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Desdobramentos do cuidar: um estudo sobre os cuidadores familiares de idosos com Doença de Alzheimer na perspectiva psicanalítica

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO

RIO GRANDE DO SUL - UNIJUÍ

AMANDA DE CASTRO FELTEN

DESDOBRAMENTOS DO CUIDAR:

um estudo sobre os cuidadores familiares de idosos com

Doença de Alzheimer na perspectiva psicanalítica

Ijuí - RS 2019

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AMANDA DE CASTRO FELTEN

DESDOBRAMENTOS DO CUIDAR:

um estudo sobre os cuidadores familiares de idosos com

Doença de Alzheimer na perspectiva psicanalítica

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Psicologia da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande d Sul - UNIJUÍ, como requisito parcial à obtenção do título de Psicólogo.

Orientadora: Doutora Solange Castro Schorn

Ijuí - RS

2019

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AMANDA DE CASTRO FELTEN

DESDOBRAMENTOS DO CUIDAR:

um estudo sobre os cuidadores familiares de idosos com

Doença de Alzheimer na perspectiva psicanalítica

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Psicologia da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande d Sul - UNIJUÍ, como requisito parcial à obtenção do título de Psicólogo.

Aprovado em ___/___/___

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________________ Doutora Solange de Castro Schorn (Orientadora)

Docente do Curso de Psicologia - UNIJUÍ

________________________________________ Mestre Carolina Baldissera Gross

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‘’[...] é preciso saber cuidar do outro, mas também cuidar de si e... deixar-se cuidar pelos outros, pois a mutualidade nos cuidados é um dos mais

fundamentais princípios éticos a ser exercitado e transmitido.’’

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RESUMO

A Doença de Alzheimer (DA) vem se problematizando pela magnitude de seus sintomas orgânicos, comportamentais e psiquiátricos. Por ser uma doença progressiva e incurável a pessoa acometida necessita de cuidados gradualmente evolutivos, convocando de modo geral um responsável por esses cuidados que comumente é um membro da família e, portanto, influenciando nos sentimentos, na rotina e nas relações familiares diretamente, com uma sobrecarga, tanto física quanto psicológica. Com intuito de investigar os impactos psicológicos gerados na dinâmica familiar de idosos portadores da DA, particularmente no que se refere ao cuidador familiar, realizou-se um estudo, de caráter teórico e empírico, no município de Ijuí/RS, tendo como participantes cuidadores de idosos com DA. O critério para essa escolha foi possuírem vínculo de parentesco com esses idosos. A coleta de dados, realizada por meio de uma entrevista semiestruturada, teve como instrumento um questionário com perguntas abertas. A análise das respostas seguiu a proposta da Análise Textual Discursiva (ATD) alicerçada pelo referencial teórico que contempla a abordagem psicanalítica freudo-lacaniana com base em autores que trabalham, investigam e escrevem sobre o tema. Analisou-se que há casos em que o cuidador ocupa essa função por obrigação moral de realizá-la ou, ainda, para buscar reconhecimento por parte do doente e da família. As mudanças na dinâmica familiar geram conflitos, ocasionando um desafio tanto para o cuidador quanto para o idoso e demais familiares, devido à falta de preparo/orientação e queixas referentes à necessidade de suporte familiar, social e econômico. Portanto, o cuidador familiar vivencia conflitos internos e externos decorrentes dessa função, que evocam o lugar do sofrimento, reatualização de vivências e conflitivas como também o lugar da morte. Levando em consideração que o ato de cuidar envolve muitas questões por parte daquele que cuida e do sujeito que é cuidado, a psicanálise possibilita um olhar amplo e dinâmico aos aspectos profundos que estão envolvidos na tarefa de cuidar.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 6

1 REFLEXÕES TEÓRICAS SOBRE O ATO DE CUIDAR ... 8

1.1 Considerações sobre o cuidador e a dinâmica do cuidado ... 11

2 DINÂMICA FAMILIAR E INTERFERÊNCIAS NO ATO DE CUIDAR ... 16

2.1 Fatores que interferem na relação familiar a partir do diagnóstico da Doença de Alzheimer ... 17

2.1.1 Familiares cuidadores ... 17

2.1.2 Interpretação da dinâmica familiar ... 19

3 CONTRIBUIÇÕES DA PSICANÁLISE À COMPREENSÃO DA SUBJETIVIDADE DO CUIDADOR ... 25

3.1 O cuidado na identificação e reconhecimento do sofrimento ... 27

3.2 O embate com o lugar da morte: a construção de um luto ... 35

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 41

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INTRODUÇÃO

Os estudos sobre a Doença de Alzheimer (DA) vêm constituindo um campo de pesquisa em saúde pública no Brasil, haja vista, os fatores que estão entrelaçados desde a suspeita do diagnóstico até o seu fechamento, os desdobramentos da doença até a finitude, bem como, a complexidade no enfrentar uma doença degenerativa na família. Importa destacar neste contexto o papel dos cuidadores familiares de idosos com DA. O estudo sobre esse tema constitui um campo inaugural, devendo observar os aspectos culturais, sociais, econômicos e subjetivos da conjuntura familiar ao receber o diagnóstico de seu familiar com Alzheimer.

Cuidar de um familiar com doença degenerativa e/ou grave pressupõe o lugar da morte e remete ao aparecimento de preocupações e sofrimento. É um período onde há constantes mudanças da rotina e papéis desempenhados no contexto familiar. A exigência em relação aos cuidados pode culminar em um estado de sofrimento patológico a esse cuidador familiar. Atrelado ao diagnóstico e ao quadro da doença, reduz a qualidade de vida desse cuidador familiar, o que pode possibilitar um agravo a sua saúde física e mental (PEREIRA, 2014).

Considerando aspectos dinâmicos e complexos que se estabelecem em uma relação de cuidados, optamos por utilizar a abordagem psicanalítica no entendimento das questões que a perpassam. A teoria psicanalítica apresenta conceitos fundamentais para compreender os desdobramentos do cuidar, como a formulação do Complexo de Édipo, sendo este um dos conceitos basilares para entender as relações humanas (FIGUEIREDO, 2012; NASIO, 2007).

Levando em conta a importância de discutir a problemática do cuidado com idosos portadores de DA, apresentada como conjunto de questões que afetam a saúde pública, propomos, neste estudo, analisar a função do cuidador familiar do idoso com Doença de Alzheimer e seus desdobramentos, assim, como os impactos psicológicos que essa doença produz nesse cuidador familiar, possibilitando com isso, ampliar um espaço de discussão mais apurada no que se refere ao cuidado com o cuidador, considerando que sua qualidade de vida impacta na saúde do seu idoso familiar.

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Este estudo consiste em uma pesquisa de caráter bibliográfico e empírico, de natureza qualitativa, de cunho descritivo e exploratório. Considerando tratar-se de um estudo que envolve pesquisa com tratar-seres humanos, o projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ com respaldo nas Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisa em Ciências Humanas e Sociais envolvendo Seres Humanos, conforme a Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) nº 510/2016 de 07 de abril de 2016. O procedimento metodológico para a realização da pesquisa contou com um questionário semiestruturado, com perguntas abertas, possibilitando às entrevistadas falarem sobre as mudanças no grupo e dinâmica familiar, ocorridas após o diagnóstico e convivência com DA e, também, no que se refere à posição subjetiva na condição de cuidadora.

Foram entrevistadas três cuidadoras familiares de idosos com DA, selecionadas a partir de referências das Unidades de Saúde, sendo Estratégia Saúde da Família (ESF) e Unidade Básica de Saúde (UBS) do município de Ijuí – Rio Grande do Sul. Os critérios de inclusão foram familiares responsáveis pelos cuidados diários dos idosos portadores de DA e que possuem vínculo afetivo/emocional. Para resguardar o anonimato das cuidadoras entrevistadas, as mesmas foram nomeadas como C1, C2 e C3. A idade das cuidadoras variou entre 44 a 60 anos, sendo C1 47 anos, C2 60 anos e C3 44 anos; as três entrevistadas cuidam dos seus pais idosos com Alzheimer, C1 e C2 cuidam de suas mães e C3 cuida de seu pai.

