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NÃO OLHES SENÃO VÊS:

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE BELAS-ARTES

NÃO OLHES SENÃO VÊS:

Arte Urbana enquanto veículo de transformação social.

Marta Vieira Pinharanda Delgado

Dissertação

Mestrado em Educação Artística

Dissertaçãoorientada pelo Prof. Doutor João Paulo Queiroz

(2)

I

RESUMO

Este trabalho pretende demonstrar como pode a Arte Urbana ser um veículo de transformação social. Para isso, são apresentados dois casos concretos de experiências vivenciadas pela autora em contextos e comunidades desfavorecidas: o projeto URBANARAMA, desenvolvido no bairro Portugal Novo e atividades desenvolvidas pela associação AAUTS, composta essencialmente por moradores e ex-moradores do bairro do Alto da Cova da Moura. Em comum, os dois casos retratados têm a utilização da educação não formal aliada à educação artística, tendo como ferramenta de trabalho a Arte Urbana a fim de causar a transformação social nos contextos.

Além da análise documental, foram utilizadas durante o presente trabalho as metodologias de investigação ação participativa e metodologia da história oral. Serviram para dar respostas a questões relevantes ao tema do trabalho, podendo-se destacar entre outras as seguintes: Afinal, o que se entende por Arte Urbana?; De que modo pode a Arte Urbana contribuir para o desenvolvimento e transformação positiva de um lugar, de uma comunidade?

O trabalho foca a valorização da potencialidade artística e cultural dos contextos marginalizados e sua gente.

Palavras-chave: arte urbana; educação artística; educação não formal;

(3)

II

ABSTRACT

This work aims to demonstrate how Urban Art can be a vehicle for social trans-formation. To do so, two specific instances experienced by the author in deprived contexts and communities are put forward, namely the URBANARAMA project, implemented in the Portugal Novo blocks, and activities promoted by AAUTS, an organisation comprised mostly of residents and former residents of the Cova da Moura district. Both situations share an approach based on non-formal eduction combined with artistic education, choosing urban art as a tool for social change in those contexts.

Besides document analysis, participatory action investigation and oral history methodologies were used in the current study, and were instrumental in answe-ring questions relevant to its subject-matter, such as What does Urban Art mean?

and How can Urban Art contribute to the positive development and transforma-tion of a given place or community?

The work focuses on valuing the artistic and cultural potential of marginalised contexts and their people.

Key-words: urban art; art education; non-formal education; community; social

(4)

III

AGRADECIMENTOS

À minha mãe por estar sempre lá.

À minha tia Anabela e ao Tó pelo mesmo motivo.

Aos meus avós, todos já falecidos. Em especial à minha querida Hortense.

Aos amigos que já tinha e outros que acabei por fazer durante esta caminhada, Samantha, Xavier, Mimi, Katana, Cátia e Jéssica.

À Helena por ser uma inspiração e uma lufada de ar fresco sempre que me deparei com o caos.

Ao professor João Paulo Queiroz, por acreditar no meu trabalho.

A todos os que participaram de forma direta ou indireta durante o processo da minha investigação, em especial ao VIRUS e ao Ricardo Campos pelo interesse e disponibilidade.

(5)

IV Dedico este trabalho,

Às guerreiras e guerreiros que por circunstâncias da vida não tiveram as mesmas oportunidades, que foram ou são discriminados.

Às guerreiras e guerreiros que lutam por uma sociedade mais justa, inclusiva e bonita. Aos que não abandonam a batalha.

Eu sei, cansa

Quem morre ao fim do mês Nossa grana ou nossa esperança Delírio é, equilíbrio

Entre nosso martírio e nossa fé

Foi foda contar migalha nos escombro Lona preta esticadas, enxada no ombro E nada vim, nada enfim

Recria sozinho

Com a alma cheia de mágoa e as panela vazia Sonho imundo, só água na geladeira

E eu querendo salvar o mundo

Letra e Música: Emicida, Rael, Beatnick & K-Salaam

(6)

V

ÍNDICE

INTRODUÇÃO ... 1

1.1. Glossário ... 3

2. METODOLOGIAS DA INVESTIGAÇÃO ... 5

2.1. Investigação Ação Participativa ... 5

2.2. Metodologia da História Oral ... 6

3. A arte da margem ... 7

3.1. Bairro Portugal Novo ... 7

3.1.1. Quando conheci o Portugal Novo ... 9

3.2. Bairro do Alto da Cova da Moura ... 14

3.2.1. Entrevista ao artista VIRUS ... 17

4. Arte Urbana enquanto veículo de transformação social ... 22

4.1. Afinal, o que se entende por Arte Urbana? ... 22

4.1.1. O que é para ti a Arte Urbana? ... 26

4.1.2. Reflexão sobre o conceito de Arte Urbana a partir das respostas obtidas na entrevista ... 31

5. De que modo pode a Arte Urbana contribuir para o desenvolvimento e transformação positiva de um lugar, de uma comunidade? ... 34

5.1. URBANARAMA ... 34

5.1.1. Fases do projeto ... 36

5.1.2. Atividades URBANARAMA ... 39

5.2. AAUTS – Associação de Artistas Urbanos e de Transformação Social . 46 5.2.1. Como conheci a AAUTS e início da colaboração com a associação ... 47

5.2.2. Atividades realizadas pela AAUTS ... 48

6. Educação não formal faz-se com gente e para a gente ... 61

6.1. Educação não formal ... 61

6.2. Educação não formal e a educação artística ... 63

6.3. Arte Urbana e educação artística ... 64

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 66

REFERÊNCIAS ... 79

ANEXOS ... 89

Anexo I – Proposta de Projeto – URBANARAMA ... 90

(7)

VI

ÍNDICE DE FIGURAS

Figura 1. Fotografia do túnel do Largo Roque Laia, correspondente à entrada do bairro Portugal Novo ………

9

Figura 2. Fotografia do Largo Roque Laia onde se localiza a sede da AMPAC e Fachada lateral do edifício onde se pensou implementar o mural do URBANARAMA…

13

Figura 3. Fotografia da festa 15 de agosto……….. 14

Figura 4. Fotografia da festa 15 de agosto (cachupa)……… 14

Figura 5. VIRUS a pintar terraço de uma das casas do Bairro do Alto da Cova da Moura ………. 19 Figura 6. Obra I do artista VIRUS……….. 19

Figura 7. Obra II do artista VIRUS………. 20

Figura 8. Obra III do artista VIRUS……… 20

Figura 9. Obra IV do artista VIRUS……… 20

Figura 10. Obra V do artista VIRUS……….. 21

Figura 11. Cartaz realizado para a divulgação da atividade URBANARAMA FEST……. 40

Figura 12. Cartaz realizado para a divulgação da atividade URBANARAMA FEST (Concertos de Rap)……….. 41 Figura 13. Printscreen de um dos concertos……… 41

Figura 14. Fotografia I enviada ao URBANARAMA por moradores do bairro……… 42

Figura 15. Fotografia II enviada ao URBANARAMA por moradores do bairro………… 42

Figura 16. Cartaz realizado para a divulgação da atividade Concerto Solidário……… 43

Figura 17. Cartaz da atividade – Aprende a fazer roscas tradicionais com a Clarisse e vegan com o Márcio………. 44 Figura 18. Printscreen da atividade – Aprende a fazer roscas tradicionais com a Clarisse e vegan com o Márcio……… 44 Figura 19. Cartaz de divulgação para a atividade – Vamos falar de arte no bairro…… 45

Figura 20. Cartaz de divulgação da atividade Pintura de homenagem ao Tino…………. 46

Figura 21. Fotografia da atividade Pintura de homenagem ao Tino……… 46

Figura 22. Fotografia da preparação do muro para o workshop de graffiti………. 54

Figura 23. Fotografia I da atividade Workshop de graffiti……….. 55

Figura 24. Fotografia II da atividade Workshop de graffiti………. 55

Figura 25. Fotografia III da atividade Workshop de graffiti……… 56

Figura 26. Fotografia da atividade Workshop de dança hip-hop e street dance………… 57

