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IDENTIDADE TRANSPORTE

18. GUERRA, Abílio.

Quadra aberta, Revista digital Vitruvius, 2011.

19. ZEIN, Ruth Verde. Op.

Cit., p.80. claramente fragmentos resultantes da adoção

de “soluções apressadas”, que mal se adaptam às condições dos lotes, “como aquele edifício na esquina da Frei Caneca, que simplesmente dei- xa sobrar a nesga de terreno torto que atrapa- lharia o ângulo reto do paralelepípedo”17. Nesse

mesmo artigo, a autora ainda avalia mal18 as

qualidades do espaço livre conformado pela praça de miolo de quadra do projeto Cetenco Plaza, localizado na esquina da Paulista com a Alameda Min. Rocha Azevedo. Hoje bastante frequentada, a praça foi vista na época de sua inauguração como espaço “frio” e desolado, conforme se lê na legenda das fotos tiradas no local: “A desolada praça ‘nova-iorquina’, o im- pério da rainha do gelo, um cenário de relexos cambiantes”19. As considerações da autora e as fotos compiladas nesse artigo de 1985 nos fa- zem imaginar uma avenida muito diferente do cenário de hoje. O acesso à via, na época, era mais restrito (o metrô ainda não circulava ali), e seus novíssimos edifícios empresariais de luxo garantiam uma frequência de usuários mais eli-

te dos serviços consumidos por essa população, composta em grande parte por funcionários de alto escalão de grandes empresas e estrangeiros de passagem pela cidade, a negócios.

No entanto o elitismo do ambiente vai começar a se modiicar seis anos depois da publicação do artigo de Ruth Zein, quando, no aniversário da cidade, em 1991, o metrô inalmente chega ao subsolo da ave- nida. O acesso facilitado aumenta signiicativamente o volume de frequentadores da via, diversiicando o peril de seus usuários. Esse fenômeno é acompanha- do por nova migração de parte das sedes de grandes empresas para a zona sul da cidade (especialmen- te para as avenidas Faria Lima e Engenheiro Luis Carlos Berrini). A ocupação dos edifícios da Paulista passa a se dar em maior parte por empresas meno- res, voltadas aos setores do comércio e serviços20. Aos poucos a avenida vai deixando de ser identiicada como coração inanceiro da cidade, e começa a ga- nhar ares de centralidade popular, com a instalação de centros culturais e shopping centers no local. Sua popularização é novamente alavancada em 2010, quando se inaugura a segunda linha de metrô que

Hoje, os horários de pico de trânsito já não se restringem às oito horas da manhã ou seis horas da tarde, nem são exclusivamente congestiona- mentos de carros. Multidões tomam as calçadas da avenida diariamente, também fora do horá- rio comercial, circulando a pé, por metrô, ônibus, bicicleta, patins e skates. Após a instalação da nova linha do metrô, apenas três anos já foram suicientes para impulsionar mais uma transfor- mação no ambiente da avenida em nova centra- lidade popular da cidade. Não mais irmada pelo capital inanceiro, hoje, o que ica em evidência na Avenida Paulista é sua vocação para espaço de lazer da população.

SURFISTAS

“Num sábado à tarde, em meio a grande temporal, que se iniciara na véspera, surgiu em casa um rapazinho, empregado da “Alfaiataria Adônis”. Trazia um embrulho grande e fofo, pousado sobre os braços estendidos. Era um terno sob medida, que tio Guerrando, irmão mais ve- lho de papai, havia mandado fazer. Titio chegara havia pouco de Botucatu com a família, instalara-se na Consola- ção, abaixo da Alameda Itu. O calçamento da Consola- ção ia apenas até a Alameda Jaú. Em dias de chuva, da Alameda Jaú para baixo, a lama escorregadia impedia a descida de automóveis e ameaçava os pedestres de que- das espetaculares. Na impossibilidade de descer a Rua da Consolação, o rapazinho pedia que guardássemos o terno até parar a chuva (…)”21

O ACONTECIMENTO NARRADO nesse fragmen-

to foi presenciado por Zélia Gattai nas primeiras décadas do século XX, e registra a persistência histórica do problema das enxurradas nas ruas que cortam a Avenida Paulista. No alto do espigão, a avenida é o divisor de águas entre os rios mais importantes da cidade, que têm de coletar toda a água da chuva que desce violentamente por suas

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Moradoras da região próxima à Paulista saem de casa de galocha, preparadas para as enxurradas

transformam em verdadeiras cataratas em dias de temporal, e as vias paralelas inundam ao recebe- rem todo esse luxo de água que não consegue ser absorvido pelo solo recoberto da cidade.

