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Ethopoiésis e Heavy Metal: Subjetivação e consumo na cena de Natal-RN

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Academic year: 2017

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JÉSSICA DA SILVEIRA MESSIAS

ETHOPOIÉSIS E HEAVY METAL: Subjetivação e consumo

na cena de Natal-RN

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais, do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA), da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), como exigência para a obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais.

Orientador: Prof. Dr. Alexsandro Galeno Araújo Dantas

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JÉSSICA DA SILVEIRA MESSIAS

ETHOPOIÉSIS E HEAVY METAL: Subjetivação e consumo

na cena de Natal-RN

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais, do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA), da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), como exigência para a obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais.

Aprovada em: ___/___/_____

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Alexsandro Galeno Araújo Dantas (PPGCS/UFRN) Orientador

Prof. Dr. Orivaldo Pimentel Lopes Júnior (PPGCS/ UFRN)

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AGRADECIMENTOS

Inicialmente, gostaria de avisar àqueles que estão acostumados com agradecimentos de um parágrafo, ou que acham entediante lê-los, que eu costumo ser prolixa nessa parte, então, sintam-se à vontade para pulá-la. Escrever os agradecimentos que representam uma fase que se encerra agora, mas que durou dois anos, é algo muito prazeroso, pois traz à tona várias boas lembranças! Em primeiro lugar, acho que devo agradecer ao Heavy Metal e as Ciências Sociais, pelo papel importante que têm em minha vida e por terem se entrelaçado de tal maneira, possibilitando o surgimento desse trabalho.

Minha família também merece lugar de destaque nesses agradecimentos. Meu pai, que detesta Heavy Metal, (assim como eu detesto o Nelson Gonçalves dele) por todo o apoio e carinho e por ser um pai orgulhoso, que sai espalhando aos quatro ventos que a filha dele, aos 23 anos, está terminando o mestrado. Meu irmão, que começou a ouvir Metal junto comigo. Geralmente, irmãos costumam brigar, mas nós não, nos amamos muito e não desgrudamos um do outro. Obrigada, Yuri, por ter lido o trabalho (meio a contragosto, no início, subornado com um pouco de videogame...) e por todo o apoio e carinho. E, finalmente, obrigada a minha mãe querida que, como eu falei nos agradecimentos da minha monografia, é meu anjo! Não tenho palavra melhor para defini-la! Meu anjo que sempre está comigo, me protegendo, cuidando de mim e que fala: “Põe aquela música daquela banda que eu gosto”. (Risos) Amo vocês!

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tudo, assim como eu também conto com você! Já que estou falando das pessoas que se deram o trabalho de ler minha dissertação, agradeço logo à amiga Larissa, que estará comemorando aniversário no mesmo dia que eu, na minha defesa. Obrigada por ter lido e me ajudado a revisar! Espero que tenha gostado de ser subornada com a comida da minha mãe! (Risos) Aproveito para agradecer ao chato do Gilson (brincadeira), por ter lido uma parte do terceiro capítulo e dado sua opinião. Mesmo que tenha sido aos trancos e barrancos... acho que você demorou a ler porque não teve suborno! (Risos)

Agradeço as amigas Jacilda e Jossana que, mesmo não estando tão presentes durante o processo da escrita, por estarem ocupadas com suas graduações, sempre me apoiaram com sua amizade e carinho. Afinal, 8 anos de amizade, quase 9, não são pra se desconsiderar! Amo vocês!

Aos meus amigos espalhados pelo país (principalmente em São Paulo) por tudo o que vocês representam pra mim! Valéria (morrr!), Dayt, Bimy, Maga, Yara, Grack, Victor, Douglas, Iris, Rafa (que nunca levou o famoso doce, pra eu provar!) e o Anderson. Gostaria também de agradecer a cidade de São Paulo, por ter acolhido tão bem essa carioca que vos fala. Todas as vezes que fui a São Paulo foram mágicas! Devo muito disso a Val, que facilitou demais todas as minhas estadias, me acolhendo em seu lar e se transformando em uma das pessoas mais queridas nesse mundo, para mim. Uma de minhas melhores amigas! Agradeço também ao meu “Alexis Sawyer”, sabor maçã verde, por tudo que houve e tudo que haverá! Amo todos vocês também!

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evento! (Parabéns mais uma vez, Lauren!) Em cada um desses eventos, eu pude perceber que o meu trabalho foi muito bem aceito. Tive a oportunidade de apresentá-lo e debater sobre ele com pessoas muito interessantes. Inicialmente, por ter escolhido estudar o Heavy Metal, imaginei que o trabalho não seria tão bem aceito como foi, preconceito bobo esse meu, não?

Aos amigos Ericksen e Dayana, que sempre me acompanham nos shows de Heavy Metal e pelos quais eu tenho um grande carinho. Aos meus entrevistados, que colaboraram bastante com tudo. Ao artista, Allan Leal, que fez uma bela capa. Aos colegas da turma de mestrado, lembram-se do sufoco que enfrentamos juntos no seminário de dissertação? Agradeço também àqueles que tiveram uma participação não tão positiva na minha vida, durante esses dois anos de mestrado. Afinal, as más experiências também são engrandecedoras, a meu ver.

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RESUMO

Nossa pesquisa visa compreender a configuração da resistência (Foucault) enquanto estilização da vida na contemporaneidade, tendo o Heavy Metal enquanto objeto de estudo específico. Acreditamos que o Metal se configure em um dispositivo ethopoiético possibilitador de práticas de liberdade frente aos hábitos morais reificados desde os primórdios da socialização do sujeito. Isso se reflete, principalmente, na criação de novas maneiras de estilizar a vida que são individuais e grupais, ao mesmo tempo. Sugerimos também uma ampliação do pensamento sobre o tema da resistência, em Foucault, tendo em vista a sociedade de consumo descrita por Zygmunt Bauman. Nossa hipótese é a de que o contato com o mundo underground do Heavy Metal é o possibilitador de novas formas éticas (Foucault), onde há a adesão e o comprometimento do sujeito com o Heavy Metal enquanto um modo de vida. A partir daí, o consumo se torna uma palavra chave, na medida em que, participar do underground do Heavy Metal - enquanto uma prática de liberdade, um modo de existência particular – constitui também uma forma de consumo que foge às regras gerais do mercado, sendo um consumo diferenciado tanto na forma quanto na sua duração.

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ABSTRACT

Our research intends to comprehend the configuration of the resistance (Foucault) as the stylization of life in the contemporary world, taking Heavy Metal as the specific object of study. We believe that Heavy Metal is an ethopoietical device which admits practices of freedom withstanding the reified moral habits since the beginning of the socialization. This is reflected, mainly, in the creation of new individual and communal ways to stylize the life. We also suggest an expansion of Foucault’s concept of resistance, considering the idea of consumer society described by Zygmunt Bauman. Our hypothesis understands that the contact with the underground of Heavy Metal provides new ethical manners (Foucault), where the individual take the Heavy Metal as a way of life. At this point, the consumption becomes a “key-word” since the participation in the underground of Heavy Metal is a way of consumption out of the rules of marketing – a practice of freedom, a way of particular existence –, being different in both mode and duration.

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SUMÁRIO

Introdução ... 09

Capítulo 1 – Headbanger: Uma estilística de vida e resistência na contemporaneidade... 14

1.1– Resistência enquanto elaboração de novas éticas ... 17

1.2– Heavy Metal: liberdade, escolha pessoal e ética... 26

Capítulo 2 – Modernidade, solidez e liquidez ... 62

2.1 – Vida líquida e consumismo na sociedade contemporânea... 65

2.2 – A experimentação de um consumo diferenciado a partir do Heavy Metal... 74

Capítulo 3 – A Cena Heavy Metal, em Natal: O Heavy Metal para além dos shows... 86

Considerações Finais ... 128

Anexos ... 132

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9 Introdução

Escolhi, para esta pesquisa, ter o Heavy Metal como objeto de estudo. Mais especificamente, a cena Heavy Metal na cidade de Natal – RN. Faz-se mister, nesse espaço, explicitar as razões pelas quais se deu a escolha do meu objeto de pesquisa. Primeiramente, gostaria de me apresentar enquanto parte integrante dessa cena que pesquiso agora. Comecei a ouvir Heavy Metal por volta dos 14 anos de idade e, desde então, esse tipo de música, além de ter mexido comigo de uma forma diferente e mais intensa, me fez parar para observar certas idiossincrasias presentes em seus apreciadores. Eu estava diante de algo novo e de uma relação diferenciada com a música, a qual eu nunca havia observado anteriormente em outras pessoas e, muito menos, vivenciado eu mesma. Tratavam-se de pessoas singulares, de alguma forma, e isso era um fato fascinante e inegável para mim. Deu-se o primeiro contato o encantamento com a cena! A partir de então fui adentrando cada vez mais nesse universo e me apaixonando mais e mais por ele. O primeiro contato se deu no ensino médio. Posteriormente, me inseri no mundo das Ciências Sociais, outro universo peculiar e não menos fascinante. A partir do contato com esses dois mundos, que têm grande peso na minha formação, tive a ideia de uni-los, de alguma forma, abordando o Metal enquanto temática de pesquisa dentro da Sociologia. Este trabalho é uma forma de estudar algo que me fascinou, passando a limpo o porquê desse fascínio. E, mais do que isso, também é uma forma que achei de contribuir mais com a cena Heavy Metal, como terei a oportunidade de falar melhor no decorrer dessas páginas.