Figura 27. Fotografia I da atividade Ação de visibilidade……… 58

Figura 28. Fotografia II da atividade Ação de visibilidade………. 58

Figura 29. Cartaz da atividade Concerto SoulJah……… 59

Figura 30. Fotografia I da atividade Concerto SoulJah………...……… 60

Figura 31. Fotografia II da atividade Concerto SoulJah………. 60

(8)

VII

Figura 33. Diagnóstico inicial público ...……… 71

Figura 34. Diagnóstico inicial contexto ………. 72

Figura 35. Recursos humanos e materiais ……….. 73

Figura 36. Objetivos gerais e específicos ……… 74

Figura 37. Custos e financiamento ……… 75

Figura 38. Parcerias ……… 76

Figura 39. Avaliação ……… 77

(9)

VIII

LISTA DE ABREVIATURAS

AAUTS Associação de Artistas Urbanos e Transformação Social AMPAC Associação de Moradores Paz Amizade e Cores

BIP/ZIP Bairros e Zonas de Intervenção Prioritária de Lisboa CML Câmara Municipal de Lisboa

GABIP Gabinete de Apoio aos Bairros de Intervenção Prioritária. Bairros

Ex-SAAL e Autoconstrução

GAU Galeria de Arte Urbana

GEBALIS Gestão do Arrendamento da Habitação Municipal de Lisboa GESTUAL Grupo de Estudos Socio-Territoriais, Urbanos e de Ação Local

IEFP Instituto de Emprego e Formação Profissional IIJ Iniciativa Internacional Joven (associação)

MC Abreviatura para Mestre de Cerimónias. Cantor/a de rap ONG Organização Não Governamental

RAP Abreviatura para a expressão inglesa Rhytm And Poetry SAAL Serviço de Apoio Ambulatório Local

(10)

IX Tanto, tanto, tanto Na embriaguez do encanto É tanto 'tanto faz' Que ninguém sabe quem fez. Mundo, gira, mundo, Mundo vagabundo, Não olhes, senão vês. Letra e Música: Aline Frazão

(11)

1

INTRODUÇÃO

Esta tese pretende mostrar de que modo pode a Arte Urbana ser um veículo de transformação social. Ao longo do texto entende-se por Arte Urbana todas as manifestações, intervenções e linguagens estéticas relacionadas com a street art, como a pintura mural, o graffiti, a dança hip-hop, entre outras expressões, realizadas em espaço comunitário. Por transformação social entende-se a alteração de atitudes, valores e comportamentos que conduzam a uma valorização dos contextos, dos lugares, das relações interpessoais.

Para sustentar a tese de que a Arte Urbana pode ser um veículo de transformação social, são reportadas as experiências obtidas e subsequentes reflexões construídas em dois contextos, tendo estes como elo de ligação a Arte Urbana, a educação artística e a educação não formal. Nas palavras de Jorge Larrosa Bondía (2002),

“a experiência não é o caminho até um objetivo previsto, até uma meta que se conhece de antemão, mas é uma abertura para o desconhecido, para o que não se pode antecipar nem “pré-ver” nem “pré-dizer” (p. 28)”.

A primeira experiência trata o projeto URBANARAMA, implementado no Bairro Portugal Novo, e a segunda prende-se com o trabalho desenvolvido pela Associação de Artistas Urbanos e Transformação Social (AAUTS), com a qual a autora colabora e que é constituída essencialmente por artistas moradores e ex-moradores do Bairro Cova da Moura.

Importante é sublinhar que o processo experimental continua ativo até à presente data, em ambos os casos - o projeto URBANARAMA encontra-se em fase de conclusão e a colaboração com as atividades da AAUTS mantem-se.

O que motivou a escrita desta dissertação tem a ver com a vontade de querer construir pontes entre os que são ouvidos e os sem voz. Isto é, fazer ver as potencialidades, dar visibilidade, fazer com que as vozes dos marginalizados sejam ouvidas e, principalmente, entendidas pelo e para o exterior, contribuindo assim para que se abram mais portas e oportunidades de fazer valer a cultura e a arte do bairro. Esta é a perspetiva dos projetos e trabalhos da autora, o de criar conexões entre os locais, entre os indivíduos, promovendo o diálogo e a relação

(12)

2 positiva através da arte e da cultura.

Sublinhe-se que, para além do caudal de informações advindas da comunicação social, muitas vezes deturpando a realidade, existe uma outra série de efetivas razões para olhar os contextos desfavorecidos e sua gente com olhos que não discriminam, que não julgam sem primeiro procurar conhecer - Não olhes, senão vês.

Segundo Pierre Bourdieu (2008),

Falar hoje de “subúrbio com problemas” ou de “gueto” é evocar, quase automaticamente, não “realidades”, aliás muito amplamente desconhecidas daqueles que falam disso de muito bom grado, mas fantasmas, alimentados de experiências emocionais suscitadas por palavras ou imagens mais ao menos não controladas, como aquelas que a empresa sensacionalista e a propaganda ou o boato político veiculam (p. 159).

Ao longo deste registo, o leitor encontra em primeiro lugar uma referência às metodologias de investigação usadas para o processo de investigação, nomeadamente, a análise documental, a ação participativa e a metodologia da história oral.

No capítulo: A arte da margem, é feito um enquadramento histórico, artístico e cultural sobre os contextos de ação relacionados com as experiências vivenciadas, nomeadamente, Bairro Portugal Novo e Bairro do Alto da Cova da Moura.

No capítulo, Arte Urbana enquanto veículo de transformação social, pretende-se em primeiro lugar a abordagem ao conceito de Arte Urbana, para depois elucidar o valor que esta pode ter enquanto veículo de transformação social, oferecendo espaço para o diálogo aberto entre os indivíduos, o espaço que os rodeia e suas problemáticas sociais. Foi feita a pergunta: O que é para ti a Arte Urbana? a vários artistas relacionados com o movimento, no sentido de entender as diferentes perspetivas que cada um tem. De seguida é apresentada uma Reflexão sobre o conceito de Arte Urbana a partir das respostas obtidas na entrevista.

No ponto De que modo pode a Arte Urbana contribuir para o desenvolvimento e transformação positiva de um lugar, de uma comunidade? é dado a conhecer o projeto URBANARAMA, suas fases e atividades realizadas. Segue-se a apresentação da AAUTS, assim como o trabalho em que existiu a participação

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3 da autora enquanto colaboradora da associação.

O texto continua no capítulo Educação não formal faz-se com gente e para a gente. Aqui, é feita uma associação das experiências retratadas anteriormente aos conceitos que nelas foram trabalhados: educação não formal; educação artística e Arte Urbana, através da abordagem a alguns autores, investigadores e pedagogos que marcam as respetivas temáticas.

Para finalizar, são apresentadas as Considerações finais extraídas das experiências e investigação realizada, através de reflexões sobre as mesmas, análise de resultados obtidos, relevância do trabalho realizado e propostas a desenvolver no futuro.

1.1. Glossário

Ao longo do trabalho surgem termos especificamente usados no domínio da Arte Urbana, de linguagem popular, muito normalizada nesses meios e termos próprios das culturas envolvidas. Este glossário tem como finalidade facilitar a leitura do texto.

Assemblage – Termo francês que designa uma colagem ou composição

artística elaborada com diferentes materiais.

Beat – Expressão inglesa que significa bater; pulsar. É o ritmo melódico criado

e utilizado nas músicas de rap.

Bombing – Técnica do graffiti que corresponde à pintura rápida sem grande

elaboração ou preocupação estética.

Caps – Peça que é colocada na lata de aerossol por onde sai a tinta. Existem

diferentes tipos de caps com diferentes espessuras para permitir uma variedade no traço do desenho.

Fame – Elaboração de um graffiti por mais que um writer que pode ou não

homenagear algo ou alguém.

Freestyle – Corresponde à capacidade de improvisar no momento. Estilo livre. Henna – Pigmento de cor que se obtém através do extrato do pó da trituração

das folhas da planta Lawsonia inermis.

