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Mobilidade do trabalho, trabalho e reprodução da vida no Assentamento do Projeto Casulo/BA.

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Academic year: 2021

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Mobilidade do trabalho, trabalho e reprodução da vida no Assentamento do Projeto Casulo/BA.

Aline Farias Fialho Universidade Estadual do Sudeste da Bahia Pós-graduanda da Especialização de Geografia da UESB alineffialho@yahoo.com.br

Jânio Roberto Diniz dos Santos Universidade Estadual do Sudeste da Bahia Professor D. Sc. do Departamento de Geografia da UESB

jandiniz@yahoo.com.br

Na discussão acerca das questões que permeiam a reprodução camponesa, considera-se que alguns conceitos são fundamentais para se entender como tais sujeitos tem se reproduzido socialmente. Num contexto histórico marcado, sobretudo, pelo conflito capital versus trabalho, as contradições que concernem à questão agrária se materializam nos diversos territórios de luta pela terra e pelo trabalho. Os debates acerca do trabalho e da mobilidade do trabalho são, portanto, fundamentais para se compreender como os camponeses tem se reproduzido. O assentamento do Projeto Casulo, localizado na periferia urbana da cidade de Vitória da Conquista/BA constitui-se enquanto um espaço que materializa as contradições referentes à reprodução camponesa e a mobilidade do trabalho. Nesse sentido, o objetivo dessa pesquisa consiste em analisar de que forma a mobilidade do trabalho apresentada pelos camponeses do Assentamento do Projeto Casulo se configura enquanto possibilidade e estratégia para que esses sujeitos continuem se reproduzindo na terra. Para tanto, foram feitas entrevistas com os camponeses e coordenadores de órgãos e assentamentos, de forma que torne possível um entendimento das condições concretas de vida dos assentados em relação ao trabalho realizado em suas unidades produtivas, bem como as formas de mobilidade vivenciadas pelos mesmos. Os camponeses do Projeto Casulo são sujeitos que se subjugam a diversas formas de exploração do seu trabalho. Nesse assentamento, onde residem famílias provenientes da periferia urbana e do campo, os assentados, na necessidade da busca pelo trabalho abstrato, lutam pela terra e pelo trabalho em seus territórios de reprodução social.

Palavras-Chave: Mobilidade do trabalho. Trabalho. Reprodução camponesa. Permanência na terra.

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Introdução

A discussão sobre a mobilidade do trabalho conduz para uma construção teórica muito ampla que ganha rumos diversos, de acordo com os diferentes autores que se debruçam sobre essa temática.

Pode-se organizar, de forma generalizada, as principais produções sobre a mobilidade do trabalho em três grandes troncos teóricos: os neoclássicos, os histórico-estruturalistas e os teóricos que partem de uma leitura e análise marxiana para a compreensão dos processos de mobilidade do trabalho (SILVA, 2003).

A análise baseada nas concepções teóricas dos neoclássicos e histórico-estruturalistas tem como um dos seus principais objetivos a elucidação dos fluxos desses movimentos, ou seja, quantificar as direções que tais sujeitos tomam no seu processo de mobilidade. Contudo, entende-se que mais importante do que definir modelos que permitam a quantificação dessa mobilidade, é compreender que a mesma é um processo que é produto e condição de uma sociedade sob o modo capitalista de produção. O atual modelo societal necessita que o trabalhador, enquanto mercadoria fundamental para a manutenção do sistema, seja móvel, ou seja, esteja disponível a se sujeitar, nos diversos espaços, à exploração do capital.

Os assentados do Projeto Casulo apresentam intensos processos de mobilidade do trabalho. Esses movimentos de ida e volta que são realizados por trabalhadores e camponeses, entre o campo e a cidade, não podem ser entendidos em sua essência sem se considerar que tais mobilidades se constituem enquanto uma série de processos pelos quais a força de trabalho é submetida pelo capital.

