autor fez transposições enormes de textos, sem nenhuma justificação, e

descobre três pontos no evangelho: 1º os discursos de Revelação; 2º a fonte dos Sinais; 3º uma fonte mais “evangélica”, redigida por um redator fortemente inspirado pela tradição sinótica. VAN DEN BUSSCHE, H.

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do evangelista?46 Na tentativa de solucionar o problema da aparente falta de unidade, vários estudiosos elaboraram múltiplas propostas. Para esse nosso estudo, nos limitaremos àquelas que, para nós, chamou mais a atenção, não só pelo grande número de pesquisadores que lhes dedicaram seu precioso tempo, como também pelas conclusões a que chegaram após tão grande esforço.

1.1.2.1 Uso de diversas fontes

No começo do século, J. Wellhausen aplica ao EvJo o sistema documental empregado no Pentateuco. Ele parte das contradições e incoerências para explicar o Evangelho, sublinhando um relato primitivo muito semelhante à estrutura do evangelho de Marcos (ministério não interrompido na Galiléia e uma só estada em Jerusalém), junto com uma redação secundária de várias mãos. A ela se deve o quadro cronológico de vários anos para o ministério público, as várias viagens à Jerusalém, os episódios

relacionados aos sinóticos, episódio de Barrabás, e juízo pelo sumo sacerdote. E. Schwartz, para atribuir o Evangelho a João, distingue um documento fundamental e

dois redatores; um coloca em relevo o papel dos judeus no relato da Paixão, e o outro, a harmonia com os sinóticos e as passagens referentes ao discípulo amado, as viagens a Jerusalém, e ainda o capítulo 21. A. Loisy acredita em uma redação composta do EvJo, especificando que o mesmo resulta de um escrito ou coleção original enriquecida, pouco

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a pouco, por suplementos. Para ele, o escrito primitivo seria uma série de “meditações sobre o tema de Cristo”47.

A teoria das fontes diversas aplicada ao EvJo foi considerada durante certo tempo definitiva sobre a questão, porém os exegetas desanimaram ao constatar que não se descobriam critérios objetivos que permitissem caracterizar e delimitar as fontes. Os autores se afastam dessa solução, pois a mesma nega a verdadeira unidade do EvJo. A estrutura da obra de João é de inegável coesão. O leitor moderno não poderá impor seus critérios literários à obra, pois não deverá esquecer de que a mesma é um escrito da antigüidade. Para compreender o Evangelho, é necessário aceitar o evangelista como guia, ao fazer a leitura, e prestar atenção aos sinais que ele indica ao longo de sua rota. É preciso consentir em entrar no esquema do pensamento de João. Porém, como descobrir esta estranha estrutura própria do EvJo? Resultados da exegese moderna apresentam variações desanimadoras, mesmo para os autores que, à priori, não mutilam o Evangelho48.

1.1.3 Crítica histórica, estilo, linguagem

Ainda hoje a crítica histórica do EvJo suscita problemas sem previsão de solução quanto à “questão joânica” e, apesar dos argumentos contra e a favor das hipóteses elaboradas pelos maiores estudiosos do problema, dada a sua complexidade, está longe de se chegar a uma solução. Há um grande número de obras, desde os

47 CABA, J. De los Evangelios al Jesús Histórico, 235-236.

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primeiros estudos críticos relativos à origem, ao autor e à peculiaridade do EvJo em relação aos Sinóticos. Este aumento deve-se às novas pesquisas em documentos recentes - escritos de Qumram, textos de Nag-Hammadi - e pelos novos métodos empregados à obra, que têm por objetivo examinar todas as questões, limitando-se em proporcionar um fundamento científico de empenho fundamental da interpretação e exposição. Uma exposição teológica positiva do EvJo deve levar em conta os problemas literários, pano de fundo da história das religiões e as circunstâncias históricas da época49. No decorrer dos tempos, houve uma evolução quanto à mensagem contida nos Livros Sagrados, nos aspectos: 1º. Idéia do passado - “Evangelho” - a mensagem de salvação trazida por Jesus Cristo, mensageiro escatológico de Deus; 2º. Só bem mais tarde “a mensagem viva de salvação” é escrita nos livros do evangelho, retendo, testemunhando e propondo a aceitação de fé das palavras e obras de Jesus, sua morte e ressurreição como proclamação salvífica - sentido novo e singular de produção literária, criando um novo gênero literário próprio, encontrado primeiramente em Marcos. Não sabemos a finalidade dos evangelistas ao escreverem os Evangelhos, cujas obras primeiramente foram consideradas crônicas históricas da aparição e atuação de Jesus de Nazaré, contudo a historicidade da revelação salvífica em Jesus Cristo era um dos pressupostos intrínsecos dos evangelistas, assinalados nos Evangelhos canônicos. O interesse histórico é somente um dos fatores que envolvem os evangelhos canônicos50.

49SCHNACKENBURG, R. El evangelio según San Juan I, 43. 50 SCHNACKENBURG, R. El evangelio según San Juan I, 43-44.

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1.1.3.1 A crítica moderna

Ao longo da História, de Papias até meados do século XIX, os dados dos evangelhos eram aceitos sem contestação; considerados provenientes de testemunhas oculares ou dos discípulos. A característica dessa atitude é a convicção da estrita autenticidade dos escritos e ausência de uma verdadeira crítica interna. Os escritos personalizam o autor, que é sempre um apóstolo ou pessoa muito próxima dele, uma testemunha ocular ou muito próxima dos fatos narrados. A preocupação é dar credibilidade ao autor e esta prova era centrada nos elementos de crítica externa (autor, data de composição etc), procurando basear-se em dados fornecidos pela tradição, confirmando-se ou negando-se de acordo com a posição do protagonista na controvérsia, seguindo-se os vestígios de alguns aspectos do conteúdo do evangelho: sublimidade da mensagem ou impossibilidade dos milagres. Por esta época não havia verdadeira crítica literária tentando reconstruir a pré-história dos evangelhos, pesquisar fontes; assim, este período ficou conhecido como “acrítico” ou “pré-crítico”51.