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10 de falar de algo que também faço parte. Parte importante da minha pesquisa se deu na forma de entrevistas semi-estruturadas e sempre ressaltava para meus entrevistados, que além de colaboradores, são meus amigos, o fato estranho de estar perguntando sobre coisas que eu já deveria saber, que qualquer um dentro da cena sabe, e a importância disso dentro da minha pesquisa, pois, por mais que todos sempre falem de algum lugar, deve haver um estranhamento em relação ao objeto de estudo. E perguntar coisas que parecem óbvias, mesmo para quem pesquisa, é uma tarefa sempre surpreendente, pois, com o ato de pesquisar, sempre descobrimos que o que parecia óbvio, nunca o é, pelo contrário, nos revela muitas surpresas instigantes. Essa é a sensação de fazer uma pesquisa dentro de um ambiente familiar ao pesquisador e acho que ela deve estar presente em qualquer pesquisa. O pesquisador sempre constrói um projeto para sua futura pesquisa e nele lança suas hipóteses. A atividade de pesquisar deve ser encarada como um caminho, de idas e vindas, um ensaio.1 Aquele pesquisador que não constrói sua pesquisa durante esse caminho, mas que a pressupõe a partir de seu projeto fechado, não é um bom pesquisador. Muito curioso também foi o interesse, de todos os que contatei, em ajudar e contribuir para o meu trabalho, de fazerem parte disso.

Explicitadas as razões da escolha do objeto e minha relação com o mesmo, se faz necessário introduzir o leitor minimamente no universo do Heavy Metal. O Estilo começa a tomar forma no final da década de 60, a partir de influências do Blues e tendo como contexto de surgimento o período logo após o ano de 1968, marcado por protestos da juventude contra o status quo. Há controvérsias acerca do seu surgimento, que giram em torno de qual seria a primeira banda de Heavy Metal da história. Existem duas

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11 opiniões mais aceitas. Alguns dizem que foi o Led Zeppelin, outros, que foi o Black Sabbath. No geral, a versão mais aceita é a de que o Led Zeppelin trouxe muitos elementos importantes que viriam a contribuir para o surgimento do Heavy Metal, porém, que a primeira banda considerada realmente do estilo seria o Black Sabbath, com o lançamento da música que leva o mesmo nome da banda, no ano de 1970. Black Sabbath é uma música que traz um elemento novo: o peso. As notas graves e a afinação mais grave dos instrumentos traz o sombrio como uma característica nova.

Weinstein divide a estratificação do gênero em cinco fases: erupção entre 1969 e 1972, com bandas apresentando características de um código em formação ainda sem a classificação do termo heavy metal, tais como a tríade britânica Led Zeppelin, Deep Purple e Black Sabbath, e os norte-americanos Iron Buterfly e Blue Cheer; cristalização entre 1973 e 1975, com a adoção do nome de batismo; “golden age” entre 1976 e 1979; expansão de limites geográficos de público e aumento do número de bandas e de fãs, entre 1979 e 1983, com o florescimento da New Wave of British Heavy Metal, de bandas como o Iron Maiden e o Motorhead; crescimento, incorporação de novas influências e subdivisão em múltiplos subgêneros, depois de 1983 (2000:21), com o surgimento dos subgêneros thrash, death, black, power, gothic, prog e new metal entre outros. (LOPES, 2006, pág: 120)

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12 para aqueles que são amantes do Metal. Ter poucos adeptos implica numa maior dificuldade da manutenção desse estilo. Gostar de Heavy Metal e, mais ainda, vivê-lo, torna-se mais complicado em um lugar onde ele é um estilo marginal, por assim dizer. Se nos dias de hoje é complicado, quem dirá na década de 80, quando a cena começou a surgir. Porém, essa dificuldade inicial se traduzia também em um maior sentimento de união da cena, sentimento esse que, segundos os headbangers, se esvai a cada dia, principalmente com o advento da internet. A internet tem um papel fundamental no acesso a todo tipo de materiais e músicas, sem falar na comunicação com pessoas que estão distantes, o que é muito importante dentro do Heavy Metal, que é um estilo global. Porém, a internet também causou o distanciamento e uma mudança de hábitos no que se refere às formas de socialização dos ouvintes de Metal em Natal e nas formas de compartilhamento de material. Atualmente, temos uma cena em que a velha guarda do Metal coexiste com os mais novatos, algumas coisas mudaram desde os primórdios da cena e trataremos melhor disso no nosso terceiro capítulo.

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13 diferentes, as razões pelas quais se consome são diferentes e a duração desse consumo se diferencia também, como falaremos no nosso segundo capítulo.

No primeiro capítulo lançamos uma das bases teóricas do nosso estudo, que é construída a partir das reflexões de Michel Foucault. Bem como, apresentamos algumas partes das entrevistas que realizamos. No segundo capítulo, tratamos da outra base teórica do nosso estudo. Ela é composta principalmente pelas reflexões de Zygmunt Bauman sobre a contemporaneidade. Esse capítulo é encerrado com o antropólogo David Le Breton e suas ideias sobre o corpo como acessório. Em nosso terceiro capítulo discutimos de forma mais específica sobre a cena Heavy Metal de Natal, fazendo um pequeno resgate da sua história e tentando mostrar como ela funciona, o Metal para além dos shows, pois nem só de shows se faz o Heavy Metal. Demonstrar isso é uma das nossas propostas, fazer ver que o Metal é algo para além de um estilo de música que se ouve. Finalizamos nosso terceiro capítulo apresentando de forma mais detalhada perfis de alguns headbangers natalenses que foram entrevistados durante a pesquisa. Como forma de tentar imprimir alguma musicalidade em um trabalho escrito sobre a música, produzimos um DVD que acompanha o texto da dissertação, no qual exibimos um vídeo de cada uma das bandas de Natal que foram citadas no trabalho. Somente a primeira música do DVD é de uma banda de Black Metal sueca, que também aparece no decorrer do texto.

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1 –

Headbanger: Uma estilística de vida e resistência na contemporaneidade.

Nessa pesquisa, tomamos como objeto de estudo a cena do Heavy Metal2, na cidade de Natal – RN, no entanto, apesar de termos escolhido um objeto bem específico, temos como objetivo, a partir desse recorte, falar de questões bem mais amplas, que dizem respeito à sociedade contemporânea em geral.

Num primeiro momento, explicitaremos as bases teóricas do nosso estudo, bem como, apresentaremos essas questões mais abrangentes, que acabam, de certa forma, ultrapassando o nosso recorte. Deste modo, podemos afirmar que nosso objetivo geral com essa discussão é, a partir desse nosso objeto, suscitar questões que pensamos ser de suma importância na contemporaneidade. Este primeiro momento, representado nos dois primeiros capítulos, será, portanto, um escrito que refletirá o nosso caminho de pensamento3, onde aparecerão os autores e as questões que norteiam nossa reflexão. As bases teóricas para essa pesquisa nos foram dadas a partir da leitura de, principalmente, dois autores: Michel Foucault, pensador francês, e Zygmunt Bauman, sociólogo polonês.

O conceito de resistência, de Foucault, associado a elaborações mais tardias deste autor, que dizem respeito ao “tomar-se a si mesmo enquanto obra de arte”, na construção de novas éticas, é de suma importância na composição de nossa reflexão, como também a sociedade líquido-moderna, descrita por Bauman, nos servirá de pano de fundo.

