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Perspectivas feministas e de masculinidades: o papel do Poder Judiciário na desconstrução da violência contra a mulher

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Academic year: 2017

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1 UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU

MESTRADO EM DIREITO POLÍTICO E ECONÔMICO

Klariene Andrielly Araujo

Perspectivas feministas e de masculinidades:

o papel do Poder Judiciário na desconstrução da violência contra a mulher

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2 UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU

MESTRADO EM DIREITO POLÍTICO E ECONÔMICO

Klariene Andrielly Araujo Bolsista CAPES-PROSUP/TAXA

Bolsista Mackpesquisa

Perspectivas feministas e de masculinidades:

o papel do Poder Judiciário na desconstrução da violência contra a mulher

Trabalho apresentado ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie, para obtenção do título de Mestre.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª. Patrícia Tuma Martins Bertolin

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3 A658p Araujo, Klariene Andrielly

Perspectivas feministas e de masculinidades: o papel do Poder Judiciário na desconstrução da violência contra a mulher. / Klariene Andrielly Araujo. – 2015.

243 f.; 30 cm

Dissertação (Mestrado em Direito Político e Econômico) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2015.

Orientadora: Patrícia Tuma Martins Bertolin Bibliografia: f. 221-239

1. Feminismo. 2. Masculinidade. 3. Violência contra a mulher. 4. Poder Judiciário. 5. Gênero. I. Título

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4 KLARIENE ANDRIELLY ARAUJO

Trabalho apresentado ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie, para obtenção do título de Mestre.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª. Patrícia Tuma Martins Bertolin

Aprovada em: ______________________________________

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________________________________ Prof.ª Dr.ª. Patrícia Tuma Martins Bertolin

_________________________________________________________________________ Prof. Dr. Hélcio Ribeiro

(5)

5 Ao meu amigo Jesus Cristo.

Aos homens da minha vida: meu pai, meu irmão e meu noivo.

(6)

6 AGRADECIMENTOS

Primeiramente, agradeço a Deus, que diariamente me revela seu cuidado e amor, dando-me a oportunidade de viver para Ele, e Nele encontrar propósito. Agradeço a vida que me deu, e espero que através dela eu possa honrá-lo e cumprir minha missão neste mundo.

Agradeço à minha família, que sempre me apoiou e me ajudou a alcançar meus objetivos, demonstrando de diversas formas o amor e carinho que tem por mim. Assim, agradeço ao meu pai, especialmente por ser um homem íntegro e ter me ensinado lições valiosas; à minha mãe, por ser uma mulher forte e corajosa, um exemplo para mim; ao meu querido irmão, por ser tão especial na minha vida; e à minha vó Cida, por ser tão carinhosa e amável.

Agradeço ao meu noivo, por ser um companheiro leal, principalmente durante o período do mestrado, estando comigo tanto nos momentos alegres e produtivos, quanto nos mais difíceis e não tão produtivos como deveriam. Agradeço por ter acreditado em mim, e constantemente me incentivado a prosseguir.

Agradeço ao Programa de Pós-Graduação em Direito Político e Econômico

(PPGDPE), da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), que me deu a oportunidade do mestrado, mas não somente isso, me deu todas as condições e ferramentas para que eu me desenvolvesse intelectualmente e como pessoa. A todos que compõem o PPGDPE, professores, secretaria e colegas, um agradecimento por me proporcionarem bons momentos e de grande aprendizado.

Agradeço à Professora Patrícia Tuma Martins Bertolin por ser muito mais que uma orientadora, tornando-se uma amiga e um exemplo de dedicação em tudo o que faz. Agradeço por ter me dado tantas oportunidades ao longo do mestrado, e dentre elas: minha primeira publicação em livro, a participação em um grupo sério e comprometido com os direitos das mulheres, o aprendizado do que realmente é pesquisa, e ainda a publicação de um artigo em coautoria, que para mim, foi um dos momentos mais significativos, e uma grande honra.

Agradeço ao Professor Hélcio Ribeiro por ter me ajudado e orientado em uma etapa importante da pesquisa, sobretudo pelos questionamentos e observações que possibilitaram uma reflexão crítica a respeito do meu tema e da pesquise pretendida.