Nessa contextualização, o estudo foi organizado em três capítulos. O primeiro discorre sobre a DA em seus aspectos biológicos e aborda a doença em uma perspectiva psicanalítica. Contempla, nessa perspectiva, o ato de cuidar e a função do cuidador familiar. O segundo capítulo apresenta os fatores que interferem na relação familiar a partir do diagnóstico da DA no que diz respeito à literatura e no discurso das entrevistadas. No terceiro capítulo são abordados aspectos subjetivos presentes na relação de cuidar a partir da análise das entrevistas, contemplando uma reflexão sobre os impactos psicológicos que acometem o cuidador familiar considerando, nessa reflexão, o olhar teórico da psicanálise.

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1 REFLEXÕES TEÓRICAS SOBRE O ATO DE CUIDAR

A Doença de Alzheimer (DA) é uma das formas de demência mais recorrentes entre as pessoas idosas. Dados do Ministério da Saúde assinalam que esse tipo de demência abrange cerca de 50% da população com mais de 80 anos e na medida em que o envelhecimento populacional vem se caracterizando como um fenômeno global, a doença de Alzheimer vem constituindo uma preocupação em saúde pública. No Brasil, atualmente, há em torno de 1,2 milhões de pessoas diagnosticadas com o mal de Alzheimer (AZEVEDO, 2018). Trata-se de uma doença neurodegenerativa progressiva e fatal que se evidencia por prejuízos significativos na cognição, memória, comportamento e atividades funcionais, apresentando, também, sintomas neuropsiquiátricos (PORTARIA SAS/MS nº 1.298/2013).

No que se refere aos sintomas, inicialmente são quase despercebidos, considerando tratar-se de falhas na memória que, no dia a dia, são reconhecidas como normais na velhice, porém, com a evolução da doença, aparecem com mais impacto, comprometendo atividades funcionais do idoso, tornando-o cada vez mais dependente como afirmam Mazoco, Suguihura e Weschsler (2017). Cabe mencionar que a DA ainda não tem cura e não há tratamento, satisfatoriamente, eficaz para evitar a sua evolução. Nesse aspecto é considerada como um problema de saúde pública em todo o mundo.

O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM - 5), classifica com possível ou provável Doença de Alzheimer o paciente que apresentar sintomas atrelados às evolutivas perdas cognitivas, sendo observadas em um ou mais fatores do domínio intelectual. O provável diagnóstico da doença, refere-se a indicadores de mutação genética atrelada à DA, apresentada pelo histórico familiar ou testagem genética, sendo necessária manifestações evidentes de diminuições na memória e na aquisição e ao menos em um aspecto cognitivo, tendo como característica, o aparecimento de perda evolutiva, constante e avançada da cognição. É imprescindível que seja descartada qualquer possibilidade de outro tipo de patologia que tenha também relação com perdas cognitivas, caso o paciente não apresente os sintomas acima, o diagnóstico é dado como possível e não provável Doença de Alzheimer.

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No campo da clínica, considerando o processo de envelhecimento, a demência remete a um conjunto de fatores que inclui a perda da identidade do sujeito, é o que observa Goldfarb (2004) em seu estudo sobre as demências. A autora ressalta que em um contexto demencial, a pessoa acometida pela doença distancia-se de si mesmo, não somente por fatores biológicos e neurológicos, mas também por uma perca subjetiva que diz respeito à psique, tendo como desdobramento, uma perca de identidade e histórica dessa pessoa.

De acordo com Goldfarb (2004), em um quadro demencial, o sujeito retorna à posição simbólica de sua infância. Em decorrência disso, surgem lembranças dos momentos de suas vivências, fatos que poderiam estar, até o momento, encobertos por mecanismos de defesas do ego. Mas, com a evolução da demência esse sujeito retrocede até desfazer-se de suas identificações simbólicas, identidade, sua realidade e laços afetivos. Dessa forma, o desdobramento de um quadro demencial é o apagamento do sujeito, escreve a autora.

Movidas pelo interesse em encontrar modificações psíquicas relacionadas à ocorrência da Doença de Alzheimer e defendendo a noção de que a psicanálise pode ter algo a articular em relação ao processo inconsciente, ao discurso do sujeito que está em decurso demencial próprio da doença, as autoras Barros e Queiroz (2009) escrevem que a demência manifesta aspectos da subjetividade do paciente acometido por DA, referindo a aspectos do inconsciente que se apresentam de forma desorganizada em seu discurso, o que muitas vezes causa desconforto, produzindo uma dificuldade de relacionamento no processo evolutivo dessa doença. As autoras afirmam que em decorrência dos sintomas da DA, bem como do seu avanço, ficam evidentes os prejuízos no que diz respeito a atenção, pensamento, memória e atividades funcionais. Em consequência destes danos, surge um sujeito desconhecido, que não se reconhece e que não é mais reconhecido em suas atitudes pelas pessoas próximas de si, é um sujeito que agora em sua fala expressa sentimentos nunca ditos anteriormente. Essa fala parece dizer de situações que foram esquecidas por muito tempo, sendo mantidas longe da consciência (BARROS e QUEIROZ, 2009).

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De acordo com Mannoni (1995), a demência é postulada em dois fins, sendo o do próprio sujeito em seu interior e do outro que não estabelece um diálogo com ele, de forma que esse externo que não se comunica com o doente é, também, afetado pela incapacidade de compreensão do mundo pelo doente. Nessa ótica, Cardoso e Neto (2016) observam que o idoso com Doença de Alzheimer, está constituído a partir de um distanciamento subjetivo e discursivo de sua vida, como tal, desloca-se de si mesmo levando a ocorrência de uma desconstrução de laços sociais e individuais.

Em seu estudo sobre a contribuição da metapsicologia freudiana para a compreensão dos sintomas de Alzheimer, Cherix (2017) ressalta que é evidente a explicação biológica em relação aos sintomas da Doença de Alzheimer, mas que é necessário pensar também sobre o sofrimento psíquico vinculado aos estágios e à evolução sintomatológica da doença, atrelados ao seu funcionamento psíquico e naquilo que se refere às defesas egóicas. Por se tratar de uma doença degenerativa e de evolução gradual, escreve a autora, percebe-se que em sua fapercebe-se inicial o supereu encontra-percebe-se fragilizado, haja vista, percebe-ser função responsável por barrar os comportamentos ditos inapropriados socialmente. Posteriormente, ocorrem o esfacelamento das funções egóicas cognitivas. Nesse aspecto, esse idoso não se reconhecerá como sujeito, pois há algo que está se perdendo, algo próprio da sua fundação enquanto sujeito (CHERIX, 2017).

Cherix (2017) ressalta que no percurso adiantado da doença, há uma dinâmica psíquica completamente remetida ao agora e, nessa ótica, pode-se dizer que, repentinamente, esse paciente está acordando para uma nova vida, sugere a autora. Cenas que são vistas remetem a algo estrangeiro, impossibilitando vincular breves sentidos ao que está acontecendo no momento. Compactuando com essas observações, Goldfarb (2004) evidencia que o desdobramento da demência é desintegração das funções egóicas do sujeito, e que esta não estaria somente atrelada a um aspecto orgânico, mas sim por uma soma de elementos que dizem respeito ao percurso das vivências sociais e subjetivas. Nesse aspecto, observa-se a relevância de um olhar amplo para um

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diagnóstico, haja vista, que este é permeado por fatores orgânicos, sociais, históricos, culturais, familiares e psicológicos.

1.1 Considerações sobre o cuidador e a dinâmica do cuidado

Por ser uma doença progressiva e incurável, a pessoa acometida pela DA necessita de cuidados gradualmente evolutivos. Assim, entra em cena o responsável por esses cuidados que geralmente é um membro da família. O ato de cuidar é pautado pela atenção dada a outra pessoa, é a responsabilidade de zelar pelo outro oferecendo auxílio para aquele que precisa, considerando as necessidades específicas do mesmo (BRASIL, 2009). Nesse contexto, esse familiar é inteiramente responsável por promover os cuidados básicos e específicos do idoso que, no caso de um portador de DA, aumentam com a evolução da doença (NEUMANN, 2010).