No Humanismo apareceram os primeiros vestígios de sensibilidade pelo problema da composição dos Escritos Sagrados, devendo-se a R. Simon (1638-1712) a origem de uma crítica verdadeira, estabelecida como princípio e aplicada com rigor metodológico. No final do século XVIII (1774 a 1778), foram publicados os “fragmentos” póstumos de H. S. Reimarus (1694-1768) que, além de introduzir o

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problema do Jesus histórico, procurou distinguir entre o histórico e o apostólico, nos evangelhos52.

O período crítico do século XIX nasce, a partir da obra de seus antecessores, e prossegue com seus estudos em duas direções: a crítica que pesquisa o valor histórico do NT e a teológica que analisa seu significado. Estas duas direções hão de configurar a posterior crítica neotestamentária. Os investigadores da Escola de Tübingen formam um dos mais importantes grupos na interpretação do NT. As intuições dos representantes desta escola foram fundamentais e determinantes para toda a crítica do NT. Dentre seus mais ilustres representantes citamos D. Strauss (1808-1874) que, com sua interpretação mítica, assegurava que os Evangelhos oferecem fundamento histórico; porém, manipulado pela fé da Igreja, criando a impossibilidade de se escrever uma vida de Jesus, pois os Evangelhos são peças desconexas, cuja ordem lhes foi dada pelos evangelistas. B. Bauer (1809-1882) sob influência de Strauss, eliminou a base, ficando somente com o mito, concluindo que Jesus e Paulo eram ficções literárias, não históricas. E. Renan (1823-1892) identifica de tal maneira o sobrenatural com o irreal que faz de Jesus um ser puramente histórico. F. C. Baur (1792-1860), integrante desta mesma escola levantou questões de valor permanente e elevou a crítica do NT a nível científico. Ele utilizava em suas pesquisas a perspectiva hegeliana e a história do cristianismo, entre 40 e 160 marcada por tensões, lutas e posterior reconciliação. As hipóteses de Baur na formação e datação do NT foram de grande importância. Ele datava Atos e EvJo de meados do século II53.

52 LAMBIASI, F. Autenticidade Histórica dos Evangelhos, 22-23.

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1.1.3.2 O texto crítico do Evangelho

Quanto ao texto crítico, os estudos modernos referentes ao EvJo dependem sobretudo dos grandes códices dos séculos IV e V, especialmente o Sinaítico (S) e o Vaticano (B), que representam o chamado texto Alexandrino, e o códice Bezae (D), que representa o texto ocidental. B tem servido de base para a maior parte das edições do EvJo, com a comparação de S e outros testemunhos, inclusive ao se incluir o texto utilizado por alguns Padres e pressuposto pela Peshita e pela Vulgata54.

Segundo os mesmos autores, R.E. Brown, J. A. Fitzmyer e R. E Murphy55,

alguns exegetas perceberam que S tem preservado um texto de João melhor que B, e individualizou uma tradição textual representada nas freqüentes concordâncias de S e D confrontando-se com B. Em 1956 publica-se o papiro Bodmer II (

P

66), códice copiado em ca. 200 e encontrado no Egito pelos anos trinta, que produziu a mais importante fonte de avanço no estudo moderno do texto do EvJo; este papiro tem uma grande parte do EvJo bem conservada; algumas vezes concordando com B, outras com S-D, o que indica que as tradições divergentes na transmissão do texto já se tinham definido no século II (estas divergências raramente alteram o sentido do texto; consistem sobretudo em modificações estilísticas). Além disso,

P

66 preservara uma série de leituras que não aparecem nos demais manuscritos, algumas das quais seriam originais. Publicado recentemente, o papiro Bodmer XV (

P

75) pode ser pouco mais antigo que o

P

66 e

representar uma melhor tradição textual; contém os quinze primeiros capítulos de João e

54BROWN, R.E., FITZMYER, J. A., MURPHY, R.E. Comentario Biblico. Tomo IV. 414-415. 55 BROWN, R.E., FITZMYER, J. A., MURPHY, R.E. Comentario Biblico. Tomo IV. 415.

(18)

tende a coincidir com B. Encontramos também o papiro Chester Beatty I (

P

45), manuscrito antigo (meados do século III) do texto de João que, apesar de antigo, não tem tanto valor quanto os outros códices de maior porte. Contudo, o mais antigo fragmento de João, bem como de todo o NT, é o papiro Rylands (

P

52), que contém somente 17,31-33.37s. Embora de pouca importância para o estudo crítico desta apreciação joânica, sua datação precoce - 130-150 - desautoriza a pretensão de que João pertenceria a uma data mais tardia56.

1.1.3.3 A linguagem de João

A linguagem de João dificultava sua aceitação como escrito canônico, como também criava problemas para uma relação com os evangelhos sinóticos, a proximidade de seus conceitos helenistas e gnósticos57.

Uma das distinções entre João e os Sinóticos é a ausência absoluta de parábolas (que se encontram em grande número nos Sinóticos). Só há duas parábolas propriamente ditas em João, e assim mesmo, pouco elaboradas: as do Bom Pastor, que apresentam muita semelhança (Jo 10,1-5 e 11-18) e a verdadeira videira (15,1ss.); em compensação, o EvJo é o único que contém um considerável número de expressões metafóricas, introduzidas todas pela fórmula “Eu sou”: “Eu sou o pão da vida (6,35.48)”; “... o pão vivo” (6,51); “... a luz do mundo” (8,12; 9,5); “... a porta das ovelhas” (10,7.9); “... o bom pastor” (10,11.14); “...a ressurreição e a vida” (11,25); 56BROWN, R.E., FITZMYER, J. A., MURPHY, R.E. Comentario Biblico. Tomo IV. 414-415.