Dada a complexidade da reprodução da vida no Assentamento do Projeto Casulo, localizado na periferia da cidade de Vitória da Conquista/BA, o principal objetivo desse trabalho é discutir como a questão da mobilidade do trabalho presente na vida dos sujeitos do referido assentamento é condição de permanência na terra.

O presente trabalho constitui como parte de uma pesquisa de monografia intitulada “A questão da sobrevivência e permanência dos assentados do Projeto Casulo de Vitória da Conquista/BA: um estudo da mobilidade do trabalho e reprodução camponesa”. No que tange ao procedimento metodológico, foram realizadas entrevistas com os coordenadores do setor de fomento à agricultura familiar (Secretaria de Agricultura e Desenvolvimento Rural) e do Assentamento do

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Projeto Casulo e com trinta e duas famílias residentes no referido assentamento.

Reflexões acerca do trabalho, da mobilidade do trabalho e as estratégias para a reprodução da vida

Para entender a realidade apresentada no Assentamento do Projeto Casulo, parte-se de uma leitura fundamentada nos conceitos elaborados por Gaudemar (1977) sobre a mobilidade do trabalho. Esse autor compreende a mobilidade do trabalho com base nas contradições intrínsecas ao modo de produção capitalista. O intenso movimento de ida e volta apresentado pelos assentados do Casulo é uma das manifestações concretas dessas contradições.

A mobilidade do trabalho é um processo pelo qual o capital submete a força de trabalho para seu desenvolvimento. No entanto, considera-se fundamental para a análise desse processo a compreensão da importância do trabalho, e do papel que esse processo assume para acumulação do capital.

O trabalho é uma característica estruturante do ser social (LESSA; TONET, 2008). É pelo ato laborativo que o homem estabelece a relação dialética entre ele e a natureza, de forma que, ao mesmo tempo em que transforma a natureza acaba transformando a si mesmo. Sem essa relação, a própria existência do homem seria impossível.

Compreende-se que o trabalho é um processo inerente ao ser humano, que diferencia esse ser social dos demais animais. O exemplo do que distingue o trabalho da abelha do pior arquiteto (MARX apud ANTUNES, 2005) é justamente essa capacidade de idealizar o trabalho antes de objetivá-lo.

O ato de transformar uma idealização em alguma coisa útil para suprir as necessidades materiais é denominado de objetivação (LESSA; TONET, 2008). Nesse processo, ocorre uma transformação da realidade e também do próprio sujeito que realiza o trabalho. A realidade é alterada pelo processo laborativo, pois ela, após o trabalho, já não é mais a mesma. Da mesma forma, o trabalho também é transformado, no sentido em que adquire novas habilidades com tal ação social.

A categoria trabalho pode ser dividida, analiticamente, em duas dimensões: o trabalho concreto e o trabalho abstrato. (MARX apud ANTUNES, 2005). O trabalho no seu sentido concreto pode ser definido como um processo de realização do ser social, meio pelo qual os sujeitos sociais transformam a natureza e se transformam,

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dialeticamente. Atividade permeada de sentido, condição para a existência humana. De acordo com Marx (1894):

Como criador de valores de uso, como trabalho útil, é o trabalho, por isso, uma condição de existência do homem, independente de todas as formas de sociedade, eterna necessidade natural de mediação do metabolismo entre o homem e natureza e, portanto, vida humana (p. 172).

O trabalho em sua dimensão abstrata pode ser caracterizado enquanto uma atividade alienada e descaracterizada de sentido. O trabalho, que antes só significava a realização do ser social, é transfigurado pelo capital em um processo de deterioração de homens que dependem da venda da sua força de trabalho para a garantia da sua sobrevivência. De acordo com Antunes (2005):

Deixando de lado o caráter útil do trabalho, sua dimensão concreta, resta-lhe ser apenas o dispêndio de força humana produtiva, física ou intelectual, socialmente determinada. Aqui aparece a dimensão abstrata do trabalho, o trabalho abstrato, em que desaparecem as diferentes formas de trabalho concreto, que, segundo Marx, reduzem-se a uma única espécie de trabalho, o trabalho humano abstrato. Nesse último caso, trata-se de uma produção voltada para o mundo das mercadorias e da valorização do capital. O trabalho encontra-se envolto em relações capitalistas, que alteram em grande medida seu sentido histórico original. [...] (p. 69).