Litrosas – Termo da linguagem informal para designar as garrafas de cerveja de

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4

Locking dance – Estilo de dança associado ao funk com origem na comunidade

negra dos EUA por volta da década de 60 do século passado. A técnica consiste em movimentos rápidos, exagerados e precisos, aliados à interação com o público através de expressões corporais como o sorriso.

Stencil – Técnica de pintura que consiste na aplicação de desenho sobre

qualquer tipo de superfície. Pode ser feita com tinta aerossol ou não. Os moldes para fazer o desenho de stencil podem ser de papel, plástico, metal ou acetado.

Tag – Assinatura do writer pela qual é conhecido. Writer – Indivíduo que pratica o graffiti.

(15)

5

2. METODOLOGIAS DA INVESTIGAÇÃO

Perante os objetivos do presente trabalho, em que a experiência fundamenta a investigação, decidi manter foco estratégico nestas duas metodologias: Investigação Participativa e Metodologia da História Oral.

A experiência implica relação direta com o espaço, o tempo e os indivíduos que neles intervêm. A experiência é feita de entrega ao desconhecido, visando que este nos proporcione conhecimento. O sujeito que experiencia necessita de despir-se de preconceitos construídos, embarcando nela com disponibilidade para digerir a novidade, adquirindo uma certa postura de vulnerabilidade. Segundo Jorge Bondía, (2002),

É incapaz de experiência aquele que se . . . opõe, ou se impõe, ou se propõe, mas não se “ex-põe”. É incapaz de experiência aquele a quem nada lhe passa, a quem nada lhe acontece, a quem nada lhe sucede, a quem nada o toca, nada lhe chega, nada o afeta, a quem nada o ameaça, a quem nada ocorre (p. 25).

Deste modo, as metodologias selecionadas enquadram-se no pretendido. Ou seja, na ação direta e participativa durante as experiências – projeto e atividades, assim como, para a recolha de registo de informação, recorrendo à narrativa oral de alguns envolvidos com as temáticas abordadas.

Para a fundamentação teórica foi utilizada a metodologia da Análise

documental, visando complementar a informação obtida através dos registos

sobre os objetos em estudo.

2.1. Investigação Ação Participativa

Escreveu José Saramago (2010), em O Conto da Ilha Desconhecida, “que todo o homem é uma ilha . . . Que é necessário sair da ilha para ver a ilha (p. 31)”. Sair da teoria para a participação na própria ação. Sobre esta metodologia existem uma série de estudos, teses e abordagens. O termo investigação-ação, foi utilizado pela primeira vez no artigo Action Research and Minority Problems,

To act correctly, it does not suffice, however, if the enginner or the surgeon knows the general laws or physics or physiology. He has to know to the specific character of the situation at hand. This character is determined by a scientific

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6 fact-fiding called diagnosis (Lewin, 1946, p. 37).

Em ambos os casos, no projeto URBANARAMA e nas atividades da AAUTS, o processo de investigação foi realizado de forma participativa, incluindo um envolvimento não só de base teórica, mas também prática, para assim sustentar uma avaliação de diagnóstico válida em cada um dos contextos.

2.2. Metodologia da História Oral

Dadas as características e objetivos deste trabalho, a utilização da Metodologia da História Oral foi essencial para a recolha de informação crua, espontânea, produzida pelos próprios intervenientes no processo e outros de interesse para o tema. Segundo David Russel (s.d.),

The interview process practiced by oral historians affords participants in historical events an opportunity to address the historical record directly, to clarify what they see as misconceptions in third-person accounts, to discuss their own motives and those of other participants, and to provide their own personal assessment of the significance of the events in which they took part (p. 1).

Foram gravados depoimentos e relatos de indivíduos relacionados com a Arte Urbana e/ou o projeto em questão – URBANARAMA e atividades da associação AAUTS.

Durante cada entrevista realizada existiu sempre a preparação prévia de um guião. Contudo, foi sempre proposta e deixada em aberto a possibilidade do entrevistado, partindo dos pontos-chave do guião, se pudesse sentir à vontade para abordar o que achasse mais relevante, através de respostas abertas. Todas as entrevistas foram realizadas através de áudio e a informação foi transcrita para o presente trabalho.

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7

3. A arte da margem

Contextualizando os lugares que se relacionam com as experiências do trabalho, a nível da sua história, caracterização da população e atividade artística, abordou-se o caso do bairro Portugal Novo, que surge a partir do programa SAAL (Serviço de Apoio Ambulatório Local) criado já no pós-25 de abril de 1974 e do Bairro do Alto da Cova da Moura, que surgiu através da ocupação de terrenos agrícolas privados por volta da década de 60 do século passado, onde foram realizadas construções ilegais.

Correntemente, é vulgar a utilização do termo bairro social para fazer referência a estes e outros locais com características semelhantes. Contudo, nos bairros em análise, nem num caso, nem noutro, podemos, em termos rigorosos, falar de bairro social, se se entender que a construção de um bairro social obedece a um projeto da responsabilidade do poder, nomeadamente do poder local.

O bairro do Alto da Cova da Moura é um bairro de génese ilegal, já o bairro Portugal Novo tem génese legal; tendo sido abandonado, tornou-se de facto num bairro ilegal. Como consequência, manifestam falta de infraestruturas básicas, têm condições de habitação deficientes e outras questões de natureza social. Porém, neles construiu-se ao longo do tempo uma identidade própria, envolvendo os seus habitantes que influenciam diretamente estes lugares com a sua cultura.

Segundo Pierre Bourdieu, (2008), “o lugar ocupado pode ser definido como a extensão, a superfície e o volume que um individuo ou uma coisa ocupa no espaço físico, suas dimensões . . . (p. 160)”. Assim, os indivíduos fazem o seu lugar, e ao mesmo tempo são o lugar.

3.1. Bairro Portugal Novo

Este bairro, localizado nas Olaias, freguesia do Areeiro, Lisboa, onde foi implementado o projeto URBANARAMA, é fruto, como atrás foi referido, do programa SAAL, onde os projetos urbanísticos eram caracterizados pelo envolvimento direto da população no planeamento e sua construção. O seu nome oficial é Bairro da Quinta do Bacalhau, porém, acabou por ficar conhecido como Portugal Novo, devido ao nome da cooperativa de habitação criada para o

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8 efeito – Cooperativa de Habitação Económica Portugal Novo - que veio a falir em meados dos anos 80.

Segundo o site do Sistema de Informação para o Património Arquitectónico, o bairro caracteriza-se na sua composição por um “conjunto de grande dimensão composto por edifícios multifamiliares em banda de quatro pisos, formando quarteirões abertos (27 de julho de 2011)”.

O terreno onde foi construído o bairro pertence à Câmara Municipal de Lisboa (CML). Contudo, desde que a cooperativa faliu, acabando por contrair uma dívida colossal à Caixa Geral de Depósitos, passando as habitações a não estarem atribuídas a ninguém. Este fator fez com que, gradualmente e até ao presente, as casas tenham vindo a ser ocupadas ilegalmente. Existem relatos de moradores que por diversos motivos se ausentaram temporariamente da habitação e ao regressarem se depararam com outras pessoas estranhas a viver na sua casa. Esta é, de facto, a problemática mais vincada do Portugal Novo, conhecido também por terra sem lei.

Repare-se que a zona urbana circundante ao bairro acaba por escondê-lo, visto que ao passar na Rua Américo Durão por exemplo, junto ao posto da polícia, para quem não conhecer bem a zona, nem dá pela sua existência. A entrada para o bairro faz-se a partir de um túnel localizado no Largo Roque Laia (cf. Figura 1). Ao entrar no bairro, dá a sensação de estarmos numa realidade paralela, pois toda a paisagem tem características completamente contrastantes com a paisagem anterior.

Dentro do bairro não encontramos infraestruturas capacitadas para dar resposta a quem o habita, não há escolas, creches, infantários, centros de dia, espaços de lazer, parques infantis, jardins, cafés, restaurantes, não há vestígios de arte, excetuando um pequeno mural já visivelmente quase apagado por obra do tempo.

