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MEIO AMBIENTE E CIDADANIA*

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Academic year: 2021

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MEIO AMBIENTE E CIDADANIA*

José Silva Quintas **

A Constituição Federal ao consagrar o meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito de todos, bem de uso comum e essencial à sadia qualidade de vida, atribuiu a responsabilidade de preservá-lo e defendê-lo não apenas ao Estado mas, também à coletividade. É neste quadro que este trabalho discutirá a relação meio ambiente-cidadania.

É na tensão entre a necessidade de se garantir o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado enquanto bem de uso comum da população e, portanto, como espaço público e o modo como são apropriados os recursos ambientais, na sociedade, que se explicita a relação cidadania meio ambiente.

Esta relação ocorre, principalmente, no contexto do processo de mediação de interesses e conflitos entre atores sociais que agem sobre os meios físico natural e construído, aqui entendido como gestão ambiental. Este processo de mediação define e redefine, continuamente, o modo como os diferentes atores sociais, através de suas práticas, alteram a qualidade do meio ambiente e também como se distribuem na sociedade os custos e os benefícios decorrentes da ação destes agentes.1

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* Texto apresentado no Workshop sobre Comunicação e Mobilização Social promovido pela Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília em 30 e 3l/10/95.

**Educador da Divisão de Educação Ambiental do IBAMA.

1 Price Waterhouse - Geotécnica - Fortalecimento Institucional do IBAMA - Cenários de Gestão Ambiental Brasileira -Relatório Final -Brasília, 1992, doc. mimeografado pág. 08

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No Brasil, o Estado, enquanto mediador principal deste processo, é detentor de poderes, estabelecidos na legislação, que lhe permitem promover desde o ordenamento e controle do uso dos recursos ambientais (incluindo a criação de mecanismos econômicos e fiscais) até a reparação e a prisão de indivíduos pelo dano ambiental. Neste sentido, o Poder Público estabelece padrões de qualidade ambiental, avalia impactos ambientais, licencia e revisa atividades efetiva e potencialmente poluidoras, disciplina a ocupação do território e o uso de recursos naturais, cria e gerencia áreas protegidas, obriga a recuperação do dano ambiental pelo agente causador, promove o monitoramento, a fiscalização, a pesquisa, a educação ambiental e outras ações necessárias ao cumprimento da sua função mediadora.

Por outro lado, observa-se, no Brasil, que o poder de decidir e intervir para transformar o ambiente seja ele físico, natural ou construído, e os benefícios e custos dele decorrentes estão distribuídos socialmente e geograficamente na sociedade de modo assimétrico. Por serem detentores de poder econômico ou de poderes outorgados pela sociedade, determinados grupos sociais possuem, por meio de suas ações, capacidade variada de influenciar direta ou indiretamente na transformação (de modo positivo ou negativo) da qualidade do meio ambiental. É o caso dos empresários (poder do capital) dos políticos (poder de legislar); dos juízes (poder de condenar e absolver etc); dos membros do Ministério Público (o poder de investigar e acusar); dos dirigentes de órgãos ambientais (poder de embargar, licenciar, multar); jornalistas e professores ( poder de influenciar na formação da "opinião pública"), agências estatais de desenvolvimento (poder de financiamento, de criação de infra-estrutura) e de outros atores sociais cujos atos podem ter grande repercussão na qualidade ambiental e conseqüentemente na qualidade de vida das populações.

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Há que se considerar, ainda, que o modo de perceber determinado problema ambiental, ou mesmo a aceitação de sua existência, não é meramente uma função cognitiva. A percepção dos diferentes sujeitos é mediada por interesses econômicos, políticos, posição ideológica e ocorre num determinado contexto social, político, espacial e temporal.

