• Nenhum resultado encontrado

Práticas e possibilidades na Avenida Paulista

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2017

Share "Práticas e possibilidades na Avenida Paulista"

Copied!
165
0
0

Texto

(1)
(2)
(3)

PRÁTICAS E POSSIBILIDADES NA AVENIDA PAULISTA

JULIANA AOUN MONFERDINI

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO APRESENTADA À

FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO

DA UNIVERSIDADE MACKENZIE

PARA OBTENÇÃO DE TÍTULO DE MESTRE

EM ARQUITETURA E URBANISMO

(4)

4

M742p Monferdini, Juliana Aoun

Práticas e possibilidades na Avenida Paulista / Juliana Aoun Monferdini – 2013. 145 f. : il. ; 21cm.

Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2013.

Bibliograia: f. 137-143.

1. Avenida Paulista . 2. Projeto Urbano. 3. Espaço público I. Título.

(5)

BANCA EXAMINADORA

Dissertação de mestrado em Arquitetura e Urbanismo apresentada

à faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Trabalho aprovado com distinção e louvor pela seguinte comissão avaliadora:

Professor Dr. Abilio Guerra

Instituição: Universidade Presbiteriana Mackenzie

Julgamento:_____________________________ Assinatura:_____________________________

Professora Dra. Maria Isabel Villac

Instituição: Universidade Presbiteriana Mackenzie

Julgamento:_____________________________ Assinatura:_____________________________

Professor Dr. Vladimir Bartalini

(6)

AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos que, amavelmente, contribuíram para a conclusão desta pesquisa.

Ao professor Abilio Guerra, pela coniança em mim depositada. Por me ajudar a encontrar o caminho e a me apaixonar pelo tema.

Aos professores Doutores Maria Isabel Villac e Vladimir Bartalini, por suas contribuições tão precisas na ocasião de meu Exame de Qualiicação. Ao Projeto M900 e aos queridos amigos que lá encontrei. A cada um, agradeço a sincera acolhida.

Aos amigos e colaboradores diretos Vivian Costa e Petrus Lee, pelo diálogo constante, sempre compartilhando idéias. Aos tios Jamir e Ana Luiza Bittar, por serem minha família em São Paulo.

À mãe e pai, por aguentarem a saudade.

Um carinhoso agradecimento ao Fábio Brianezi Giraldez, por fazer comigo esse percurso.

(7)
(8)
(9)
(10)

10

ÍNDICE

Resumo | Abstract

Introdução

A construção do olhar Os caminhos de Alice

A fala dos passos ouvidos

Mirante cegado Identidade em trânsito Suristas urbanos Cemitério de bitucas Caverna do automóvel Toca de lobisomem

Arte pública, para qual público? Subindo ladeiras, descendo cataratas Jogo de amarelinha

Desmatada Ciclo faixa Mar de histórias Rolê nas calçadas Os cegos

É proibido sentar Só falta o ascensor

Marcha sensível

Castelo de um homem só Se essa rua fosse minha

Conclusão

Galeria de Fotos Bibliograia

Tabela de imagens ...pág 16

...pág 118

...pág 72

...pág 44 ...pág 130

...pág 90

...pág 30 ...pág 126

...pág 80

...pág 56 ...pág 142

...pág 104 ...pág 22 ...pág 18

...pág 122

...pág 76

...pág 50 ...pág 134

(11)

RESUMO

Relexão sobre a qualidade dos espaços públicos da Avenida Paulista, baseada na observação direta da utilização desses espaços pela população. Registro de episódios cotidianos da avenida, reconhecidos como situações extremamente informativas, capazes de apontar sentidos plurais para es-ses espaços e potencialidades insuspeitas de seu aprimora-mento, através do redesenho urbano.

ABSTRACT

(12)
(13)

Em Brasília, admirei. Não a niemeyer lei, a vida das pessoas penetrando nos esquemas como a tinta sangue no mata borrão, crescendo o vermelho gente, entre pedra e pedra, pela terra a dentro.

Em Brasília, admirei. O pequeno restaurante clandestino, criminoso por estar fora da quadra permitida. Sim, Brasília. Admirei o tempo que já cobre de anos tuas impecáveis matemáticas.

(14)
(15)

OS TRÊS ASSUNTOSespaços públicos da Avenida Paulista, seus usos e sentidos para a população – são os eixos em torno dos quais gi-ram todos os ensaios reunidos neste trabalho. A idéia de realizar um estudo urbano da Aveni-da Paulista a partir de ensaios, que na verAveni-dade são relatos de episódios de seu cotidiano, surgiu durante nossa banca de qualiicação, como mé-todo proposto para alcançar o objetivo de ten-tar entender as lógicas que se entrecruzam no encontro desses três assuntos, e o modo como, através deles, ressigniicamos, a todo momento, a cidade construída.

Em nosso percurso tivemos a felicidade de nos depararmos com um grupo de estudantes de jornalismo da Faculdade Cásper Líbero, com os quais pudemos participar da realização de um projeto de leitura e interpretação dos perso-nagens e lugares da Avenida Paulista, denomi-nado Mapa 900, ou M900. Quase todos os episó-dios apresentados aqui foram escritos durante ou depois da discussão dos temas com esses es-timados alunos.

as situações do cotidiano da avenida a partir do pressuposto de que a qualidade dos seus espaços não pode ser avaliada de forma profunda se não for considerada sua utilização casual pelo homem comum, que evidencia suas necessidades mas também sua atribuição de valores e afetos.

Não é de surpreender, então, a incontestável inspiração no livro A invenção do cotidiano, de Michel de Certeau, especialmente pela atitude de pesquisa que propõe o envolvimento direto do pesquisador, como sujeito ativo, com o fenô-meno observado, evitando a posição de observa-dor distanciado e pretensamente neutro. Certeau propõe analisar o ordinário, em seu movimento de transformação/ultrapassagem do comum, até cruzar a fronteira do que chama de sabedoria. Por isso, sua obra faz um constante vaivém do teórico para o concreto e, depois, do particular para o geral. Essa tática é condizente com a pró-pria natureza dinâmica do fenômeno estudado: as práticas do cotidiano são fujonas, brincalho-nas, protestantes...

(16)

episó-16

construção de sentido. Assim, tentamos elaborar uma argumentação a partir do reconhecimento das situações abordadas como premissas gerais que constroem o horizonte para a ação, que, den-tro do campo da arquitetura e urbanismo, consis-te na prática projetual. A partir de inconsis-terpretações de episódios cotidianos vivenciados na Avenida Paulista e aqui narrados, identiicamos algumas das novas vocações e conlitos dos espaços, e, em alguns casos, chegamos até a lançar hipóte-ses de caminhos para seu aprimoramento. É exa-tamente esse ponto, nos parece, que torna produ-tiva a pesquisa desenvolvida.

A CONSTRUÇÃO DO OLHAR

A tentativa de encontrar caminhos para compre-ender o signiicado da avenida, a partir do estu-do das práticas urbanas da população, confere uma característica especial a essa aproximação da cidade, pois, em geral, essas práticas não são consideradas, quando se realizam estudos urba-nísticos.

Buscamos, então, nos apoiar em uma base conceitual proveniente de diferentes disciplinas, especialmente da arquitetura e urbanismo,

an-tropologia urbana e da ilosoia. Essa conlu-ência de disciplinas foi necessária, sobretudo quando se considerou a enorme complexidade da área de estudo, buscando construir um olhar que capturasse suas qualidades, texturas, ten-sões e fragmentações.

Dessa forma, dois trabalhos de Nelson Brissac – “O olhar do estrangeiro” e “Ver o invisível: a

ética das imagens” – muito colaboraram na

ta-refa de examinar o conjunto urbano e arquitetô-nico da via como imagens visuais a se decifrar, signiicantes que criam cadeias de signiicado ao se relacionarem uns com os outros; por sua vez, cada um pôde se revelar de uma maneira particular, expondo teorias, crenças, práticas, memórias, permanências e transformações que lhe são próprias. Para Brissac, a cidade se apre-senta como um campo a ser habitado tanto em sua dimensão física, como no horizonte do senti-do, e foi essa a postura que tentamos adotar em nossas leituras da avenida.

(17)

propo-sitalmente desumana, seja pela nossa própria incompreensão, vítimas dos excessos de nossa

era, que o autor chama de supermodernidade:

o excesso de tempo (um tempo “sem-tempo”), excesso de espaço (a pretensa integração pro-porcionada pelos transportes) e o excesso de in-formação (a superabundância factual).