É um bairro onde só entram os de fora, ou seja, os que nele não habitam, se houver um motivo muito específico, não sendo um sítio convidativo. A maioria das visitas externas são realizadas por trabalhadores de instituições sedeadas em grande parte na Rua Wanda Ramos.

Segundo algumas publicações disponibilizadas nos MEDIA, o bairro é conhecido por ser palco de venda e consumo de drogas pesadas.

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9 habitantes do bairro. Porém, segundo Rui Martins (2019), “é habitado por mais de 1400 pessoas (ninguém conhece o número exato) em 300 fogos”.

São quatro as comunidades predominantes neste contexto, cabo-verdiana, caucasiana, cigana e indiana.

Devido à escassez de informação de investigação, documental e dados oficiais acerca do bairro Portugal Novo, e tendo em conta que a autora trabalhou no local durante cerca de um ano, a contextualização do bairro Portugal Novo é complementada com o um relato na primeira pessoa. Abaixo segue esse texto que prima por dar a conhecer melhor o bairro segundo o que foi vivido e observado.

3.1.1. Quando conheci o Portugal Novo

Foi em meados do início de 2019 que conheci o bairro ao ingressar num estágio profissional remunerado pelo IEFP (Instituto de Emprego e Formação Profissional) para coordenar um projeto sociocultural de uma ONG (Organização Não Governamental) nele sedeada. Até então, nunca deste local tinha ouvido falar, a não ser por parte de um amigo que ali perto estudou hotelaria e me tinha comentado sobre o bairro azul onde volta e meia se ouviam tiros.

Antes de dar início ao meu estágio, para matar a curiosidade, acabei por fazer uma pesquisa nos MEDIA. Conforme ia vendo vídeos e lendo notícias sobre o

Figura 1. Fotografia do túnel do Largo Roque Laia, correspondente à entrada do bairro Portugal Novo. Fonte própria.

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10 bairro, confesso que começou a crescer em mim uma certa insegurança devido aos relatos de violência e crimes, o medo do desconhecido. Ainda assim, decidi iniciar a experiência, ver com os meus próprios olhos que sítio era aquele, qual a sua dinâmica e as suas reais problemáticas.

O edifício da ONG onde trabalhei é caracterizado por escassa iluminação solar, falta de janelas na grande maioria dos compartimentos. As paredes do compartimento maior – o refeitório – e da própria receção estão pintadas com um azul escuro, o que torna o ambiente ainda mais pesado. De referir que esta ONG trabalha diariamente com população sem-abrigo, toxicodependente e pessoas em situação de pobreza. Este ambiente por si só já era bastante desafiante. Para desenvolver o projeto, estava atribuído outro espaço numa outra rua, rua Wanda Ramos. Esse espaço tem as características de uma loja de rua, a parte frontal apresenta vitrines, a porta também ela de vidro, dando por vezes a sensação que estava a trabalhar no meio de uma das ruas do bairro. O espaço foi construído através da atribuição de uma verba à ONG por parte de uma sua candidatura ao Programa BIP/ZIP (Bairros e Zonas de Intervenção Prioritária de Lisboa). Foi ali que durante nove meses assegurei o projeto, sozinha, tendo como público adultos e seniores, alguns deles moradores do Bairro Portugal Novo, outros dos arredores, como por exemplo, do Bairro da Picheleira – antiga Quinta da Curraleira.

Diariamente, de segunda a sexta, picava o ponto no edifico central da ONG e seguia para o edifício destinado ao projeto. Foi aí que comecei a conhecer, conviver e compreender melhor o local em que me encontrava, ouvia histórias diárias e passadas no bairro. Insisti em realizar atividades fora de portas que permitissem uma maior interação com o exterior para que não se resumisse ao estarmos presos naquela sala, querendo também oferecer ao grupo outro tipo de experiências como idas ao teatro ou atividade física ao ar livre. Contudo, com o passar do tempo, sentia cada vez mais a emergência em conhecer a camada mais jovem do bairro e também outras etnias ali residentes, visto que o grupo do projeto se caracterizava por caucasianos portugueses e era um grupo fechado. Isto é, cada vez que surgia um elemento novo na sala, fosse de origem cigana, africana ou indiana, o grupo oferecia alguma resistência ao processo de integração destes indivíduos.

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11 reúne representantes das organizações e instituições que de algum modo estão ligadas ao bairro, como por exemplo, a GEBALIS (Gestão do Arrendamento da Habitação Municipal de Lisboa), a Polícia Municipal de Lisboa, a Associação de Moradores, entre outras.

Apercebi-me que era uma boa oportunidade para fazer contactos e conhecer outras perspetivas, assim como trabalho realizado no ou para o bairro. Comecei a dialogar com mais frequência com a AMPAC (Associação de Moradores Paz Amizade e Cores), associação de moradores do Bairro Portugal, entidade bastante recente, ainda com poucos meses de existência na altura. Esta fica sedeada num edifício que se encontra mesmo ao lado do túnel que dá entrada ao bairro (cf. Figura 2). A partir desta altura, a minha presença foi cada vez mais assídua nas atividades da AMPAC, sendo solicitada para colaborar nas mesmas. Consoante o que ia observando da dinâmica dos moradores do bairro, apercebi-me que a sua moviapercebi-mentação se fazia sentir em grande parte no entrar e sair de casa, ou melhor, no entrar e sair do bairro. Havia também muitas crianças a jogarem à bola na rua sem qualquer tipo de espaço apropriado, outros jovens a conviver numas mesas onde se realizam pontualmente churrascos e outros que preferiam ficar sentados ou encostados a conversar junto aos prédios do bairro. Tudo isto consequência da já referida notória falta de infraestruturas e oferta para fazer face às reais necessidades dos moradores.

Em relação à atividade artística, apercebi-me que existiam algumas mulheres batucadeiras que ali residiam, mas que tocavam fora do bairro. Conheci ainda dois cantores de rap e uma professora de dança.

Em termos de obras artísticas na paisagem, o bairro conta única e exclusivamente com um pequeno mural desgastado pela ação do tempo, elaborado pelo artista urbano VILES. Decidi entrar em contacto com o artista a fim de saber mais, isto porque os próprios moradores e também membros da AMPAC não conheciam bem a origem do trabalho, nem o artista. O VILES explicou-me que foi uma encomenda da Junta de Freguesia do Areeiro que o contratou para realizar o trabalho. Disse-me que não era morador, mas que conhecia lá uns amigos. Aproveitei também para o convidar para o projeto artístico-cultural que tinha em mente e que se veio a tornar no URBANARAMA, mas infelizmente ele estava sem disponibilidade para participar.

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12 projetos para a comunidade que tem como objetivo a realização de Projetos de Intervenção Comunitária (PIC), contribuindo assim para o desenvolvimento do contexto. Querendo aproveitar esta oportunidade, convidei um dos elementos da AMPAC e um outro elemento que tinha trabalhado com educação e artes performativas num bairro próximo ao Portugal Novo, para formar equipa e assim apresentarmos uma proposta de projeto para o bairro. No capítulo – Arte Urbana enquanto veículo de transformação social deste trabalho, é explicado com maior detalhe o projeto URBANARAMA, assim como o seu desenvolvimento.

Tive também oportunidade de experienciar o 15 de agosto (cf. Figura 3 e Figura 4), que se traduz na grande festa anual do bairro e é organizada pelos padrinhos da festa, isto é, moradores que contribuem com o seu próprio dinheiro e recursos para tornar o evento possível. Toda a comida e bebida, assim como os concertos e performances que acontecem nesta festa são gratuitos. Foi a primeira vez que presenciei um evento com estas características e pude sentir um espírito que só sente quem já esteve nesta festa. A maioria dos participantes são de origem cabo-verdiana, porém também nela participam as outras comunidades com maior influência no bairro, comunidades caucasiana, cigana e indiana. No 15 de agosto de 2019 existiu uma novidade, foram colocadas bancas de venda. Algumas senhoras da comunidade indiana tiveram à venda comida caseira tradicional indiana e havia também pintura das mãos com henna para quem quisesse experimentar. A comunidade cigana também tinha uma banca com artigos de moda. O ambiente era de interculturalidade.