2

Utilizamos o termo Heavy Metal aqui, de forma geral, abrangendo com isso todas as ramificações associadas a esse estilo musical. O termo Heavy Metal também pode ser utilizado quando se fala especificamente do Heavy Metal clássico, que deu origem a incontáveis subdivisões, como, por exemplo, o Death Metal, o Thrash Metal, o Power Metal e assim por diante.

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15 Ao longo do texto também explicitaremos nossa pesquisa empírica, que se deu na forma de entrevistas semi-estruturadas. Apesar de essa primeira parte ter um cunho notadamente teórico, nosso objetivo é fazer um trabalho que prime por uma boa relação entre teoria e prática. Então, tratar-se-á de um escrito mais teórico, onde aparecerão, também, as vozes de nossos interlocutores mescladas às vozes dos pensadores que sustentarão nossa caminhada.

Primeiramente, gostaríamos de explicitar o uso do termo cena na denominação do todo que abrange os sujeitos e as práticas relacionadas ao Heavy Metal. Além de “cena” ser um termo amplamente utilizado pelos próprios headbangers4, o sociólogo inglês Keith Kahn-Harris propõe a utilização do conceito de cena, em detrimento do conceito de subcultura, ou do conceito de tribo urbana, de Michel Maffesoli, sociólogo francês. Para Kahn-Harris, o Heavy Metal não pode ser descrito enquanto uma subcultura, pois este conceito designa algo mais voltado para um ajuntamento com objetivos políticos, no sentido de uma resistência política contra-hegemônica. O Heavy Metal, como discutiremos mais adiante, não é um ajuntamento com objetivos políticos, pelo menos, não no sentido usual do termo política. O movimento Punk, por exemplo, poderia entrar na classificação de uma subcultura, já que suas aspirações de cunho político e contra cultural são bem explícitas, ao contrário do Heavy Metal. Mais a frente, explicitaremos nossa proposição do Heavy Metal enquanto resistência na configuração de uma ética particular. O conceito de tribos urbanas, de Maffesoli, também é deixado de lado por esse autor, pois designa um ajuntamento que se dá

4

Headbanger é um termo que vem da língua inglesa e que traduzido literalmente significa: batedor de

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16 somente na forma de alianças afetivas baseadas em “sensibilidades temporariamente compartilhadas”.5 (KAHN-HARRIS, 2007, pág. 18, tradução nossa).

A utilização do conceito de cena, segundo Kahn-Harris, seria no sentido de intermediar os conceitos de subcultura e tribos urbanas, já que esses dois conceitos tornam-se restritivos para falar acerca do Heavy Metal, pelos motivos descritos no parágrafo anterior. O ajuntamento proporcionado pelo Heavy Metal não se restringe a objetivos políticos, no sentido de constituir uma contra-hegemonia, tampouco baseia-se apenas em uma afetividade compartilhada. Apesar de ser constituído também das características que estruturam esses dois conceitos.

As Alan Blum has shown, scene has rich connotations of the urban and of nightlife. John Irwin notes that the term can be used in two very different ways in everyday language. It can be used in the sense of ‘that’s not my scene’, connoting vague notions of lifestyle. It can also mean something ‘subcultural’. However, the two senses of the term are not necessarily contradictory. They both connote something that is shared, something we choose or not to participate in. Scene can be both a public space and a more general way of living.6 KAHN-HARRIS, 2007, pág. 18)

O trecho citado acima, da obra Extreme Metal. Music and Culture on the Edge, de Kahn-Harris, nos traz uma definição rápida do conceito de cena utilizado pelo autor. Cena traz o elemento urbano, que é parte integrante do Heavy Metal, e pode significar

5

“temporarily shared sensibilities”, do original, em inglês. 6

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17 algo referente a uma subcultura – porém, como falamos aqui, para o autor, esses dois conceitos são distintos – ou algo relativo a um estilo de vida. O principal aspecto desse conceito, no entanto, é que ele traduz a noção de algo que é compartilhado e, como fala o autor nesse trecho citado, “algo que nós escolhemos participar ou não”.

1.1Resistência enquanto elaboração de novas éticas.

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18 modo pelo qual o homem se torna sujeito de si através da insubmissão do pensamento, da estilização da vida, através da criação de novas éticas enquanto práticas de liberdade.

Foucault, em O Sujeito e o Poder, escrito que pertence a esse terceiro momento do qual falamos, sugere uma nova forma de proceder com a investigação dos fenômenos sociais. Ele propõe ter como ponto de partida não somente as relações de poder, mas também as formas de resistência criadas pelos sujeitos contra as diferentes formas de poder. A partir do estudo das resistências nós poderíamos analisar as relações de poder e o modo como se dão os antagonismos na dinâmica social. “E para compreender o que são as relações de poder, talvez devêssemos investigar as formas de resistência e as tentativas de dissociar essas relações.” (FOUCAULT, 1995, pág. 234)

A nossa proposta central aqui é a de que o Heavy Metal pode ser pensado enquanto uma ética, no sentido foucaultiano do termo. Desta maneira, o Heavy Metal pode ser visto enquanto uma forma de resistência, uma insubmissão do pensamento, uma prática de liberdade. Iremos falar de forma mais cuidadosa dessa questão no decorrer do texto.

Estudar as formas de resistência significa estudar as formas tomadas pelas lutas antiautoritárias, que se constituem enquanto lutas de resistência a determinadas relações de poder. Segundo Foucault, as lutas antiautoritárias têm alguns aspectos em comum.

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19 Metal7. O antropólogo se coloca como questão de pesquisa como esse estilo ultrapassou as fronteiras da América do Norte e Europa, onde ele tem grande peso, e afetou culturas em torno de quase todo o mundo. Dunn fez sua jornada de pesquisa pela Ásia, Oriente Médio e América do Sul, e passou por países em que ele, anteriormente, achava que não encontraria o Heavy Metal, principalmente, com a intensidade com a qual ele se deparou. Ele também produziu outro documentário sobre Heavy Metal, denominado: Metal: A Headbanger’s Journey8, no qual ele faz um resgate das raízes desse estilo, fala sobre algumas controvérsias existentes e conversa com fãs sobre o significado que a música tem na vida deles.

A partir desse documentário, Dunn nos conta que teve a oportunidade de receber diversos e-mails de várias partes do mundo agradecendo pelo belo trabalho feito por ele. Na ocasião, ele entrou em contato com pessoas de locais onde ele jamais imaginou que o estilo estivesse presente. Então, surgiu o interesse em fazer o segundo documentário falando sobre o aspecto global do Heavy Metal e questionando como as diferentes culturas assimilaram o Metal. O autor inicia seu documentário no Wacken Open Air, o maior festival mundial dedicado aos mais diversos gêneros e expressões do Heavy Metal. Segundo o autor, a cada ano, mais de sessenta mil pessoas do mundo inteiro acampam na pequena cidade de Wacken, ao norte da Alemanha, para prestigiar seus ídolos.

Tendo explicitado o primeiro aspecto que as lutas antiautoritárias têm em comum, podemos agora passar ao segundo aspecto, que diz respeito aos objetivos dessas lutas. Elas têm como objetivo os efeitos de poder enquanto tais. Desta forma, o

7

Metal Global, em português. Referência do documentário na parte de referências bibliográficas. 8

(21)

20 objetivo dessas lutas não é atacar uma determinada instituição, ou classe, mas sim, uma forma de poder:

Esta forma de poder aplica-se a vida cotidiana imediata que categoriza o indivíduo, marca-o com sua própria individualidade, liga-o a sua própria identidade, impõe-lhe uma lei de verdade, que devemos reconhecer e que os outros têm que reconhecer nele. É uma forma de poder que faz dos indivíduos sujeitos. (FOUCAULT, 1995, pág. 235)

E o terceiro aspecto é o de que elas são lutas imediatas, no sentido de que não intencionam acabar com um inimigo mor e nem encontrar soluções definitivas para o futuro. Elas se diferenciam, portanto, das lutas de classe, descritas por Marx, pois estas têm um grande inimigo a enfrentar, que seria o capitalismo, e querem uma solução definitiva para o futuro, o comunismo.

Foucault define três tipos de lutas antiautoritárias: as lutas contra as formas de dominação; – que pode ser étnica, social ou religiosa, por exemplo – as lutas contra as formas de exploração que separam os indivíduos daquilo que eles produzem; e as lutas contra a submissão da subjetividade. E, apesar de essas três formas de luta coexistirem sempre, Foucault ressalta que, conforme o contexto histórico, uma delas se sobressai.