No âmbito das práticas urbanas realizadas pela população, se desenrolaram duas pautas de aproximação: de um lado, a que relata o papel da avenida na vida/circulação/trabalho/ produção dos usuários; de outro, a que narra a condição dos sujeitos condicionados por suas necessidades e afetos, que os leva a marcar a avenida de diferentes maneiras.

Os trabalhos de Kevin Lynch, A imagem da

cidade, e Wyillian H. Whyte, The Social Life of

Small Urban Spaces, nos permitiram mergulhar

na investigação dos comportamentos humanos, dos padrões e marcas deixadas pela população relacionadas com o papel que desempenham, quando ocupam os espaços da avenida: seja a trabalho ou por prazer. Essas obras nos

permiti-exercem sobre seus usuários.

Por outro lado, se, ao longo de nosso trabalho, ingressamos no mundo das situações cotidianas vivenciadas pela população, não poderíamos deixar de consultar as tentativas de seu enten-dimento, desenvolvidas pelo grupo de intelectu-ais Situacionistas, encabeçados por Guy Debord. Para isso, utilizamos a compilação de seus tex-tos, traduzida e organizada por Paola Berenstein Jacques, publicada com o emblemático nome de

Apologia da deriva. Esses textos trouxeram um

sopro inusitado às leituras urbanas, ao se vale-rem de concepções iccionais e imaginativas dos espaços da cidade, agregando um caráter lúdi-co, emocional e poético aos estudos ambientais.

(18)

18

sibilidades de intervenção na constituição física da avenida, de seus edifícios e espaços, empre-gamos “atuações imaginárias”, hipóteses espe-culativas do que a via poderia ser, “se” pudés-semos atravessar suas paredes, nos iniltrar em seu solo ou invadi-la pelo ar, alinhados com a postura investigativa adotada por Angelo Bucci, no livro São Paulo, razões de arquitetura.

O propósito original do trabalho não previa a formulação de hipóteses de intervenção, mas fomos seduzidos pelos traços invisíveis que en-contramos nos planos construídos, pela potência das ordens desviantes, dos cheios e vazios que marcam a constituição da avenida. Jogando nes-se território de interrupções e justaposições, ar-riscamos algumas costuras.

OS CAMINHOS DE ALICE

Em uma sala da Faculdade Cásper Líbero, no quinto andar do edifício de número 900, no meio da Avenida Paulista, cerca de 20 estudantes de jornalismo discutem entusiasmados como reali-zar um mapeamento psicogeográico da avenida abaixo deles. É o M900, projeto piloto desenvolvi-do pela disciplina “Novas Tecnologias da

Comu-nicação”, encabeçada pela professora Dra. Da-niela Oswald Ramos, com o qual colaboramos, durante o segundo semestre do ano de 2012, e primeiro semestre de 2013.

Nossa aproximação desse projeto ocorreu de forma acidental. Ao pesquisarmos conte-údo publicado na internet sobre a Avenida Paulista, tomamos contato com o portal de no-tícias P900, que é produzido semestralmente pelos alunos dessa faculdade e realiza uma cobertura jornalística com notícias da região. Interessados em entrevistar os alunos respon-sáveis pelo website, contatamos a professora responsável pelo projeto que nos convidou para participar da produção de um novo ve-ículo, também dedicado a publicar conteúdo informativo sobre a Avenida Paulista, mas exposto com o formato de um mapa digital e interativo, denominado “Mapa 900”, ou M900.

(19)

e urbanista foi útil aos alunos, e as experiências e relatos pessoais deles sobre a avenida en-grandeceram enormemente nossa pesquisa.

A eles foi ofertada a possibilidade de escolha para abordar qualquer tema que lhes interessas-se sobre a avenida. Tal oportunidade fortiicou o vínculo e interesse que apresentaram em relação à atividade, amenizando a resistência original deles à produção de conteúdo para um mapa, formato que foge aos moldes do jornalismo pa-drão, especialmente envolvendo a avenida que acreditavam já ter sido muito abordada, e sobre a qual mencionaram terem esgotado o interesse.

Para facilitar o contato e sensibilização dos alunos com o meio, foram introduzidos trechos

da Teoria da deriva e Introdução a uma crítica

da geograia urbana, de Guy Debord. O

mate-rial foi produzido pelo jornalista Breno Castro Alves, pesquisador que participou da atividade no ano de 2012, e concebeu a ferramenta de in-ternet Mapas de Vista que foi a plataforma uti-lizada pelos alunos para compor e publicar seu mapa da Avenida Paulista na internet, no

domí-nistas sobre a apreensão psicológica do meio urba-no, solicitamos que realizassem derivas pela aveni-da, coletando material de interesse, que foi exposto e discutido sucessivamente em sala de aula.

Percebendo a diiculdade de representação dos dados na forma de mapa, levamos aos

alu-nos referências visuais variadas: do mapa The

Naked City de Debord, ao trabalho do artista

plástico Jorge Macchi, Buenos Aires Tour.

O acompanhamento desse trabalho foi, para nós, uma excelente maneira de ingressar no mun-do coniguramun-do pelos usuários na avenida, per-mitindo uma dupla aproximação: como pesqui-sadora de temas semelhantes aos trazidos pelos alunos, pelo viés do desenho urbano; como pes-quisadora dos próprios alunos e suas percepções e atribuições de valor aos espaços da avenida.

(20)

tra-20

de um espaço tão conhecido como o do vão livre conseguiu nos surpreender. Menos surpreenden-te foi o sentimento de rejeição e até mesmo de ódio que os estudantes manifestaram pelos mui-tos canteiros estreimui-tos e muretas gradeadas na avenida, que os impedem de se sentar e recos-tar, como fazem na ampla escadaria de acesso ao prédio da faculdade que frequentam, um dos únicos pontos da Paulista que ainda é farto em assentos livres.

Talvez possamos chamá-la de avenida das contradições; nela convivem a estranha e te-merosa igura do lobisomem juntamente com o animado e bem-humorado grupo do “Ôla”. Por sua vez, as intervenções que se fazem presentes podem revelar atuações díspares: a denúncia pelo abandono na conservação da via pública (o jogo de amarelinha ou o uso de curativos), ou a criativa e original recuperação da simbologia das esculturas nela presentes. Por essa razão, os relatos que se apresentarão a seguir, no corpo do trabalho, se mostraram sugestivos.

Assim, o caminho que tomamos para a realiza-ção deste trabalho pode ser marcado pelas distin-tas vivências do mesmo espaço: como moradora

usuária da via em meu cotidiano, como arquite-ta pesquisadora e, inalmente, como professora, através dos olhos de meus alunos. Da mesma for-ma os ensaios que compõem o corpo do trabalho se apresentam (tão diversas as ocasiões em que foram produzidos); trata-se de uma compilação de episódios independentes, que se comunicam mas mantém autonomia e podem ser lidos sem obedecer a sequência aqui exposta.

(21)
(22)

22

MI

RANTE

(23)
(24)

24

Talvez por isso o vão livre do edifício do Mu-seu de Arte Moderna de São Paulo (MASP) seja ainda mais importante na paisagem urbana da via que conhecemos hoje, assegurando um grande respiro através do qual se pode ver mais longe, uma janela suspensa sobre o Vale do Sa-racura, córrego infelizmente oculto sob as pistas da Avenida Nove de Julho.

A celebrada vista perdeu parte de seu encan-to principalmente em virtude do bloqueio do ho-rizonte, proporcionado pela descuidada ocupa-ção vertical dos terrenos ao redor, que suprimiu também as áreas verdes do vale, vistas na bela paisagem do cartão postal de 1916.

Infelizmente fenômeno semelhante pode ser visto por toda a cidade, conforme aponta An-gelo Bucci, em seu livro: São Paulo, razões de

arquitetura. Realizando um passeio pela região

do centro antigo (ruas 25 de Março, Boa Vista, Ladeira General Carneiro, entre outras), o autor redescobre um relevo quase secreto, ocultado pela maciça ocupação urbana da área. Bucci propõe reverter esse quadro, aplicando quatro operações poéticas, que consistem em mirar a paisagem, transpor as cotas verticais, invadir

O RELEVO PECULIAR que caracteriza a Avenida Paulista – praticamente plana e localizada em uma das cotas mais altas da cidade – proporcio-nou, durante décadas, o que foi um de seus maio-res atributos: a bela vista do centro de São Paulo. Ainda que essa qualidade tenha sido determi-nante para seu traçado e prestígio, seu desfrute, hoje, é inviabilizado pela maciça verticalização da cidade, que “emparedou” toda a avenida e entorno, bairro que de “Bela Vista”1 hoje só

pre-serva o nome.