Cuidar de uma pessoa vincula uma ambivalência e sobrecarga de sentimentos do cuidador para com o seu familiar portador de DA. São sentimentos que remetem aos recursos psicológicos que cada sujeito tem para lidar com a situação, portanto, cada um assume essa função de cuidador a partir da sua singularidade (GONÇALVES, 2009). Um diagnóstico de DA pode desencadear divergências na família, especialmente no que diz respeito à escolha do responsável pelos cuidados com o idoso. Desse modo, a tarefa de cuidar inicia permeada por conflitos, dúvidas e insegurança, o que pode acarretar uma possível sobrecarga emocional no cuidador. Nesse caso, evidencia-se que o ato de cuidar constitui uma função de extrema complexidade e tem como consequência uma constante mudança de rotina (MAZOCO; SUGUIHURA e WESCHSLER, 2017).

A complexidade do processo da DA é perceptível em uma psicodinâmica familiar. A vivência problematizadora de acontecimentos e sentimentos ocorre desde o diagnóstico até a morte do paciente. Tornam-se evidentes os conflitos, dúvidas e sofrimento presentes desde a fase de não aceitação do diagnóstico, justamente pela dificuldade em aceitar que o ente querido sofre de um mal que

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vai, de alguma forma, apagar sua identidade, sua autonomia e suas lembranças (NEUMANN, 2010).

O comportamento do sujeito com DA, no decorrer da evolução da doença, traz desconforto aos familiares, considerando a presença de sintomas psiquiátricos que alteram sua conduta. Evidenciam-se, além de problemas de memória que dificultam e até mesmo impossibilitam o reconhecimento dos familiares, atitudes de agressividade, apatia, raiva, tristeza (GARRIDO; ALMEIRA, 1999). Assim, percebe-se que cuidar de idosos com Alzheimer é uma tarefa complexa, pois, em virtude da difícil função de ser cuidador familiar, muitas vezes este deixa de lado suas próprias necessidades para suprir a demanda que vem daquele familiar com DA (KUCMANSKI et al, 2016).

Viver em um cotidiano conturbado pela doença parece ser uma rotina comum aos cuidadores familiares, pois a dinâmica familiar está diante de perdas que ocasionam estresse e sofrimento, portanto, são momentos muito difíceis durante todo o percurso da doença. Essas perdas, não pressupostas no início, culminam num constante sofrimento psíquico dos familiares, tendo em vista que a única certeza que possuem é a perda, sendo tomados por um inevitável sentimento de frustração (NEUMANN, 2010). Com o objetivo de identificar impactos psicológicos em cuidadores de pessoas com DA, Mazoco, Suguihura e Weschsler (2017) demonstram em suas investigações que, sendo perceptível todo o percurso problemático e de difícil enfrentamento da doença, o cuidador do idoso com DA é tão abalado quanto a própria pessoa acometida.

Pereira e Soares (2015) ao analisarem fatores que influenciam a qualidade de vida do cuidador familiar do idoso com demência, observam que atualmente o idoso e o cuidador estão sujeitos a uma comunidade que não fornece suporte adequados às famílias, o que influencia severamente na qualidade de vida da dinâmica familiar. Essas autoras detectaram que no Brasil o campo de pesquisa sobre essa temática ainda é inaugural, assim, pontuam a necessidade de mais produções de trabalhos que vão de acordo com a realidade do país, com o intuito de aproximar as intervenções necessárias conforme as demandas de cada contexto familiar.

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Compactuando com essas observações, Gonçalves (2009) ressalta a importância de realizar mais investigações nessa temática de cuidadores familiares de idosos com DA, no que diz respeito aos diferentes contextos familiares, sociais e econômicos, afirmando que é necessário estar consciente da mudança de perfil dos cidadãos, considerando que nos próximos anos o aumento de idosos dependentes será bem mais perceptível. Constata-se, então, que estudos sobre cuidadores familiares de idosos portadores de DA estão sendo necessários. A complexa rotina de cuidados e a ambiguidade de sentimentos vivenciados por essas pessoas apontam para um possível sofrimento psíquico patológico em relação à função de cuidador.

Mazoco, Suguihura e Weschler (2017), em seus estudos sobre o impacto psicológico em cuidadores de pessoas com DA, observam a repercussão que a mudança do comportamento desse idoso portador de DA tem na relação com o cuidador. Pois, além das mudanças cognitivas e motoras que esse idoso sofre, as alterações de conduta como irritabilidade, alucinações, hiperatividade, tristeza e problemas de humor afetam também o cuidador que, muitas vezes, toma para si esses problemas de comportamento, como se a conduta do idoso fosse uma falha dos seus cuidados. Nesse aspecto, as autoras consideram que a relação do cuidador com o familiar com DA é uma convivência de altos e baixos.

De acordo com essas autoras o familiar responsável pelo cuidado do idoso é chamado de cuidador informal, tendo em vista que nessa relação há sentimentos afetivos envolvidos, o que diferencia de um cuidador formal que seria um profissional da saúde sem vínculo emocional com o paciente. Esse cuidador familiar/informal é intimamente ligado ao doente, o que ocasiona maior sofrimento psíquico nesse cuidador, pois este verá seu ente querido definhar aos poucos, considerando a perda constante das capacidades físicas, cognitivas e psicológicas que o acometem. Esse processo, presente na DA, é de sucessão de perdas, que remetem constantemente ao lugar que esse idoso representa na vida desse familiar.

Considerando que há mudanças na rotina do cuidador familiar, alguns autores (GONÇALVES, 2009; NEUMAN, 2010) constataram a existência de sentimentos negativos e positivos vivenciados pelos familiares entrevistados em

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suas pesquisas. De acordo com Gonçalves (2009), a ambiguidade de sentimentos demonstra o quanto é complexa a função de cuidador familiar. Em seu estudo sugere que sentimentos negativos estão atrelados a insegurança, medo, tristeza ocasionando uma situação desencadeadora de estresse e frustração, considerando a constante percepção de que não existe possibilidades de melhora em relação a essa doença. Os afetos positivos vivenciados, diz a autora, relacionam-se à satisfação de poder cuidar de quem já lhe cuidou, o que remete à atualização de um sentimento de gratidão do cuidador para com o doente.

Em conformidade com a leitura de Luís Cláudio Figueiredo (2012), a psicanálise, em seu saber e ofício, pode contribuir à compreensão desse estudo, considerando a possibilidade de um entendimento mais amplo sobre o ato de cuidar. Nessa perspectiva, o autor postula o que seria uma ‘teoria geral do cuidar’ permitindo trabalhar com o processo de cuidar em seus aspectos complexos e dinâmicos, tendo em vista um novo olhar sobre a condição de cuidar. Para esse autor, cuidar remete a um conjunto de procedimentos, com características profundas, sendo uma função que acolhe, reconhece e questiona, pois, o papel daquele que cuida é de sustentar a experiência de um lugar do sujeito que é cuidado. Nesse aspecto, cuida-se da alma e cuida-se do corpo, portanto, consiste em uma posição que sustenta e reconhece.

A constituição do sujeito psíquico ocorre por meio do Outro, sendo necessária a entrada da linguagem, cultura e a instalação de um lugar simbólico, apresentados pela função materna. Assim, há construção e identificações de referências simbólicas e imaginárias, fundamentais para essa constituição, sendo que esta tarefa é sustentada pelo agente dos cuidados (FIGUEIREDO, 2012). Falar em cuidados, em agente cuidador e psicanálise, implica em situar o Complexo de Édipo, pois este consiste o primeiro momento, no processo de constituição do sujeito, em que se estabelece um agente de cuidados sustentado pela função materna, esta necessária à constituição psíquica do sujeito.

Nasio (2007) escreve sobre a dissolução do Complexo de Édipo, afirmando que a criança desenvolve e integra parte de sua função superegóica, que é responsável pelas características morais, sentimento de culpabilidade e

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de identidade. Nesse sentindo, entende que o Complexo Édipo é um processo que permeará os conflitos pelos quais o ser humano se depara no decorrer de sua vida, pois, no Édipo se apresenta uma diversidade de sentimentos atrelados àqueles que ocupam os lugares das funções materna e paterna.

Compreendendo a importância dessa experiência edípica, tem-se claro que ela não finda na infância, mas se elabora e se ressignifica no decorrer da vida, pois esse sujeito passa pelo processo de sensações e sentimentos vivenciados em cada etapa desse Complexo. Nesse contexto, trabalhar com a lógica do inconsciente é levar em consideração sua dinâmica de recalcamento, onde se recalca uma cena, imagem, palavra, porém o afeto ligado a elas não. Nessa perspectiva, Nasio (2007) pontua que o Complexo de Édipo é um conceito crucial da psicanálise e que olhar para essa construção edípica é essencial para refletir sobre aquilo que nos tornamos como adultos neuróticos.