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21 procedimentos de totalização. Sobre o Estado moderno: “[...] uma estrutura muito sofisticada, na qual os indivíduos podem ser integrados sob uma condição: que a esta individualidade se atribuísse uma nova forma, submetendo-a a um conjunto de modelos muito específicos”. (FOUCAULT, 1995, pág. 237)

Segundo Foucault, o Estado moderno ocidental incorporou uma antiga tecnologia de poder proveniente das instituições cristãs: o poder pastoral, que, com o enfraquecimento da instituição religiosa, ampliou suas funções para fora da instituição eclesiástica. Deste modo, o Estado passa a ser a nova forma do poder pastoral.

O poder pastoral tem algumas características específicas: tem a salvação do indivíduo como objetivo; cuida tanto da comunidade, de forma geral, quanto do indivíduo; é oblativo; e, por fim, “esta forma de poder não pode ser exercida sem o conhecimento da mente das pessoas, sem explorar suas almas, sem fazer-lhes revelar seus segredos mais íntimos. Implica um saber da consciência e a capacidade de dirigi-la”. (FOUCAULT, 1995, pág. 237) Porém, houve algumas atualizações desse poder pastoral quando, ultrapassando a instituição eclesiástica, ele foi incorporado pelo Estado moderno ocidental. A salvação, que antes era prometida para um período de além-vida, agora passa a ser esperada para o período em que se vive. O Estado tem o papel de assegurar a salvação dos indivíduos neste mundo, na forma de segurança, bem-estar e no estabelecimento de uma ordem. A normalização do social é feita a partir do Estado e de suas instituições, como a polícia, que tem como função assegurar a manutenção da higiene, da saúde e de padrões urbanos.

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22 enquanto resistências que se configuram a partir do modelo político vigente, o Estado. Isso porque o Estado, enquanto agente do processo civilizatório, estabelecia os padrões de conduta morais a serem seguidos. Essas lutas enquanto resistências se manifestam na elaboração de novas formas de viver, novas experimentações, novas éticas.

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23 Sobre a moral, Nietzsche aponta o fato de que os seres humanos precisam criar causas, fato esse que decorre de sua necessidade psicológica de explicar as coisas do mundo em que vive. O ser humano sempre precisa achar uma razão que explique o seu estado atual, não bastando a constatação desse estado.

Segundo Nietzsche a criação de causas é imaginária. As causas só são criadas pelo homem para explicar uma situação atual, um problema que ele vivencia. A partir de uma experiência que se vive, e sobre a qual não se tem ainda uma explicação, busca-se uma causa. Têm-busca-se aí, então, interpretações que o busca-ser humano faz de fenômenos, os quais vivencia, e que são tomadas como causas destes mesmos fenômenos. Nas palavras de Nietzsche: “As ideias produzidas por uma certa condição foram mal-entendidas como causas dela”. (NIETZSCHE, 2006b, pág. 42). A partir daí o homem dá um sentido ao acaso.

(25)

24

“É conveniente usar causa e efeito só como conceitos puros, como ficções convencionais, para fins de terminologia, entendimento, e não de explicação.” (NIETZSCHE, 2006a, pág. 26)

A partir desse trecho de Além do bem e do Mal, podemos verificar que Nietzsche não critica, de modo algum, o fato de o homem criar causas, visto que essa é uma necessidade psicológica do homem. O problema apontado por ele está, antes de mais nada, no fato de o indivíduo utilizar essas causas criadas enquanto explicações da realidade, fazendo com que as supostas causas, por ele criadas, sejam vistas e confundidas com a própria realidade, na forma de imperativos.

Desta forma, a moral é da ordem do que é imperativo, daquilo que se deve ou não fazer. Ela categoriza o que é bom e o que é mau e isso, através do que Nietzsche descreve como a confusão entre causas e consequências, acaba aparecendo como natural e necessária.

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25 ética é uma prática de liberdade. “A partir da ideia de que o indivíduo não nos é dado, acho que há apenas uma consequência prática: temos que criar a nós mesmos como uma obra de arte.” (FOUCAULT, 1984, pág. 50)

Segundo Foucault, a liberdade só existe, enquanto prática, na forma de “experimentações éticas”. Não existe um estado de liberdade total do sujeito, já que este vai sempre ser constituído por padrões morais de comportamento. Não há um lado de fora do poder, pois, para Foucault, não há o poder enquanto coisa, mas, relações de poder, que constituem o sujeito, e resultam na positividade do poder. O sujeito sempre vai estar atravessado por relações de poder. A liberdade é uma agonística, uma luta sem fim. O sujeito só pode experimentá-la praticando-a através da ética, que pertence ao campo da escolha, é um problema de escolha pessoal, de adesão consentida. A ética é algo restrito a poucas pessoas, a uma elite, é a busca de estilos de vida diferenciados. A prática de si é produzir-se a si mesmo, dentro de um grupo ético, reinventando a existência a partir de novas produções de sentido.

A conclusão seria que o problema político, ético, social e filosófico de nossos dias não consiste em tentar liberar o indivíduo do Estado nem das instituições do Estado, porém nos liberarmos tanto do Estado quanto do tipo de individualização que a ele se liga. Temos que promover novas formas de subjetividade através da recusa deste tipo de individualidade que nos foi imposto há vários séculos. (FOUCAULT, 1995, pág. 239)

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26 subjetivação em um dos sentidos dados ao termo por Foucault. A subjetivação se dá na formação de subjetividades a partir dos dispositivos de subjetivação, dos dispositivos de poder, das mais diversas instituições sociais. A segunda acepção desse conceito trata o próprio sujeito enquanto “mestre de obras” na construção da sua subjetividade, do tomar-se a si mesmo como obra de arte na experimentação de novas formas éticas. Esta é a melhor definição que se aplica em nosso trabalho.

1.2 – Heavy Metal: liberdade, escolha individual e ética.

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27

Eu acho que essa é a principal mensagem que o Heavy Metal passa: Não seja um alienado, tenha sua própria opinião, tenha sua própria atitude. Você tem sua liberdade (...) você tem que fazer o que você quer, não o que os outros fazem (...) você pode ter religião, ou não. O importante é isso, você ter essa liberdade de pensamento (...) O que é possível fazer, você pode fazer. No geral, é evitar a alienação. Pessoas que ouvem Heavy Metal são bem mais esclarecidas9, são pessoas que procuram ler mais, estudar mais, que tem uma cultura, em geral, muito maior. (Ericksen Lima10)

Se houvesse uma relação de passividade onde, aquele que ouve, assimilaria determinados hábitos somente pelo fato de ouvir a música, seria, no mínimo, contraditório, pelo fato de que, segundo nossos entrevistados, a principal função do Heavy Metal é desconstruir aquilo que os valores morais nos apresentam como sendo natural. A primeira coisa que pudemos observar claramente com o trabalho de pesquisa empírica foi justamente essa repulsa ao que é inculcado de forma passiva. Por esta razão, grande parte diz não ter religião. Desta maneira, para aqueles que entrevistamos, o Heavy Metal não pode ser visto como semelhante a uma religião, onde há essa relação de passividade.

Em A Hermenêutica do Sujeito Foucault se ocupa em fazer um estudo das práticas de si na Antiguidade com a intenção de analisar o problema da subjetivação moderna. Para uma melhor análise das práticas de si, da ética do cuidado de si, tomaremos algumas passagens desta obra para fundamentar melhor nossa hipótese do Heavy Metal enquanto um grupo ético.

9

Podemos remeter esse trecho da fala do nosso entrevistado ao que colocamos anteriormente sobre a questão do elitismo dentro da prática de si, no caso particular que estamos estudando: Os headbangers enquanto um grupo que pratica a liberdade através de uma ética.

10

Headbanger natalense, 26 anos. Ouve metal desde pequeno, por influência do pai, que é comerciante e

vende camisas de banda em um bairro comercial da cidade, o Alecrim. Ouve todos os estilos de Heavy

Metal e Rock’n Roll, tendo preferência declarada pelo chamado Heavy Metal tradicional. Estuda Ciências

(29)

28 Várias expressões são usadas na caracterização do cuidado de si, dentre elas, algumas se referem basicamente à construção, pelo próprio sujeito, de uma fortaleza de si mesmo. “Instalar-se a si mesmo como em um lugar refúgio, uma cidadela bem fortificada, uma fortaleza protegida por muralhas, etc.” (FOUCAULT, 2006, pág. 105) Logo após referir-se a essas expressões, em uma nota, Foucault faz uma citação de Sêneca, para explicitar melhor o sentido delas: “Que a filosofia erga em torno de nós a inexpugnável muralha que a Fortuna ataca com suas mil máquinas, sem abrir passagem. Mantém uma posição inatingível a alma que, desligada das coisas de fora, defende-se no forte que ela mesma construiu para si.” (FOUCAULT, 2006, pág. 124)

Seguindo pelo texto, podemos perceber que construir essa fortaleza para si mesmo, enquanto uma característica do cuidado e da prática de si, significa também corrigir-se11. Mas corrigir-se em relação a que? Aos hábitos morais impostos desde a mais tenra infância.

