RevBrasAnestesiol.2016;66(4):426---429
REVISTA
BRASILEIRA
DE
ANESTESIOLOGIA
PublicaçãoOficialdaSociedadeBrasileiradeAnestesiologiawww.sba.com.br
INFORMAC
¸ÃO
CLÍNICA
Convulsões
não
epilépticas
psicogênicas
em
sala
de
recuperac
¸ão
pós-anestésica
Juan
A.
Ramos
∗e
Sorin
J.
Brull
DepartamentodeAnestesiologia,MayoClinic,Jacksonville,FL,EstadosUnidos
Recebidoem22deagostode2013;aceitoem17deoutubrode2013 DisponívelnaInternetem29denovembrode2014
PALAVRAS-CHAVE
Convulsão; Nãoepiléptico; Complicac¸ões; Períodode recuperac¸ãoda anestesia;
Pseudoconvulsõesna saladerecuperac¸ão; Complicac¸ões pós-operatórias
Resumo
Introduc¸ão:As convulsõesnão epilépticaspsicogênicas (CNEPou ‘‘pseudoconvulsões’’) per-manecem como tema obscuro no cenário perioperatório. Trata-se de distúrbios motores e cognitivossúbitos, mas portempolimitado,que imitamasconvulsõesepilépticas,mas que sãopsicogenicamentemediados.Pseudoconvulsõesocorremcommaisfrequênciadoque epi-lepsiaemcenárioperioperatório.Odiagnósticoeotratamentoprecocespodemevitarlesões iatrogênicas.
Caso:Paciente do sexo feminino, 48 anos, com história de depressão e ‘‘convulsões’’, apresentou-se para cirurgia ginecológica. A paciente descreveu sua história de convulsões ‘‘controladas’’semousodeterapiaanticonvulsivante. Foisubmetidaàanestesiageralsem intercorrênciaserecuperou-seneurologicamenteintacta.Duranteasduasprimeirashorasde pós-operatório,apresentoutrêsepisódiossemelhantesàconvulsão,comtremores generaliza-dosdasextremidadeseimpulsopélvico;seusolhos estavambemfechados.Nãoobservamos mordeduradalínguaouincontinência.Osepisódiosduraramcercadetrêsminutoscada; um dosepisódiosresolveuespontaneamenteeosoutrosdoisapósaadministrac¸ãodelorazepam porviaintravenosa.Duranteosepisódios,acondic¸ãohemodinâmicadapacienteeraestávele aventilac¸ãoadequada,demodoqueaintubac¸ãotraquealfoiconsideradainjustificável.Após aconvulsão,apaciente estavaneurologicamente intacta.Tomografiaaxialdacabec¸a,teste metabólicoeeletroencefalogramanãomostraramalterac¸ões.OdiagnósticodeprovávelCNEP foifeito.
Discussão: Asconvulsão não epilépticas psicogênicas imitam o tremor e devem ser inicial-menteconsideradasnodiagnósticodiferencialdetremorpós-operatório,poispodemsermais prováveisdo quea epilepsianesse cenário.Ospadrões dapseudoconvulsãoincluem episó-dios convulsivosassíncronos que duram maisde 90segundos, olhos forc¸adamente fechados comresistênciaàaberturaerespostaspupilaresmantidas.Manifestac¸õesautonômicas,como taquicardia,cianoseeincontinência,normalmenteestãoausentes.Umahistóriapsiquiátricaé comum.Oconhecimentoeodiagnósticocorretodepseudoconvulsõessãomuitoimportantes
∗Autorparacorrespondência.
E-mail:juanramos66@hotmail.com(J.A.Ramos).
http://dx.doi.org/10.1016/j.bjan.2013.10.003
Convulsõesnãoepilépticaspsicogênicasemsaladerecuperac¸ãopós-anestésica 427
paraosanestesiologistasparaaprevenc¸ãodemorbidadeelesõesiatrogênicas,comoaparada respiratóriacausadaporterapiaanticonvulsivante,alémdosriscosassociadosàintubac¸ão oro-traquealeinternac¸ãoprolongada.Odiagnósticodepseudoconvulsõesdevesercuidadosamente documentadoeretransmitidonastrocasdeequipesmédicasparaevitarerrosdediagnóstico ecomplicac¸õesiatrogênicas.Asrecomendac¸õesdetratamentosãoanedóticas;intervenc¸ões psiquiátricassãoopilardotratamento.Asrecomendac¸ões anestésicasincluemtécnicasque envolvem ousode agentesdeac¸ãocurta,juntamentecomaltos níveis deapoioe amparo psicológiconoperíodoperioperatório.