Levando em consideração a complexidade e a dinâmica que se coloca a partir dessa construção edípica, Figueiredo (2012) ressalta a importância desses cuidados que se faz sentir desde o início da vida, pois são experiências apresentadas por aquele que exerce os cuidados. Nessa perspectiva, o autor salienta a importância desses cuidados realizados pelas funções materna e paterna, uma vez que elas funcionam como uma instituição que dará lugar, reconhecerá e possibilitará vias para a transformação do sujeito em sua constituição.

A partir dessas observações percebe-se a complexidade do ato de cuidar, haja vista, que a dinâmica do cuidado está permeada na vida humana desde o nascimento e se estende até a morte. No cuidar sustenta-se um lugar, um sujeito em seu tempo lógico e cronológico. Assim, ao estudar os desdobramentos do ato de cuidar em familiares de idosos com Doença de Alzheimer, convém considerar o olhar da psicanálise sobre os aspectos complexos, dinâmicos, inconscientes e afetivos que permeiam o processo de cuidar, ressaltando a importância de olhar para esse sujeito cuidador, para dar lugar ao seu sofrimento e o olhar o modo pelo qual se posiciona frente aos cuidados que realiza.

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2 DINÂMICA FAMILIAR E INTERFERÊNCIAS NO ATO DE CUIDAR

Para Osorio (1997) a concepção de família como estrutura, vem se constituindo ao longo dos tempos, pois diz respeito a um conjunto de fatores culturais, políticos, econômicos, de identidade e religiosos. Nesse contexto, as diferentes épocas sociais vividas, em relação a esses fatores, respondem pelo lugar que a família ocupa em determinado tempo cultural. Sendo a família um elemento fundamental para a relação biopsicossocial dos seres humanos, o autor entende que os papéis paterno e materno são estruturadores no que concerne ao grupo familiar, portanto, concebe a família como um grupo primordial.

Nesse aspecto, Ravazzola, Barilari e Mazieres (1997) entendem a importância de ressaltar algumas definições sobre a instituição família, considerando que é um sistema social composto por diversos papéis e funções exercidas, que são fundamentais para a sua organização. A família é concebida como instituição que possui limites, normas, códigos, valores, mitos e diferenças hierárquicas. Ressaltando que essas dinâmicas internas estarão em conexão com o meio social com o qual estão estabelecidos. Esses membros influenciam e são influenciados, pois compartilham de pressupostos básicos e, desta forma, há uma magnitude de sentimentos envolvidos em uma relação familiar.

Define-se a família enquanto instituição e um grupo que se estabelece por uma dinâmica, regras, leis, hábitos e identidade que dizem respeito às normas sociais estabelecidas. No entanto, cada grupo familiar possuirá seus aspectos particulares como singularidades de um próprio e único grupo, que sustenta a transmissão da cultura e a manutenção dos papéis que cada membro ocupa, sendo essencial enquanto fundante na estruturação do desenvolvimento psíquico. A família é um objeto de estudo, considerando que nessa instituição há o acontecimento de complexas dinâmicas entrelaçadas em uma gama de sentimentos conscientes e inconscientes, que dizem respeito à relação construída no Complexo de Édipo, vivenciado pela criança em sua constituição como sujeito psíquico e que, posteriormente, responde pelo adulto que se tornou e a forma como se posiciona diante das relações que vincula (LACAN, 2003).

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2.1 Fatores que interferem na relação familiar a partir do diagnóstico da Doença de Alzheimer

O diagnóstico de DA provoca alterações significativas no comportamento dos idosos acometidos e, consequentemente, produz mudanças significativas na dinâmica familiar. Sobre essa questão, Neumann (2010) desenvolveu um estudo sobre as repercussões psicossociais que ocorrem na família de pessoas idosas com Alzheimer. Em sua pesquisa realizou entrevistas com familiares de pacientes com essa doença, constatando que houve mudanças de papéis no contexto familiar, mas que foram necessárias para dar conta das demandas que a doença exige.

De acordo com essa autora, houve também mudanças de hábitos e rotinas, o que problematizou as relações dentro do convívio familiar, considerando a queixa dos entrevistados em relação à falta de assistência dos outros familiares, uma queixa interpretada como abandono. Compreende-se que diante dessa doença as famílias precisam realizar inúmeras mudanças em sua rotina, em consequência da dependência constante desse idoso para com a família, sendo que essas mudanças, na organização familiar, repercutem na maneira em que essa família elabora as perdas decorrentes da doença.

Nessa ótica, Meneses e Aguiar (2014), estudando sobre as vivências relacionadas ao Alzheimer em relação ao cuidado com o cuidador, referem-se à importância de levar em consideração os aspectos particulares de cada cuidador, haja vista, que este recebe influências do núcleo familiar que está inserido, tendo como ponto essencial a constituição histórica, simbólica e social dessa família. Nesse aspecto, observa-se a relevância da família nessa função de cuidar. Mesmo que se tenha um cuidador principal, que seja a referência de cuidados, o núcleo familiar é responsável por dar o suporte essencial ao doente e a esse cuidador principal.

2.1.1 Familiares cuidadores

Para melhor apresentar o que foi dito nas entrevistas, no que se refere ao contexto familiar de cada entrevistada nesse estudo, abordaremos os principais aspectos das falas das cuidadoras em relação às mudanças na rotina e dinâmica

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familiar. Cabe lembrar que as cuidadoras entrevistadas receberam como codinomes Cuidadora 1, Cuidadora 2 e Cuidadora 3, como forma de preservar suas identidades. Assim, são utilizadas as siglas C1, C2, C3 para identificá-las nas narrativas.

C1 tem 47 anos, mora com sua mãe, seu esposo e dois filhos, deixou seu emprego formal para realizar os cuidados de sua mãe. A família da entrevistada é relativamente grande, considerando ainda, ter oito irmãos. Em seu relato, conta que cuida da mãe há 5 anos e afirma lidar bem com essa situação na medida do possível, pois organizou sua rotina em relação aos cuidados com a mãe. Apesar de ter 8 irmãos, conta somente com o apoio de uma irmã, que reside na cidade, com os cuidados de sua mãe. Seus filhos e esposo também auxiliam. Para realizar esse cuidado, teve que renunciar a muita coisa, como emprego, dar atenção aos seus filhos e outras situações, afirmando com isso que sua rotina se modificou bastante. Relata que sua mãe residia em outra cidade quando recebeu o diagnóstico da doença e que na época não via a mãe com frequência. Assim, não acompanhou os primeiros sintomas do quadro demencial. Sua mãe recebeu o diagnóstico de Alzheimer há mais ou menos 7/8 anos.

C2 tem 60 anos, mora com seu esposo e filha, relata que em um primeiro momento sua mãe morava com eles, porém sentiu a necessidade de reformar um cômodo na parte posterior do seu terreno para acomodar sua mãe, pois o confronto de 24h com a situação de sua mãe foi insuportável. Assim, a família de C2 paga uma cuidadora formal para realizar os cuidados na parte da tarde, porém, ela diz estar está sempre por perto. Relata cuidar de sua mãe há 10 meses e essa decisão foi pensada pelo grupo familiar. Comenta que a família briga, tem discordâncias, mas permanece unida, fazem reuniões para decidir sobre o que fazer em relação aos cuidados, dinheiro e responsabilidades de cada filho para manter o cuidado com a mãe. C2 tem 4 irmãos, que acompanham esses cuidados e que foram atribuídos a ela por estar aposentada e ter a vida mais organizada. Além do apoio desses irmãos, conta, também, com a filha e marido, ressaltando que isso a fortalece nos momentos difíceis.

De acordo com C2, a descoberta do diagnóstico ocorreu logo após a morte de seu pai, que também era portador da Doença de Alzheimer. A família

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estava envolvida nos cuidados com o pai e, após a sua morte, começou a perceber que a mãe apresentava alguns sintomas. O fato tem mais ou menos 5 anos, desde então, a mãe de C2 passava um tempo na casa de cada filho. C2 possui 4 irmãos, mas aquele que realizava os cuidados principais de sua mãe ficou doente. A partir do diagnóstico, a família passou por uma reestruturação, considerando as decisões em conjunto e o entendimento do diálogo como essencial para a tomada de decisões. C2 comenta que essa forma de agir foi aprendida desde pequenos com os pais.