O trabalho apresenta esse caráter dúbio. Da mesma forma em que o mesmo se configura enquanto condição indispensável para a existência em uma sociedade capitalista, na qual, a atividade que visa à fabricação de mercadorias e a valorização do capital. O trabalho é transfigurado pela sociedade capitalista, transformando-se em trabalho assalariado e alienado. O operariado, agora, não se apropria mais do produto de seu trabalho, de forma que ocorre nessa realização efetiva do trabalho uma desefetivação do trabalhador (ANTUNES, 2005).

Ao mesmo tempo em que o trabalho se configura em uma atividade central na história humana, com o capitalismo, tal processo adquire outro sentido, alterando assim as relações no mundo do trabalho. Essas duas dimensões do trabalho, a saber, o trabalho concreto enquanto atividade de realização do ser social, e o trabalho abstrato enquanto a própria desrealização do mesmo são relações fundamentais para se compreender a questão da mobilidade do trabalho, uma vez

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que é na esfera do trabalho abstrato, alienado e sem sentido, que tal processo se constituirá enquanto importante estratégia para a acumulação de capital.

Um dos princípios básicos para o entendimento da mobilidade do trabalho é que os homens devem ser “livres”, isto é, livres de qualquer instrumento para a sua realização (meio de produção), exceto sua própria força de trabalho que será alienada e trocada por um salário. Partindo de tal pressuposto, uma das questões chave para o entendimento de como essa força de trabalho é apropriada em sua mobilidade para fins de exploração e acumulação é a compreensão que o operariado deve ser “livre” para se sujeitar ao capital.

A força de trabalho é uma mercadoria, e a mobilidade do trabalho é produto das contradições do modo capitalista de produção. Isso porque a liberdade que o trabalhador dispõe é, na verdade, liberdade para vender seu trabalho:

A transformação do dinheiro em capital exige então que o possuidor de dinheiro encontre no mercado o trabalhador livre, e livre num duplo sentido. Primeiro, o trabalhador deve ser uma pessoa livre, dispondo à sua vontade da sua força de trabalho como de uma mercadoria que lhe pertence; em segundo lugar, não deve ter qualquer outra mercadoria para vender; deve ser, por assim dizer, livre de tudo, completamente desprovido das coisas necessárias à realização da sua força de trabalho (GAUDEMAR, 1977, p. 189).

Essa “liberdade”, portanto, é uma forma de privação que se expressa na impossibilidade da classe trabalhadora de reproduzir socialmente sem se submeter ao assalariamento. A classe trabalhadora foi privada de ter e se apropriar dos meios capazes de realização do seu trabalho.

Dentro dessa discussão, percebe-se a dimensão dialética que tal “liberdade” apresenta. Isso porque, primeiramente se manifesta a liberdade positiva, sendo caracterizada pela consideração de que os trabalhadores são atores de sua própria liberdade, ou seja, eles podem dispor da sua força de trabalho da maneira que desejarem. Contudo, a liberdade negativa apresenta as contradições da mobilidade do trabalho, bem como do modo capitalista de produção: o trabalhador não tem outra forma de sobreviver, se não vender sua força de trabalho, única mercadoria que lhe coube na sociedade dividida em classes sociais. “Na prática, ou vende a sua força de trabalho para viver, ou não a vende e morre” (GAUDEMAR, 1977, p. 189 a 190).

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trabalho, pois encontra-se nessa necessidade de a vender, uma vez que não vê outra alternativa para a sua sobrevivência.

Esses processos se encontram concretizados na realidade apresentada no Assentamento do Projeto Casulo. Para os assentados, a disposição da terra como meio de trabalho não tem sido suficiente para a garantia de sua reprodução social. Esses sujeitos têm sido forçados a realizar um movimento de mobilidade em busca de emprego, de forma a possibilitar sua permanência na terra.