©2013SociedadeBrasileiradeAnestesiologia.PublicadoporElsevierEditoraLtda.Este ´eum artigo OpenAccess sobumalicenc¸aCCBY-NC-ND( http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/).
KEYWORDS
Convulsion; Non-epileptic; Complications; Anestheticanesthesia recoveryperiod; Recoveryroom pseudoseizures; Postoperative
Psychogenicnon-epilepticseizuresinthepost-anesthesiarecoveryunit
Abstract
Introduction:Psychogenicnon-epilepticseizures(PNESor‘‘pseudoseizures’’)remainan obs-curetopicintheperi-operativesetting.Theyaresuddenandtime-limitedmotorandcognitive disturbances, which mimicepileptic seizures, butarepsychogenicallymediated. Pseudosei-zuresoccur morefrequently thanepilepsyintheperi-operative setting.Earlydiagnosis and managementmaypreventiatrogenicinjury.
Case: 48year-oldfemalewithahistoryofdepressionand‘‘seizures’’presentedforgynecologic surgery.Shedescribedherseizurehistoryas‘‘controlled’’withoutanticonvulsanttherapy.The patientunderwentuneventfulgeneralanesthesiaandrecoveredneurologicallyintact.During thefirsttwopostoperativehours,thepatientexperienced3episodesofseizure-likeactivity withgeneralizedshakingofextremitiesandpelvicthrusting;hereyeswerefirmlyclosed.No tonguebitingorincontinencewasnoted.Theepisodeslastedapproximately3mineach,oneof whichresolvedspontaneouslyandtheothertwofollowingintravenouslorazepam.Duringthese episodes,thepatienthadstablehemodynamicsandadequateventilationsuchthat endotra-chealintubationwasdeemedunwarranted.Post-ictally,thepatientwasneurologicallyintact. Computedaxialtomographyofthehead,metabolicassay,andelectroencephalogramshowed noabnormalities.ApresumptivediagnosisofPNESwasmade.
Discussion: Psychogenicnon-epilepticseizuresmimicshivering,andshouldbeconsideredearly inthedifferentialdiagnosisofpostoperativeshaking,astheymaybemorelikelythanepilepsyin thissetting.Pseudoseizurepatternsincludeasynchronousconvulsiveepisodeslastingmorethan 90s,forcedeyeclosurewithresistancetoopening,andretainedpupillaryresponses.Autonomic manifestationssuchastachycardia,cyanosisandincontinenceareusuallyabsent.A psychia-tric backgroundis common.Knowledge and correct diagnosis ofpseudoseizures isofgreat importanceforanesthesiologiststopreventmorbidityandiatrogenicinjurysuchasrespiratory arrestcausedbyanticonvulsanttherapy,inadditiontotherisksassociatedwithendotracheal intubationandprolongedhospitalstays.Thediagnosisofpseudoseizuresmustbethoroughly documentedandrelayedintransferofcaretoavoidmisdiagnosisandiatrogeniccomplications. Treatmentrecommendationsareanecdotal;psychiatricinterventionsarethehallmarkof treat-ment.Anestheticrecommendationsincludetechniquesinvolvingtheminimumrequired short--actingagents,alongwithhighlevelsofperi-operativepsychologicalsupportandreassurance. ©2013SociedadeBrasileiradeAnestesiologia.Publishedby ElsevierEditoraLtda.Thisisan openaccessarticleundertheCCBY-NC-NDlicense( http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/).
Introduc
¸ão
Asconvulsõesnãoepilépticaspsicogênicas(CNEP),também conhecidas como pseudoconvulsões, são uma entidade bemconhecidana literaturaneurológica;noentanto, per-manecem como tema obscuro no cenário perioperatório. CNEP sãodistúrbios motores,cognitivos e/ou dasfunc¸ões emocionais, súbitos e de curta durac¸ão que imitam as convulsões epilépticas. Diferentemente das convulsões epilépticas, as CNEP não estão associadas à disfunc¸ão orgânicaoufisiológicadosistemanervosocentral,massão
psicogenicamentemediadas.1,2Essasconvulsõesdevemser
consideradas precocemente no diagnóstico diferencial de tremorpós-operatório, pois convulsões são eventos raros nopós-operatório,3,4 o que torna as CNEP maisprováveis
doque epilepsia nesse cenário.3 O diagnóstico e o
trata-mentoprecocespodempreveniramorbidaderesultantede tratamento inadequado e do mauuso de recursos nesses pacientes.