Na prática de nós mesmos, devemos trabalhar para expulsar, expurgar, dominar este mal que nos é interior, nos libertar e nos desembaraçar dele (...) certamente, é muito mais fácil corrigir-se quando se

assume este mal no período em que se é ainda jovem e tenro e o mal não está ainda incrustrado. (FOUCAULT, 2006, pág. 116, grifo

nosso.)12

Tendo como base a parte que destacamos nessa citação, podemos perceber que o mal que Sêneca fala é proveniente da socialização do sujeito dentro das regras morais. Portanto, a prática de si diz respeito a construir uma fortaleza de nós mesmos

11

Essa forma do cuidado de si que exploramos em nosso texto é característica do período Helênico, séculos I e II. Para Foucault, este é o período mais representativo do Cuidado de si, pois é um momento em que a prática de si torna-se geral, na população Greco-romana.

12

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29 expurgando e corrigindo os males da moral que age em nós e, desta forma, reivindicando-nos a nós mesmos enquanto sujeitos artistas de nossas próprias existências. “... a prática de si tornar-se-á cada vez mais uma atividade crítica em relação a si mesmo, ao seu mundo cultural, à vida dos outros.” (FOUCAULT, 2006, pág. 114) Trata-se, ademais, de “endireitarmos o nosso espírito”, como fala Foucault, tomando as palavras de Sêneca13. O objeto da prática de si é o si mesmo, o sujeito assujeitado às determinações sociais que, tendo cuidados consigo mesmo, pratica a liberdade na medida em que, sabendo de sua natureza de sujeito humano criador de valores e tendo consciência de que foi constituído enquanto sujeito a partir de hábitos gerais que podem ser mudados, começa a trabalhar enquanto mestre de obras na correção de si mesmo.

[...] reforma de si que tem por critério uma natureza – mas uma natureza jamais dada, jamais manifestada como tal no indivíduo humano, de qualquer idade –, tudo isso assume, muito naturalmente, a feição de um desbaste em relação ao ensino recebido, aos hábitos estabelecidos e ao meio. (FOUCAULT, 2006, pág. 117)

A partir disso, podemos concluir, primeiramente, que a prática de si, diz respeito a essa não alienação do sujeito à moral reificada, em um movimento no qual o mesmo constrói para si uma fortaleza de sua própria alma recusando aquilo que é imposto socialmente pela moral, na normatização da normalidade e escolhendo a que regras ele pretende se submeter. Os headbangers aparecem como um grupo que, tendo como ponto de partida o Heavy Metal, constrói para si essa fortaleza, já que, como falamos no

13

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30 início desse tópico, o primeiro dado da nossa pesquisa foi a repulsa dos ouvintes de Metal àquilo que é inculcado de forma passiva, isso se reflete, principalmente, na criação de novas maneiras de estilizar a própria vida que são individuais e grupais ao mesmo tempo.

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31

No metal, como as pessoas têm uma opinião muito bem formada, elas têm um gosto pessoal e gostam daquilo porque realmente gostam... e isso não se muda... isso é uma coisa que você se identifica e fica pra você pelo resto da vida... por isso, existem bandas clássicas, que jamais são esquecidas. (Ericksen Lima)

Os participantes da cena do Heavy Metal admitem seguir alguns padrões que seriam parte do que é ser um headbanger, como podemos exemplificar aqui, com pequenos trechos de conversas dos nossos entrevistados:

Ser headbanger é uma questão de atitude. [...] O Heavy Metal além de ser um estilo musical, tem essa parte ‘filosófica’, digamos assim, de passar uma ideia, de passar um conhecimento [...] aborda vários assuntos, como política e religião, por exemplo. (Ericksen)

É a denominação de um estilo, de um padrão, de um comportamento que a gente segue, dentro de um determinado gênero. (Gerson14)

Porém, apesar de admitir essa questão de um estilo comum, de um determinado comportamento e de certas ideias que são passadas pelas músicas, os entrevistados sempre acabam frisando a questão da não passividade deles em relação aquilo que eles ouvem, até mesmo pela proposta do Heavy Metal, que consiste na recusa de valores instituídos pela moral. Eles sempre tentam ressaltar certa tomada de consciência daquele que ouve, que os diferenciaria daqueles que não ouvem, no sentido de proporcionar uma

14

Headbanger natalense, 36 anos. Vocalista da banda Primordium, de Death Metal, formado em

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32 “mente mais aberta”. Desta forma, devemos encarar o Heavy Metal não como um estilo de vida, mas como uma estilística.

A ideia mesmo do headbanger - eu, pelo menos, penso assim – é aquele cara que, realmente, ele não é um alucinado, não é um lunático... ele tá ali dentro consciente do que ele faz... ele é um sujeito tanto ativo, quanto passivo dentro do estilo musical. (Gerson)

Chega um cara aqui, ‘bombadinho’, com um abadá, daí você olha e diz: “é forrozeiro!” O ‘bicho’ que curte axé, do mesmo jeito... é a mesma coisa o headbanger... vai tanto do modo como você se veste, do que você escuta e até mesmo do seu estilo de vida, de você não seguir padrões que a sociedade te impõe. (Wolfera15)

A partir desses dados, é importante ressaltar duas coisas: Primeiramente, cuidado de si é uma prática que só se realiza enquanto prática de grupo. E, a partir disso, podemos também afirmar que o cuidado de si é, na verdade, uma moral de grupo bem rigorosa. Trata-se de um exercício de prática da liberdade, ou seja, procura-se a libertação dos hábitos morais reificados que aparecem enquanto naturais e necessários perante o todo social, porém, estamos nos referindo a práticas de liberdade, não a uma liberdade total de qualquer forma de submissão a regras de comportamento, até mesmo pelo fato de esta liberdade total não existir de fato. O sujeito sempre será atravessado por relações de poder, sejam elas quais forem, pois são as relações de poder que o constituem enquanto sujeito. Não existe um lado de fora onde não possamos ser perpassados pelas relações de poder. Portanto, praticar a liberdade trata-se de escolher quais regras morais e relações de poder o sujeito quer se submeter para constituir-se. A ética é nada mais do que uma moral de grupo, a qual o indivíduo escolhe se vincular

15

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33 para, a partir dela, constituir-se enquanto sujeito. Desta forma, o elemento grupal é imprescindível na prática de si. Admitir isso, significa também encarar que a prática de si não deve ser vista como uma solução em face de uma moral problemática, pois, sendo uma moral de grupo, vão existir conservadorismos e preconceitos como em toda e qualquer moral. A importância do cuidado de si, de vincular-se a um grupo e a partir dele constituir-se enquanto sujeito que pratica a liberdade frente a moral que, a primeira vista, aparece como necessária e indispensável, está justamente no fator da escolha, onde reside a prática da liberdade. A prática de si e a ética do cuidado de si envolvem a escolha do indivíduo de se submeter às regras criadas por um determinado grupo. A ética nada mais é do que uma moral grupal que se apresenta enquanto alternativa.