As relações especificamente capitalistas (assalariamento) necessitam que o trabalhador seja uma mercadoria, mas não algo fixo, permanente, como era o caso do trabalhador escravo. A força de trabalho no capitalismo é móvel, e, de fato, é fundamental que o seja:

Conceito das formas de existência da força de trabalho como mercadoria, conduz assim ao seu nascimento e morte, tanto aos seus deslocamentos espaciais como ás suas transformações qualitativas; conduz assim duplamente aos processos que permitem à força de trabalho estar presente nos locais de valorização do capital (processo de produção e de circulação da força de trabalho) e nos que lhe permitem a sua utilização nestes mesmos locais (processo de produção do capital). Por intermédio da sua mobilidade, a força de trabalho está, portanto presente no mercado de trabalho, de onde quer que provenha, tanto de esferas não capitalistas como de outras esferas capitalistas. Por seu intermédio, ela torna-se valor valorizante do capital (GAUDEMAR, 1977, p. 342 a 343).

A questão da mobilidade do trabalho deve ser entendida para além de uma leitura dicotômica entre as relações que permeiam o espaço agrário e o espaço urbano. Trata-se de um processo que abrange a totalidade dos sujeitos que são submetidos às diversas formas de exploração do capital, em todos os espaços. Camponeses, proletários, desempregados e subempregados, trabalhadores no campo e na cidade. A origem e a história que cada sujeito trás consigo é suplantada pela lógica de acumulação capitalista.

O processo de apropriação da força de trabalho, portanto, não é um fenômeno presente apenas no labor realizado pelo proletariado. Os camponeses do Assentamento Casulo também são submetidos às explorações do capital e condicionados a realizarem a mobilidade do trabalho como forma de sobrevivência.

São diversas as formas de intervenção da mobilidade do trabalho nos processos de acumulação do capital. Tais intervenções são concretizadas em

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processos diferentes, que compreendem a produção de mais-valia, a acumulação primitiva e ainda o processo de conjunto da acumulação capitalista.

Entender como tais manifestações se expressam é apreender como o capital utiliza a força de trabalho nas suas mais diversas formas. De acordo com Gaudemar (1977):

Efetivamente, o conceito de mobilidade do trabalho num sistema capitalista, tal como aparece explicitamente nos textos de Marx, isto é, como conceito que corresponde às formas de existência da força de trabalho como mercadoria, surge e impõe-se também a partir da análise dessas formas propriamente ditas: constitui o único modo de compreender globalmente aquilo que permite, na multiplicidade de seus modos, a submissão do trabalho ao capital (GUADEMAR, 1977, p. 341).

A mobilidade do trabalho é, portanto, é essencial para a acumulação de capital. O trabalhador, na verdade, está sujeito a um processo de “mobilidade forçada”, qual seja, o mesmo se encontra subordinado aos imperativos do sistema produtor de mercadorias, tendo como uma de suas manifestações concretas o deslocamento espacial que expressa à urgente necessidade de buscar novas formas de garantir sua sobrevivência, processo também evidenciado no Assentamento do Projeto Casulo.

A mobilidade do trabalho e reprodução camponesa no Assentamento do Projeto Casulo/BA.

A questão da mobilidade do trabalho apresentada pelos sujeitos do Projeto Casulo é um processo que deve ser compreendido a partir da totalidade concreta das dinâmicas que configuram a sociedade. As mudanças no mundo do trabalho são processos importantes para a compreensão do porque os camponeses do Projeto Casulo se sujeitam á condição de itinerantes em busca de trabalho.

Muitas têm sido as mudanças que marcaram o mundo do trabalho no contexto contemporâneo. Após a virada do século 20 para o 21, com as modificações ocasionadas pela reestruturação produtiva do capital, as questões concernentes a classe trabalhadora apresenta esta complexificação. Os motivos que ocasionaram nessa reestruturação produtiva compreendem uma série de fatores estruturais, que teve como uma de suas expressões concretas a crise dos paradigmas produtivos

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taylorista e fordista.