1. Benedito Lima de Toledo comenta: “Nunca encon-tramos explicação para a origem do nome (do bairro) Bela Vista, mas o panorama que a Rua dos Ingleses oferecia pode ser uma delas.” São Paulo três cidades em um século, p. 113

(25)

por cima, e iniltrar no subterrâneo do território da cidade2. Essas quatro atuações imaginárias

têm como propósito central a formulação de hipóteses e a proposição de projetos de arqui-tetura e urbanismo, apoiados em argumentos completamente distintos dos que nortearam a ocupação dos espaços urbanos que se vê hoje. Em suas palavras:

Embora as imagens sejam “provocadas” por um dado ambiente, vivenciado durante aquele percurso, uma vez formuladas, elas, imediatamente, fazem outro aquilo que as originou. Nesse processo, não há assimilações. Há, isso sim, substituições ou reconstruções, que vêm menos daquilo que nos é oferecido pela cidade – como um le-gado urbano – do que daquilo que nos é nele-gado por ela. Pois é exatamente essa falta que provoca a explosão da imagem. Ela surge precisamente para ocupar o vazio. Ou seja, as “carências” assumem a função de motor, são elas que agregam sentidos no processo da imaginação projetiva. Nesse caso, a imagem é ação.

Encontramos semelhanças entre essas

qua-2. BUCCI, Angelo. São

Paulo, razões de arquitetura, p.114.

3. KHATIB, Abdelhaid.

Esboço de descrição psico-geográica do Les Halles de Paris, 1958. apud Apologia

No relevo recriado pela verticalização vê-se ao longe a Avenida Paulista

tações dos ambientes da cidade desenvolvidas pela Internacional Situacionista entre as déca-das de 1950 e 1960. Ao proporem um olhar lúdico e criativo em seus trabalhos, o grupo de intelec-tuais desenvolveu o conceito de psicogeograia, deinida como “estudo dos efeitos exatos do meio geográico, (...) que agem diretamente sobre o comportamento afetivo dos indivíduos”3, e seu

(26)

26

oral da experiência de deriva. Quando questio-nados sobre a ausência de elementos espaciais em suas descrições, a resposta geral foi que “jornalistas se interessam mais pela observação das pessoas e dos fatos, do que pelo ambiente”.4

Tal juízo também se manifestou no desinte-resse do grupo pela contemplação da paisagem – nenhum dos estudantes mencionou ter olhado para o parque Trianon, ou para fora do vão, e a região do mirante, nas bordas da esplanada, foi considerada pelo grupo como parte de trás do museu, os “fundos” do MASP. Não sabería-mos dizer se isso se deu devido à deterioração da paisagem natural do vale, mas certamente a obstrução do panorama pela verticalização não contribuiu para a valorização da vista.

O que mais chamou a atenção dos alunos em termos de espaço foi o próprio vão livre sob o volume elevado do museu. Essa área sombrea-da e coberta, que se comunica diretamente com a calçada e a avenida, permite certo distan-ciamento do movimento dos carros, e foi muito valorizada pelos estudantes, identiicada como grande espaço de estar aberto a todos os tipos de grupos e atividades. O local foi visto como o e sensibilização do grupo de estudantes com o

espaço da Avenida Paulista.

Após perambulação pela avenida, e sucessi-vas discussões em sala de aula, alguns alunos selecionaram o espaço do vão do MASP como objeto de interesse. Observando e participando de suas discussões, notamos a recorrência, pelos alunos, do emprego de determinadas palavras e expressões na descrição do espaço, tais como: lo-tação, trânsito, ila, arte, exposição, propaganda, parque, feirinha, galera, auê, canto, fotograia, carros, pessoas, pedacinho da Paulista, espaço público, pequenos acontecimentos, coisas boni-tas, acidente de carro, protesto, revolução, espa-ço aberto, mosaico, interação.

O conjunto dessas palavras, mais do que ca-racterizar espacialmente o ambiente observado, nos fala sobre a identidade, repertório e valores dos jovens pesquisadores. Assim, seus depoi-mentos revelaram um grande interesse pela pre-sença humana e diversidade de usos do local, em detrimento da atenção dada às característi-cas físicaracterísti-cas especíicaracterísti-cas do espaço. Quando solici-tados a desenhar o vão, os alunos se mostraram extremamente inibidos, optando pela descrição

4. Alunos do projeto M900,

(27)

mais privilegiado para se “ver a vida passar” pela Avenida Paulista.

A desvalorização do mirante e o deslocamen-to do interesse público para o espaço do vão no térreo do museu aparecem para nós como uma oportunidade para repensar o espaço, visando

MASP já não é possível, mas a poda da vegeta-ção que cresceu ali e hoje obstrui bastante a vis-ta já permitiria ver a Avenida 9 de Julho mais ao longe. Outra possibilidade que aparece oportu-na seria a conexão da esplaoportu-nada do MASP com o antigo mirante, construído sobre os túneis da

(28)

28

Outro aspecto do vão do MASP que mereceria reconsideração é a infraestrutura que o próprio espaço oferece aos visitantes. Entendemos que pequenas alterações, tais como a oferta de assen-tos na área coberta (ainda que somente durante algumas horas do dia), bebedouros e banheiros públicos certamente trariam mais conforto à po-pulação. O próprio acesso ao vão poderia ser fa-cilitado com a instalação de um pavimento mais liso, não apenas para se adequar às demandas atuais por “acessibilidade universal”, mas

prin-cipalmente para ampliar o uso do espaço pela população em todo tipo de rodas, de cadeiran-tes a skatistas.

Se a menção a qualquer alteração no MASP nos soa como grave sacrilégio, é porque es-quecemos do projeto original que concebeu a esplanada como espaço público, demandando para isso um generoso esforço de elevar um grande volume do solo, conforme nos mostra o próprio desenho de Lina Bo Bardi. O desenho nos permite imaginar um grande espaço

(29)

À esq.: efeito de mureta divisória proporcionado pela visão serial dos blocos de concreto agrava separação da calçada e museu; acima, desenho de Lina Bo Bardi ilustra multiplicidade de usos do vão livre do MASP

to e coberto, cujo piso permita todo tipo de uso pela população. O exemplo já existe na popular marquise do Parque do Ibirapuera.

Acreditamos que uma observação atenta do que é o espaço do vão, hoje, deveria orientar a intervenção no ambiente, assimilando novos

(30)

Paulis-IDENTIDADE

TRANSPORTE

(31)

É DIFÍCIL IMAGINAR a Paulista como uma ave-nida centenária, sem a identidade cosmopolita e dinâmica que hoje tão bem a representa; po-rém essa materialidade contemporânea é fruto de intensas transformações ocorridas ao longo das décadas. Um dos aspectos que mais mudou

Visão da Paulista em 1902, com palacetes, árvores e bonde circulando (porção inferior esquerda).

rápido panorama das transformações da aveni-da como um todo, e também revela suas conse-quências na modiicação da própria identidade da via para a população da cidade.

O belo Álbum iconográico da Avenida

(32)

32

do álbum se complementam os relatos de outro livro, o Anarquistas graças a Deus, no qual Zélia Gattai relata sua infância passada na Alameda Santos, no começo do século XX. A autora regis-tra como a avenida era aristocrática e exclusiva, e como também era restrita a sua circulação:

A alameda Santos, vizinha pobre da Paulista, herdava tudo aquilo que pudesse comprometer o conforto e o status dos habitantes da outra, da vizinha famosa. Os enterros, salvo raras excessões, jamais passavam pela Avenida Pau-lista. Eram desviados para a Alameda Santos, nela desila-vam todos os cortejos fúnebres que se dirigiam ao Cemitério do Araçá, não muito distante dali. Rodas de carroças e patas de burros jamais tocaram no bem cuidado calçamen-to da Paulista. Tudo pela Alameda Sancalçamen-tos! Nem as carroci-nhas de entrega do pão, nem os burros da entrega do leite, com seus enormes latões pendurados em cangalhas, um de cada lado, passando pela manhã muito cedo, tinham permissão de transitar pela Avenida.6

Mas em seus 122 anos a via sofreu grandes transformações; de bulevar com ares parisien-ses7, passou a eixo de circulação central da

ci-dade, já bastante congestionado na década de

6. GATTAI, Zélia. Anarquistas,

graças a Deus, p.43.