Apercebi-me de que esta festa tem um grande significado para os moradores do bairro. Na véspera do dia da festa, algumas mulheres de origem cabo-verdiana começam a preparar a cachupa, prato tradicional da sua terra e que é o grande petisco da festa. As panelas ficam ao lume nas ruas do bairro e este momento já marca o iniciar do grande evento, pautado pelo convívio e interajuda entre os moradores.

As atuações foram marcadas por música e dança africana e por uma missa alusiva ao feriado, não esquecendo que este dia assinala o Dia da Assunção da Virgem Maria e que, sendo a festa organizada maioritariamente por cabo-verdianos e portugueses com origem cabo-verdiana, a religião mais praticada por esta comunidade é a católica.

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13 projeto Caixas de Boxe (Boxing Boxes), estrutura desenhada pelo arquiteto mexicano Daniel De León Languré, no âmbito da Trienal de Arquitetura 2019, que tem como objetivo oferecer um sítio para a realização de atividades desportivas.

Figura 2. Fotografia do Largo Roque Laia onde

se localiza a sede da AMPAC e Fachada lateral do edifício onde se pensou implementar o mural do URBANARAMA. Fonte própria.

Figura 3. Fotografia da festa 15 de agosto. Fonte própria.

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14

3.2. Bairro do Alto da Cova da Moura

Já no caso do Bairro do Alto da Cova da Moura, localizado no concelho da Ama-dora, freguesia de Águas Livres, bairro onde cresceram ou ao qual têm uma li-gação forte a maioria dos constituintes da associação AAUTS, a sua história re-monta aos anos 60 do século passado, com os primeiros habitantes, migrantes oriundos do fenómeno do êxodo rural.

Segundo Claúdia Vaz, (2014),

As primeiras casas do bairro de génese clandestina, construídas em madeira, surgiram ainda na década de 1960 do século passado. Encontravam-se dispersas, embora cen-tradas essencialmente em dois núcleos: um localizado junto à Quinta do Outeiro, onde funcionava uma vacaria, o outro junto à actual Avenida da República, próximo de uma pedreira desactivada, ocupado pela família Moura (p. 91).

Aquando dos anos 70, acontece a segunda vaga significativa de indivíduos a virem habitar o bairro. Trata-se de retornados das ex-colónias, sobretudo de An-gola e Moçambique.

Nas duas décadas seguintes, surgem também bastantes emigrantes oriundos de vários países africanos, com enfoque para o grande número de provenientes de Cabo-Verde, São-Tomé e Príncipe e Guiné-Bissau, retomando-se a emigra-ção proveniente de Angola e Moçambique. É nesta altura que as barracas de

Figura 4. Fotografia da festa 15 de agosto (cachupa), 2019. Fonte própria.

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15 madeira começam a dar lugar às casas de alvenaria que até hoje caracterizam a Cova da Moura.

Uma das grandes características que marca territorialmente o bairro é o facto de existir uma divisão visível no que diz respeito às habitações. Isto é, entre o cha-mado quarteirão europeu e o quarteirão africano. Segundo Marco Godinho (2010),

a distribuição dos indivíduos segundo a naturalidade assume uma expressão es-pacial importante, verificando-se esta situação ao nível do “quarteirão”, o que revela a procura de uma estratégia de proximidade em relação às pessoas da mesma origem, baseada nas redes familiares e de amizade, na cultura e na lín-gua, como factores de aglutinação (p. 23).

Contudo, segundo Claúdia Vaz (2014),

a divisão entre os quarteirões “Europeu” e “Africano” não deve ser entendida enquanto fronteira física com consequências na escolha dos itinerários e na ocu-pação do espaço. A origem da população não determina o tipo de relação que se estabelece entre os moradores do bairro (p. 2).

Tal como citado anteriormente, esta forte marca identitária que caracteriza o bairro não afeta a boa relação entre as diferentes culturas.

Estima-se que atualmente o bairro conte com mais de 6000 habitantes, não se conhecendo o número exato. Segundo Santos (2014),

é difícil a contagem da população. Aquele continua a ser um local de alojamento transitório para novos imigrantes, pelas redes de conhecimento, durante a sua primeira temporada de integração. Também é importante o número de imigrantes sem a documentação regularizada (p. 70).

A última vaga de emigrantes a residir na Cova da Moura tem origem no Leste da Europa e no Brasil.

No que diz respeito à atividade artística e cultural presente, começa-se por abor-dar um caso de referência e sucesso a nível nacional, pelo trabalho que tem vindo a desenvolver, o Moinho da Juventude. Esta associação é oficializada em 1987 e surge para dar resposta às condições das habitações e seu saneamento básico, apoio educativo às crianças e jovens, “criação de espaços de expressão cultural – o grupo de batuque Finka Pé teve a sua origem nos momentos de espera na fila da água –; e formação profissional, limpeza, cozinha e costura”

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16 (Santos, 2014, p. 73), facilitando assim o ingresso da população no mercado de trabalho. O Moinho é espaço de convívio, aprendizagem e meio para soluciona-mento de questões relativas ao bairro. O seu espaço inclui, entre outras ofertas, uma biblioteca, um ATL, atividades de formação como por exemplo as aulas de informática.

O lema da instituição – djunta mon, acaba por refletir a sua dinâmica de trabalho. Esta expressão é crioula e significa mãos unidas. Isto porque o crescimento do Moinho também se deve ao espírito de interajuda dos moradores que foram con-tribuindo, conforme as suas possibilidades, uns com mão-de-obra, outros com contribuições monetárias, outros com comida e por aí fora. O que faz lembra o modus operandi da própria construção das habitações da Cova da Moura. Na atualidade a associação conta com uma série de ofertas. Segundo o Moinho da Juventude (2018),

Apostamos na criação de serviços de proximidade pelos moradores do bairro e temos

a funcionar: Creche;

Jardim-de-Infância; Creche Familiar;

CATL para acompanhar 424 crianças no seu crescimento;

O PULO – um projecto de Formação Parental em que 4 mães de bairro acom-panham ao domicílio 84 famílias;

Grupos de dança e de música, equipas desportivas (basquete, atletismo) em que participam mais de 80 jovens;

Valências, tais como, um gabinete de inserção profissional, um berçário e jardim de infância, um centro de atendimento de tempos livres, um espaço de informá-tica, entre outras;

Gabinete de Inserção e Formação Profissional; Gabinete de Apoio a Documentação;

Gabinete de Apoio Social;

Pólo Informático que oferece formação aos núcleos da infância, jovens e adultos assim como aos nossos colaboradores;

Grupos culturais: Batuque Finka Pé; Kola San Jon; Grupo de dança Hip-hop “Wonderfull´s Kova M"

Estúdio para produção de música (Kova M Studio “O Céu e o limite”).

Para termos noção do envolvimento e dimensão da associação no contexto do bairro, segundo Irene Santos (2014),

anualmente há cerca de 1500 jovens e adultos que frequentam espaços e ativi-dades não quotidianas (dança, cursos de formação) ou de uso livre (estúdio de

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17 música, espaço de informática) e cerca de 3.500 pessoas procuram outros ser-viços disponíveis no Moinho: gabinete de inserção profissional, apoio jurídico e à documentação, casa do cidadão de Cabo Verde (onde é possível obter certi-dões e registos oficiais daquele país), gabinete de apoio social, cidadania parti-cipativa e espaço intergeracional (p. 78).

A associação dá emprego a mais de 80 pessoas, a maioria das quais é residente no bairro.

Um dos grandes eventos que marca a identidade do bairro é o Kova M Festival, também ele realizado pela instituição Moinho da Juventude. O evento começou a realizar-se em 2012 e tem uma periocidade anual. Divulgar a cultura local atra-vés de atividades como torneios desportivos, concertos, espetáculos de dança, oficinas de literatura, debates, entre outros, é o objetivo do festival. Até ao ano de 2018, o Kova M contava já com 30 dias de festival, a participação de 220 artistas e de 17 mil pessoas que por lá passaram. Embora ainda se realize com o apoio de parceiros do Moinho da Juventude, o festival ambiciona a sua autos-suficiência.