C3 tem 44 anos, mora com o seu esposo. Relata que teve que construir uma peça com quarto e banheiro atrás de sua casa para seu pai, com o intuito de facilitar sua locomoção, pois sua casa tem escadas e isso poderia ocasionar uma queda, haja vista, que seu pai também possui Mal de Parkinson e sequelas físicas de um acidente de trânsito. Realiza os cuidados de seu pai há 13 anos, função que exerce desde o falecimento de sua mãe. O diagnóstico de DA em seu pai tem 2 anos, assim, relata que começou a perceber comportamentos inapropriados de seu pai, citando como exemplo, o fato de defecar no chão da casa e retirar a roupa sem pretexto.

Ao contrário das entrevistadas anteriores, não tem apoio dos irmãos (3 irmãos homens) para o cuidado com seu pai. Relata que recebe auxílio somente de seu núcleo familiar - marido, filho e genro e sua neta ‘emprestada’. Fala que se for preciso que algum dos irmãos cuide do seu pai, ela teria que pagá-los, pois gratuitamente eles não cuidam. Esses irmãos até vão à sua casa, mas não para ver o pai. O descaso desses irmãos levou-a a colocá-los na justiça para que ajudem nesse cuidado.

2.1.2 Interpretação da dinâmica familiar

A questão econômica, familiar, social, cultural e subjetiva são aspectos que estão inteiramente atrelados ao funcionamento de uma dinâmica familiar. Nessa ótica, percebe-se que há uma diferença na organização familiar de cada entrevistada, sendo que essas diferenças apontam para um estabelecimento organizacional específico em cada grupo, no que diz respeito ao cuidado e ao

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suporte familiar dado, o que pode beneficiar ou sobrecarregar, dependendo da forma como se estabelece em cada família.

Foi observado que o núcleo familiar das entrevistadas possui uma condição econômica favorável, o que contribui para um cuidar menos sobrecarregado. C1 deixou de trabalhar fora para cuidar da mãe, C2 é professora aposentada e C3 recentemente retornou ao mercado de trabalho. A média de renda familiar das cuidadoras é mais de 3 salários mínimos. C2 consegue realizar o pagamento de uma cuidadora formal para realizar os cuidados de sua mãe na parte da tarde. Para que C3 possa trabalhar fora, ela conta com a ajuda principalmente do seu genro. C1 é a única das entrevistadas que conta somente com um suporte esporádico da família.

A falta de apoio familiar pode ser vivenciada com ressentimento por esse cuidador familiar, pois no desemparo é natural esperar ajuda do outro, sendo essa ajuda referente ao auxílio com os cuidados físicos e emocionais desse paciente que são necessários em seu acompanhamento diário, visto que esse olhar outro, seja ele da família, comunidade ou do serviço público, aponta para um apoio que vem de fora, aquilo que não é somente do cuidador e que é fundamental para sustentar e autorizar esse cuidador, haja vista, que essa forma de representar-se como sujeito faz parte da construção imaginária, identitária e simbólica do ser humano (KÜBLER-ROSS, 2008; FIGUEIREDO 2012; NASIO, 2007).

Assim, percebe-se que o apoio informal ao cuidador é considerado fundamental para que se estabeleça uma rede de cuidados. Esse apoio, prestado ao cuidador, pelos familiares e demais setores sociais, é compreendido como um suporte em rede coletiva, pois sustenta o lugar do cuidador como agente social. Considerando poder contar com outras pessoas para a realização desses cuidados, essa rede possibilita ao cuidador familiar principal, sua ida aos espaços públicos, sociais e para a realização de suas tarefas particulares, tendo em vista que teve que abdicar uma parte de sua individualidade para dar conta das atribuições como cuidador principal. Nesse aspecto, esse apoio da família e comunidade funciona como auxílio físico e emocional. A família como rede de apoio, é fundamental no compartilhamento de decisões em relação ao doente e

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na partilha dos cuidados, o que possibilita diminuir os riscos de um esgotamento e sobrecarga de decisões e emocional e, ainda, contribui para a saúde física e mental do cuidador e do doente (PEREIRA, 2014).

Bleger (1984) aponta para a dimensão das funções, mecanismos e defesas psíquicas que estão presentes em um grupo familiar e que são fundamentais na formação de um indivíduo, haja vista, que não são indivíduos que formam grupos, mas que o grupo apresenta o lugar e a identidade para as pessoas. Desta forma, cita o Complexo de Édipo como fundante na constituição do sujeito, considerando que o bebê é inserido e apresentado ao social pelo grupo familiar ao qual pertence. Nesse aspecto, ressalta a introjeção e a projeção como fatores fundamentais para observar a dinâmica familiar, tendo esse processo iniciado no Complexo de Édipo, onde precisamos introjetar aquilo que vem do outro, sendo as relações em um núcleo familiar que possibilitam a fundação do sujeito de desejo.

A participação do outro, desde os primórdios, é fundamental e isso se repete no decorrer das relações humanas, ao passo que introjetamos aquilo que vem do outro, sejam regras, palavras, gestos e comando. Ressignificamos esses fatos e integramos em nossa subjetividade, posteriormente, o acontecimento fundamental é a diferenciação daquilo que é do outro e daquilo que é nosso. É necessário que essas introjeções passem pela ordem do reconhecimento e da diferenciação, pois é preciso postular a distinção do que é interno do eu e aquilo que é externo do grupo (BLEGER, 1984).

Assim, as mudanças em uma estrutura familiar, ocasionadas, por exemplo, por uma doença e/ou morte, fazem com que essa família se depare com as questões fundantes em sua organização e constituição, pois sabe-se que cada grupo possui características específicas. Desta forma, aquilo que ficou representado em sua constituição individual e coletiva, representam afetos, dificuldades e a forma como as questões foram introjetadas na dinâmica da família e no aspecto subjetivo de cada integrante. Nesse contexto, é evidente que o grupo familiar é detentor de uma gama de afetos, isso se coloca em discussão quando o grupo sofre por mudanças, pois precisará se reestabelecer na atribuição de papéis de cada membro. Desse modo, observa-se o

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estabelecimento de mecanismos de defesa egóicos desses membros, que podem ser observados em sua maneira individual e coletiva (BLEGER, 1984).

Quando ocorre fatos que desestabilizam o grupo, Bleger (1984) aponta para a necessidade de se estabelecerem defesas, sendo que estas se apresentam de maneira individual, grupal e a partir da relação entre esses dois aspectos. Explica que o grupo familiar sadio é aquele que consegue perceber, diferenciar e personificar o fato ocorrido, dando lugar para o acontecimento, permitindo a instalação de conflitos, discussões que são necessárias para possibilitar a elaboração e reorganização da família.

Pensando sobre um grupo que possuiria dificuldades na forma de agir, Bleger (1984) apresenta a formação de um grupo esquizoide ou disperso. Nele cada um ou parte dos membros, estabelece uma dinâmica somente com suas introjeções, deixando de lado as questões dos demais. Evidencia-se que essa dinâmica potencializa um conviver distante, ocasionando por vezes um bloqueio nas relações de proximidade afetiva, o que pode tornar as relações insensíveis e isoladas.

Compactuando com essa ótica, Lima e Marques (2007), em seu trabalho sobre as relações interpessoais em famílias com portador da DA, ressaltam que, ao se confrontar com esse diagnóstico, os familiares do paciente com Alzheimer começam a enfrentar um novo cotidiano, atrelado à sobrecarga, preocupação, agonia e aflição. Com a evolução da doença e a necessidade da ampliação dos cuidados é necessária uma reformulação da rotina para essas famílias, o que pode ocasionar uma crise familiar ou até mesmo um afastamento do convívio de alguns membros. Evidenciado o conflito, esse grupo familiar procura formas para se reestabelecer e conseguir sustentar-se para dar conta das atribuições referentes ao familiar doente e seus aspectos particulares. A família que consegue elaborar os conflitos, por meio da reformulação das funções e tarefas de cada membro, possibilita a construção de um diálogo, o que viabiliza que as próximas discussões sejam pautadas com melhor clareza.