7. URSINI, Marcelo Luiz.

Entre o Público e o Privado, p. 28.

8. FRÚGOLI Jr, Heitor.

Centrali-dade em São Paulo, p. 121.

19608. No inal dessa mesma década, se inicia a

implantação de um grande projeto de reforma, denominado “Nova Paulista”, que propôs rebai-xar as vias centrais de circulação de veículos, transformadas em vias expressas de conexão ininterrupta entre as regiões Sul e Oeste da ci-dade. O projeto visava equacionar o problema de saturação do trânsito, conforme explica o en-genheiro Figueiredo Ferraz, que viria a ser pre-feito da cidade entre 1971 e 1973:

(33)

9.FERRAZ, Figueiredo, 1970 apud FRÚGOLI Jr., Heitor.

Op. Cit. p.123.

10. FRUGOLI Jr., Heitor. Op. Cit. p.125.

expressa subterrânea, bidirecional, com seis faixas de trá-fego, acompanha o eixo da avenida Paulista [...].9

Figueiredo Ferraz justiica o projeto, descre-vendo uma avenida que, em menos de 50 anos, havia se transformado em um importante cor-redor de circulação da cidade. Seu discurso já não registra nenhum vestígio ou apego pelo simbolismo e atmosfera elitizada da avenida bulevar, descrita por Zélia Gattai.

Polêmico, o projeto foi combatido intensamente pela ala conservadora do governo, que na época era controlado pelos militares. Heitor Frúgoli Jr.10

nos lembra que justamente por essa razão esse debate foi apenas parcialmente registrado pela midia, uma vez que a censura restringia a ação da imprensa, e o governo reprimia qualquer rea-ção eicaz da popularea-ção às mudanças na aveni-da. Figueiredo Ferraz terminou exonerado de seu cargo de prefeito11, e o projeto só foi parcialmente

(34)

ave-34

Ainda que parcialmente implantado, o proje-to “Nova Paulista” transformou completamente a paisagem do antigo bulevar. Para dar lugar ao amplo anel viário que conectou a Paulista com as avenidas Rebouças e Doutor Arnaldo, elimi-nou-se parte signiicativa das quadras na região próxima a Avenida Angélica e Rua da Consola-ção. Para hospedar as novas faixas de rolagem da via alargada, desapropriou-se uma larga fai-xa frontal de todos os lotes da avenida, eliminan-do com isso um grande número de árvores12 das

calçadas, e mutilando os jardins dos palacetes e edifícios que compunham a paisagem ajardina-da que a via possuía até então.

As mudanças que o projeto Nova Paulista im-plementou, mais do que simplesmente corrigirem as “distorções” de seu tráfego, impulsionaram um novo processo de transformação no padrão de

ocupação da mesma. Hugo Segawa13 nos conta

que o aumento no preço do solo, consequente da especulação imobiliária nesse período, se cons-tituiu em um processo tão elitizado e excludente quanto a primeira ocupação da avenida pelas ricas famílias paulistanas, no inal do século XIX.

Uma vez alargada e modernizada, a “nova”

12. Para ler mais sobre o

corte das árvores, ver p. 80

13. SEGAWA, Hugo. Revista

Projeto, n.78, p.64.

14. SEGAWA, Hugo. Op.

Cit. p.65.

15. ZEIN, Ruth Verde.

Revista Projeto , n.78,

p.69-89.

16. ZEIN, Ruth Verde. Op.

Cit., p.79.

Paulista pôde receber as novas elites capitalis-tas e suas moderníssimas torres “inteligentes”: de vidro ixo, climatização artiicial e planta lexível. A avenida entra em uma nova fase de prestígio, volta a ostentar o título de cartão-pos-tal da cidade, não mais como bulevar residen-cial, mas como “coração inanceiro do país”14.

Em 1985, Ruth Verde Zein15 descreve, na

re-vista Projeto, uma avenida que já se encontrava completamente transformada: “São 92 edifícios em altura, incluindo-se os em construção, sem contar com os terrenos semivazios fechados por placas de alguma construtora.” Na crítica severa que a autora faz à avenida, ela a denomina de “versão cabocla e piorada da Quinta Avenida”. Ao avaliar seus edifícios, Zein lembra que gran-de parte gran-deles pogran-deria estar “na Paulista ou em qualquer outra parte do mundo”; os novos pré-dios seriam “adaptações intermediárias” de ar-quiteturas importadas e bidimensionais, “mistos de arquitetura ‘americana’, ‘carioca’ e ‘paulista’, híbridos em sua indeinição ou meio-termo”16.

(35)

17. ZEIN, Ruth Verde. Op. Cit. p.79.

18. GUERRA, Abílio. Quadra aberta, Revista

digital Vitruvius, 2011.

19. ZEIN, Ruth Verde. Op. Cit., p.80.

claramente fragmentos resultantes da adoção de “soluções apressadas”, que mal se adaptam às condições dos lotes, “como aquele edifício na esquina da Frei Caneca, que simplesmente dei-xa sobrar a nesga de terreno torto que atrapa-lharia o ângulo reto do paralelepípedo”17. Nesse

mesmo artigo, a autora ainda avalia mal18 as

qualidades do espaço livre conformado pela praça de miolo de quadra do projeto Cetenco Plaza, localizado na esquina da Paulista com a Alameda Min. Rocha Azevedo. Hoje bastante frequentada, a praça foi vista na época de sua inauguração como espaço “frio” e desolado, conforme se lê na legenda das fotos tiradas no local: “A desolada praça ‘nova-iorquina’, o im-pério da rainha do gelo, um cenário de relexos cambiantes”19. As considerações da autora e as

fotos compiladas nesse artigo de 1985 nos fa-zem imaginar uma avenida muito diferente do cenário de hoje. O acesso à via, na época, era mais restrito (o metrô ainda não circulava ali), e seus novíssimos edifícios empresariais de luxo garantiam uma frequência de usuários mais

eli-te dos serviços consumidos por essa população, composta em grande parte por funcionários de alto escalão de grandes empresas e estrangeiros de passagem pela cidade, a negócios.

No entanto o elitismo do ambiente vai começar a se modiicar seis anos depois da publicação do artigo de Ruth Zein, quando, no aniversário da cidade, em 1991, o metrô inalmente chega ao subsolo da ave-nida. O acesso facilitado aumenta signiicativamente o volume de frequentadores da via, diversiicando o peril de seus usuários. Esse fenômeno é acompanha-do por nova migração de parte das sedes de grandes empresas para a zona sul da cidade (especialmen-te para as avenidas Faria Lima e Engenheiro Luis Carlos Berrini). A ocupação dos edifícios da Paulista passa a se dar em maior parte por empresas meno-res, voltadas aos setores do comércio e serviços20. Aos

(36)
(37)
(38)

SURFISTAS

(39)

“Num sábado à tarde, em meio a grande temporal, que se iniciara na véspera, surgiu em casa um rapazinho, empregado da “Alfaiataria Adônis”. Trazia um embrulho grande e fofo, pousado sobre os braços estendidos. Era um terno sob medida, que tio Guerrando, irmão mais ve-lho de papai, havia mandado fazer. Titio chegara havia pouco de Botucatu com a família, instalara-se na ção, abaixo da Alameda Itu. O calçamento da Consola-ção ia apenas até a Alameda Jaú. Em dias de chuva, da Alameda Jaú para baixo, a lama escorregadia impedia a descida de automóveis e ameaçava os pedestres de que-das espetaculares. Na impossibilidade de descer a Rua da Consolação, o rapazinho pedia que guardássemos o terno até parar a chuva (…)”21

(40)

40

Moradoras da região próxima à Paulista saem de casa de galocha, preparadas para as enxurradas

transformam em verdadeiras cataratas em dias de temporal, e as vias paralelas inundam ao recebe-rem todo esse luxo de água que não consegue ser absorvido pelo solo recoberto da cidade.

Aos pedestres resta criar o que Michel de

Cer-teau chamou de “estratégias”22 para conviver

com as enxurradas. Antecipando o problema, a população local evita sair para a rua em dia de

chuva, ou vai “vestida à carater”, o que inclui capa de chuva, galochas e guarda-chuvas. Os

habitués já conhecem os percursos menos

com-prometidos e navegam com mais habilidade pelas ruas alagadas do que os passantes even-tuais. O comércio da região tenta contornar o prejuízo da falta de pedestres nas ruas, ofere-cendo acessórios para chuva de todas as cores

(41)

e “estilos”, prática repetida pelos vendedores ambulantes de guarda-chuvas, que se multipli-cam nas calçadas durante os meses mais úmi-dos, atendendo a todos os públicos e temporais.