3.2.1. Entrevista ao artista VIRUS

Uma outra referência artística e cultural predominante no bairro atualmente é o trabalho do artista VIRUS (cf. Figuras 5, 6, 7, 8, 9 e 10). Um artista residente na Cova da Moura que tem vindo a pintar, pouco a pouco, as ruas do bairro. O seu trabalho impressiona os olhos de quem por ali passa, tanto pela criatividade dos desenhos, como pela fusão de cores que utiliza. As obras retratam a cultura afri-cana, grande marco do bairro, assim como elementos da natureza.

O seu trabalho é livre e independente, não estando ligado a nenhuma instituição. Muitas das pinturas são feitas em paredes das casas dos moradores que apro-vam as pinturas e lhe dão permissão para intervir. Deste modo, o artista tem vindo a embelezar as ruas da Cova da Moura e a construir uma galeria de arte ao ar livre. Para compreender melhor o trabalho do artista foi realizada uma en-trevista ao mesmo.

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18

Quando e como começou a tua relação com a arte?

Lembro-me de mim com 3 ou 4 anos a desenhar. As recordações mais antigas que tenho de mim próprio são todas relacionadas com o desenho, o meu gosto pelas cores. Sempre foi uma cena que se foi desenvolvendo. Para mim é natural.

O que significa o bairro do Alto da Cova da Moura para ti? Que lugar ocupa na tua vida?

Para mim é parte de quem sou, é parte de quem eu represento. É a minha iden-tidade com os prós e os contras que tem, com os defeitos e as qualidades. Iden-tifico-me muito e acima de tudo sinto uma necessidade de contribuir para o bairro a nível artístico.

Quando e como surgiu o projeto que te encontras a desenvolver?

Vem de uma grande necessidade que sinto desde miúdo em fazer qualquer coisa diferente, qualquer coisa que representasse quem eu sou, de uma forma cons-trutiva e educacional. O projeto vem de um desejo de criança, de fazer qualquer coisa em grande e deixar uma marca bastante construtiva.

Isto é um projeto em que fui montando as peças e fui elaborando aos poucos, mas só estruturei a cena quando pintei o primeiro graffiti na rua. Aí, ao pôr em prática o que eu queria é que percebi que era viável, que era possível desenvol-ver mais e passar a cena para um patamar mais acima.

Como funciona o teu processo criativo? Em que te inspiras?

Eu acabo por me inspirar em muita coisa. Tento não me situar em nada concreto, depois as emoções e o estado de espírito da altura são o combustível da cena. Há determinados sentimentos e emoções que estão fortemente ligados e são reflexo disso no meu trabalho.

Fora isso inspiro-me em várias coisas, tento variar um bocado, experimentar, aventurar-me, correr riscos. Tanto que praticamente todo o projeto é feito sem desenho, eu improviso muita coisa, quase tudo.

Qual o teu objetivo ou objetivos com este trabalho?

O meu objetivo é influenciar os miúdos para serem melhores. De alguma forma, trazer algum conforto visual às pessoas que passam na rua durante o dia. Trazer

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19 cor, acaba sempre por trazer alento à vida das pessoas, se for através do dese-nho melhor ainda. Para mim é algo único, daí eu valorizar isso e deixar uma coisa única para o bairro, para que seja fonte de motivação e inspiração para outras coisas.

A nível artístico qual a tua maior ambição?

Para ser sincero a minha maior ambição de momento é terminar a rua. Esse é o meu maior objetivo. Uma coisa de cada vez e a partir daí logo se vê.

Figura 5. VIRUS a pintar terraço de uma das casas do Bairro do Alto da Cova da Moura. Fonte @ramos_tattoos

(página de Instagram do artista)

Figura 6. Obra I do artista VIRUS. Fonte @ramos_tattoos

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Figura 7. Obra II do artista VIRUS.

Fonte @ramos_tattoos

(página de Instagram do artista)

Figura 8. Obra III do artista VIRUS. Fonte @ramos_tattoos

(página de Instagram do artista)

Figura 9. Obra IV do artista VIRUS. Fonte própria.

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21 Figura 10. Obra V do artista VIRUS.

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22

4. Arte Urbana enquanto veículo de transformação social

Este capítulo pretende abordar as seguintes questões:

Afinal, o que se entende por Arte Urbana? e

De que modo pode a Arte Urbana contribuir para o desenvolvimento e transformação positiva de um lugar, de uma comunidade?

Em relação à primeira questão, a resposta foi complementada com opiniões de artistas ligados ao movimento da Arte Urbana, recolhidas através da pergunta: O que é para ti a Arte Urbana?

No sentido de ilustrar a segunda pergunta, é abordado o projeto URBANARAMA, assim como algumas atividades realizadas pela AAUTS.

4.1. Afinal, o que se entende por Arte Urbana?

No presente trabalho importa entender Arte Urbana como o conjunto das manifestações, intervenções e linguagens estéticas relacionadas à street art, realizadas em espaço comunitário, que visam a alteração e/ou a afirmação de atitudes, valores e comportamentos conduzindo a uma valorização dos contextos, dos lugares, das relações interpessoais – uma transformação social. O termo street art, “é compost[o] pelas emergências estéticas muito diversas da cidade e dos seus subúrbios, que existe por definição fora das academias tradicionais, dos museus e as galerias de arte convencionais, em suma, fora da caixa do consenso burguês pós-moderno (Pinto, 2018, p. 19).

No presente caso, o uso da expressão street art serve para englobar o conjunto de determinadas intervenções artísticas como o stencil, colagens, assemblages, dança hip-hop, entre outras, relacionadas à Arte Urbana. E porque estão estas aqui associadas à Arte Urbana e não a qualquer outra manifestação artística? As obras plásticas ou performativas de Arte Urbana têm comumente, de forma mais ou menos visível, inspiração nas suas raízes. Ou seja, nas características das quatro vertentes do movimento hip-hop: o graffiti, o break-dance, o rap e o DJing.

Segundo Martha Diaz (2011), “Hip-Hop culture was formed out this energy of creativity, liberating struggle, and musical nexus. Hip-Hop is an art form, lifestyle,

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23 communication tool for human rights and peace rooted in an ancient culture (p. 2).

Torna-se imperativo definir aqui as suas vertentes. Comecemos pelo graffiti, que é tema amiudadamente utilizado para a produção de matéria de investigação científica, debates e conferências nas mais várias áreas do conhecimento como a arte, a sociologia ou a criminologia, por exemplo. Segundo Snyder, Miller, Austin, Macdonald & Castelmen (citado por Zolner, 2007),

Considerable international debate exists about the status of graffiti as crime, art, political protest, or otherwise. The debate is public, and it has tended to find its deepest roots of discourse in the sociological literature, where it has a long history of study and discussion, although graffiti largely is an interdisciplinary topic, with considerable research and commentary in other disciplines, such as art, education, and psychology. In addition, many of the landmark studies of graffiti have focused on the super metropolis of New York City, where contemporary graffiti and hip-hop culture has had its greatest formative influence (p. 2)

A técnica do graffiti aliada ao movimento hip-hop surge nos Estados Unidos da América (EUA), em meados do final da década de 60 e início da década de 70 do século passado. Existem diferentes teorias sobre o surgimento do primeiro graffiti. Alguns apontam para Nova Iorque como cidade berço, outros afirmam ter sido em Filadélfia. Talvez a divergência existente acerca do conceito do que é graffiti tenha um peso significativo para a marcação de uma obra e local como sendo oficialmente o primeiro. Nas palavras de Campos & Câmara (2019),

é difícil precisar o que pode ser considerado graffiti quando encontramos um conjunto tão amplo de intervenções nas paredes. Declarações de amor, impropérios ou exaltações de partidos políticos ou clubes de futebol, assinaturas, desenhos ou pinturas diversas, reiteram a relevância da cidade enquanto terreno de comunicação. Na verdade, todas estas inscrições, quando verificada a condição mais basilar que é a sua natureza transgressiva, podem ser consideradas graffiti (p. 66).