Entretanto, estes atores, ao tomarem suas decisões, nem sempre levam em conta os interesses e necessidades das diferentes camadas sociais direta ou indiretamente afetadas. As decisões tomadas podem representar benefícios para uns e prejuízos para outros. Um determinado empreendimento pode representar lucro para empresários, emprego para trabalhadores, conforto pessoal para moradores de certas áreas, votos para políticos, aumento de arrecadação para Governos, melhoria da qualidade de vida para parte da população e, ao mesmo tempo, implicar prejuízo para outros empresários, desemprego para outros trabalhadores, perda de propriedade, empobrecimento dos habitantes da região, ameaça à biodiversidade, erosão, poluição atmosférica e hídrica, desagregação social e outros problemas que caracterizam a degradação ambiental.

Portanto, a prática da gestão ambiental não é neutra. O Estado, ao assumir determinada postura frente a um problema ambiental, está de fato definindo quem ficará, na sociedade e no país, com os custos e quem ficará com os benefícios advindos da ação antrópica sobre o meio, seja ele físico, natural ou construído.2

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2 Quintas, José Silva e Gualda, Maria José - A Formação do Educador para Atuar no Processo de Gestão Ambiental - Brasília - IBAMA. 1995-doc. mimeo.

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Isto fica visível quando se investiga conflitos sócio-ambientais*

ocorridos em vários pontos do País. O IBASE3 em pesquisa, que analisou 273

agressões ao meio ambiente, mencionadas na imprensa nacional, regional e local constatou que 50% dessas, o agente responsável pertencia à esfera do capital privado, enquanto que 26%(empresas e órgãos da administração pública) ao Estado. Do total dos casos estudados 63% referem-se a conflitos que envolviam poluição do ar(8%), de águas(32%) e degradação do solo(23%). Por outro lado , a pesquisa constata que "considerando a alta participação do capital privado e do Estado como atores de agressão ambiental(juntos somam 76% dos casos) é oprtuno verificar que 40% dos casos onde o capital agiu como agressor não tiveram qualquer desdobramento, caracterizando uma margem expressiva de impunidade".4

As desigualdades sociais, a impunidade das elites, o clientelismo político, a ineficácia do sistema educacional são fatores que tornam o exercício da cidadania um constante desafio para o brasileiro.

Aumenta este desafio a constatação de que o brasileiro - independente do seu grau de escolaridade - não consegue estabelecer nexos entre o atual estilo de desenvolvimento praticado no País, com os problemas ambientais observados em diversas localidades do território nacional5.

Portanto, apesar dos currículos de todos os graus e modalidades de ensino proporcionarem, em tese, a aquisição dos conhecimentos necessários à compreensão da problemática ambiental, o sistema educacional brasileiro, não tem conseguido que seus alunos obtenham a competência cognitiva esperada.

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* Situações onde há um confronto de interesses representados por diferentes atores em torno da utilização/gestão do meio ambiente.(ver IBASE.Meio Ambiente em disputa - Um ano de Lutas Ambientais na Imprensa Nacional - Rio de Janeiro. 1995) doc. mimeo.

3 IBASE - Meio Ambiente em Disputa - Um ano de Lutas Ambientais na Imprensa Nacional - Rio de Janeiro. 1995 - Relatório preliminar - doc. mimeo.

4 idem

5 IBAMA. Programa Nacional de Educação Ambiental - versão preliminar. Brasília. 1994 - doc. mimeo. pág. 09

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Há ainda que se considerar, que em recente pesquisa6 junto a uma

amostra de jovens brasileiros, de classe média, constatou-se que o meio ambiente ocupa o 17º lugar nas preocupações dos entrevistados.

Estes fatos configuram um quadro de dificuldades para que a sociedade brasileira se engaje na construção de um novo estilo de desenvolvimento socialmente justo e ambientalmente seguro.

Por outro lado, o envolvimento permanente de setores da sociedade civil organizada e dos movimentos sociais brasileiros, nos últimos anos, com a questão ambiental, e em particular, as articulações exitosas junto a Assembléia Nacional Constituinte e às Constituintes Estaduais - que permitiram a incorporação de importantes princípios para a Gestão Ambiental, nas respectivas Constituições - e a criação, em 1990, do Fórum de Organizações Não Governamentais (ONG`s) brasileiras, parecem confirmar que a preocupação com o meio ambiente esta conquistando espaço na sociedade brasileira.