Poupada das inconvenientes enxurradas por se localizar no topo do espigão, a Avenida Pau-lista vai sentir as consequências das chuvas no trânsito de veículos: o alagamento das ruas que circundam a via rapidamente provoca sua satu-ração, de onde os carros não conseguem sair em

(42)

42

(43)
(44)

CEMITÉRIO

(45)

A CENA SE repete ao longo de toda a avenida: pes-soas fumando na calçada ou dentro dos carros e, naturalmente, jogando os restos do cigarro na via.

Quem olha para o chão, ao caminhar pela Avenida Paulista, vê se amontoarem centenas de bitucas de cigarro nas calçadas, sarjetas e até nos canteiros de plantas. A situação parece ter piorado após 2009, quando se tornou proibi-do fumar em espaços fechaproibi-dos de uso coletivo, empurrando os fumantes para as ruas e

calça-jogá-las no lixo pode incendiá-lo, e destacam a ausência de cinzeiros públicos nas vias, inexisten-tes até mesmo nos “fumódromos” – lugares reser-vados para fumar. O resultado dessa prática é o acúmulo de restos de cigarros por toda parte.

Alguns condomínios na avenida constataram o problema e instalaram cinzeiros na calçada23.

Aos poucos essa iniciativa se espalhou e hoje é possível encontrar cinzeiros de todo tipo em

fren-te aos edifícios, afren-tendendo à sua população e a 23. HIRT, Jeferson Ulir.

(46)

46

Bituqueira de garrafas pet

apresenta disponível nas calçadas da avenida durante a semana, em horário comercial. De-pois desse horário, muitos equipamentos são recolhidos pelos prédios, que temem seu roubo. É como se, após às 18:00 horas, ique “liberado” jogar bituca de cigarro no chão da avenida!

Encontramos também um cinzeiro público artesanal e permanente, amarrado em um dos postes da avenida. Doado pelo grupo “o bitu-queiro pet”, o objeto foi realizado a partir da re-ciclagem de garrafas PET. No blog do grupo24, se

explica o objetivo do cinzeiro de

(...) conscientizar as pessoas que jogam suas bitucas de cigarros no chão, diminuir a quantidade de bitucas que poluem o solo e a água da cidade de São Paulo e, principalmente, pressionar as autoridades responsáveis pela saúde pública e meio ambiente a tomarem medidas imediatas sobre essa questão.

A modesta dimensão de uma bituca (cerca de meio grama) esconde as grandes dimensões do pro-blema que provoca, sendo lixo de difícil tratamento e grande poluência. Dados coletados a partir de uma pesquisa conduzida por Aristides Almeida Rocha e

24. Blog O bituqueiro Pet,

(47)

Mário Albanese, nos laboratórios da faculdade de Saúde Pública da USP, registram que,

se cada um dos 8 milhões de fumantes do Estado de São Paulo consumir meio maço de cigarros por dia, ao im de 24 horas o meio-ambiente do Estado recebe uma carga de 40 toneladas de resíduo, formado por iltro, papel e tabaco.25

Segundo Albanese, presidente da Associa-ção de Defesa da Saúde de Fumante (ADESF), uma experiência simples, de mergulhar 20 bi-tucas de cigarro em um recipiente com 10 litros de água, permitiu concluir que apenas duas bi-tucas de cigarro geram uma poluição que pode ser igualada à de um litro de esgoto doméstico.

ONGs, blogs, médicos, associações de con-domínios, e até um personagem fantasiado de “cigarrão” já circularam e varreram as calça-das, para mostrar à população o grande volume desse tipo de lixo que se acumula na via, e aler-tar que esse “micro lixo é mega problema”.26

De tão chamativo, o problema das bitucas

(48)

48

participação no projeto e realizarem uma deriva atenta pela via, as bitucas acumuladas nas cal-çadas, nunca antes notadas, passaram a causar grande incômodo:

-Eu tentei fazer a deriva mas foi um pouco irritante pra mim porque eu acabei focando demais...A primeira pessoa que eu vi jogando uma bituca de cigarro, foi como uma visão em “câmera lenta”, sabe?

Eu comecei a olhar pra todo mundo jogando a bitu-ca de cigarro no chão!

Isso me irritou muito, é muita gente jogando bituca no chão ao mesmo tempo, ninguém se toca. Isso me chamou muito a atenção, prejudicou minha deriva.

-Tem umas esculturas com bitucas de cigarro... no conjunto Nacional formam um grande cigarrão.

-…quando você não cuida de um lugar, você não sente ele como seu, você descuida dele, taca a bituca no chão.

-É! Tipo: “qualquer um faz xixi aqui, isso aqui não é meu”.

A discussão avança, e os alunos fumantes rela-tam sua diiculdade para descartar os cigarros fu-mados nas calçadas da Paulista. Revelam também

suas estratégias para tentar solucionar o proble-ma, depositando as bitucas em certos lugares con-sagrados, onde a infração teria menor gravidade:

“-Você tem cemitérios de bitucas na Paulista, como esse na frente do prédio da Fundação, aqui no número 900. Você tem cemitérios de bitucas clássicos aqui...existem porque supostamente é mais civilizado você jogar na plan-tinha do que no chão. Então se não pode jogar no lixo, ou no lugar onde a bituca deveria estar, você tem o cemitério de bituca. É como um lugar intermediário, como um “lim-bo”, entendeu?

-Seria aquele canteiro ali na entrada. As pessoas sen-tam nele, mas ele é desconfortável porque sua mureta é inclinada, não pode sentar, mas você senta! Você termina de fumar e joga, você não valoriza tanto aquele canteiro.”

(49)

relação à manutenção do elemento e do espaço. Herman Hertzberger ensina a projetar o con-trario, em seu livro Lições de arquitetura. Se-gundo o autor, a linguagem arquitetônica deve favorecer o uso e o consequente sentimento de identidade do público com o espaço. É através do uso que o “usuário” pode desenvolver afe-to e responsabilidade pelos espaços e lugares, provocados pela sensação de posse e pertenci-mento27. Acreditamos que esse tipo de

(50)

50

CAVERNA

(51)
(52)

52

IGOR GUATELLI EXPLICA que, em São Paulo, “Os viadutos têm como função aproximar pontos distantes, mas acabaram desarticulando espa-ços próximos”28. Foi exatamente isso que

aconte-ceu com a região inal da Avenida Paulista, após a implantação de parte do Projeto Nova Paulis-ta, que retalhou suas quadras originais para dar espaço a um grande complexo viário que liga a Paulista às Avenidas Rebouças e Dr. Arnaldo. Cercado de vias expressas por todos os lados, o pequeno quarteirão que sobrou, no centro do

Vista aérea do complexo viário interligando a rua da Consolaçãoavenidas Paulista e Rebouças, déc.1970.

complexo viário, se tornou uma ilha separada do entorno, cujo acesso continua difícil quase quatro décadas após sua implantação29.

Penetrando no trecho rebaixado da avenida, na região da Rua Haddock Lobo, encontramos um espaço ainda mais isolado. Conhecido como “buraco” da Paulista, o local hoje apresenta difí-cil acesso aos pedestres, e concentra usuários de drogas e moradores de rua.

Toda a extensão do complexo viário se con-formou em um espaço muito diferente do que é a Avenida Paulista. Seu trecho rebaixado é um dos únicos locais da via onde quase não se vê a circulação de pessoas, e foi assim concebido, para passagem exclusiva de automóveis. Hoje, apresenta paredes inteiramente revestidas por graites e pichações, grandes áreas onde o sol raramente consegue penetrar. É mais um espaço fragmentário da cidade, criado por uma grande obra de infrestrutura, que acabou degradado e considerado ambiente hostil e perigoso.