[...] é uma partilha operatória entre os que são capazes e os que não são capazes [de si]. [...] É a relação consigo, a modalidade e o tipo de relação consigo, a maneira como ele mesmo será efetivamente elaborado enquanto objeto de seus cuidados é aí que se fará a partilha entre alguns poucos e os mais numerosos.” (FOUCAULT, 2006, pág. 147)

Assim, é preciso dizer que o cuidado de si sempre toma forma no interior de redes ou de grupos determinados e distintos uns dos outros, com combinações entre o cultual, o terapêutico16 e o saber, a teoria, mas [trata-se de] relações variáveis conforme os grupos, conforme os meios e conforme os casos. De todo modo porém, é nessas separações, ou melhor, neste pertencimento a uma seita ou a um grupo, que o cuidado de si se manifesta ou se afirma [...] Somente no interior do grupo e na distinção do grupo, pode ele ser praticado.” (FOUCAULT, 2006, pág. 145)

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No caso do Heavy Metal, a dimensão cultual é refletida no culto às bandas. Aqueles que gostam de uma determinada banda sempre a ouvem, vestem sua camisa, para homenageá-la, vão aos seus shows, que é o espaço onde podem se reunir com outros que, assim como eles, gostam das mesmas bandas. “As pessoas que curtem Heavy Metal de verdade, cultuam isso e passam pras próximas gerações ... e daí você tira o valor que esse estilo tem.” (Ericksen Lima) Não raro, podemos ver nos shows os headbangers discutindo entre si sobre as músicas de uma determinada banda ou de outras que lhes aprazem, sobre a banda em questão, ou mesmo outras bandas, no que se refere à história, formação, temáticas abordadas por elas em suas músicas, práticas dos membros da banda, etc. Muitas vezes os shows acabam servindo como lugares para se discutir acerca do conhecimento que cada headbanger detêm do Heavy Metal, além de um espaço para se reunir com os iguais, prestigiar as bandas que se gosta e descarregar sua energia excedente, como diria Bataille. Bater cabeça, pogar17, cantar as músicas desse ritual, ou simplesmente assistir ao show calado, com uma postura reservada, tudo isso pode ser visto dentro de um show de Metal. Poderíamos dizer que dentro do Black Metal18 essa dimensão cultual é mais forte, na medida em que algumas bandas desse estilo pregam o satanismo, o paganismo, o ocultismo ou simplesmente o anti-cristianismo. Algumas se utilizam de sangue de animais nos shows. Bandas

17

Pogar é fazer parte de uma roda de pogo, que consiste na formação de grandes rodas, durante os shows, onde simulam-se brigas de acordo com o ritmo da música enquanto giram, para dar o movimento circular à roda.

18

Black Metal é uma das derivações do Metal, que está contemplada aqui com o uso do termo Heavy Metal que, como falamos nas primeiras páginas deste trabalho, está sendo usado de forma geral,

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(37)

36 Focando na dimensão cultual da qual estamos falando, resolvemos trazer aqui a letra de uma música de Black Metal, da banda sueca Dissection, entitulada Maha Kali. Há boatos dentro da cena Heavy Metal de que o vocalista Jon Nödtveidt teria composto a referida música como prelúdio de seu suicídio. Jon cometeu suicídio em 2006. Ele foi encontrado morto com um tiro, em seu apartamento, cercado por um círculo de velas acesas e junto ao corpo estava uma espécie de Bíblia satânica. Pouco antes de cometer

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37 suicídio, Jon Nödtveidt publica sua última entrevista respondendo a perguntas de fãs em um fórum. Nessa entrevista, o vocalista fala sobre a forma como se dá o trabalho de composição das suas músicas que, segundo ele, têm como objetivo transmitir sua religiosidade. Na resposta do vocalista, podemos notar elementos que figuram às três esferas, das quais falamos, que compõe as práticas de si nos grupos: a cultual, a terapêutica e a esfera do saber.

O processo de composição tem para mim uma função espiritual em um nível pessoal uma vez que são hinos para os diferentes poderes e princípios, os Deuses das Trevas, que são uma parte central da corrente 218. Liricamente as músicas são baseadas em invocações e fórmulas que foram vinculadas nas letras para evocar os poderes que as representam. A teoria ocultista musical foi aplicada no processo de escrita da canção como um meio de carregar simbolicamente suas estruturas. Elas também foram escritas inspiradas por ideias científicas, como a teoria das cordas etc. As canções foram todas escritas com a intenção de usar sons e vibrações como ferramentas Anti-Cósmicas e todas elas foram conscientemente criadas para serem os vasos para esses poderes. (Fonte: Dissection: a última entrevista

com Jon Andreas Nödtveit

http://whiplash.net/materias/entrevistas/137038dissection.html#ixzz2L EEIC8FW)

Maha Kali é uma deusa da cultura hindu que representa, dentre outras coisas, a morte. Nessa música podemos ver explicitamente como a dimensão cultual aparece de forma clara.19

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38 Maha Kali20

Dissection

Maha Kali, dark mother dance for me Let the purity of your nakedness awaken me

Yours are the fires of deliverance which shall bring me bliss Yours is the cruel sword which shall set my spirit free

Devourer of life and death who rule beyond time In thy name I shall fullfil my destiny divine Maha Kali, formless one, destroyer of illusion Your songs forever sung, the tunes of dissolution

Kalika, black tongue of fire, embrace me Make me one with your power for all eternity Awaken within me the reflection of your flame Kiss me with your bloody lips and drive me insane

Jai Kalika! Jai Kali!

Make me one with your power for all eternity Maha Kali come to me

Smashana Kali, I burn myself for thee I cut my own throat in obscene ecstasy

I make love to abominations, embrace pain and misery

Until my heart becomes the burning ground and Kali comes to me

O dark mother, hear me calling thee Mahapralaya, bring to me

Through all illusions I shall see

I shall cremate this world and set my essence free

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39 Jai Kalika! Jai Kali!

Without fear I will dance with death and misery Maha Kali, come to me

O Kali, thou art fond of cremation grounds So I have turned my heart into one, that thou may dance there unceasingly.

O mother, I have no other fond desire in my heart. Fire of a funeral pyre is burning there.

Voz Feminina:

Jai Maha Kali, Jai Ma Kalika Jai Maha Kali, Jai Ma Kalika Kali Mata, namo nama Kali Mata, namo nama

Jai Kalika! Jai Kali!

At your left hand for endless victory Maha Kali, come to me.

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40 observar que a maioria dos ouvintes de Metal não adota o visual no seu dia-a-dia. Alguns alegam sentir-se constrangidos com o olhar do outro, outros ressaltam o fato de Natal ser uma cidade muito quente para se vestir sempre de preto. Para estas pessoas, vestir-se para ir a um show, é uma parte importante do ritual. Falaremos mais especificamente do caso de Natal no terceiro capítulo desse trabalho.

Passaremos agora para outra esfera das práticas de um grupo ético, a dimensão do saber, ou a dimensão teórica. Uma prática comum nos espaços onde se reúnem os headbangers, seja em um show, seja em uma mesa de bar, é a discussão acerca de diversas temáticas referentes ao mundo do Heavy Metal. Mais adiante, explicitaremos melhor um hábito que constitui a prática de si dentro da cena underground do Metal e que faz parte dessa dimensão relacionada ao saber ligado ao cuidado de si nos grupos éticos: o hábito de estar sempre pesquisando sobre o Heavy Metal. Uma das razões pelas quais (e, talvez, a mais importante), para os entrevistados, o Heavy Metal aja no sentido de desconstruir valores morais impostos como naturais e proponha novos caminhos para pensar, é o fato de as músicas abordarem diversas temáticas diferenciadas, variando de acordo com as bandas e com o estilo. Podemos notar isso também através da fala de nossos interlocutores21:

A nossa cultura22, é uma cultura global... a gente trabalha com a tradição que existe entre celtas, dos vikings, dos índios. A gente pode trabalhar um conto do Marquês de Sade... Edgar Alan Poe, como o

Iron Maiden23 faz... (Gerson) / Você pega o Black Metal, os caras usam o que? Filosofia, física quântica, astronomia... Música, pra mim, fora do rock, fundamento cultural, não tem... é mais pra alienação.”

21

Essa fala foi retirada de uma das entrevistas que foram realizadas, essa entrevista, assim como algumas outras, foi realizada com duas pessoas simultaneamente, Gerson e Wolfera.

22

O entrevistado se refere aqui, com o termo cultura, a cultura do Heavy Metal, ou, ao Heavy Metal enquanto uma cultura.