A institucionalização é um dos embates que normalmente causam bastante desconforto ao grupo familiar, traz à tona os conflitos interpessoais no

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que refere ao lugar subjetivo que cada integrante da família ocupa. Nessa ótica, se estabelece a problemática dos papéis exercidos, pois ocorre muitas vezes uma inversão de lugares, de modo que os filhos que exercem os cuidados dos seus pais demenciados, ocupam a posição subjetiva de pais, podendo ocorrer uma infantilização desses pais (LIMA, MARQUES, 2007).

Nesse estudo, as cuidadoras C1 e C3 relatam que assumiram os cuidados de seus pais, pois seus irmãos queriam colocá-los em instituições para idosos. Ambas ressaltam que ao cuidar de seus pais retribuem o cuidado que lhes foi dado quando precisaram. C1 diz que apesar de sua mãe ser irritada, nomeando-a como ‘donnomeando-a encrencnomeando-a’, sempre cuidou delnomeando-a e de seus irmãos. Sendo nomeando-assim, não se sentiria bem deixando-a em uma instituição, o que ocasionaria uma privação do convívio familiar. Afirma que precisou assumir esse lugar para evitar a institucionalização de sua mãe.

C3 relata que a relação e convívio do seu pai com a família sempre foi complicada, por fazer uso de bebidas alcoólicas era agressivo e rigoroso, tendo, por vezes, quebrado utensílios em casa e, assim, ela e seus irmãos tinham que fugir para não apanhar. Afirma que sua mãe sofreu muito nas mãos dele. Diz que seus irmãos queriam institucionaliza-lo, mas ela não deixou. Seu medo era que nesse caso, fossem dopá-lo com medicamentos. Reconhece que “ele era ruim, mas que nunca deixou faltar alimentos” e dava conta de suprir as necessidades básicas da família. A relação da mãe de C2 com a família sempre foi permeada de diálogos, amizade, carinho e companheirismo. Assim, ela ressalta a importância dos valores que com seus irmãos receberam de seus pais, afirmando que esses ensinamentos fazem com que a relação deles permaneça intacta apesar dos conflitos que possuem em relação ao cotidiano dos cuidados. Entende-se a magnitude da dinâmica de cuidados, esses interligados por uma relação familiar, principalmente no que se refere à relação com funções materna e paterna. Sabe-se que algo se problematiza quando esse filho terá que ocupar o lugar de agente de cuidados para com aquele que lhe cuidou, podendo surgir emoções referentes a resistência, raiva, aflição, amor e zelo, sentimentos que dizem de uma relação que vem sendo construída no decorrer do tempo. Assim, podem se problematizar conflitos filiais, maternos e paternos que, até

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então, estavam implícitos. O fato de um cuidado remeter a outro possibilita pôr em discussão situações que foram vivenciadas na família, como cenas de inveja, brigas, culpa e/ou sentimentos de gratidão, amor e respeito. Essas situações vividas na família, que poderiam estar esquecidas, ocupam um lugar importante para a escolha do cuidador principal, o afastamento ou aproximação de outros membros da família (FIGUEIREDO, 2012; LIMA, MARQUES, 2007; NASIO, 2007).

Nesse aspecto, Kübler-Ross (2008) ressalta que normalmente não se leva em consideração de forma apropriada a família do paciente que sofre de uma doença fatal. Afirma, ainda, que esse olhar para a família é fundamental, pois os familiares executam funções significativas na manutenção do cuidado físico e emocional desse doente, tendo que, muitas vezes, assumir tarefas que eram de atribuições daquele familiar, que poderiam evitar e/ou não eram de seus hábitos. Retorna, então, a questão do lugar do familiar como agente de cuidados, sendo aquele responsável por acolher, sustentar e reconhecer o lugar desse familiar adoecido, tarefa que pode ser vista como um problema, podendo ocasionar patologias nesse cuidador (FIGUEIREDO, 2012).

Se confrontar com os infortúnios do cuidado diz respeito a maneira com que cada familiar ressignificou seus conflitos afetivos em relação à sua família e ao familiar que gerenciará os cuidados. Isso remete ao lugar subjetivo que ocupa frente ao que foi vivido e que agora retorna, podendo suscitar divergências, pois uma não elaboração de conflitos é capaz de ocasionar um sofrimento patológico intenso e, até mesmo, o surgimento de doenças mentais, tendo em vista que a Doença de Alzheimer requer cuidados intensos e graduais, que solicitarão desse cuidador um posicionamento ativo que sustente a identidade e cuidados básicos do familiar adoecido. Nesses aspectos, percebe-se que uma das atribuições mais importantes em relação ao contexto familiar é o suporte que um dá para o outro. Assim é imprescindível estabelecer um equilíbrio entre as necessidades do paciente e da família para que se estabeleça uma dinâmica de cuidado saudável para que não ocorra excesso de atribuições somente ao cuidador principal (LIMA, MARQUES, 2007).

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3 CONTRIBUIÇÕES DA PSICANÁLISE À COMPREENSÃO DA SUBJETIVIDADE DO CUIDADOR

O que perpassa o campo de estudo psicanalítico é o olhar para os aspectos inconscientes, afetivos, implícitos e explícitos, sendo reconhecidos a partir dos seus desdobramentos nas relações humanas em suas dimensões conflitivas, defensivas e amorosas (BLEGER, 1986). É nesse contexto que a abordagem psicanalítica se insere na articulação de conceitos fundamentais para analisar a complexidade das repercussões nas relações com o outro. Assim, conforme Fochesatto (2011), é através desse olhar que a psicanálise contribui para a construção de um espaço subjetivo para o humano como sujeito, possibilitando uma compreensão em relação aos seus afetos, ressignificando por meio da fala e do reconhecimento das ideias recalcadas, compreendendo a implicação que os acontecimentos, afetos passados repercutem no momento atual, uma vez que a vida psíquica é uma constante reatualização de afetos.

Freud (1914/1996) escreve sobre o lugar da repetição na vida do sujeito, demonstrando que os fatos acontecidos na infância serão interpretados e compreendidos em um tempo cronológico e lógico posterior, considerando que o afeto atribuído ao evento pode ser deslocado para outros objetos na vida desse sujeito, na amplitude das relações que estabelece. O autor enfatiza sobre a importância do trabalho psíquico em recordar essas memórias esquecidas, pois, assim atribuirá valor representativo consciente ao fato e nessa perspectiva, ressignificará o valor simbólico do acontecimento.

Lacan (2003) ressalta a relação da psicanálise com a fala, mais especificamente no que diz respeito ao discurso, sendo este, uma associação fundamental para analisar os efeitos que a linguagem produz na vida afetiva, social e cultural do ser humano, pois, é a partir dessa associação que o sujeito poderá construir vias de elaboração dos fatos passados e a construção de uma nova leitura sobre aquilo que hoje lhe representa. Assim, possibilitando a construção de um sujeito que se questione e se implique naquilo que lhe produz sofrimento atribuindo significados em sua experiência subjetiva, podendo olhar para seus endereçamentos de sentimentos em relação ao outro.

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Freud (1930/2010), em seu texto O mal-estar na civilização, atribui às relações humanas em sua amplitude de vínculos o mais tenebroso sofrimento, pois de fato, é algo que não podemos escapar. Assim, o que nos constitui como sujeito de desejo é justamente a falta, estabelecida na castração e representada pelo significante Falo, sendo este, representado por objetos que nos faltam e que a eles são atribuídos valores simbólicos de representação social. Portanto, essa construção falta, Falo e castração, constituídas no Complexo de Édipo, possuem uma função simbólica essencial para o sujeito, a instalação de uma Lei simbólica. A partir dessa dissolução edípica e elaboração dos conflitos vivenciados, este sujeito carregará um emaranhado de significantes, afetos, fantasias e se apropriará da sua neurose reeditando esse conflito em suas vivências posteriores (LACAN, 2003; NASIO, 2007).

Em sua ‘teoria geral do cuidar’ Figueiredo (2012) escreve sobre o lugar simbólico que o cuidar ocupa na vida do ser humano, de forma que essa experiência é vivenciada desde o nascimento até a morte. Isso constitui um fato carregado de histórias, que por vezes são elaboradas, ressignificadas e outras não, ficando assim, na ordem da negação e/ou recalcamento. Os cuidados dos quais fomos alvos na infância, adolescência e até mesmo na vida adulta, serão introjetados, simbolizados, formando um lugar representativo de experiência em relação a esse processo de cuidado. Nesse viés, a partir da maneira com que esses cuidados nos tomaram enquanto experiência real, simbólica e imaginária, iremos exercer a função de agente de cuidados (FIGUEIREDO, 2012).