(19)

“... o caminho, a verdade e a vida” (14,6); “... a videira verdadeira” (15,1.5). Todos esses conceitos iniciados pela fórmula “Eu sou” mereceram especial atenção por parte dos estudiosos58. E. Schweizer, em 1939 estudou a fórmula “Eu sou”, demonstrando que a mesma não se encontra nos clássicos gregos, porém é muitíssimo difundida no âmbito semítico-oriental e entre outros povos59. De maneira especial, a fórmula “Eu

sou” se encontra em várias partes do AT, bem definida, é empregada para introduzir oráculos divinos, sobressaindo os que se podem considerar fórmulas precisas de revelação (anúncios divinos do AT introduzidos por “Eu sou” - Gn 28,13, Ex 20,2.5; Is 45,5-6. 12-19). Nestas passagens procura-se colocar em relevo e glorificar aquele “Eu” que fala, exaltando-o sobre seus antagonistas. No EvJo o conceito, unido à fórmula “Eu sou”, é melhor determinado com o emprego do artigo: “Eu sou a porta” e, às vezes, de um adjetivo: “o bom pastor”. A importância deste título introduzido por “Eu sou” manifesta-se na exclusividade do direito que Jesus tem de atribuir-se o título em questão. Os conceitos introduzidos pela fórmula “Eu sou” (água, caminho, luz, pão, pastor, porta e vida) não têm sua origem no AT60. Face à insistência com que Jesus proclama ser “a luz do mundo”, “o bom pastor”, “o pão da vida”, perpassando grande parte do evangelho, compreendemos que Jesus, e somente ele, realiza o que implicam verdadeiramente estes conceitos de luz, pastor, pão... Todos estes conceitos - água, caminho, luz, pão, pastor, porta e vida - são determinados por adjetivos: vivo (a), bom, 58WIKENHAUSER, I. El evangelio según San Juan, 208.

59 WIKENHAUSER, I. El evangelio según San Juan, 208.

60 Segundo E. Schweizer, “Estudos recentes têm mostrado que aqui nos encontramos ante expressões bem

definidas, formuladas com precisão e, ao menos em parte, bastante difundidas. São expressões que, mais

E. Schweizer, “Estudos recentes têm mostrado que aqui nos encontramos ante expressões bem definidas,

formuladas com precisão e, ao menos em parte, bastante difundidas. São expressões que, mais ou menos diretamente, estão relacionadas ao ambiente gnóstico”. WIKENHAUSER, A. El evangelio según San Juan,

(20)

verdadeiro, com características de autenticidade real para com os objetos, as coisas a que se destinam, opondo-se ao seu sentido, se puramente os considerarmos na esfera humana e terrena61.

(21)

1.2

Estrutura do Evangelho

1.2.1 Unidades

Os estudiosos do EvJo dividem-no de acordo com suas pesquisas, levando em conta suas características principais, tais como: sinais, semanas, períodos, festas, referência ao número sete, a “Hora” de Jesus, a revelação da Glória de Jesus etc. Tomaremos inicialmente por base, a divisão feita por R.Brown62:

I. Prólogo

Introdução: 1,1-18 - Hino Introdutório II. Livro dos Sinais, divididos em partes:

1ª parte: 1,19 - 1,51 - Início da Revelação de Jesus 2ª parte: 2,1 - 4,54 - De Caná a Caná

3ª parte: 5,1 -10,42 - Jesus e a Festa Principal dos Judeus

4ª parte: 11,1-12,36 - Jesus vai em direção à Hora da Morte e Glória. 12,37-50 - Conclusão do Livro dos Sinais

III. Livro da Glória, mantém a numeração da divisão anterior: 5ª parte: 13,1-20,31

IV. Epílogo: 21,1-25

Para fazermos uma comparação, tentaremos analisar a divisão feita por outros exegetas e aceita por estudiosos especializados em “escritos joânicos”.

(22)

F. J. Moloney63 mantém a grande divisão feita por Brown, entretanto insere, como item IV, não o epílogo, porém a conclusão do evangelho (20,30-31), passando-o para o item seguinte V: Epílogo (21,1-25). J. Mateos e J. Barreto64, dividem o evangelho em cinco partes, da mesma forma que Moloney, porém sua estrutura difere das anteriores:

I. Prólogo: O desígnio criador (1,1-18).

II. Seção Introdutória: De João a Jesus (1,19-51).

III. Primeira Parte: Sexto dia. A obra do Messias (2,1-19,42).

IV. Segunda Parte: O primeiro dia. A nova criação (20,1-31). V. Epílogo: A missão da comunidade e Jesus (21,1-25).

A divisão feita por A. Läpple65 tem um esquema bem diferente da maior parte dos exegetas:

Prólogo (1,1-1,18) Primeira Parte (1,19-12,50)

A auto-revelação de Jesus ao mundo: Início (1,19-4,54)

Ponto culminante (5,1-10,39)

Conclusão (10,10-12-50) Segunda Parte (13,1-20,31)

O retorno de Jesus ao Pai: A vigília da morte (13,1-17,26) A história da Paixão (18,1-19,42)

Aparição do Ressuscitado (20,1-20,31) Capítulo acrescentado (21,1-21,25).

63 MOLONEY, F.J. The Gospel of John, 24.

64 MATEOS, J. ; BARRETO, J. O Evangelho de São João, 25.

(23)

Seguindo-se esta divisão, encontraremos a perícope de nosso interesse no Ponto culminante do EvJo que, na divisão de Läpple, corresponde aos caps. 5,1 a 10,39.

Finalizamos com a divisão dos exegetas M.-E. Boismard e A. Lamouille66. Segundo sua Estrutura Geral, o EvJo está dividido em oito semanas que têm, como principal característica, uma festa e um sinal, que podem tanto estar juntos ou faltar um deles (festa ou sinal), conforme citaremos a seguir:

1. Estrutura Geral Prólogo: 1,1-18

Primeira semana: 1,19-2,12. Nenhuma festa

Sinal: o vinho das Bodas de Caná (2,1-11).

Segunda semana: 2,13-4,54. Primeira Páscoa (2,13).

Sinal: cura de uma criança em Cafarnaum (4,46-54).

Terceira semana: 6,1-71. Segunda Páscoa (6,4).

Sinal: multiplicação dos pães (6,1-13).

Quarta semana: 5,1-47 (cf. 7). Pentecostes (5,1).

Sinal: cura de um enfermo (5,2-16).

66 BOISMARD, M.É.; LAMOUILLE, A., Synopse, 39.

(24)

Quinta semana: 7,1-10,21.

Tendas ou Tabernáculos (7,2.14.37). Sinal: cura do cego de nascimento (9,1ss.).

Sexta semana: 10,22-11,54. Dedicação (10,22).

Sinal: ressurreição de Lázaro (11,1-44).

Sétima semana: 11,55-19,42.

Terceira Páscoa: 11,55; 12,1; 13,1. Nenhum sinal.

Oitava semana: 20,1-31. Nenhuma festa.