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(Wolfera) / Eu sou etnocêntrico, a minha cultura é melhor, a minha cultura não se prende a algo inútil... existe um questionamento... existe uma profundidade, dentro da filosofia, da sociologia, da antropologia, do que a gente quiser conversar aqui... [...] eu não vejo outra música trabalhar com isso...24 (Gerson)

A poesia do Heavy Metal informa, diferente das poesias de outros segmentos musicais. A partir do momento que você tem conhecimento... o conhecimento é tudo... você é uma pessoa livre. Então, eu sou superior a fulano? Não, não sou, mas eu tive a oportunidade de conhecer isso, fui adiante nisso, pesquisei, li, assisti... E, isso sim, me torna uma pessoa, digamos, diferenciada. Eu vou indagar as coisas. Existem milhares de bandas de Heavy Metal que são bandas conceituais, que têm discos conceituais25, que falam de temas literários, de temas históricos, folclores, daí você vai ler sobre isso.” (Hervall26)

O metal oferece um leque de assuntos que nós não encontramos muito em outros estilos que as letras não dizem nada com nada. O axé, por exemplo, “olha a água mineral”... No metal você encontra assuntos relacionados à política, protesto, mitologias, ocultismo, muitas coisas... Ele consegue abrir os seus olhos para facilitar o seu

caminho e ver em qual desses ramos você se identifica. (Marcelo27)

A partir dessas falas que apresentamos, pudemos observar uma diferenciação feita pelos próprios headbangers, entre eles próprios e aqueles que não escutam Heavy Metal. Tal diferenciação é feita no sentido de uma apreciação da “cultura headbanger”

24

Mais uma vez, com a fala de um dos entrevistados, temos um exemplo do elitismo de grupo, caracterizado pelo fato de que os integrantes desse grupo ético se veem como uma elite no sentido de uma cultura mais elevada.

25

Um álbum conceitual é um álbum que conta uma história, onde todas as músicas integram essa história construída com base em uma temática específica escolhida pelos compositores. No Brasil, um dos álbuns conceituais mais conhecidos é o Temple of Shadows, da banda de Power Metal Angra. Nesse álbum é contada a história de um cavaleiro convocado pelo Papa para participar da Primeira Cruzada. Ao longo do álbum, o ouvinte se defronta com os dilemas vividos por esse cavaleiro.

26

Headbanger nascido no RJ, reside em Natal há bastante tempo, 33 anos, vocalista da banda Comando

Etílico, de Heavy Metal tradicional. 27

Headbanger nascido em Belém, reside em Natal há bastante tempo, 33 anos, baterista da banda Expose

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42 em detrimento da cultura de forma geral e também de uma relação mantida com a música que, segundo eles, é diferenciada.

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Vencemos o medo, abandonamos as margens da segurança, mas entramos num sistema não menos concentrado, não menos organizado, um sistema de pequenas inseguranças, que faz com que cada um encontre seu buraco negro e torne-se perigoso nesse buraco, dispondo de uma clareza sobre seu caso, seu papel e sua missão, mais inquietantes que as certezas da primeira linha. (DELEUZE, 1996, pág. 111)

Ainda sobre o trecho acima, podemos dizer que a ética reflete isso também: “um sistema não menos concentrado, não menos organizado” e que dispõe de uma certeza inquietante de que o seu modo de vida é o correto. Podemos relembrar a frase de um de nossos entrevistados, Gerson, que exemplifica claramente a dimensão inerente à esfera da ética enquanto micropolítica (e também microfascismo): “Eu sou etnocêntrico, a minha cultura é melhor, a minha cultura não se prende a algo inútil... existe um questionamento...”, e ainda outras frases que já foram citadas como, por exemplo: “Música, pra mim, fora do rock, fundamento cultural, não tem... é mais pra alienação.” (Wolfera), ou ainda: “A poesia do Heavy Metal informa, diferente das poesias de outros segmentos musicais.” (Hervall). O microfascismo pode ser visualizado nesse elitismo inerente ao Heavy Metal, do qual falamos. Aliás, o microfascismo (apesar de parecer uma palavra forte) sendo inerente ao micropolítico, pode ser encontrado mais comumente do que imaginamos, em pequenos comportamentos e ações do dia a dia.

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(46)

45

É através da música que eu faço a minha espécie de meditação particular, que é quando eu paro realmente, penso sobre as coisas, reflito, escolho as minhas ações, decisões, atitudes... Então, assim como eu chego num estágio de concentração onde eu absorvo conhecimento, eu também me manifesto através dela [da música], através de emoções, tocando, participando, ouvindo, curtindo aquilo. Então, eu curto a energia que a música me passa, algo muito particular. [...] Eu, particularmente, acho que eu interajo [com a música] com uma certa intensidade, é uma paixão, eu sinto isso, principalmente, quando eu toco, porque ali é o resultado final de tudo que eu ouvi, de tudo que eu to colocando pra fora, de todas as técnicas que eu desenvolvi, de todo o meu trabalho, etc. É na própria composição que eu faço, ali na bateria, que eu percebo o quanto ela [a música] me faz bem e o quão ela me faz evoluir. (Marcelo)

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O playboyzinho não vai pra um show de forró pra estar sacando a banda, nem pra estar prestando atenção na música... ele vai aprender até a cantar, mas não sabe nem o que é que aquilo tá passando pra ele... ele vai pra pegar mulher... [...] Enquanto no meio mais underground, como a gente chama, é diferente... Normalmente as pessoas vão com os amigos, mas pra curtir a banda, curtir o som... namorar, se possível, mas não com essa ideia... (Ericksen)

Acreditamos que esse tipo de relacionamento com a música, que implica até em uma espécie de ascese, só se torna possível quando o sujeito que escuta Heavy Metal passa a penetrar o chamado underground, saindo, desta forma, da esfera mainstream. Leonardo Carbonieri Campoy, em sua dissertação de mestrado, nos propõe critérios de caracterização da divisão desses dois termos que se mostram bastante úteis, mas que precisam de uma pequena problematização. A diferenciação que o autor faz dá-se por meio de dois critérios básicos: a produção e divulgação, que dialoga ou não com a esfera comercial (o metal enquanto produto comercial ou como “sentimento”); e os estilos, sendo o Heavy Metal considerado mais “leve” próprio da esfera do mainstream e o metal extremo mais “pesado” relegado ao campo underground. Pretendemos trabalhar em cima do primeiro critério de diferenciação proposto na dissertação, problematizando o segundo critério, para, a partir daí vermos como o metal se torna um fenômeno ethopoiético.

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47 as camadas mais profundas, começa a pesquisar sobre bandas que estão fora da mídia, e ao conhecer o underground, pratica uma espécie de ascese. Em geral, o Heavy Metal passa a ser ethopoiético, interferindo na constituição das escolhas desse sujeito e na construção de seu modo de agir e pensar, isso porque adentrar no underground significa partilhar de um conjunto de hábitos. No entanto, essa relação não se dá de forma passiva. O Heavy Metal aparece para desconstruir hábitos morais impostos pelo processo de socialização e sugerir diversos caminhos de pensamento na construção de novos ethos e novas potencialidades inventivas, justamente pela variedade infinda de temáticas e de formas de abordagem dessas temáticas.

Porém, a divisão feita por Campoy não nos é satisfatória no segundo aspecto apresentado. O underground não se restringe somente ao chamado Metal Extremo28. Podemos observar essa relação ethopoiética com a música, que inclui uma ascese, mesmo nos mais variados estilos que fazem parte do Heavy Metal. Podemos observar que existem inúmeras bandas, que não fazem parte do Metal Extremo, mas que não tem uma relação comercial com a música que fazem, assim como muitas bandas do chamado Metal Extremo tem uma forte divulgação na mídia. Segundo a pesquisa de Campoy, essas bandas de Metal Extremo que tem contato com o mainstream não seriam true29. True significa verdadeiro. Existe uma grande discussão dentro da cena Heavy Metal que gira em torno dessa palavra. Quem são os trues? Quem não é true? Ou mesmo se a categoria true é válida. Dentro das perguntas que fizemos em nossas entrevistas, estava incluída a seguinte questão: “O que é ser true e qual a sua opinião sobre isso?” As respostas para essa pergunta foram bem semelhantes. No geral, nossos

28

Metal extremo é um agrupamento de algumas subdivisões derivadas do Heavy Metal, a saber: Thrash

Metal, Doom Metal, Death Metal e Black Metal. Esse agrupamento de estilos se dá por eles terem uma

característica em comum, o maior peso e agressividade em relação aos outros estilos do Heavy Metal. 29

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48 interlocutores disseram que true foi uma categoria criada por alguns para separar o que seria o verdadeiro headbanger do falso, porém nenhum dos entrevistados acha viável a utilização dessa categoria pela mesma questão de a proposta do Heavy Metal, enquanto uma ética, ser a abertura e não o fechamento.30

Desta forma, cada um experiencia o Heavy Metal de uma maneira particular, dada as infinitas possibilidades de experienciação e o estímulo a essa diversidade. Portanto, não existe o verdadeiro e o falso headbanger. Mas, ressaltamos aqui, há diferenças entre aqueles que se detêm somente ao mainstream, que tem uma relação mais comercial com a música, e aqueles que penetram no underground. Outra exceção a essa regra é o caso do chamado White Metal, ou Heavy Metal Cristão, que causa muita polêmica dentro da cena. Recentemente houve uma reunião dos headbangers de Natal no intuito de fomentar a organização de uma associação do Heavy Metal potiguar, visando promover o Heavy Metal no estado e facilitar a organização de eventos. Até o presente momento, aconteceu apenas uma reunião, onde uma das pautas principais foi sobre a participação ou não das pessoas envolvidas com White Metal na associação. A maioria argumenta contra a participação, já que seria inadmissível dentro do Heavy Metal bandas que preguem ideais cristãos em suas músicas, pelo fato de esses ideais serem totalmente contrários aos do Heavy Metal.