A partir dessas reflexões, considerar os aspectos no âmbito do cuidador familiar de idoso com Doença de Alzheimer, remete ao momento de cuidar daquele que lhe cuidou, haja vista que, neste estudo, as cuidadoras C1, C2 e C3 realizam os cuidados de seus pais, assim, vivenciando a experiência subjetiva de dar suporte físico e emocional ao seu familiar. Esse tempo de cuidar de quem um dia foi seu agente de cuidados, poderá ser um momento de elaboração e reedição daquilo que representa os laços afetivos de cuidar e ser cuidado, o que pode ocasionar reflexões, recordações, embates e a retomada de sentimentos até então deixados no passado por este cuidador.

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Figueiredo (2012) aponta o lugar do cuidado como espaço de introjeção ao que foi estabelecido em sua história nessa prática, não somente pela via da reprodução de cuidados, mas de uma elaboração criativa nas práticas de cuidado que lhe foram atribuídas anteriormente. Sendo assim, a prática de cuidados que é exercida nos dias de hoje, está intimamente ligada aos cuidados que foram estabelecidos a esse agente cuidador em seu percurso, assim atribuindo o valor do cuidado em sua introjeção, reedição, simbolização e transmissão.

Com o intuito de analisar os desdobramentos do cuidar, traremos os fragmentos mais significativos abordados nas entrevistas com as cuidadoras em relação aos sentimentos que são evocados ao deparar-se com essa incumbência de cuidar quem lhe cuidou e de que forma esse trabalho é representado e articulado em sua subjetividade.

3.1 O cuidado na identificação e reconhecimento do sofrimento

O agente de cuidados é reconhecido pelo seu fazer, pelo lugar que ocupa no trabalho que realiza, seja de forma passiva e/ou ativa, por vezes observando e outras intervindo. Cuida-se da alma, pois no psíquico há uma história, identidade, singularidade que esse sujeito carrega e cuida-se do corpo, pois existe a necessidade de sustentar os aspectos de magnitude física. O lugar do cuidado pressupõe um fazer sentido na vida do outro, possibilitando sustentar a experiência e a integração do lugar que ocupa. É no fazer sentido, pela trajetória semântica, que se possibilita a experiência na via de uma articulação e simbolização, operando pelo estabelecimento da separação, recorte e articulação de uma dinâmica que olhe e respeite o lugar daquele que está sendo cuidado (FIGUEIREDO, 2012).

Nesse aspecto, o lugar do cuidado diz respeito ao reconhecimento dos aspectos íntimos e entrelaçados, no que tange as particularidades do agente cuidador e daquele que recebe os cuidados. Como um campo de ligações afetivas, estabelece uma ambiguidade de sentimentos, sendo estes basilares em

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qualquer relação, assim, construindo a necessidade de uma articulação na dimensão afetiva, cognitiva e de aspecto corporal e emocional. As referências imaginárias e simbólicas são fundamentais na manutenção desse lugar, haja vista, que a experiência subjetiva é exercida por meio da identificação, diferenciação, introjeção e simbolização, ainda remetendo às fantasias inconscientes, que podem ser projetadas nos cuidados, remetidas ao lugar de culpa, amor, ódio, vingança e ressentimento (FIGUEIREDO, 2012).

Figueiredo (2012) ressalta a relevância de olhar a especificidade do contexto atual, assinalando que esse lugar de cuidado parece estar em crise. A amplitude dos cuidados exercidos de forma individual e/ou coletivo, realizado por instituições, famílias, comunidades, também sofre com o declínio do reconhecimento social dos indivíduos em sua esfera cultural e econômica. Nesse aspecto, o que pode acontecer é um cuidar automatizado, que se estabelece como defesa, pois há um deslocamento na implicação no ato de cuidar

Tonelli (2001) em seu texto Organizações, Relações Familiares e Amorosas, ressalta que o movimento contemporâneo, refere-se à velocidade de uma construção flexível que, por vezes demasiada, pode ocasionar um desiquilíbrio singular e social, tendo por consequência uma necessidade de reorganização na vida do sujeito. Essa instabilidade nas relações, repercute na sociedade e nos vínculos onde permeiam os vínculos humanos. No que se refere ao trabalho, especificamente, por ser um elemento norteador da característica do homem, atua como função responsável por um reconhecimento social e de identidade do sujeito, sustentando a manutenção da vida pessoal, social e econômica de cada pessoa.

Freud (1930/2010) comenta que a dimensão do sofrer ameaça o homem desde sempre, sendo confrontada de três maneiras, a relação com outro, a relação com o próprio corpo e aquilo que é externo de sua natureza humana. Dunker (2015) estabelece o sofrimento como uma forma de reconhecimento social que responde a parâmetros socioculturais vivenciados em cada época, assim, cada tempo estabelece uma forma de sofrer.

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Figueiredo (2012) ressalta o sofrimento como algo intenso, haja vista, que este é exercido onde há ligamento e desligamento das relações, objetos e vivências, desta forma, está inserido em todos os aspectos da vivência humana. Uma nova situação apresentada, acentua a necessidade de reorganização que opera pela via do sofrimento, pois este é o afeto que opera pela via do movimento do sujeito frente ao seu desejo. Desta forma, o sofrimento é postulado como um estado fundamental na dinâmica psíquica e, recorrente ao ser humano, tendo em vista que as formulações nas experiências precisam ser estabelecidas, de forma que, aquilo que é velho, precisa ser elaborado e algo que se apresenta como novo precisa ser introjetado e simbolizado. Essas formulações que se apresentam no cotidiano, de fato causarão sofrimento, a questão que se coloca é de que maneira vamos lidar com ele.

Assim, pensando no sofrimento pela via do cuidado, essa função evoca uma ambiguidade de sensações, comportamentos e questionamentos. Nesse estudo, o que se problematiza ao cuidar de um familiar com DA é a dimensão do suporte físico, psicológico e identitário que esse cuidador terá que sustentar gradualmente ao seu familiar, pela complexidade dos sintomas neuropsiquiátricos que a doença produz. As familiares cuidadoras participantes deste estudo, atribuem o lugar do cuidado que realizam acentuando um sentimento de obrigatoriedade e moral ao realizar essa tarefa, ressaltando que sentem que esse trabalho é de sua inteira responsabilidade, haja vista, que se esse cuidado não fosse realizado por elas, os pais estariam institucionalizados, pois seus irmãos não assumiriam essa função de forma integral.

C1 possui uma extensa rede familiar de irmãos, no entanto, recebe o auxílio esporádico somente de uma irmã. Em seu relato acentua que se sente na obrigação de realizar esse cuidado da mãe como forma de retribuição e reconhecimento dos cuidados que recebeu e para evitar sua institucionalização. C2 recebe o apoio dos familiares, mas responsabiliza-se pelos cuidados da mãe por entender que no momento é ela que possui uma boa estrutura para isso, por ter a vida mais estabilizada do que seus irmãos, atribuindo assim, o sentimento moral e atrelado ao reconhecimento daquilo que a mãe lhe ensinou, entendendo que cuidar da mãe é dar tudo o que ela lhe deu. C3 esclarece que se dependesse

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dos irmãos o pai estaria institucionalizado, então, sente-se na obrigatoriedade de realizar os cuidados de seu pai, relatando que seus irmãos fazem pouco caso de até mesmo visitar esse pai.

O fato de as entrevistadas verem o cuidado como obrigatoriedade pode acentuar o sentimento de sobrecarga emocional e física, pois mesmo que possam contar com o auxílio de seus familiares, o sentimento de onipresença é algo recorrente em seus discursos. C1, C2 e C3 relatam que têm um compromisso diário com seus pais, cabendo-lhes a função de cuidadoras principais. Nessa ótica, em uma pesquisa sobre a percepção de cuidadores frente às mudanças ocorridas após um diagnóstico de demência, Cesário e Chariglione (2018) observam a sobrecarga em 75% dos familiares entrevistados.