Sinal: Jesus ressuscitou (cf. 2,18-19).

Conclusão: 21,1-25. Nenhuma festa.

Sinal: pesca milagrosa (21,1-14)67.

1.2.2 As sub-unidades de 7,1-10,2168

A sub-unidade que se inicia na 5a semana, em 7,1 e vai até 10,21, é composta por uma festa judaica (7,2.14.37 - Tendas ou Tabernáculos) e um Sinal: cura do cego de

67 Segundo os próprios autores, esta estrutura geral se baseia em João II-B. BOISMARD, M.-É.;

LAMOUILLE, A., Synopse, 39.

68 Utilizamos a divisão de Boismard e Lamouilleporque também cremos que há uma digressão do texto

entre os cap. 5 e 7, com inserção do cap. 6 que quebra a seqüência natural do referido texto. Os autores colocam o cap. 6 na 3ª semana antes do cap. 5 (4ª semana) e do cap. 7 (5 semana) coordenando a unidade geográfica da narrativa. BOISMARD, M.-É.; LAMOUILLE, A., Synopse, 39.

(25)

nascimento (9,1ss). Há ainda muitas controvérsias quanto a esta unidade de João69. Alguns exegetas tomaram 10,1-21 como uma inclusão; outros como inserção mais tardia da tradição joânica. Esta interpretação é considerada essencial para a argumentação de 9,1-4170. Convém terminar a perícope no v.21, pois o versículo seguinte é distinto deste, o que não acontece com os versículos antecedentes (9,40-41).

Ao dividir as sub-unidades da 5ª semana (7,1-10,21)71 ou autores nos vislumbram como esta parte (ou semana) foi trabalhada após sua composição original. Somente uma ou outra das divisões se apresenta de acordo com as traduções para as línguas vernáculas (como exemplo: a subida para a festa judaica (7,1-10), seu ensinamento no templo - 7,14-18 e a liberdade que Jesus nos propicia - 8,31-39); as outras divisões contêm transposições de versículos e, até mesmo, de outro capítulo. Não podemos deixar de notar as várias “mãos” pelas quais passou esta sub-unidade.

69 Léon-Dufourcoloca esta unidade como sendo 9,1-10,21. Seguindo a opinião de vários estudiosos,

acredita que “o discurso de Jesus por não retomar a imagem da luz, porém passar à do pastor e suas ovelhas, é reflexo de fontes e unidades literárias sem nexo”. Entretanto, “ao final de uma longa evolução, as duas imagens se encontram reunidas nas Parábolas de Henoc, onde o povo de Israel é comparado a um rebanho de ovelhas que ficaram cegas e recuperaram a visão quando o Senhor vem cuidar delas”. Afirma, baseando-se no testemunho literário do “Apocalipse dos animais”, da mesma obra de Henoc, composto antes de 164 a.C. a hipótese proposta de que 9,1-10,21 constitua em si mesma uma unidade. LÉON-DUFOUR, X. Leitura do Evangelho segundo João II. Caps. 5-12, 246.

70 MOLONEY, F.J. The Gospel of John, nota 1, 296. 71 BOISMARD, M.-É.; LAMOUILLE, A., Synopse, 36-37

(26)

Segundo Boismard e Lamouille72 a divisão da 5ª semana conforme especificada a seguir, pertenceria a João II-B:

Jesus sobe para a festa das Tendas (Tabernáculos) - 7,1-10 Jesus ensina no Templo - 7,14-18

Discussões sobre Jesus - 7,25-28a.24a.28b-30 Jesus anuncia sua partida - 7,33-36; 8,23-24.28-29 Os rios de água viva - 7,37-39; 8,30

Jesus nos torna livres - 8,31-39

Os judeus são do Diabo - 8,44-59 (salvo vv.46b-47 e 54b-55) Cura de um cego - 9,1-37 (salvo v.5)

Cegueira dos fariseus - 9,39-41; 8,12.15-16.14.13.14.16-19

Parábola sobre o pastor - 10,1-21 (salvo vv.9,13.16)

Contudo, o autor em questão (João II-B), deixa de mencionar a perícope 8,40-43, que se encontra inserida na subdivisão “Os judeus são do Diabo”, atribuída a João II-A73, da seguinte forma: 8,25-26.43.40-42.44.46-48.59.

1.2.3 Perícopes da Sub-unidade: 10,1-21

O capítulo 10 ainda hoje recebe diversas interpretações por parte dos exegetas, seja em relação à narrativa anterior, dependendo do sentido que lhe atribuem, seja por sua estrutura literária ou ainda por seu sentido e origem das imagens74. O alvo

72BOISMARD, M.-É.; LAMOUILLE, A., Synopse, 36-37.

73Para Boismard e Lamouille, João II-A corresponderia à composição da primeira redação evangélica de

João II, na Palestina, quando o autor revisou e ampliou o Documento C. BOISMARD, M.-É.; LAMOUILLE,

A., Synopse, 11.

(27)

de nosso estudo tem como pano de fundo as Festas dos Judeus, iniciando-se no cap.775 com a Festa das Tendas ou dos Tabernáculos76, quando os judeus já observavam Jesus com o intuito de, a qualquer momento, ter a chance de prendê-lo, e termina com a Festa da Dedicação77 (10,22-39). Há ligação visível entre os capítulos 9 e 10; é o mesmo discurso, endereçado ao mesmo público (auvtoi/j - eles, v.6), e termina com uma alusão à cura do cego de nascimento (v.21). O capítulo começa com a expressão: “em verdade, em verdade” (avmh.n,avmh.n), com a qual João jamais inicia um discurso; porém esta expressão indica modificação dentro do próprio tema, onde o Jesus “joânico” passa do diálogo ao monólogo, e sobre a qual se pronunciaram vários estudiosos78.

A leitura de acordo com o método histórico-literário do texto, acrescenta à perícope 10,1-21, os vv.26-30 que, embora em contexto diferente (cf.10,22), conclui o ensinamento de Jesus sobre o Bom Pastor.

75 A. Läpplecoloca o cap.10 no ponto culminante do EvJo, dentro do esquema de auto-revelação de Jesus ao mundo, fazendo com que este bloco (5,1-10,39) tenha uma maior importância. LÄPPLE, A. Bíblia:

interpretação atualizada e catequese, 174.