As alterações vivenciadas no mundo do trabalho causadas, sobretudo, pelo processo de instituição do modelo flexível, tiveram repercussões diferenciadas nos territórios do mundo.

Gonçalves, ao discutir a questão da reestruturação produtiva e a precarização das relações de trabalho, pontua que o subemprego, a questão dos trabalhos informais e o trabalho parcial têm nos países mais pobres repercussões muito mais severas, já que “nesses territórios que historicamente sempre foram subjulgados”, a nova ordem da economia mundial capitalista “remodela por inteiro a economia desses países”, ocasionando assim na perpetuação e acirramento das desigualdades sociais já existentes (GONÇALVES, 2001, p. 3).

Conforme apontado por autores (ANTUNES, 2004; THOMAZ JÚNIOR, 2004), o processo de reestruturação produtiva teve inicio no Brasil por volta da década de 1980, e de forma mais efetiva durante a década de 1990. Segundo Thomaz Júnior (2004), a difusão das técnicas japonesas de produção pelos circuitos produtivos deve ser compreendida como um processo contraditório que, ao mesmo tempo em que institui novas técnicas do modelo flexível, imbrica-se com alguns elementos organizacionais do taylorismo/fordismo, tudo no sentido de garantir a acumulação capitalista em um país que ocupa uma posição subalterna nessa lógica.

Na cidade, as principais conseqüências desse processo são, de acordo com Thomaz Júnior (2006), o crescimento da favelização, urbanização e desemprego dos sujeitos que trabalham nesse espaço.

Os rebatimentos da reestruturação produtiva no campo, conforme Thomaz Júnior (2004) pontua, devem ser entendidos considerando as mediações que garantem o processo de reprodução do capital bem como as formas de monopolização e territorialização desse capital no território, a mecanização do processo de trabalho na agricultura, a apropriação da renda da terra pelo capital e a falta de políticas públicas para o campo. Tais fatores podem ser evidenciados, por exemplo, pela expansão do agronegócio no campo brasileiro, uma vez que esse processo gera, contraditoriamente, a riqueza apropriada pelas classes hegemônicas, à concentração fundiária, a extração da renda da terra e a mecanização das relações de trabalho, ocasionando, dentre muitas outras coisas, a precarização do trabalho dos sujeitos que vivem na terra. Vale, ainda, ressaltar o padrão agroexportador ligado e fundamentado nos “programas de ajustes estruturais do

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Banco Mundial (BM), pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), e pelo regime de livre comércio da Organização Mundial do Comércio (OMC)” como produto dessa reestruturação (THOMAZ JÚNIOR, 2006).

Essas metamorfoses complexificam a classe trabalhadora que se encontra fragmentada e heterogeneizada. A diminuição dos empregos estáveis, o crescimento das atividades informais, a ampliação da exploração na divisão sexual do trabalho, a exclusão de jovens e idosos no mercado de trabalho são produtos dessa alteração no mundo do trabalho. (ANTUNES, 2005).

No caso do Assentamento do Projeto Casulo, um camponês trabalha fora de sua propriedade em outras atividades com a finalidade de garantir sua sobrevivência. Tal característica que, conforme Souza (2008) pontua, é bastante evidenciada na região Sudoeste da Bahia, demonstra como a classe trabalhadora tem se modificado e assumido novas características.

A precarização e o desemprego estrutural são características que estão presentes nos sujeitos do Assentamento do Projeto Casulo, uma vez que é corrente a presença da mobilidade do trabalho no cotidiano da vida dos proletários e/ou camponeses brasileiros, haja vista que o capital tem desenvolvido várias maneiras de sujeitar o trabalho dessas classes aos seus propósitos de acumulação ampliada. De acordo com Thomaz Júnior (2006):

É como se pudéssemos pensar esse quadro a partir da simulação se camponês, se operário, num movimento de ida e volta. Ou então, a plasticidade do trabalho, refeita e lastreada nas mediações que redefinem a (des)realização deste e da classe trabalhadora, para expressar os recortes de identificação de classe sintonizados para aqueles que pensam, atuam e pesquisam cada uma dessas expressões concretas da existência do trabalho (THOMAZ JÚNIOR, 2006, p. 139).