No entanto, aqui, mais importante que esmiuçar quem foi o primeiro ou primeira a desenhar um graffiti contemporâneo, é evocar as características do mesmo. De acordo com a enciclopédia Britannica (2006), o graffiti é uma

form of visual communication, usually illegal, involving the unauthorized marking of public space by an individual or group. Although the common image of graffiti is a stylistic symbol or phrase spray-painted on a wall by a member of a street gang, some graffiti is not gang-related. Graffiti can be understood as

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24 antisocial behaviour performed in order to gain attention or as a form of thrill seeking, but it also can be understood as an expressive art form.

Seja qual for o motivo implícito na manifestação do graffiti, a intenção passa por expressar de forma anónima e maioritariamente ilegal, em local público ou privado, uma mensagem, utilizando como apetrecho uma ou mais latas de aerossol com uma ou mais cores. Essa expressão aparece de forma mais popular enquanto letras ou símbolos, abstratos ou não.

A dança relacionada ao movimento hip-hop é o breakdance e os seus praticantes denominam-se boy no caso de indivíduos do sexo masculino e b-girl, no caso das mulheres. Esta vertente do hip-hop é original dos EUA. Nas palavras de Sara Costa (2008) este estilo é composto por “três fundamentos básicos de dança . . . Top Rock (preparação) é o cartão de visita, apresentando o seu estilo . . . Foot Work (trabalho dos pés) traçando as pernas em volta do corpo continuamente . . . Freeze (congelamento) é a finalização da dança do B-Boy (p. 51). Em Portugal um dos grupos com maior destaque no movimento são os 12 Makakos.

Em relação ao rap, abreviatura da expressão rhytm and poetry, mais uma vez conseguimos encontrar dificuldade, tal como no caso do graffiti, em precisar qual foi o primeiro MC (abreviatura para mestre de cerimónias – cantor de rap). Compreenda-se que mediante a cultura de cada terra, de cada nação, fazendo uma análise do ponto de vista histórico e sociocultural, é possível detetar registos de atividades admissíveis de serem classificadas como os primórdios do rap. No Brasil, por exemplo, “o canto falado do Mc remete aos ganhadores de pau – escravos que trabalhavam nas ruas de Salvador e que se utilizavam do canto falado para protestar contra a escravidão (Hinkel, 2008, p. 25)”. Em Portugal podemos pensar no cante alentejano que surgiu de modo espontâneo entre os camponeses pobres durante as longas e duras jornadas de trabalho nos campos e que estava presente na composição lírica, muitas vezes, a componente interventiva social e política.

Nas palavras de Souza & Caracristi (2007) o rap,

surgiu nos bairros pobres da Jamaica a partir do improviso de poemas falados em cima de trechos de antigas músicas negras e logo foi transportado para as favelas dos Estados Unidos onde desenvolve-se como alternativa de diversão

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25 para os garotos e garotas pobres que não podiam pagar entrada nos clubes da sociedade (p. 6).

Rapidamente se transformou numa das vertentes mais populares do movimento hip-hop a nível mundial. O rap é caracterizado por ser um estilo musical em que a letra e a mensagem importa mais que a melodia. Por fim, temos o DJing que tradicionalmente, dentro do movimento, acompanha todas as outras vertentes, com principal destaque para o rap e o breakdance, onde as performances estão diretamente relacionadas. O Djing caracteriza-se pela pesquisa, seleção e mistura de beats e concretização de técnicas como o scratch enquanto a música é tocada. Antigamente os instrumentos essenciais do Djing eram o vinil e a mesa de misturas, porém, na contemporaneidade, há já artistas que o fazem através de computadores.

Sobre a Arte Urbana, talvez por ser um movimento artístico recente, acentua-se a dificuldade em encontrar definições que estejam em comum acordo. Por isso, considera-se interessante compreender como é vista esta arte da perspetiva de diferentes olhares. Segundo o site Osnat Fine Art (s.d.),

The term "urban" means "from the city" which is derived from the Latin word urbanus. It is associated with art that is created by artist living, depicting, or experiencing city life. The subject is often people living city life and also city buildings and transportation.

Assim sendo, a Arte Urbana resume a experiência artística, a ação artística, o movimento artístico e seus resultados, que envolvem e que se inspiram na vida na cidade. Classificar Arte Urbana como sendo apenas graffiti ou o que vem do movimento hip-hop, é roubar-lhe a vastidão de possibilidades e camadas que se foram acrescentando ao longo do tempo pelos artistas, pela sociedade. Segundo VHILS (2019),

. . . se hoje a designação arte urbana se tornou comum no nosso léxico colectivo, a sua definição é ainda algo incerta e tem sido amplamente debatida, quer por especialistas de várias áreas, quer por aqueles que participam nas suas várias vertentes (p. 9).

No artigo de Neves (2015), intitulado Significado da Arte Urbana, Lisboa 2008-2014, é referido que o termo urban art surge associado aos conceitos de graffiti

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26 e street art pela primeira vez e oficialmente, na exposição Spank the Monkey de 2006 em Gateshead, Reino Unido. Segundo o mesmo,

[a] problemática gerada pela distância entre a arte na rua e a arte do mundo estabelecido da arte, nasce da necessidade de resolver a questão de abordar a Street Art no contexto dos museus, galerias e agentes instituídos no mundo da arte (p. 125).

4.1.1. O que é para ti a Arte Urbana?

Para melhor fundamentar e compreender a diversidade de perceções em relação ao assunto, decidi perguntar diretamente a diferentes artistas relacionados ao movimento Arte Urbana, acerca da sua posição em relação à temática. Para o efeito, utilizei a Metodologia da história oral, recolhendo os depoimentos com um gravador. Assim, os depoimentos abaixo transcritos, traduzem as respostas à pergunta: O que é para ti a Arte Urbana?

Entrevistado: Lord Strike (MC, beat maker, líder associativo)

Resposta: A Arte Urbana para mim começa por ser toda aquela arte ligada ao

movimento hip-hop, que é produzida na street ou pelos artistas urbanos que veem principalmente das periferias das grandes cidades, dos bairros, dos guetos, dos subúrbios, por assim dizer. Passa pelo graffiti, música rap, DJing, boys, b-girls e depois temos todas aquelas outras artes que são gravuras ou feitas nas paredes, que não são propriamente graffiti. Por exemplo, artistas como o VHILS, que faz outro tipo de arte e por aí fora. Bom, o conceito de Arte Urbana é um conceito que eu ainda estou a tentar encaixar. Atualmente, há pessoas que dizem que a Arte Urbana é a arte do graffiti, outras que afirmam que vai mais além do que a cultura hip-hop. Atualmente está a misturar-se tudo num só pacote.

Entrevistado: Flávio (skatter, ex-writer)

Resposta: O que eu acho da Arte Urbana é que nos olhos das pessoas, no geral,

está associada à criminalidade, à invasão de propriedades privadas ou pintar nos comboios, etc.

Cada artista transmite uma mensagem, nem que seja só uma assinatura, um tag. Antigamente, o graffiti era mais utilizado para distinguir zonas ou gangs. Eu acho

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27 que hoje em dia, as pessoas já veem as coisas de outra maneira. Tens o exemplo da crew do Bordalo II, que não é bem graffiti. Aquilo para mim é mesmo arte! Eles usam material reciclável, como plásticos e etc., para fazer peças de arte enormes! Já fizeram em toda a cidade de Lisboa, já fizeram em toda a Europa, já fizeram em todo o mundo. Eles têm peças brutais. E pá, há uma crew ou outra que para mim estão mesmo lá em cima e fazem cenas mesmo bacanas, tipo os 1UP, que pintaram um navio semiafundado. Se fores ver as imagens de satélite, tu consegues ver o trabalho ali no meio do oceano. Epá, brutal!

Cada um transmite o que sente. Neste momento tens cenas para todo o tipo de gostos.

Eu acho que o movimento do skate, o hip-hop, o b-boying, o DJing, o pessoal do graffiti, cria um ciclo de influências.