A igreja é vista como uma forma de dominação não aceita de maneira alguma e totalmente contrária à liberdade aspirada pelo Metal e, segundo as pessoas que têm esse posicionamento, bandas de White Metal iriam se utilizar dos shows como espaço de

30

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49 pregação religiosa. Outro argumento utilizado contra a participação dos Whites é que eles teriam patrocínio de suas igrejas, diferente do Metal underground que não conta com apoio financeiro algum. E este é um dos objetivos da associação, viabilizar recursos públicos para a organização de shows de Metal em Natal. Do outro lado da discussão temos pessoas com um posicionamento menos radical que dizem que discutir a participação ou não dos Whites não tem nada a ver com os objetivos iniciais da associação e que há questões mais importantes referentes à organização da mesma que estão sendo deixadas de lado. E também que esta deveria ser uma forma de unir pessoas em torno do Metal, não de separá-las. Essas pessoas também argumentam que o Heavy Metal tem como ideal a liberdade e que isso inclui o fato de você poder escolher o Heavy Metal Cristão como forma de se expressar musicalmente dentro do estilo. 31

Uma característica peculiar à cena Heavy Metal de Natal, pelo que pudemos observar é que, pelo fato de a cena ser pequena, restrita, não há muito espaço para uma grande diferenciação e isolamento dos ouvintes de diferentes estilos dentro do Metal. Em grandes cidades, por exemplo, onde a cena é maior, existem certas fronteiras demarcadas separando e diferenciando aqueles que ouvem diferentes estilos. Como não há espaços para separatismos, a cena em Natal é mais fluida. Existe uma grande separação, por exemplo, entre o grupo daqueles que ouvem Metal Extremo e os estilos mais leves, como o Metal Melódico ou Power Metal, onde o vocal costuma ser feito com base em tons mais agudos, sem a utilização de vocais guturais ou rasgados e as músicas são uma adaptação mais melódica e rápida do Heavy Metal tradicional. Em Natal, indo aos shows e convivendo com os apreciadores do Metal, notamos que cada um tem preferência por determinado estilo, porém, comumente, vemos apreciadores de

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50 Metal Extremo prestigiando shows de bandas fora do estilo. Afinal, se os headbangers de Natal fossem somente a shows do estilo que preferem, ficariam boa parte do ano sem sair de casa, devido ao espaço restrito que o Heavy Metal ocupa na agenda cultural da cidade, onde predomina o gosto pelo forró.

Existem algumas características da ascese daqueles que fazem parte do underground do metal. Pesquisar sobre as bandas que se ouve é uma delas e podemos localizá-la naquela divisão que fizemos anteriormente dos três aspectos que compõe a prática de grupos éticos, sendo esta característica da esfera do saber e da teoria. Essa é uma atitude bem comum aos headbangers, inclusive, aqueles que não o fazem são chamados de posers, no sentido de ter somente a pose de um headbanger, mas não o ser de fato, por não ter conhecimento das bandas e, mais ainda, sobre o Heavy Metal. Geralmente, aqueles que são chamados de posers são os que se restringem a escutar apenas o Heavy Metal mainstream, que tem maior veiculação na mídia e que não têm o hábito de pesquisar sobre as bandas que ouvem, ou de procurar saber sobre outras bandas para conhecê-las.

Eu costumo dizer que o Heavy Metal exige todo um estudo. Você tá ali em casa ouvindo direitinho, sacando o trabalho, você tá lendo... ao mesmo tempo indo atrás das discografias, tá indo descobrir mais material sobre aquela banda, ou bandas do mesmo estilo. (Ericksen)

Você quer saber de onde a banda é, o que é que os caras fazem, tem gente que é radical mesmo e não escuta uma banda por determinada postura de um membro. (Cláudio Slayer32)

Ainda sobre essa característica de pesquisar sobre as bandas e ler sobre Heavy Metal, podemos citar uma discussão que ocorreu em um grupo de uma rede social33

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51 denominado Natal Metal. Um dos integrantes do grupo postou o documentário Global Metal, do antropólogo canadense Sam Dunn. Logo em seguida, outros participantes do grupo começaram a comentar que já conheciam há muito tempo esse documentário e que ele era um péssimo ouvinte de Metal, por só ter tido contato com ele agora, pois, segundo um deles: “Todo metaleiro34 que se preze, já assistiu Global Metal pelo menos uma vez”. Reclamaram, ainda, do fato de o colega que postou o vídeo não ter o hábito de pesquisar coisas sobre o metal. Faz parte dessa ascese headbanger o hábito, que se tornou mais fácil a partir do acesso à internet, de pesquisar sobre as bandas, as letras das músicas, a história das bandas, dos integrantes e, por vezes, do país de origem de determinadas bandas.

Em geral, bandas do chamado Folk Metal suscitam interesse naqueles que as escutam de pesquisar sobre a cultura do país do qual a banda provêm. Muitas delas falam sobre antigas tradições e mitologias em suas letras. Vale ressaltar que o berço dessas bandas está situado, na maioria das vezes, nos países nórdicos. Um fato interessante a se ressaltar também é que desse hábito de pesquisar, surge também o hábito de traduzir as letras das músicas, e, a partir disso, vemos muitos apreciadores do metal que nutrem um profundo interesse no aprendizado de novos idiomas. Tivemos a oportunidade de ter contato com pessoas que já aprenderam, ou estão interessadas em aprender, idiomas como inglês, alemão, finlandês e russo, por causa do Heavy Metal. Entramos em contato com muitas pessoas interessadas em pesquisar coisas sobre história, principalmente história medieval, pois é uma temática bastante recorrente em letras de música dentro de alguns estilos do Metal. Temos uma frase curta do entrevistado Cláudio Slayer que remete a esse aspecto: “O Metal é um universo muito 33

Falamos aqui do Facebook, mais especificamente, do grupo Natal Metal, não colocamos o endereço eletrônico aqui pelo fato de a visualização do conteúdo do grupo ser restrita aos seus membros.

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52 vasto, então você aprende a lidar com coisas que, se eu tivesse em outro meio, eu não teria muito contato, né? Até história e outras culturas diferentes.” Inclusive, uma das bandas que entrevistamos, o Primordium, tem como temática principal na composição de suas letras o Egito antigo. Vale relembrar que uma das características mais importantes que constitui essa ascese headbanger também, como já falamos, é a relação diferenciada que se mantêm com a música.

A música pra mim é como se fosse uma dependência... Eu não consigo ficar sem tocar, eu não consigo ficar sem escutar... Eu não consigo ficar sem viver nesse meio... (Wolfera)

E na minha brincadeira, de 90, já vou em 22 anos... Eu acordo, eu almoço, eu janto e vou dormir curtindo metal. (Gerson)

A música tá o tempo todo na minha vida... quase vinte e quatro horas ouvindo, ou tô lendo algo sobre heavy metal, ou tô discutindo com alguém, conversando, como agora... (Ericksen)

Podemos observar também, a partir das entrevistas, que nossos interlocutores afirmam o Heavy Metal enquanto ethopoiético, ou seja, algo que ajudou na constituição deles enquanto sujeitos. Alguns depoimentos podem ser colocados aqui para ilustrar isso de forma bastante clara.

Tudo o que eu sou e o que eu penso hoje, eu dou graças a esse estilo de música. Questão de comportamento, questão de atitude, forma de pensar. Na época, (que ele começou a ter contato com o estilo) eu era monitor de pedagogia na universidade. Eu levei a proposta de mostrar como seria um educador que curte metal, como seria a educação pensada pelo metal, de uma forma mais crítica. [...] Se a gente vai ensinar sobre a Macedônia, eu vou colocar Alexander the Great, do

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Foto da Rua Chile, onde estão concentradas algumas das casas conhecidas por  abrigar shows de Metal na cidade

Referências

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