76 A importância da Festa dos Tabernáculos remonta ao período pré-exílico. A dedicação do Templo de

Salomão teve lugar nos Tabernáculos (1 Rs 8,2) e isto deu à festa uma especial relação com o Templo. BROWN, R.E. The Gospel according to John, V. 29, 326.

77 A festa da Dedicação (do hebraico Hanukkah) celebrava a vitória dos Macabeus sobre os sírios,

profanadores do Templo. Judas Macabeus erigiu novo altar para os holocaustos, pois o antigo havia servido a Baal, e rededicou o Templo sobre os vinte e cinco de Chislev (1 Mac 4,41-61). Esta festa era a celebração anual da reconsagração do altar e Templo. (BROWN, R.E. The Gospel according to John, V.

29, 402). J. Blank, op. cit. coloca uma citação de Flávio Josefo sobre a festa de Hanukkah em que diz: “... celebramos esta festa desde aquele tempo até hoje e a chamamos de festa das luzes porque, segundo creio, o livre exercício de nossa religião nos chegou de forma tão inesperada como um raio de luz” e continua: esta festa ainda hoje é celebrada pelos judeus como festa da luz, em data próxima à festa de Natal (233). E. Cothenet, et al. op. cit. inserem o capítulo 10 em uma divisão mais abrangente que a maioria dos estudiosos, na divisão “Defesa da vida e crescentes ameaças de morte” (cap. 7-12) e explicam da seguinte forma: “O conjunto dos cap. 7-12 é constituído por uma série de controvérsias no Templo, com tentativas de lapidação de Jesus, que escapa por não ter chegado ainda sua “Hora” (7,30; 8,20), 19.

78 Lagrange constata: quanto à questão do porte da modificação temática, Godet julga ser esta união tão

estreita que o cap. 10,1-21 seria a reprodução de narrativas do capítulo precedente sob forma de parábola: intolerância dos maus pastores (9,22.34) e bondade do bom pastor para com o cego de nascimento (35-38). Holtzmann estudou a perícope 9,35–10,21 como “o bom e os maus pastores”. Maldonat começou naturalmente uma perícope em 9,39. Schanz, Tillmann e outros, acentuaram a polêmica contra os fariseus.

Loisy acredita que uma parte da polêmica é dirigida contra o culto dos filhos de Deus. Knabenbauer, que

(28)

O cap.10 apresenta três grandes dificuldades quanto a sua composição. As cesuras aparecem claramente. No v.6 nota-se o efeito da parábola (vv.1-5) sobre os fariseus. Uma segunda parte começa no v.7 por um duplo Amém correspondente ao do v.1. O v.7 (e 9) e 11 (e 14) abandonam o estilo parabólico pelo das “proclamações”, nos quais o locutor se aplica a si mesmo este ou aquele elemento da parábola: a porta, o pastor; excetuando os vv.11b-13 que se apresentam como complemento parabólico. É o Meu de Jesus que faz desta segunda parte um discurso de revelação (7-10 e 11-18). Os vv.19-21 complementam o efeito do texto precedente, assim como o v.6 complementou o efeito da parábola sobre os ouvintes. Enfim, os vv.26-30, situados por João em outro contexto de tempo e de lugar, precisam um aspecto fundamental da revelação traçada pelos vv.7-18.79 Este conjunto é talvez ligado ao capítulo precedente. Declarar a parábola como simples “quadro pastoril” é desconhecer sua função. O texto comporta um “vós” (1), um “seus” (6), um “eles” (6) que prosseguem o diálogo com os fariseus após a cura do cego de nascimento; os que conduzem a sindicância sobre esta cura (9,13.15.16; 9,24.26.28s.34) são acusados de serem os cegos, os inconscientes (9,40s.; 10.21). A parábola continua a controvérsia entre Jesus e os fariseus. Suas duas aplicações convergem para a menção da “divisão” entre os judeus (10,19-21) e se complementam em 10,26-30, sempre por ocasião de uma controvérsia com “os judeus”80.

79 A. C. F. B. Les Paraboles Évangéliques, 361. 80 A. C. F. B. Les Paraboles Évangéliques, 362

(29)

R. Brown81 acredita que 10,1-21 procede do capítulo 9, pois a audiência parece ser a mesma (os fariseus) e que, tanto o cap. 9 quanto o cap. 10 têm lugar em geral no contexto da Festa dos Tabernáculos. Brown esquematiza o capítulo 10 da seguinte forma82:

10,1-5 - Parábola (s)

10,6 - Reação do auditório contra a (s) parábola (s). 10,7-10 - Explanação sobre a porta

10,11-16 - Explanação sobre o pastor 10,17-18 - Dando sua vida

10,19-21 - Reação dos judeus

10,26-27 - Mesma audiência de 1-21.

Joachim Jeremias in Kittel83 alude a João 10,1-30 como o “Discurso do Bom Pastor”, tentando distinguir o que viria diretamente da fonte e o que seria uma elaboração e acredita que o mesmo deve referir-se ao cego de nascimento (9,1-41). Em continuação, afirma que 10,22-24 introduz um discurso de Jesus que trata de seu rebanho (vv.26-29), de acordo com o conteúdo de 10,1-18. Propõe ainda a hipótese de uma troca entre 10,1-18 e 10,19-29, e que originalmente seria: 9,1-41; 10,19-29. 1-18.30-39 e conclui:

10,19-21 - término do episódio do cego de nascimento 10,22-24 - ocasião do discurso

10,25-29.1-18.30 - desenvolvimento.

81 BROWN. R.E. The Gospel according to John, v. 29, 388.

82 BROWN. R.E. The Gospel according to John, v. 29. pp. 391-393, 395, 399-400 e 406. 83 KITTEL. v. X, col. 1216-1217.

(30)

O mesmo autor, J. Jeremias84, acredita que, para se entender bem o capítulo sobre o Bom Pastor, “é fundamental uma análise acurada do desenvolvimento do pensamento em 10,1-18”. Ele não comenta mais nada acerca do restante (vv.19-30 ou 42) e nenhuma outra divisão. Divide o capítulo 10 em duas perícopes principais: 10,1-10 - Primeira Perícope e 10,11-18 - Segunda Perícope. Sob o título de “O Bom

Pastor”, para o exegeta, está a reunião das duas principais perícopes (10,1-18). F. Manns85 divide a estrutura do texto em três unidades: a primeira perícope (10,1-6) -

parábola sobre a porta e o bom pastor, em oposição aos maus pastores; a segunda (10,7-21) - desenvolvimento do tema da porta e do pastor e a terceira (10,22-30), que coloca a questão: “Quem é Jesus?” e insiste na fé das ovelhas.