Eu quando comecei a pintar foi na desportiva, depois acabei por não continuar porque não tinha lá muito jeito e fiquei-me só pelo skate, mas pronto, o que me transmite isto tudo é um sentimento de irmandade.

Entrevistado: ANT (writer)

Resposta: A Arte Urbana para mim é afirmação. Comecei a pintar por volta de

2002/2003. Foi na altura em que estava a sentir-se muito aquele hip-hop underground, como o Chulla (Chullage), depois apareceu Valete, aqueles sons mais de intervenção e então sempre foi aquela cena. Graffiti sempre foi ilegal, não era nada como é hoje, que parece uma cena pop. Então, a cena na altura, era pintarmos para nos afirmarmos contra o sistema. Para mim a Arte Urbana é afirmação.

Não digo que fosse tão motivado pela parte da adrenalina, de espalhar o nome. Havia alturas em que pintava três vezes por semana, espalhei bué o nome, mas não era isso que me motivava. Era mais para dizer: eu estou aqui e não me sinto agradado –, foi mais isso que me motivou para andar aí na rua a pintar. Tinha sempre aquela parte em que quando íamos pintar, havia litrosas, então também era aquela party.

A motivação tinha muito a ver com o sentir-me injustiçado, do tipo: porque é que uns tinham tanto e outros tão pouco?

(38)

28

Entrevistado: Rudy G.A.N.G (rapper)

Resposta: Para mim a Arte Urbana é quando aplicas aquilo que tu sentes seja

no que for. Seja no objeto, seja sentimental, emocional, seja cerebral. Aqui pode-se generalizar, tás a ver? A Arte Urbana é isso. É quando tu expões o que pode-sentes e além de expores, manteres aquilo que sentes para o resto da tua vida. Porque não é só praticar arte, seja que prática for. É sentir e lutar. Não é fácil. A Arte Urbana para mim é tu conseguires chegar a um sítio que tu não sabes onde, com a tua arte, nem que seja depois de morto e que sejas parabenizado por isso, é isso para mim a Arte Urbana.

Entrevistado: RESK (writer)

Resposta: Esta pergunta em si tem muito que se lhe diga. A street art é uma

nova arte ao fim ao cabo. Nem é bem graffiti, porque tu podes fazer street art com um pincel, com desenho, com carvão, carvão puro. Podes fazer com várias coisas na parede, na rua. É uma arte muito relacionada com o graffiti, mas não é o graffiti. O graffiti é uma coisa, street art é outra, eu vejo as coisas desta forma.

Entrevistado: General Katana (MC)

Resposta: Arte Urbana para mim é todo um conjunto de infraestruturas que

direta ou indiretamente contribuem para o bem-estar do indivíduo em sociedade. Desde iniciativas solitárias às iniciativas de organismos sociais, é uma área em que muitas pessoas podem ser intervenientes. Na Arte Urbana, como bom observador que sou, considero todos os aspetos: as pinturas nas passadeiras a simular buracos para obrigar a abrandar; a arquitetura paisagística de um determinado lugar da cidade; a fachada de um edifício; a vista aérea de uma cidade; o design de uma ponte; as obras de Banksy nas ruas mais boémias; graffitis; uma frase com sentido numa parede. Por vezes, até vejo arte num aspeto mais decadente de determinado lugar, como por exemplo, uma paisagem urbana menos apetecível para passear ou habitar como uma gare abandonada que à primeira vista pode não significar nada, mas um pintor ou um fotógrafo consegue imortalizar em imagem e transformar num postal. Ou até um poeta que descreva tão detalhadamente essa paisagem que a própria descrição se transforme em arte. Arte Urbana é até um exemplar funcionamento da própria cidade que usa a sua localização geográfica para dela tirar proveito sem

(39)

29 prejudicar a natureza. Provavelmente essa é a meta da Arte Urbana, criar uma realidade funcional quase utópica.

Entrevistado: Muleca XIII (MC e writer)

Resposta: Arte Urbana para mim é tudo o que se produz com o intuito de

contribuir com o fluxo urbano, com a presença na rua. Tudo o que está voltado para quem passa, para quem convive, quem usa a rua como um instrumento, como um dispositivo expositor, digamos assim. Então, apesar de ela receber essa definição de graffiti, de street art, que se confunde muito, eu acho que o nome diz tudo: Arte Urbana – arte de rua. O músico que faz apresentações na rua, no metro, nos locais de passagem de turismo, a pessoa que faz intervenção, estátua humana, malabares, música, dança, performances de circo, de mímica, o cara que joga malabares no sinal, eu acho que isso é Arte Urbana.

Eu acho muito interessante quando a Arte Urbana faz você ter um momento de reflexão, de despertar e muitas vezes o que é mais interessante na minha opinião, é que é calculado. Realmente aquilo está posto ali exatamente porque ali as pessoas param e olham. Às vezes num ponto, numa paragem de autocarro, não necessariamente aquela coisa gigante para todos verem. Na verdade, aquilo pode ser para todos verem, mas num momento mais privado, não uma coisa que muitas pessoas veem ao mesmo tempo.

Então, a Arte Urbana pode ser considerada de várias formas, pode ser feita de uma forma gratuita com intenção de passar uma mensagem, de divulgar a sua própria identidade e pode ser uma coisa bem paga, porque não deixa de ser um outdoor, uma Arte Urbana. Muitos vão achar contraditório, mas está na rua, tem um objetivo de passar algum tipo de mensagem. Porém, está voltado puramente para o capital. Mas quem disse que a arte que não é contratada como publicidade, quem disse que ela não tem muitas vezes esse objetivo também? De um fim lucrativo? Então, acho que não se entra muito nesses detalhes. Na minha descrição de Arte Urbana, acho que é tudo o que contribui e influencia o ambiente urbano como passagem, convívio e espaço comum aos habitantes da cidade. São essas pessoas que vão consumir a Arte Urbana.

Entrevistado: VIRUS (writer e tatuador)

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30 de ordenar, de criar perfis, estereótipos, porque eu acho que depois foge áquilo que para mim é o foco da arte, que é a essência. Isso apresenta-se de várias formas diferentes, em várias circunstâncias diferentes. Não acho que isso possa classificar-se como a Arte Urbana, a arte campónia, a arte nortenha. Eu acho que é uma forma de talvez classificar o negócio que é. Alguns estilos de arte passaram a ser vistos como Arte Urbana porque se descobriu que podia ser um grande negócio. Existe uma grande conveniência por trás disto, dá-lhes jeito. Quando é Arte Urbana é uma cena elaborada, uma cena estudada, projetada, mas quando não é Arte Urbana, nada disso acontece.

Entrevistado: CREDO (writer)

Resposta: Para mim a Arte Urbana é a arte que está na rua. Não quer dizer que

seja graffiti, não quer dizer que seja música. Para mim é aquela arte que é gratuita, em que tens a liberdade de contribuir monetariamente se quiseres. É a arte que está na rua, mas para mim o que é arte pode não ser arte para ti. Agora se me perguntares sobre as diferenças entre graffiti e street art, o graffiti acaba por ser a verdadeira arte de rua, não é? A ideia é espalhar o teu nome o máximo que conseguires e que dure o máximo de tempo possível, de forma gratuita.

Por outro lado, a arquitetura acaba por ser street art, é arte que está na rua, a escultura, a calçada portuguesa, isso para mim é street art. Em resumo, para definir Arte Urbana é preciso definir arte, mas a arte não se consegue definir, então para mim a arte são os olhos que veem.

Entrevistado: Nuno Bernardino (DJ)

Resposta: Para mim a Arte Urbana é a arte que se manifesta no espaço público

e aparece associada aos graffitis e agora também se vê muito o stencil, mas tornou-se uma coisa um bocado mais vasta do que isso, como aquelas enormes pinturas em prédios abandonados.

É um assunto que com o tempo veio a ganhar um grande impacto. Era algo que antigamente estava mais ligado a um certo anonimato dos autores e tinha um lado social, um lado de expressão das minorias, de grupos mais underground, com menos visibilidade e por vezes, menos respeitados pela sociedade em geral. Entretanto foi-se desenvolvendo para outra coisa, agora há artistas

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