Aos pedestres resta criar o que Michel de Cer-

teau chamou de “estratégias”22 para conviver

com as enxurradas. Antecipando o problema, a população local evita sair para a rua em dia de

chuva, ou vai “vestida à carater”, o que inclui capa de chuva, galochas e guarda-chuvas. Os

habitués já conhecem os percursos menos com-

prometidos e navegam com mais habilidade pelas ruas alagadas do que os passantes even- tuais. O comércio da região tenta contornar o prejuízo da falta de pedestres nas ruas, ofere- cendo acessórios para chuva de todas as cores 22. CERTEAU, Michel de. A

e “estilos”, prática repetida pelos vendedores ambulantes de guarda-chuvas, que se multipli- cam nas calçadas durante os meses mais úmi- dos, atendendo a todos os públicos e temporais.

Poupada das inconvenientes enxurradas por se localizar no topo do espigão, a Avenida Pau- lista vai sentir as consequências das chuvas no trânsito de veículos: o alagamento das ruas que circundam a via rapidamente provoca sua satu- ração, de onde os carros não conseguem sair em

virtude do congestionamento. Irritados, os motoris- tas reclamam do trânsito, dos alagamentos, buzi- nam, avançam sobre as faixas de pedestres e sobre os sinais vermelhos, agravando o problema. Mas a chuva é uma ocorrência natural, que se impõe so- bre a ação humana; é algo que precede a cidade e existirá além dela. Não sendo seu manejo e coleta encarados como uma prioridade no aprimoramen- to do meio urbano, suas águas continuarão a ensi- nar sua lição em toda nova temporada.

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CEMITÉRIO

A CENA SE repete ao longo de toda a avenida: pes-

soas fumando na calçada ou dentro dos carros e, naturalmente, jogando os restos do cigarro na via.

Quem olha para o chão, ao caminhar pela Avenida Paulista, vê se amontoarem centenas de bitucas de cigarro nas calçadas, sarjetas e até nos canteiros de plantas. A situação parece ter piorado após 2009, quando se tornou proibi- do fumar em espaços fechados de uso coletivo, empurrando os fumantes para as ruas e calça-

jogá-las no lixo pode incendiá-lo, e destacam a ausência de cinzeiros públicos nas vias, inexisten- tes até mesmo nos “fumódromos” – lugares reser- vados para fumar. O resultado dessa prática é o acúmulo de restos de cigarros por toda parte.

Alguns condomínios na avenida constataram o problema e instalaram cinzeiros na calçada23. Aos poucos essa iniciativa se espalhou e hoje é possível encontrar cinzeiros de todo tipo em fren-

te aos edifícios, atendendo à sua população e a 23. HIRT, Jeferson Ulir.

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Bituqueira de garrafas pet

apresenta disponível nas calçadas da avenida durante a semana, em horário comercial. De- pois desse horário, muitos equipamentos são recolhidos pelos prédios, que temem seu roubo. É como se, após às 18:00 horas, ique “liberado” jogar bituca de cigarro no chão da avenida!

Encontramos também um cinzeiro público artesanal e permanente, amarrado em um dos postes da avenida. Doado pelo grupo “o bitu- queiro pet”, o objeto foi realizado a partir da re- ciclagem de garrafas PET. No blog do grupo24, se explica o objetivo do cinzeiro de

(...) conscientizar as pessoas que jogam suas bitucas de cigarros no chão, diminuir a quantidade de bitucas que poluem o solo e a água da cidade de São Paulo e, principalmente, pressionar as autoridades responsáveis pela saúde pública e meio ambiente a tomarem medidas imediatas sobre essa questão.

A modesta dimensão de uma bituca (cerca de meio grama) esconde as grandes dimensões do pro- blema que provoca, sendo lixo de difícil tratamento e grande poluência. Dados coletados a partir de uma pesquisa conduzida por Aristides Almeida Rocha e

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