428 J.A.Ramos,S.J.Brull
Relato
de
caso
Paciente do sexo feminino, 48 anos, com história signi-ficativa de incontinência urinária, depressão, enxaqueca crônica, asma, câncer renal (status post nefrectomia) e história remota de ‘‘convulsões’’, apresentou-se para procedimentodetécnicadeslingvaginal.Durantea anam-nese, a paciente descreveu sua história de convulsão como‘‘resolvida’’ sem exigirterapia anticonvulsivante;o últimoepisódio ocorrera haviamaisde três anos. A paci-ente foi submetida à anestesia geral, que foi induzida compropofol,fentanilemidazolam(comopré-medicac¸ão) e mantida com sevoflurano. A cirurgia transcorreu sem intercorrências,seguida por extubac¸ãotraqueal de emer-gênciabem-sucedida,apósaqualapacientefoitransferida para a SRPA, sem complicac¸ões e neurologicamente intacta.
DuranteasduashorassubsequentesnaSRPA,apaciente apresentoutrêsepisódiosdeatividadesemelhanteà convul-são.Osepisódioscomec¸aramcomotremorgeneralizadodas extremidades,comimpulsosdacabec¸aepelveeolhos firme-mentefechados.Nãoobservamosmordeduradalínguae/ou incontinênciaintestinal ouurinária. Osepisódios duraram cercadetrêsminutoscada;umdelesseresolveu esponta-neamente e osoutros dois após a administrac¸ão de 2mg delorazepamporviaintravenosa.Durantepermanênciana SRPA,ascondic¸õeshemodinâmicasdapacienteeram está-veise suaventilac¸ão/oxigenac¸ão adequada,de modoque aintubac¸ãotraquealfoiconsideradainjustificável.Apósas convulsões,oestadoneurológicodapacientemelhorou len-tamenteevoltouaonormal.Umneurologistafoiconsultado erecomendouafeituradetomografiaaxialdacabec¸a,teste metabólico e eletroencefalograma (EEG). Todos os testes foramnegativosenãomostraramalterac¸ões.Umarevisão completadoprontuáriodapacientereveloutesteanterior deEEGcomatividadecerebralnormalemcenáriodequatro ‘‘convulsõesconvulsivas’’.Apacientetambémforatratada nopassadopordéficitsneurológicostransitóriosde etiolo-giadesconhecida, o que sugeria transtorno somatoforme. Apósdiscussãocomaequipedeneurologia,bemcomocom opróprioneurologistadapaciente, odiagnósticodeCNEP foi feito.O restante da permanência hospitalar transcor-reusem intercorrências e a paciente recebeualta nodia seguinte.
Discussão
Aagitac¸ãogeneralizadanoperíodopós-operatórioémuito comumente devida a tremores e pode ou não ser de origem termorregulatória.5 Acredita-se que os tremores
nãotermorregulatórios sejam secundários aos efeitos dos anestésicosvoláteis,dadoroudeambos.6Convulsões
pós--operatóriassãoeventosraros e,portanto,sãoumacausa infrequente de agitac¸ão generalizada no pós-operatório. Quandoocorrem,geralmentesãoatribuíveisaumareac¸ão identificáveldomedicamento,umdistúrbiometabólicoou umeventoneurológico,commaiorincidêncianapopulac¸ão neurocirúrgica.3
As CNEP (também conhecidas como
‘‘pseudoconvulsões’’) imitam os tremores e devem ser consideradas precocemente no diagnóstico diferencial de
tremor pós-operatório, pois essas convulsões podem ser maisprováveisdoqueepilepsianoperíodopós-operatório.3
Descritas pela primeira vez em SRPA por Parry e Hirsch,7
esses ataques se assemelham à epilepsia grave, mas não têmdescargaselétricasanormaisnoEEG.