Carla Caffé, artista plástica cuja formação em arquitetura transparece em seu trabalho forte-mente ligado à paisagem urbana, expressou seu olhar desenhando o local em 2009, para seu livro

28. GUATELLI, in DIMENSTEIN. Folha de São

Paulo, 12 Setembro 2007

(53)

30. GONÇALVES, Leandro F. O estudo do lugar sob o enfoque da Geograia Humanista., p.185.

31. O conceito de não-lugares foi introduzido aos

alunos do M900 conforme

Avenida Paulista, e revelou um interesse particu-lar pelo espaço, em relato que fez ao pesquisador Leandro F. Gonçalves30, em 2010:

“Eu vejo o Buraco dos graiteiros como um óculos de natação que dá vontade de colocar. Acho o lugar mais pop, mais legal da cidade de São Paulo. Para mim, sem-pre foi o lugar mais emocionante. Ele é super perigoso, mas, mesmo assim, eu me enio dentro dele... Tem muito

Essas impressões de medo combinado à curio-sidade também apareceram nos diálogos dos alunos do Projeto M900, registrados durante dis-cussões em sala de aula. Essa parte da avenida foi chamada por eles de “espaço de transição”, “caverna do automóvel” e “não lugar”31. Um

(54)

54

de e qualidades de galeria de arte, que poderia inclusive abrigar uma feira:

- Posso propor uma coisa? Ao invés da gente só expor o problema, não dá pra gente fazer uma coisa mais enga-jada e dizer que é um não-lugar, mas tem o potencial para ser alguma coisa mais do que isso.

- Mas o que você acha que poderia ser?

- Assim como esse túnel pode ser uma tela de graite, de repente pode dar espaço pra uma feira, alguma outra ação ali embaixo.

- Uma galeria...

O interesse do estudante pelo local também é nutrido por graiteiros e pichadores, que reco-nhecem ali um dos primeiros pontos importantes de manifestação dessas atividades na cidade. A prática, antes considerada ilegal, hoje alcança o estatus de arte urbana32, expondo, no buraco,

consagrados painéis que recebem manutenção eventual da prefeitura.

Esse interesse pelo espaço por diferentes grupos, especialmente ligados às artes, pode nos levar, em um primeiro momento, a considerar interessante a idéia de investimento no aprimoramento dessa

“galeria de arte” pública, cuja visitação, hoje, se dá quase exclusivamente via automóvel; ele po-deria ser convertido em um espaço de parada, que oferecesse melhores condições para o contato direto da população com as obras.

No entanto, olhar apenas para o espaço, sem considerar a população que o habita, seria uma análise apressada. Qualquer intervenção, ali, que trate como secundária a questão dos mora-dores de rua e usuários de drogas que habitam o local seria irresponsável e extravagante. Como é a recente instalação de luzes azuis33 em túneis

da cidade, cuja justiicativa de “embelezamento público” e criação de “referências urbanas” mas-cara uma política de repressão à permanência e abrigo dessas populações nesses espaços, mas não enfrenta o problema social de frente.

Sobre essa nova iluminação, os alunos do Pro-jeto M900 se expressaram com ironia:

- Deve ser muito legal você passar a noite inteira ali numa luz daquelas...chapado.

- Ali não é um morador de rua, é um morador em situ-ação de balada!

32. AGUIAR, Ione Dias. Do

Buraco da Paulista ao MASP. Revista digital P900, 2011.

33. CAPRIGLIONE, Laura.

(55)

Iluminação decorativa instalada nos túneis da cidade impede população de rua de permanecer no local.

Entendemos que o tema do problema social convoca uma relexão muito mais profunda e aparatada do que nossa breve discussão sobre o manejo do anel viário da Paulista, mas en-contramos inspiração em um pequeno projeto de Igor Guatelli34, proposto para um espaço de

baixio de viaduto, localizado no bairro da Bela Vista. Seu projeto prevê a utilização do espa-ço como uma academia de boxe, programa que responde às demandas da população local sem fórmulas prontas, encorajando uma relexão verdadeira sobre problema social existente ali e, partindo dele para conceber as hipóteses de solução da ocupação do espaço. A relexão que esse tipo de projeto preconiza poderia servir de referência para iluminar a discussão sobre o destino do sombrio buraco da Paulista.

(56)

DIMEN-TOCA DE

(57)

ASSIM COMO A “ilha” da Paulista35, outro

tre-cho da avenida cujo ambiente se distingue com-pletamente do resto da via é o Parque Tenente Siqueira Campos, conhecido como Parque Tria-non. Ao atravessarmos seu portão de entrada, é a paisagem natural que passa a dominar. Sabe-mos que estaSabe-mos na Avenida Paulista, mas nos sentimos em outro lugar, protegidos e alheios à intensa movimentação externa. São duas qua-dras inteiramente cobertas pela vegetação, ocu-pando uma área de 48.600 metros quadrados no coração da avenida, bem de frente ao MASP. Sua densa vegetação lhe confere sombra cons-tante e temperatura amena, o distinguindo in-tensamente do entorno.

Talvez em razão desse contraste com a at-mosfera da avenida, ou o isolamento do gradil e a aparente escuridão da mata, o fato é que o parque parece pouco convidativo e visitado pela população que circula na avenida. A pou-ca integração com as atividades cotidianas rea-lizadas na via desvincula o parque da imagem tradicionalmente associada à Avenida Paulista

Acima, parque Trianon se destaca na paisagem da Paulista

(58)

58

de interesse dos estudantes do Projeto M900 pelo parque. Nenhum dos alunos, ao longo dos três meses de atividade de leitura e debate sobre os espaços da avenida, se lembrou de mencioná-lo, exceto um dos rapazes que comentou ter procu-rado o local para “tirar um cochilo”, sendo repre-endido por vigilantes. O local não atraiu somen-te o aluno para “curtir” o sono; histórias contam que o parque foi habitado durante muitos anos por um ilustre bicho-preguiça, que, segundo Luis Gê36, na década de 1960, causava furor entre a

meninada moradora da vizinhança.

Percebemos certa nostalgia no desenho de Carla Caffé, único trabalho em preto e branco a integrar seu livro Avenida Paulista. Além da ausência de cores, o desenho mostra elementos que remetem à memória histórica do sítio: uma luminária antiga e a ninfa Aretuza esculpida por Francisco Leopoldo da Silva aparecem discreta-mente no canto inferior direito. A presença, no desenho, de elementos do passado, quase sub-mersos pela densa mata que constitui o parque de hoje, conforma um campo simbólico carre-gado de signiicados particulares, relacionando as memórias do local e suas permanências com

a degradação de seu valor, ocasionada pelas transformações sofridas com o passar do tempo. O desenho foca em uma grande bifurcação de caminhos, insinuando o desconhecimento do que está por vir, uma possível referência ao fu-turo do parque, e também à sua atmosfera de mistério e ameaça.

Sobre o clima de intimidação que ronda o lo-cal nos fala o escritor e morador da região José Arrabal, em depoimento37 ao pesquisador

Lean-dro Gonçalves:

O Parque Trianon é um negócio muito engraçado, por-que, ao mesmo tempo em que tem um pessoal fazendo exercícios pela manhã, tem os garotos de programa que fazem ponto lá durante o dia, dentro e nos arredores. En-tão, me dá a impressão de que são dois parques: um que é ponto de prostituição e outro que é o dos velhinhos que vão lá pra se exercitar ou passar o tempo. Eu acho que o Parque Trianon tá ligado a uma aura de ameaça por con-ta da prostituição que ronda aquele lugar. Sinceramente, eu preiro icar sentado dentro do Conjunto Nacional a icar no Parque Trianon.

36. GÊ, Luis. Avenida Paulista. p.6

(59)

Seu relato ganha interesse particular, quan-do consideraquan-do junto ao livro de contos infanto--juvenis que escreveu, intitulado O Lobisomem

gica que circula pelas noites da Avenida Paulis-ta, se misturando a motoboys, ciclistas, taxistas, boêmios, transformados todos em parte de um só

(60)

60 São poucos os que ousam negar a sua existência. Al-guns fogem do assunto. Muitos são os que airmam ouvir o seu uivo intenso, ora em alguma esquina, canto da Bela Cintra, quarteirão da Itapeva ou na Carlos do Pinhal, sem-pre em madrugadas quentes já sem passantes nas ruas.