O tempo cronológico de cuidado de cada participante do estudo se diferencia bastante; C1 cuida de sua mãe a 5 anos, C2 10 meses e C3 13 anos. Por reconhecer o tempo lógico, sabemos que números não são aspectos determinantes. No caso de C2, o cuidado realizado em seu domicílio é recente cronologicamente, o que não significa que essa implicação de cuidar seja recente, pois já produz efeitos na saúde mental da entrevistada. Relata sentir-se muito mal vendo a mãe sofrer, tendo presenciado momentos em que sua mãe estava angustiada relembrando situações do seu passado, nas quais retornavam ocasiões de conflito com sua avó paterna. C2 conta que só queria poder tirar esses sentimentos de sua mãe, relatando que esta sofreu em sua vida e agora está relembrando essas sensações ruins que viveu no passado. Assim, C2 vê como única alternativa medicar sua mãe para que ela se acalme, da mesma forma que tem lidado com seus sentimentos, pois comenta fazer uso de antidepressivos para ajudar amenizar a sobrecarga emocional de sua rotina. Também realiza acompanhamento neurológico e ultimamente está pensando em buscar atendimento psicológico para falar sobre sua condição de cuidadora.

As cuidadoras C1 e C2 relatam sobre os gemidos, despertar noturno e a incapacidade de reconhecimento dos pais frente a rotina como sintomas que lhe despertam incômodos. C1 aponta que o seu maior questionamento ao realizar os cuidados de sua mãe é saber agir diante dos sintomas apresentados na doença, ressalta sobre a dificuldade de se adaptar frente a isso. C2 diz

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desconhecer o comportamento de sua mãe, vê um apagamento da identidade de sua mãe, assim sendo, um apagamento do sujeito. C2 comenta que sente um certo espanto ao presenciar algumas frases de sua mãe e relata desconhecer completamente o lado racista e agressivo que a mãe exibe após a DA.

Nesse aspecto, em seu texto O inquietante, Freud (1919/2010) estabelece a relação da desordem assustadora ao nos depararmos com aspectos novos e impactantes naquilo que era de alguma forma posto e consistente em nosso cotidiano, essa sensação nos move e nos causa apreensão, pois remete a um lugar de medo, preocupação. Ao olhar para a mudança do comportamento de seus pais as cuidadoras refletem sobre o estado atual dos mesmos.

C1 relata que lembra da mãe sempre muito irritada, era uma pessoa brava, titulando-a como dona encrenca. Agora vê sua mãe em um estado de apatia, pois quase não se pronuncia, estando distante. C2 relata que a mãe sempre foi muito atenciosa e carinhosa e hoje, por vezes, ela desconhece e se entristece com a conduta da mãe. Diferentemente das outras entrevistadas, C3 relata que a relação com seu pai melhorou depois do diagnóstico de DA, referiu-se ter tido uma relação bastante conflituosa com ele e que após a doença consegue cuidá-lo melhor. Anuncia, ainda, que seu pai sempre foi muito severo o que dificultava o diálogo entre ambos e com a família. Depois do diagnóstico de DA “o pai virou um anjo” e hoje é melhor cuidar dele, conforme C3, seu pai virou um anjo após a DA.

Lima e Marques (2007) assinalam que cuidar de um portador de DA acentua o sentimento de esgotamento aos anos que podem durar o cuidado desse familiar, pelo fato das características que uma doença degenerativa possui e o comportamento dissociado que se apresenta, afetando as relações em toda a sua magnitude. Meneses e Aguiar (2014) ressaltam que em sua pesquisa sobre a vivência do familiar ao cuidar seu ente com Doença de Alzheimer, evidenciaram sentimentos de estresse e dificuldade acentuada, estabelecendo relação com a existência de vínculo afetivo com o doente e, também, pelas mudanças decorrentes da doença que repercutem nas afeições e na gradual dependência que permeia esse doente para com o seu familiar.

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A presença do vínculo afetivo e identitário estabelece outro lugar para a dinâmica de cuidados, é o que por vezes vai acentuar o sentimento de frustação e desamparo nesse cuidador. Em sua pesquisa sobre o cuidador familiar que realiza cuidados paliativos, Pereira (2014) observou o sentimento de desamparo, havendo uma história familiar de maior cumplicidade e proximidade. É nesse aspecto que Dejours (1996) aponta a importância que a psicanálise faz no reconhecimento das marcas construídas na infância e seus desdobramentos, pontuando que estas são o que temos de mais estabelecido em nossa personalidade. Ressaltando, que essa construção é dada por meio de etapas, marcadas pelas relações familiares e que apesar desses traços se enraizarem, eles sofrem efeitos do percurso que essa criança realiza até se tornar adulta. Dessa forma, o adulto é o efeito das marcas construídas em sua infância e ressignificadas em seu percurso, marcas que dirão de sua virilidade e/ou dificuldade que possui para elaborar suas vivências.

A psicanálise reconhece a identificação como processo mais primordial das ligações afetivas, sendo importante para sustentar o lugar do sujeito e estabelecer conexões da fase edípica (FREUD, 1921/2010). Nesse aspecto, C2 relata que a relação com sua mãe era de melhor amiga; conta que sua escolha profissional tem muita ligação com a mãe; fala sobre o apoio e incentivo que esta lhe deu para ser professora, pontuando que era um desejo dela, pois sua mãe sempre gostou de ensinar e ficou muito feliz quando C2 se tornou professora. Atualmente, ela sente como responsabilidade sustentar a história e identidade da mãe. Assim, como aponta Figueiredo (2012), o lugar de cuidador consiste em testemunhar, reconhecendo e estabelecendo as diferenças, proporcionado a manutenção da identidade e da história desse sujeito.

É no desfecho do Complexo Edípico, onde a criança estabelece a identificação de gênero, que a figura materna ou paterna ocupará esse lugar nodal na vida desse sujeito. Cabe mencionar essa conflitiva como fundamental na cultura humana, pois, sem esse conceito seríamos incapazes de articular a dimensão dos sofrimentos psíquicos. Sendo esse o processo, postula a construção de um luto em relação aos pais fantasiados, pois é estabelecida a

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primeira uma separação desses pais, que é necessária e precisa ser elaborada, visto que será reeditada inúmeras vezes na vida desse sujeito (NASIO, 2007).

Tendo em vista a magnitude que existe nas relações afetivas e que se potencializam ao se conectarem aos cuidados envolvidos no ato de cuidar um familiar com DA, Meneses e Aguiar (2014) observaram ao entrevistarem os familiares, que esse trabalho é um espaço de reatualização de afetos, sejam eles de amor, admiração, carinho e retribuição do cuidado que receberam. No entanto, essa função implica em renunciar fragmentos do seu cotidiano, que por vezes são fundamentais para a vida desse sujeito, assim, esse cuidador se confronta com o sentimento de insatisfação.

C1 menciona que quando necessita sair, sabe que precisa voltar rápido, afinal, ela diz da responsabilidade que possui em fazer tudo pela mãe. C3 relata que abdicou de realizar seus lazeres para ficar com o seu pai, remete que sair com ele dá muito trabalho, diz sentir falta de sair em festas, passear, mas que pelo transtorno prefere ficar em casa. Nesse aspecto, C3 menciona a falta de reconhecimento que tem dos seus irmãos, como dito anteriormente ela não recebe o apoio deles, mas que quando eles vão até a cada dela, direcionam reclamações e defeitos sobre os cuidados que ela realiza, a cuidadora pontua que seus irmãos são bons para reclamar, mas para ajudar não.

Meneses e Aguiar (2014) também observam em sua pesquisa como uma das queixas principais dos familiares cuidadores a falta de disposição dos outros familiares para ajudar no cuidado. Nesse aspecto, Figueiredo (2012) analisa o lugar que a falta de reconhecimento opera, dizendo que quando remetida ao sujeito deixa o sentimento de desamparo, considerando que o olhar do outro é constituinte na dinâmica psíquica, de tal modo que, esse suporte é fundamental para sustentar o lugar que ocupa. Ressalta, ainda, a importância do olhar do outro, ressalvando a necessidade de ficar atento aos excessos para que esse sujeito não fique à mercê da necessidade do olhar do outro.

Figueiredo (2012) aponta para o lugar do suporte dado que é dirigido ao agente de cuidados, sendo fundamental para a manutenção de um cuidado saudável, de melhor qualidade, pois possibilita a articulação do equilíbrio na

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