1.2.3.1 Parábola do Pastor e do assaltante: 10,1-10

1 “Em verdade, em verdade vos digo: quem não entra pela porta no redil das

ovelhas, mas subindo por outra parte, esse é ladrão e salteador; 2 porém o que entra pela porta é o pastor das ovelhas. 3 A este o porteiro abre; e as ovelhas ouvem sua voz; ele chama por seu nome suas próprias ovelhas, e as conduz para fora. 4 Depois de conduzir para fora todas as que lhe pertencem, vai adiante delas, e as ovelhas o seguem, porque conhecem a sua voz; 5 porém nunca seguirão um estranho, antes fugirão dele, porque não conhecem a voz dos estranhos”. 6 Jesus propôs-lhes esta parábola; mas eles não entenderam o que ele lhes dizia. 7 Tornou, pois, Jesus a dizer-lhes: “Em verdade, em

84 KITTEL. V. X. col. 1218.

(31)

verdade vos digo: eu sou a porta das ovelhas. 8 Todos aqueles que vieram antes de mim são ladrões e salteadores; mas as ovelhas não os ouviram. 9 Eu sou a porta; se alguém entrar por mim será salvo; entrará e sairá e achará pastagens. 10 O ladrão não vem senão para roubar, matar e destruir; eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância”.

Esta parábola que descreve o Pastor, confronta-o com um ladrão e com um estranho (10,1-10). Há uma diferença fundamental entre eles: Ele, o verdadeiro Pastor, entra pela porta (vv.1-2); o mercenário foge quando se depara com o desconhecido (o lobo - vv.3-5). A parábola remonta a uma antiga tradição palestinense86. Continua com uma interpretação alegórica e paráfrase, no estilo pictórico, típico dos orientais, apresentando dois conceitos na mesma parábola: a “porta” (vv.7-10) e o “pastor das ovelhas” (vv.11-18), aplicados à Cristo87. Pano de fundo da parábola: o rebanho fica recolhido durante a noite num redil rodeado de muros, enquanto o pastor descansa com sua família em uma tenda. Pela manhã, o pastor vai buscar suas ovelhas e o porteiro lhe abre a porta. Ao ouvir sua voz conversando com o porteiro, mesmo antes de terem sido chamadas, as ovelhas vão se incorporando e saem com ele para pastar. O pastor caminha na frente delas, fazendo com que ouçam sua voz, para que não se percam. As ovelhas não seguem um estranho, porque não estão familiarizadas com sua voz: elas se espantam e fogem. O chamar as ovelhas pelo nome tem talvez a intenção de facilitar a interpretação do conjunto, pois são poucos os animais que têm nome próprio. Possivelmente não há um nome próprio para cada uma e sim de vários grupos delas, 86 KITTEL

.v. X. col. 1218-1219. 87 KITTEL. v. X. col. 1219.

(32)

pertencentes a diferentes donos. O pastor (vv.3-4) entra no redil e chama, com seu grito tradicional, as ovelhas que lhe pertencem. Os ouvintes, os judeus incrédulos, não compreendem a linguagem figurada de Jesus, pois não pertencem ao número de suas ovelhas (não conhecem a sua voz). Deseja-se ilustrar com esta parábola: 1º. evidenciar o modo de trabalhar e a missão do pastor, e 2º. observar que os que pertencem ao Salvador enviado de Deus o reconhecem e seguem, com a mesma segurança com que as ovelhas reconhecem e seguem seu pastor88.

A perícope que corresponde aos vv. 1-5 é designada "parábola" (paroimi,a89 -

discurso figurado, misterioso, que necessita de interpretação. Razão pela qual seus ouvintes não terem compreendido seu significado (v.6); é a descrição de um episódio da vida diária (pastoril). Detalhes como porteiro, porta, redil, ladrão e assaltante não correspondem a fenômenos ou personagens históricos concretos. Em uma parábola o que se deve buscar é a verdade que esta se propõe ilustrar, caso contrário, torna-se simples alegoria90. Na maneira de trabalhar e na missão do pastor, percebemos a

contraposição que há com as atitudes do ladrão. O contraste entre os dois se dá quando o pastor entra no redil de manhã pela porta, para levar as ovelhas às pastagens, enquanto que o ladrão escala o muro durante a noite, para roubá-las e matá-las (v.10)91. Esta idéia é muito importante no curso da parábola (vv.3 e 4), porque ainda aparece três vezes na explicação que lhe segue (vv.8.14.27). Jesus se denomina a si próprio como pastor (v.11.14); as ovelhas são os que estão destinados à fé e à salvação: os eleitos (cf.v.16),

88 WIKENHAUSER, A. El evangelio según San Juan, 296

89 Bauer acredita que João usa paroimi,a em 10,6 simbolizando um dito obscuro. As imagens,

principalmente as grandiosas (mais importantes), são escondidas. BAUER'S W. A Greek-English Lexicon

of the New Testament, 629.

90 WIKENHAUSER, A. El evangelio según San Juan, 296 91 WIKENHAUSER, A. El evangelio según San Juan, 295

(33)

os que, segundo João, o Pai deu ao Filho (6,37), os que o Pai atrai (6,44), os que lhes foram concedidos pelo Pai (6,65), os que estão na verdade (18-37), que são de Deus (8,47). A menção do pastor entrar no aprisco passando pela porta significa seu direito de propriedade sobre as ovelhas, enquanto que o ladrão simboliza todos aqueles que, de alguma forma, podem ser causa de ruína para os eleitos92. A expectativa é de que Jesus

se identifique como o verdadeiro pastor (cf. v.11); porém, nos vv.7.9, relacionados entre si, diz que é a porta por onde passam as ovelhas, ou a entrada para o redil onde estão as ovelhas. Assim, pode-se explicar evgw, eivmi h` qu,ra(vv.7.9) “a porta” - das ovelhas - sou eu (vv.7.9), simples fórmula explicativa da parábola93. Entende-se o v.7 (cf.