No que se refere a prática da educação ambiental no Brasil, duas tarefas fundamentais, inadiáveis e simultâneas, colocam-se frente ao poder público e a sociedade brasileira. A primeira, diz respeito ao direcionamento da abordagem da dimensão ambiental, na esfera da Educação Formal, enquanto que a segunda, deve voltar-se à recuperação do passivo cognitivo, junto a maioria da população brasileira, através da sua participação no processo de gestão ambiental.7

Neste sentido, para que os diferentes segmentos sociais tenham condições efetivas de intervirem no processo de gestão ambiental, é essencial que a prática educativa se fundamente na premissa de que a sociedade não é o lugar da harmonia, mas sobretudo, o lugar dos conflitos e dos confrontos que ocorrem em suas diferentes esferas(da política, da economia, das relações sociais, dos valores etc).

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6 Revista Veja. 19/04/95 - O Planeta Teen - pág. 106 a 113.

7 Quintas, José Silva e Gualda, Maria José - Nota Técnica sobre a Implementação de Projeto de Educação Ambiental de Massa - Brasília. 1995 - doc. mimeo.

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Como se definiu na Conferência de Tbilisi, é fundamental que o processo educativo proporcione ainda:

- uma percepção integrada da natureza complexa do meio físico-natural e do meio construído pelos seres humanos, resultante da interação dos aspectos físicos, biológicos, sociais, econômicos e culturais;

- a construção de valores sociais e aquisição de conhecimentos, atitudes e habilidades práticas e voltadas para a participação responsável e eficaz na prevenção e solução dos problemas ambientais e da gestão da qualidade do meio ambiente;

- a compreensão das interdependências econômicas, políticas e ecológicas do mundo atual, em que as decisões e comportamentos dos diversos países têm consequências de alcance internacional, para o que se requer desenvolver um espírito de solidariedade e uma atitude mais responsável entre eles.

A prática da educação ambiental deve ter como um dos seus pressupostos, o respeito aos processos culturais característicos de cada país, região ou comunidade.

No caso brasileiro, constata-se a existência de diferentes contextos culturais, cada um com suas especificidades. Isto significa reconhecer que há diferentes modos de relacionamento homem-homem e homem-natureza na sociedade brasileira. Esses diferentes modos de relacionamento determinam a existência de conhecimentos, valores e atitudes que devem ser considerados na formulação, execução e avaliação da prática da educação ambiental.

A complexidade da questão ambiental exige, para sua compreensão, uma abordagem metodológica que, sem abrir mão do saber especializado, supere as fronteiras convencionais dos diferentes compartimentos disciplinares em que estão divididas as diversas áreas do conhecimento.

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A abordagem interdisciplinar das questões ambientais implica utilizar-se da contribuição das várias disciplinas(conteúdo e método) para se construir uma base comum de compreensão e explicação do problema tratado e, desse modo, superar a compartimentação do ato de conhecer,provocada pela especialização do trabalho científico. Implica, também, construir esta base comum, considerando-se os conhecimentos das populações envolvidas, tendo em vista a especificidade do contexto cultural em que são produzidos.

Delineado o problema, a questão que se coloca é o da formação de um educador capaz de construir e reconstruir, num processo de ação e reflexão, o conhecimento sobre a realidade, de modo dialógico, com sujeitos envolvidos no processo educativo, superando assim, a visão fragmentada sobre a mesma. O educador deve, portanto, estar capacitado para atuar como catalizador de processos educativos que respeitem a pluralidade e diversidade cultural, fortaleçam a ação coletiva, articulem aportes de diferentes saberes e fazeres e proporcinem a compreensão individual e coletiva da problemática ambiental em toda a sua complexidade. Deve estar qualificado também para agir em conjunto com a sociedade civil organizada e sobretudo com os movimentos sociais, numa visão de educação ambiental como processo instituinte de novas relações dos homens entre si e deles com a natureza.8

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8 Quintas, José Silva e Gualda, Maria José - A Formação do Educador para Atuar no Processo de Gestão Ambiental - Brasília - IBAMA. 1995. doc.mimeo.

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