Em função das mais diversas formas de exploração do trabalho pelo capital com o objetivo de driblar sua decrescente taxa de lucro, a mobilidade do trabalho é fundamental, tanto para classe trabalhadora quanto para o capital, uma vez que essa mobilidade do trabalho ocorre devido à mobilidade de capital, conforme apontado por Gaudemar (1977) e Mészáros (2002). Dentro dessa lógica, as classes que vivem do trabalho têm escrito uma história de mobilidade não só como forma de garantir sua sobrevivência, mas, sobretudo, no caso dos camponeses, como estratégia de permanecerem trabalhando em atividades ligadas ao campo.

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Vitória da Conquista/BA é um espaço de materialização das contradições e desigualdades contidas no mundo do trabalho. Os assentamentos no município são uma prova concreta dos intensos conflitos que os trabalhadores do campo e da cidade têm travado, com o objetivo de garantir sua reprodução social nas contradições do modo de produção capitalista.

Na fase atual do capitalismo, compreender a mobilidade dos trabalhadores (tanto camponeses, quanto proletários) tem sido fundamental para o entendimento do espaço geográfico. Isso porque, com atual instituição do modelo flexível baseado no paradigma produtivo toyotista, essa mobilidade tem se intensificado, sobretudo como estratégia de sobrevivência de camponeses e proletários. De acordo com Silva (2004):

[...] muitos dos excluídos desta modernização têm se transformado em verdadeiros itinerantes em busca de trabalho em várias regiões do país. Portanto, há uma ligação estreita entre o processo de modernização e a mobilidade espacial de milhares de pessoas. [...] (SILVA, 2004, p. 35).

As manifestações concretas da mobilidade do trabalho apresentam variedade quanto suas formas de expressão. No caso da mobilidade espacial, esse processo é materializado em escalas diversas. O caso dos trabalhadores que se deslocam para outros estados e regiões em busca de trabalho e o caso dos camponeses que vão em direção à cidade a procura de trabalhos que complementem sua renda são exemplos dessas diversas formas que a mobilidade do trabalho abarca.

O assentamento do Projeto Casulo constitui-se enquanto um espaço que materializa as questões da mobilidade do trabalho. Nesse assentamento, muitas famílias apresentam ou apresentaram alguma forma de mobilidade para a garantia de sua sobrevivência.

De acordo com pesquisa realizada em campo, 93,8% (por cento) dos camponeses apresentaram formas de mobilidade do trabalho durante o período em que residem no assentamento. Essa necessidade de se sujeitar á outros trabalhos que não se circunscrevem a atividades relacionadas somente com a terra é um fator importante que tem se caracterizado muitas comunidades camponesas.

Nesse sentido, compreende-se que os sujeitos residentes no Assentamento do Projeto Casulo são camponeses que lutam pela condição de permanecerem na terra por meio da submissão ao trabalho abstrato. Durante pesquisa realizada em campo,

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questionou-se aos assentados o que significa a terra para os mesmos. De acordo com uma das camponesas entrevistadas, a mesma declara:

A terra aqui é a minha vida. Eu não sei viver fora daqui. Eu vou pra rua com minha mãe, passo dois dias, fico doente. Volto pra terra, fico boa (Depoimento de S. M. G.- Camponesa, residente no Assentamento do Projeto Casulo, Vitória da Conquista/BA).

O depoimento da camponesa acima deixa evidente que o processo de luta e resistência dos camponeses pela sua reprodução social não se resume a uma luta para retornar a terra. Esses sujeitos lutam e resistem também para permanecer na terra e para erradicar a expropriação de suas realidades (FABRINI, 2002).