vv.1-2) como se tratando da porta que serve de entrada ao aprisco. Neste caso, Jesus quer dizer que os verdadeiros pastores das ovelhas são os únicos que dele recebem a missão de sê-lo; os demais “pastores” são ocasião de ruína para o rebanho. Os escritores antigos94, ao se referirem “à porta”, fazem-no como o lugar por onde passam as ovelhas95. Só nos vv.8.10, ao contrapor-se aos ladrões e assaltantes, se proclama bom

pastor. Os ladrões e assaltantes são todos aqueles que se apresentam usurpando os títulos que Jesus reivindica para si próprio. A estes, Jesus nega-lhes a pretensão, e acusa-os de arrebatarem das mãos de seu legítimo proprietário aqueles que foram chamados à fé, e de levá-los à perdição. Só ele foi enviado para oferecer a vida eterna aos eleitos, e a oferecê-la em abundância (cf.10,28)96. A interpretação dos vv.8.10 é

92 WIKENHAUSER, A. El evangelio según San Juan, 296. 93 KITTEL. V. X. col. 1219-20.

94 Parece que Inácio de Antioquia se referia a Jesus, em Jo 10,9 dizendo: “enquanto sumo sacerdote, é a

porta que conduz ao Pai, pela qual entram Abraão, Isaac, Jacó, os profetas, os apóstolos e a Igreja, tudo para realizar a união com Deus” e em Pastor de Hermas que “Jesus é a porta, pela qual todos hão de entrar no reino dos céus”. WIKENHAUSER, A. El evangelio según San Juan, 298-299.

95 WIKENHAUSER, A. El evangelio según San Juan, 298. 96 WIKENHAUSER, A. El evangelio según San Juan, 297.

(34)

uma resposta ao significado da comparação da parábola. Neste caso o termo parábola tomado em sentido estrito: a vinda de Jesus simbolizada na chegada do pastor ao redil, identificando-a com sua vinda ao mundo97. Como entender a porta pela qual passam as ovelhas? Quanto ao v.9, o último significado é a afirmação que o próprio versículo contém, de que somente Jesus possibilita que se pertença à comunidade dos eleitos e de receber os bens que asseguram a salvação e a vida eterna.

Quanto ao estudo da origem da imagem - porta, há diversidade nas respostas. Alguns comentaristas crêem que foi tomada da gnosis pré-cristã, onde a imagem da porta é de uso freqüente. Léon-Dufour 98 no quesito em questão define: “Aberta, a porta deixa entrar e sair, permitindo livre circulação. Exprime acolhida (Jó 31,32), uma possibilidade que se apresenta (1 Co 16,9). Fechada a porta, impede a passagem: protege (Jo 20,19) ou exprime recusa (Mt 25,10)”. Esta imagem também sugere idéia de triagem, seleção99. No AT utilizam o vocábulo com duas colocações: porta da cidade (de tal forma é a identificação de uma com a outra que, se apossar da porta é tomar a cidade (Gn 22,17) e libertar os cativos (Sl 107,16; Is 45,2) e porta do céu, aberta pelo próprio Deus para enviar a chuva, o maná (Sl 78,23) e bênçãos à terra (Ml 3,10). Entretanto, para entrar no Templo há condições de ingresso: fidelidade à Aliança e justiça (Sl 15,24; Is 33,15s, cf. Mq 6,6-8; Zc 8,16s). Após a destruição do Templo, Israel pede a Deus que “rasgue os céus e desça ele próprio” (Is 63,19); “que tome a frente do rebanho e o faça franquear as portas” (Mq 2,12; cf. Jo 10,4)100.

97WIKENHAUSER, A. El evangelio según San Juan, 297-298.

98 LÉON-DUFOUR, X et al. Vocabulário de Teologia Bíblica, col. 793-794. 99 LÉON-DUFOUR, X et al. Vocabulário de Teologia Bíblica, col. 793-794. 100 LÉON-DUFOUR, X et al. Vocabulário de Teologia Bíblica, col. 794-795.

(35)

Passagens da época cristã influíram Jo 10,7.9101. Existem ainda duas passagens do Sl 118 (117) usadas em sentido messiânico: o v.22, que Jesus refere a si mesmo (cf. Mc 12,10-11 par; cf. At 4,11), e o v.26 (Mc 11,9). Neste caso, concluímos que a imagem da porta foi sugerida por uma interpretação messiânica do v.20 do mesmo salmo102. Cidade e céu coincidem, no final dos tempos. Os anúncios de Isaías,

Ezequiel e Zacarias realizam-se no Apocalipse: a Jerusalém celeste tem doze (12) portas que estão sempre abertas; o mal nelas não entra mais; é a paz e a justiça em plenitude; é o intercâmbio perfeito entre Deus e a humanidade. (cf. Ap 21,12-27. 22,14-15)103.

101 As Homilias pseudoclementinas 3,52 são um exemplo: “Jesus disse: ‘Eu sou a porta da vida; quem

passa por mim, entra na vida’”. Outros autores preferiram ver na imagem da porta uma alusão ao Sl 118 (117),20, como o traduzido na versão dos LXX: “Esta é a porta do Senhor, os justos entrarão por ela”. WIKENHAUSER, A. El evangelio según San Juan, 299.

102 WIKENHAUSER, A. El evangelio según San Juan, 299. 103 LÉON-DUFOUR, X et al. Vocabulário de Teologia, col. 795.

(36)

1.3

Perícope 10,11-18: Parábola do Bom Pastor

A perícope em questão é formada por pequenas parábolas ou ditos de Jesus, narrados pelo evangelista, que nos apresenta também a dissensão de Jesus com os “judeus”, os questionamentos que encaminharam Jesus à sua “Hora”. Jesus é a luz em oposição às trevas, e aquele a quem as ovelhas seguem, quando ele as chama (as suas) pelo nome...

1.3.1 Delimitação do Texto

Boismard e Lamouille104 subdividem a perícope (10,11-18) esquematizando-a da seguinte forma: como Jo II-A, Jo II-B e Jo III.

(37)

II-A II-B III

11 “Eu sou o bom Pastor.