AprevalênciadeCNEPfoiestimadaentreduase33por 100.000.8Naverdade,entreospacientesencaminhadosaos
centrosambulatóriosdeepilepsia,entre5-25%são susceptí-veisdeapresentarCNEP,enquanto25-40%dospacientesem regimedeinternamentomonitoradosporconvulsões intra-táveissãofinalmentediagnosticadoscomCNEP.1
Emgeral, asCNEP tendema seguircertospadrões que incluem: episódios convulsivos extravagantes que duram maisde90segundos,commovimentosassíncronosdos mem-bros; movimento dacabec¸a deumladopara outro; olhos forc¸adamentefechadoscomresistênciaàaberturae respos-taspupilaresmantidas.1,3Manifestac¸õesautonômicas,como
taquicardia, cianose e incontinência, normalmente estão ausentes. A lembranc¸a de eventos durante a convulsão, gagueira,vocalizac¸õeselacrimejamento,sãorelativamente incomunsemataquesepilépticosesugeremCNEP.Uma his-tóriade transtornos psiquiátricosé comum epode incluir depressão;ansiedade;distúrbiossomatoformes,de persona-lidadelimítrofe,narcisistaehistriônico;bemcomohistória deabusofísicoe/ousexual.1Emumestudo,ovalorpreditivo
daocorrênciadeumepisódioemsaladeesperaoudeexame médicofoiestimadoem75% paraCNEP.9 Odiagnósticode
CNEPé feitoporexclusãoeo padrãoouroem ferramenta diagnósticapareceseragravac¸ãosimultâneadasconvulsões emvídeoenoEEG.10
OconhecimentodasCNEPédegranderelevânciaparaos anestesiologistasparaprevenirmorbidadeselesões iatrogê-nicas.Umestudoqueacompanhou13pacientescomCNEP por mais de quatro anos documentou oito episódios de paradarespiratória,causadosporterapiaanticonvulsivante intravenosaadministradadevido aodiagnósticopresumido deconvulsões.11Alémdisso,outrasmorbidadespodemadvir
deintubac¸ãoorotraquealehospitalizac¸õesprolongadas.O diagnóstico de CNEP deve ser cuidadosamente documen-tadoeretransmitidonatransferênciadeequipesparaevitar complicac¸õesposteriores.EpisódiosmúltiplosdeCNEPapós a anestesia geral justificam uma avaliac¸ão adicional e a exclusãode outrosdiagnósticos.Em casosambíguos, uma avaliac¸ãoneurológicapré-operatóriatambémpodeser indi-cada.
As recomendac¸ões detratamento para CNEP são base-adas principalmente na experiência anedótica ou em pequenas séries de casos; contudo, as intervenc¸ões psi-quiátricas são os pilares do tratamento. Essas devem ser individualizadas de acordo com o transtorno psiquiá-tricosubjacente;umaintervenc¸ãocomuméapsicoterapia tradicional.12 As recomendac¸õesanestésicas são escassas,
mas incluem técnicas que envolvem quantidades míni-mas dos agentes de ac¸ão curta preferidos, juntamente com altos níveis de apoio psicológico no perioperató-rio e, maisimportante, a tranquilizac¸ão constantedesses pacientes.3
Conflitos
de
interesse
Convulsõesnãoepilépticaspsicogênicasemsaladerecuperac¸ãopós-anestésica 429
Referências
1.EttingerA.In:PedleyT,editor.Psychogenicnonepileptic seizu-res.Waltham,MA:Uptodate;2013.
2.OzkaraC,DreifussFE.Differentialdiagnosisinpseudoepileptic seizures.Epilepsia.1993;34:294---8.
3.NgL, ChambersN. Postoperativepseudoepilepticseizures in a known epileptic: complications inrecovery. Br J Anaesth. 2003;91:598---600.
4.Reuber M, Enright SM, Goulding PJ. Postoperative pseudos-tatus: not everything that shakes is epilepsy. Anaesthesia. 2000;55:74---8.
5.DeWitteJ,SesslerDI.Perioperativeshivering:physiologyand pharmacology.Anesthesiology.2002;96:467---84.
6.HornEP.Postoperativeshivering:aetiologyandtreatment.Curr OpinAnaesthesiol.1999;12:449---53.
7.ParryT,HirschN.Psychogenicseizuresaftergeneral anaesthe-sia.Anaesthesia.1992;47:534.
8.BenbadisSR,AllenHauserW.Anestimateoftheprevalenceof psychogenicnon-epilepticseizures.Seizure.2000;9:280---1.
9.Benbadis SR. A spell in the epilepsy clinic and a history of ‘‘chronic pain’’ or ‘‘fibromyalgia’’ independently pre-dict a diagnosis of psychogenic seizures. Epilepsy Behav. 2005;6:264---5.
10.KuykJ,LeijtenF,MeinardiH,etal.Thediagnosisofpsychogenic non-epilepticseizures:areview.Seizure.1997;6:243---53.
11.HowellSJL,ChadwickOLDW.Pseudostatusepilepticus.QJMed. 1988;71:507---19.