- É um uivo de coiote, longo, vibrante, vivo, que nem sirene noturna. Não é uivo de assustar – quem escuta tranquiliza. Nas noites de forte chuva, sua sombra e seu latido acompanham a travessia, no percurso do metrô que vem da Consolação e alcança o Paraíso. Metroviários, contudo, tratam de desconversar quando são interroga-dos a respeito desta história. Mas, não procedem assim os seguranças de empresas e os porteiros dos prédios, trabalhadores da noite na região da Paulista. Garantem e não desmentem os estranhos comentários que circulam na avenida. Os taxistas antigos, (...), sem temor e acostuma-dos, falam para os turistas do cachorrão que acompanha os automóveis que passam na Alameda Casa Branca. Fazem dele uma atração. Já os novos no volante evitam o tal trajeto, onde vão a contragosto mal começa a escu-recer. Há também os que asseguram que no verão esse cão percorre bem sossegado as calçadas da Augusta, num tranqüilo vai-e-vem entre a Luis Coelho e a Peixoto Gomide. Sem perturbar os boêmios, costuma satisfazer--se com pedaços de pão e a carne que lhe dão. Nessas

mesmas madrugadas de calor e tempo seco ronda ainda o calçadão do outro lado da avenida e se mistura à mo-çada na agitação dos bares. Tem vez que vai à Itu, à Lorena, à Oscar Freire. Até mesmo vai além, sem meter qualquer temor. Há, porém, os que advertem que se tra-ta de animal sempre bravo e peludão. Que numa noite de chuva, furioso, ele atacou uma jovem solitária numa travessa que leva à Praça XIV Bis. Que de outra feita cer-cou e pôs em fuga apressada, perto do amanhecer, todo um bando de rapazes no pátio detrás do Masp. Ciclistas da madrugada contestam essas histórias que consideram maldosas, tudo perversa invenção, calúnia por covardia. Conirmam que o lobisomem, com seu corpo de Fila, em boa paz, animado, acompanha os que seguem pela pista da avenida guiando suas bicicletas. Entregadores de piz- za nunca se incomodam. Muitos despreocupados falam das tantas vezes que viram o lobisomem no decorrer da Paulista. Outros o ignoram, sem ter o que assuntar. Fato ou mito, o que acontece gera sempre controvérsia, seja medo ou destemor entre a crença e a descrença.37

Mais do que a historinha divertida, nos interessa a narrativa fantástica como forma de revelar valores simbólicos e imaginários consti-tuídos. O personagem protagonista, convertido

37. ARRABAL, José. O

(61)

na criatura mitológica do lobisomem, com seus atributos viris de fera, mas de bom coração, pa-rece-nos um subterfúgio literário utilizado pelo autor para falar nas entrelinhas das minorias que frequentam a região. O mito do lobisomem do Trianon nos remete diretamente às histórias dos garotos de programas que trabalham no parque e imediações, e a presumida atmosfera ameaçadora que sua presença provocaria, fato lembrado no relato do autor.

(62)

62

tica de prostituição no local, há pelo menos três décadas, comprova uma indiscutível existência de demanda pelos serviços. Em 2007, reporta-gem da Folha de São Paulo38 classiicou a região

do Trianon como o “ilé mignon do mercado do sexo”, revelando que os garotos de programa co-meçariam a ocupar a disputada área diariamen-te, a partir das 18:00h, para atender aos engra-vatados trabalhadores da Avenida Paulista.

Tentando se afastar do viés moralista ou nor-matizador da conduta social, é importante consi-derar a ambiguidade inerente a qualquer forma de prostituição, não apenas a homoerótica. Se por um lado a atividade pode apresentar aspec-tos destrutivos, associados à venda de sexo, ela também responde à satisfação dos prazeres e de-sejos que estão presentes e circulantes em qual-quer sociedade, se apresentando como um ponto de fuga de expressão e satisfação de anseios que podem não encontrar outras oportunidades de serem consumados dentro da ordem social em que nos situamos.

Voltemos, neste ponto, ao título deste fragmento, que nos fala do mito do lobisomem. O lobisomem do Trianon assume aqui o papel do lobo do homem.

O homem consome a carne do próprio homem prazerosamente, mas também destrutivamente, em um “agenciamento especíico, singular, onde o desejo – enquanto engeneering de luxos mo-leculares – põe em movimento um dispositivo so-cial. A prostituição viril participa de uma dupla condição: é simultaneamente produção desejan-te e produção de bens – já que o corpo é tomado como mercadoria, reintroduzindo, assim, pulsões perversas que ‘escapam’ pelos poros ou ‘pontos de fuga’ do socius na ordem do capital.”39

Este deve ser o paradoxo mais amargo do “negócio do michê”: a monetarização que trans-forma paixões em negociatas e corpos em mer-cadorias. Mesmo uma sociedade guiada pelo capital não isenta o “bom negócio” da pros-tituição da mão pesada do julgo social, cuja manifestação de reprovação pode se sentir em ocorrências simples, como, neste caso, o esva-ziamento do Parque Trianon, até condenáveis atitudes de violência contra expressões de afeto entre pessoas de mesmo sexo, ambas consequ-ências equivocadas e injustiicáveis.

38. RIPARDO, Sérgio.

Michês do Trianon. Folha de São Paulo, 17 Outubro

2007.

39. PERLONGHER, Néstor.

(63)
(64)

64

ARTE

PÚBLICA

(65)

TRAÇADA COM INSPIRAÇÃO nos bulevares franceses40, a Avenida Paulista foi concebida

para ser vista de perto, em um tempo em que seus observadores passavam devagar, podendo desfrutar de detalhes, monumentos e esculturas, ali dispostos para enaltecer sua importância. É interessante observar o pouco prestígio que des-frutam esses elementos na cultura e usos popu-lares da atualidade. As obras de arte urbana da avenida, elementos tradicionalmente enten-didos como solenes e referenciais na paisagem, são impregnadas de memórias e discursos histó-ricos41; mas que sentidos conservam ou

reintro-duzem em meio às transformações modernas da via, convivendo e competindo com outras formas de expressão e manifestações contemporâneas? Gordon Cullen42 e Kevin Lynch43, nos idos

anos 60, se referiram a uma primeira função prá-tica desses elementos na cidade, que é a de au-xiliarem nossa orientação no espaço, vistos como marcos referenciais na paisagem, ocasionando convergência focal, e utilizados também como pontos de encontro e aglutinação de pessoas.

importância com uma profusão de outros marcos visuais44, e capturar a atenção de populações

mui-to diversas que passam pela avenida diariamen-te, com diferentes origens, repertórios e interesses. Pensemos na valorização que Aldo Rossi atri-bui a esses elementos na cidade, em seu livro A

arquitetura da cidade, de 1966. O autor resgata

sua função de guardiões da memória coletiva, usados no passado para legitimar cultos e estru-turas de poder, registrando e eternizando momen-tos e personagens heróicos, ou resgatando ideais e rituais cívicos. Para ele, esses elementos seriam fundamentais na construção do que chamou de locus45 urbano, conceito que não se confunde com

o conceito de lugar, entendido como espaço físico, e se traduz na espessura simbólica do lugar46.

Assim como o personagem Carlitos, no ilme “

Lu-zes da cidade”, também não conseguimos entender

40. URSINI, Marcelo Luis.

Entre o público e o privado. p. 28.

41. ROSSI, Aldo. A

ar-quitetura da cidade. p.147.

42. CULLEN, Gordon.

Paisagem urbana.p.25.

43. LYNCH, Kevin. A

imagem da cidade. p. 53

44. CANCLINI, Néstor G..

Culturas híbridas. p. 291

45. ROSSI, Aldo. Op. Cit.

(66)

66

ou louvar a memória que esses ícones do passado representam, não atribuimos o mesmo valor que os autores acima atribuem às esculturas urbanas.

Marc Augé nos ajuda a entender essa insen-sibilidade contemporânea. Segundo o autor, não mais dispomos de tempo ou repertório para con-templar as obras de arte do passado, porque vi-vemos em um momento de extrema aceleração da história. Essa aceleração é sentida através da superabundância factual a que somos sub-metidos nos dias de hoje47. Vivemos mais anos,

convivemos com mais gerações, e temos acesso a novas tecnologias da informação, que nos per-mitem ter contato com mais acontecimentos his-tóricos relevantes. O excesso de informações não nos permite nem atribuir sentido a tudo, nem pre-servar a memória de fatos passados, esvaziando de sentido seus ícones, monumentos e demais re-presentações históricas.

A velocidade que nos encanta, também nos cega, ao nos afastar da compreensão. Assim con-corda Nelson Brissac em diversos de seus textos. Em O olhar do Estrangeiro, o autor relete sobre a cidade experimentada sob o impacto da velo-cidade, que não possui aderência, é

bidimen-sional, vira só fachada, como em um outdoor. Para conseguir enxergar e signiicar, o sujeito contemporâneo teria que aprender a olhar com olhos estrangeiros, que em tudo vê novidade e, por isso, demonstra interesse.