Os camponeses do Assentamento do Projeto Casulo possuem uma variedade em relação às diversas atividades que os mesmos exercem. São pedreiros, carroceiros, vaqueiros, lavradores e donas de casa. Muitos se deslocam frequentemente em busca de trabalho, outros somente quando não há jeito. É nesse movimento que podemos evidenciar como o trabalho abstrato, apesar de se configurar enquanto atividade cuja finalidade se expressa na criação de mercadorias para a valorização do capital (ANTUNES, 2005), acaba sendo uma saída para esses camponeses.

Os assentados do Projeto Casulo apresentam três perfis diferenciados. Existem aqueles que eram camponeses, e que, por algum motivo, foram forçados a deixarem suas terras, indo assim em direção ao campo em busca de trabalho. Alguns deles eram camponeses sem terra que se deslocaram em direção à cidade também em busca de trabalho. Outros, nunca possuíram uma unidade produtiva, eram proletários urbanos pauperizados, mas viram na terra uma possibilidade de viverem em condições melhores.

Dessa maneira, alguns assentados do Casulo são camponeses que tiveram, por algum motivo, que abandonar suas unidades produtivas nas suas respectivas regiões de origem, e partiram em direção ao campo, trabalhando em atividades ligadas a terra, contudo não mais na sua própria. Vagando por várias fazendas, esses trabalhadores lutaram por sua sobrevivência realizando diversos trabalhos, se movimentando constantemente:

A gente morava nas fazendas. Na Fazenda do Português. A última fazenda que a gente morou foi em Cândido Sales. Como eu desde

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pequeno trabalho com o trator agrícola, tive que andar muito. Fico na fazenda de um, na fazenda de outro. Aqui mesmo, tem dia que eu fico 30 dias fora daqui. Agora não, que eu to parado. Mas eu já tive uma terrinha, lá pros lados da Barra Nova. Não deu pra ficar lá, ai eu tive que trabalhar pros outros nas fazendas ai por esse mundão a fora. Oxe, já rodei, desde lá de Mato Grosso até aqui. Ai a gente veio pra cá, pra tentar viver aqui melhor, né. Pelo menos eu tenho uma terrinha que posso dizer que é minha. (Depoimento de J. M.- Camponês, residente no Assentamento do Projeto Casulo, Vitória da Conquista/BA).

A estrada foi à única saída posta para esses camponeses que, sendo expulsos de suas terras, se encontraram sem alternativa para viver. A chance de retornarem a se reproduzir com base no trabalho ligado a sua unidade produtiva foi o que motivou uma parte desses sujeitos a participarem da seleção do Projeto Casulo.

Durante entrevistas realizadas com os camponeses assentados no Casulo que foram expropriados e se deslocaram, durante sua trajetória de vida, em direção a cidade em busca de trabalho, foi possível perceber que, mesmo na cidade trabalhando em diversas atividades, os mesmos não perderam seus vínculos com a terra:

Vim de um aluguel morando com 7 pessoas lá na cidade. Aqui no Aparecida. Trabalhei perto da Lapa de Bom Jesus. Saí daqui, trabalhei em pedreira. Eu já morei em terra, mais aí tive que vender pra dividir o dinheiro mais meus irmãos. Aí vim pra cá, disse que tinha essa terra. Eu vim pra cá. A vida na terra é boa, sabe? Isso aqui era só mato, você só via mato. [...] Eu não tinha na época dinheiro pra „mim‟ fazer um barraco. Eu fui na lixeira, peguei uns papel, e fiz uma casinha lá de junto daquele barranco. Eu sofri na vida, mas consegui sair da cidade (Depoimento de M. M.- Camponês, residente no Assentamento do Projeto Casulo, Vitória da Conquista/BA).