O bom Pastor dá sua vida pelas ovelhas. 12 O mercenário

que não é pastor, cujas ovelhas não são suas,

vê o lobo chegar e abandona as ovelhas e foge e o lobo as arrebata e as dispersa (.)

13 porque ele é mercenário e não tem cuidado

com as ovelhas. 14a Eu sou o bom Pastor

b 15a

“eu conheço as minhas e as minhas me conhecem, como o Pai me conhece e eu conheço o Pai, b e eu dou minha vida pelas ovelhas.

16 E eu tenho outras ovelhas que não são

deste redil; aquelas também eu devo conduzí-las e elas ouvirão minha voz e haverá um só rebanho, um só pastor. 17 Por isto o Pai me ama, porque eu dou minha vida a fim

de retomá-la.

18 Ninguém ma tira, mas eu a dou por mim mesmo. Eu tenho poder de dá-la e poder de retomá-la. Este mandamento, eu recebi de meu Pai.

28 (e eu lhes dou a vida eterna e elas não perecerão jamais e ninguém as arrebatará de minha mão)”.105

104 BOISMARD, M.-É.; LAMOUILLE, A., Synopse, 266

(38)

A seguir, para que consigamos entender com clareza que os autores desejam nos transmitir a respeito de sua divisão, descreveremos o comentário feito pelos próprios autores da divisão da perícope:

v.11 - a frase “Eu sou o bom Pastor” aparece fazendo dupla com a frase idêntica que começa o v.14. Jo III percebeu essas duas frases no texto de Jo A e Jo II-B e, talvez em razão de uma ligação melhor entre as duas parábolas seguidas de sua aplicação a Jesus, transferiu-a para o início do v.11. A frase “Eu sou o bom Pastor” faz eco com o v.7: “- eu sou o pastor das ovelhas”.

v.12 - a frase “que não é pastor, cujas ovelhas não são suas” rompem o paralelismo antitético entre as duas frases: “o bom Pastor dá sua vida pelas ovelhas” e “o mercenário vê o lobo chegar e abandona as ovelhas...” Trata-se de glosa explicativa de João III, que tem o cuidado de reforçar os textos, para melhor entendimento.

v.13 - por não ser uma conclusão natural do v.12, a tradição textual tardia acrescentou ao início do v.13: “ora, o mercenário foge”. Por conter anomalias, o texto merece maiores pesquisas. Boismard e Lamouille106 consideram: 1. uma glosa “e o lobo as arrebata e as dispersa”, permitindo ligação com o v.12c; 2. “e abandona as ovelhas e foge”, como ao contrário o próprio v.13. Esta segunda hipótese tem a aceitação de grande número de estudiosos; por este motivo os autores atribuem-na a Jo III, fazendo uma ressalva quanto à inabilidade de sua colocação, embora reconheçam sua eficácia.

106 BOISMARD, M. -É., LAMOUILLE, A., Synopse, 266-267.

(39)

v. 16 - Boismard e Lamouille107 consideram-no como uma glosa do evangelista, interrompendo o desenvolvimento do tema referente a Jesus que dá sua vida (vv.15b e 17). Os autores creditam esta glosa também a Jo III, pois atribuem os vv.17-18 a Jo II-B. A perspectiva teológica deste versículo remete a Jo 4,22, um texto de Jo III.

Essas glosas de Jo III contêm poucas características estilísticas e a maior parte é devida ao contexto. Além da palavra “ovelha” (C 60, nos vv.12,13 e 16) também aparece no v.16 “não são” (C 18), “aquelas” (C 37), “ouvirão minha voz” (F8), retomado de 10,3.

Para que possamos visualizar melhor a divisão da parábola desta perícope - Bom Pastor - segundo Boismard e Lamouille, transcreveremos da mesma forma segundo a qual eles no-la apresentaram, porém não mais segundo um esquema e sim em formas de versículos seqüenciais: Jo II-A, Jo II-B e Jo III.

Segundo Jo II-A: 11 O bom Pastor dá sua vida pelas ovelhas. 12 O mercenário vê o lobo chegar e abandona as ovelhas e foge e o lobo as arrebata e dispersa (.) 14a Eu sou o bom Pastor 15b e eu dou minha vida pelas ovelhas. 28 (e eu lhes dou a vida eterna e elas não perecerão jamais e ninguém as arrebatará de minha mão), enquanto Segundo Jo II-B:14b eu conheço as minhas e as minhas me conhecem, como o Pai me conhece e eu conheço o Pai. 17 Por isto o Pai me ama, porque eu dou minha vida a fim de retomá-la. 18 Ninguém ma tira, mas eu a dou por mim mesmo. Eu tenho poder de dá-la e o poder de retomá-la. Este mandamento, eu recebi de meu Pai e, para complementar o esquema, Segundo João III 11 Eu sou o bom Pastor. 12 que não

(40)

é pastor, cujas ovelhas não são suas, 13 porque ele é mercenário e não tem cuidado com as ovelhas. 16 E eu tenho outras ovelhas que não são deste redil; aquelas também eu devo conduzí-las e elas ouvirão minha voz e haverá um só rebanho, um só pastor.

Neste tópico tomaremos por base F. Manns108, que divide a perícope 10,11-18

em três partes: a primeira correspondendo aos vv.11-14, a segunda, aos vv.15-16 e a terceira aos vv.17-18, assim classificadas por ele109.

Os vv.11-14 têm estrutura do tipo concêntrica:

11.A VEgw, eivmi o` poimh.n o` kalo,j\

o` poimh.n o` kalo.j th.n yuch.n auvtou/ ti,qhsin u`pe.r tw/n proba,twn

12.B o` misqwto.j kai. ouvk w'n poimh,n( ou- ouvk e;stin ta. pro,bata i;dia( C qewrei/ to.n lu,kon evrco,menon

kai. avfi,hsin ta. pro,bata kai. feu,gei

C' kai. o` lu,koj a`rpa,zei auvta. kai. skorpi,zei

13. B' o[ti misqwto,j evstin

kai. ouv me,lei auvtw/| peri. tw/n proba,twnÅ 14. A VEgw, eivmi o` poimh.n o` kalo,j,

kai. ginw,skw ta. evma.

kai. ginw,skousi, me ta. evma,,

108MANNS, F. Traditions targumiques en Jean 10,1-30, 141ss.

Referências

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