Implantadas em uma avenida concebida como bulevar, repensada como autopista rebai-xada, e transformada em corredor de lazer pela população, as antigas estátuas da Paulista hoje parecem invisíveis para a maior parte de seus frequentadores. No entanto, Giulio Carlo Argan nos ajuda a lembrar que esses elementos ainda apresentam algum valor para a população, ain-da que distinto do original:

(...) as gerações que nos precederam construíram mo-numentos, palácios, catedrais, que até hoje constituem dados, condições, limites para o planejamento urbano. Mas (...) os antigos construíram esses edifícios para as suas exigências, não para as nossas – e sem dúvida cons-truíram-nos sólidos e imponentes para que permanecessem no futuro, mas com a idéia de que permanecessem eter-namente válidos os valores que esses edifícios deveriam representar. (...) Trata-se, enim, de uma herança, não de um planejamento. Se conservamos esses monumentos, o

(67)

48. ARGAN, Giulio Carlo. História da Arte como História da Cidade. p.226. Grifos do autor. fazemos porque esta é uma exigência da nossa cultura,

tanto assim que atribuímos a eles um signiicado completa-mente diferente daquele para o qual foram construídos.48

Acostumados que estamos com nossos cená-rios cotidianos, pouco percebemos e valoriza-mos seus elementos. Mas o que aconteceria se esse patrimônio artístico fosse subitamente mo-diicado? É o que o artista plástico Christo faz ao “empacotar” célebres edifícios, monumentos, pontes, e até ilhas. Suas intervenções estimulam o desenvolvimento de uma nova consciência da realidade e da história. Elas reaproximam a po-pulação das obras, propiciam redescobertas e novos processos de apropriação e signiicação, nos lembrando da importância de sua nature-za “pùblica”, isto é, se encontram ao alcance e apreciação de todos. Sobre a importância da disponibilidade pública das obras de arte, Nés-tor Canclini é incisivo ao airmar:

Enquanto nos museus os objetos históricos são subtra-ídos à história, e seu sentido intrínseco é congelado em

memória interaja com a mudança, que os heróis nacionais se revitalizem graças à propaganda ou ao trânsito: conti-nuam lutando com os movimentos sociais que sobrevivem a eles. (…) Sem vitrinas nem guardiões que os protejam, os monumentos urbanos estão felizmente expostos a que um graite ou uma manifestação popular os insira na vida contemporânea. Mesmo que os escultores resistam (…) a fazer heróis de manga curta, os monumentos se atualizam por meio das “irreverências” dos cidadãos.

Graites, cartazes comerciais, manifestações sociais e políticas, monumentos: linguagens que representam as prin-cipais forças que atuam na cidade.49

(68)

68

I. Praia Paulista

Em evento denominado “Praia na Paulista”, re-alizado em 22 de Setembro 2012, na Praça do Ciclista (próximo à rua da Consolação), o mo-numento a Francisco Miranda, ali localizado, foi vestido com traje de banho semelhante ao dos participantes do evento. Em seu duro embasa-mento de pedra, foram expostas mensagens de estímulo ao uso de meios de transporte

coleti-vos: “Eu vou de busão/bike/metrô/ no dia

mun-dial sem carro”: pregando também o afeto e a

convivência: “Eu vou de

amor/respeito/cachi-nhos/óculos no dia mundial sem carro”.

Ao inal do dia, como ditam os bons modos na praia, as barracas foram desmontadas e o lixo ensacado. A canga e as mensagens foram re-tiradas da estátua sem deixar vestígio ou dano. Uma horta foi plantada no canteiro, aos pés da estátua, e sobreviveu durante alguns dias em meio à avenida.

II. EX-PESCADOR, HOJE CICLISTA

A escultura do Índio Pescador, obra de Francisco Leopoldo e Silva, que mora em um laguinho na

(69)

Praça Oswaldo Cruz, foi reposicionada pela prefei-tura e teve sua lança roubada há muitos anos atrás, transformações que Luiz Gê registrou na introdu-ção a seu livro de histórias em quadrinhos Aveni-da Paulista: “(...) Olavo Setubal arrasou a pracinha do índio jogando-o para um canto onde ele, já sem lança, passou a icar por ali mesmo, jogando da-dinho ou, talvez, todo o lixo que transborda de um tanque seco, feio e sujo. Era o “pogresso”50.

Em iniciativa de um grupo de ciclistas, foi co-locoda uma roda de bicileta prateada na mão da estátua, substituindo sua antiga lança, e simbolizando a luta dos ciclistas por melhores condições de circulação pelas ruas da cidade. Essa iniciativa icou ali por cerca de três me-ses51, tempo suiciente para ganhar repercussão

nos blogs e páginas na internet dos simpatizates da prática do ciclismo urbano, sendo registrada inclusive pela grande mídia52. Mesmo a ação de

desfazer a intervenção repercutiu na comunida-de. O fato é que a lança original da estátua nun-ca foi refeita, e o índio, agora sem roda, volta a icar de “mãos abanando”, como está há mais

50. GÊ, Luiz. Avenida

Paulista. p.6.

51. CRUZ, Willian. Só porque

deu no site da Globo? .Blog

Vá de bike, 2009.

52. G1. Globo.com. Roda

de bicicleta é retirada de

(70)

70

turas, criaram-se lugares de signiicado e inte-resse da população, que neles se reconheceu e interagiu, identiicando-os como seu domínio. A própria brevidade das intervenções nos permi-te reletir sobre a velocidade como as imagens e valores circulam e submergem no tempo, se tornando, instantaneamente, parte do passado da avenida.

53. Em editorial do encarte

Divirta-se do Jornal O estado de São Paulo, de 09 de março

de 2012, a jornalista Camila

Hessel comenta: “ #aquiba-teumcoração, dizia a foto que um amigo colocou no Instagram na última 2ª. A cidade ainda vivia sob o choque do atropelamento da ciclista na Paulista, ocorrido na 6ª de manhã (...)Que alívio saber que, em meio à discussões acaloradas e a indecências como reduzir o acidente à quantidade de quilômetros de congestiona-mento provocados por ele, um grupo de paulistanos saiu caminhando pelas ruas para dar à cidade um pouco do amor que ela tanto precisa.” . Pra começo de conversa. In: O Estado de São Paulo, Guia“Divirta-se”, 09 de março de 2012.

III. CORAÇÃO DE BANDEIRANTE

Conhecida como “O Anhanguera”, a estátua de Luigi Brizzolara, representando o bandeirante Bartolomeu Bueno da Silva, também foi alvo de intervenções ao longo dos ultimos anos. Em 2008, a popular estátua que guarda a entrada do parque Trianon ganhou um inusitado colete salva-vidas do artista Eduardo Srur, em intervenção batizada de “A Arte Salva”.

Quatro anos depois, em 2012, poucos dias após um traumático atropelamento e morte de uma ci-clista ocorrerem na Avenida Paulista, o bandeirante foi novamente utilizado para transmitir uma mensa-gem de vida: acordou com um coração vermelho no peito53, intervenção planejada e divulgada via rede

social de internet pelo grupo denominado “Aqui bate um coração”. A iniciativa que também se es-palhou por outras estátuas da cidade e do país fez referência aos muitos corações que ainda batem e passam pelas estátuas da cidade diariamente.

(71)
(72)

escul-72

LADEIRAS

CATARATAS

SUBINDO

Referências

Documentos relacionados

Declaro meu voto contrário ao Parecer referente à Base Nacional Comum Curricular (BNCC) apresentado pelos Conselheiros Relatores da Comissão Bicameral da BNCC,

O 6º ano do Mestrado Integrado em Medicina (MIM) é um estágio profissionalizante (EP) que inclui os estágios parcelares de Medicina Interna, Cirurgia Geral,

Realizar a manipulação, o armazenamento e o processamento dessa massa enorme de dados utilizando os bancos de dados relacionais se mostrou ineficiente, pois o

Although a relation between pitch accent types and gesture types was observed, sentence type or pragmatic meaning constrain this relation: visual cues

No Estado do Pará as seguintes potencialidades são observadas a partir do processo de descentralização da gestão florestal: i desenvolvimento da política florestal estadual; ii

Carmo (2013) afirma que a escola e as pesquisas realizadas por estudiosos da educação devem procurar entender a permanência dos alunos na escola, e não somente a evasão. Os

Aqui são propostas ações que visam a estimulação da Rede de Apoio para a promoção da inclusão educacional. Dentre todas, esta é considerada a mais ambiciosa,

de professores, contudo, os resultados encontrados dão conta de que este aspecto constitui-se em preocupação para gestores de escola e da sede da SEduc/AM, em