O processo de recriação campesina no referido assentamento é manifestado pelos sujeitos que nunca tiveram nenhum tipo de relação com a terra, mas viram na mesma a possibilidade de se reproduzirem de maneira mais digna. Devido ao agravamento do desemprego, muitos desses trabalhadores excluídos, ou condicionados a relações de trabalho degradantes, ingressam na luta pela terra, se tornando assim camponeses:

Eu vim do Bruno Barcelar. Eu tinha vontade de ter um pedaço de terra. Quando eu casei, eu não tinha nada, eu catava coisa da lixeira,

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[...], eu tinha vontade de ter um pedacinho de terra. Eu não trabalhava não, trabalhava em casa, só meu esposo trabalhava. Meu marido é gari. Mas eu nunca morei em roça não. Não sabia o que era roça (Depoimento de M. A. S.- Camponesa, residente no Assentamento do Projeto Casulo, Vitória da Conquista/BA).

A mobilidade do trabalho está presente em toda a história de reprodução da vida dos camponeses assentados pelo Projeto Casulo. Os movimentos realizados pelos mesmos mostram como esses sujeitos têm lutado, ao longo de sua trajetória, pela possibilidade de viver de maneira digna, e conseguir assim fugir da condição de somente sobreviver de forma pauperizada e degradante.

São inúmeros os fatores que impedem esses sujeitos de se reproduzirem somente com base no cultivo de suas unidades produtivas, sendo todos esses problemas ligados à falta de infraestrutura e recursos no assentamento.

Para a construção das casas, de acordo com entrevista feita ao Coordenador de Fomento à Agricultura Familiar do município de Vitória da Conquista/BA, o INCRA disponibilizou o material necessário para iniciar a construção, bem como certa quantia de dinheiro para contratar a mão de obra. A maioria das casas do assentamento se encontra construída, contudo muitos assentados alegaram, durante a pesquisa de campo, que o INCRA ainda não disponibilizou todo o material para a construção das residências. As casas foram, portanto, construídas com o dinheiro e o trabalho dos próprios assentados.

Os principais problemas do assentamento apontados pelos camponeses são a falta de recursos para a permanência na terra e a falta de água. Esses problemas afetam diretamente a produção dos assentados uma vez que, sem verba para iniciar um plantio mais consolidado e com pouca água para produzir, o cultivo da terra não permite que os mesmos se reproduzam somente com base nela.

A falta de abastecimento de água também afeta diretamente a vida desses sujeitos, uma vez que os mesmos, além de consumirem uma água prejudicial à saúde, eles não conseguem irrigar de maneira satisfatória sua produção de alimentos. Em períodos de seca, a produção não desenvolve, e não permite que os assentados obtenham uma boa colheita. A mobilidade do trabalho, portanto se apresenta enquanto estratégia precária de resistência para a possibilidade de permanecerem na terra se reproduzindo enquanto camponeses.

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Considerações Finais

O estudo acerca da reprodução social campesina dos sujeitos do Assentamento Projeto Casulo na cidade de Vitória da Conquista/BA buscou a compreensão da mobilidade do trabalho que os mesmos apresentam enquanto forma de luta para a permanência desses sujeitos na terra. Partindo desse pressuposto, foi possível o entendimento das contradições expressas no conflito capital versus trabalho, uma vez que ao realizarem o trabalho concreto em suas unidades produtivas, os mesmos também se submetem ao trabalho abstrato como forma de continuarem na terra.

A mobilidade deve ser compreendida tendo em vista as contradições do desenvolvimento do capitalismo, que é essencialmente desigual e heterogêneo. Isso implica dizer que, da mesma forma que os camponeses lutam para entrarem na terra via movimentos sociais e outros processos de mobilização, os mesmos também desenvolvem, contraditoriamente, estratégias precarizadas com o objetivo de permanecerem na terra na condição de camponeses. A mobilidade do trabalho é, portanto, forma de luta e precarização, dialeticamente, onde o camponês consegue se manter na terra, mas é intensamente explorado pelo capital.

Ainda que a sujeição ao trabalho abstrato seja uma realidade no Assentamento do Projeto Casulo, esse fator não descaracteriza esses sujeitos enquanto camponeses. As formas de reprodução da vida, a terra enquanto possibilidade de realização do seu trabalho, a produção voltada para subsistência, o trabalho familiar e a luta para permanecer na terra são características que afirmam os assentados enquanto classe camponesa.

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Referências

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