(7)

7 primeiras dúvidas acerca dos grupos de reflexão com homens autores de violência. Agradeço aos facilitadores do Instituto Albam que conversaram comigo durante o tempo que estive em Belo Horizonte/MG, e também por terem me dado a oportunidade de participar de uma reunião dos grupos. Ademais, agradeço a todos os operadores do Direito, que durante a pesquisa aceitaram conversar comigo, respondendo perguntas, esclarecendo dúvidas e dando opiniões pertinentes para a pesquisa.

Agradeço às minhas companheiras do grupo de pesquisa Mulher, Sociedade e Direitos Humanos, em especial mais uma vez à Professora Patrícia e também à Professora Bruna Angotti, que me deram a oportunidade de participar de reflexões importantes para o texto desta dissertação, e por me integrarem em uma pesquisa tão relevante sobre a questão do feminicídio.

Agradeço aos meus colegas do grupo de pesquisa Direitos Sociais e Políticas Públicas, em especial às Professoras Clarice Seixas Duarte e Maria Paula Dallari Bucci, que me deram a oportunidade de integrar o grupo antes mesmo de entrar no PPGDPE.

Agradeço à oportunidade de bolsa oferecida pela CAPES e pelo Mackpesquisa, e nesse sentido, agradeço ainda à Professora Maria Lucia, que me ajudou no último semestre do Mestrado ao me integrar como bolsista na pesquisa sobre internacionalização.

No PPGDPE conheci pessoas muito especiais e dispostas a me ajudar. Dentre essas pessoas, agradeço especialmente a minha amiga Patrícia Brasil, que desde que nos conhecemos me surpreende com seu bom coração, e as minhas amigas, a Professora Alessandra Benedito, Patrícia Borba de Souza e Paula Zambelli Salgado Brasil, que me deram o privilégio de escrever artigos em coautoria.

Agradeço aos meus amigos da Rede de Ensino LFG, professores e funcionários, que de alguma forma participaram da etapa final de elaboração deste trabalho, e em especial, agradeço à equipe da monitoria e ao Ricardo, que nos últimos dias, quase que diariamente, acompanharam de perto meu desespero por concluir o texto dentro do prazo estipulado.

Por fim, sem citar nomes para não falhar com ninguém, agradeço aos amigos que participaram de alguma maneira desta pesquisa, pois muitas foram as indicações bibliográficas, sugestões e reflexões. Sem a troca de experiência ao longo de todo o mestrado, eu jamais teria conseguido.

(8)

8 Um Homem Também Chora

(Guerreiro Menino)

Um homem também chora Menina morena Também deseja colo

Palavras amenas Precisa de carinho

Precisa de ternura Precisa de um abraço

Da própria candura Guerreiros são pessoas

Tão fortes, tão frágeis Guerreiros são meninos

No fundo do peito Precisam de um descanso

Precisam de um remanso Precisam de um sono Que os tornem refeitos É triste ver meu homem

Guerreiro menino Com a barra do seu tempo

Por sobre seus ombros Eu vejo que ele berra Eu vejo que ele sangra A dor que tem no peito

Pois ama e ama... Um homem se humilha

Se castram seu sonho Seu sonho é sua vida

E vida é trabalho E sem o seu trabalho O homem não tem honra

E sem a sua honra Se morre, se mata Não dá para ser feliz Não dá para ser feliz

Ofertas de Aninha (Aos moços)

Eu sou aquela mulher a quem o tempo

muito ensinou. Ensinou a amar a vida,

Não desistir da luta. Recomeçar na derrota. Renunciar a palavras e pensamentos

negativos.

Acreditar nos valores humanos. Ser otimista.

Creio numa força imanente que vai ligando a família humana

numa corrente luminosa de fraternidade universal. Creio na solidariedade humana.

Creio na superação dos erros e angústias do presente.

Acredito nos moços. Exalto sua confiança, generosidade e idealismo. Creio nos milagres da ciência e na descoberta de uma profilaxia

futura dos erros e violências do presente.

Aprendi que mais vale lutar do que recolher dinheiro fácil. Antes acreditar do que duvidar.

Cora Coralina

(9)

9 RESUMO

Esta dissertação tem por objetivo geral oferecer um panorama do que tem sido realizado no enfrentamento à violência contra a mulher, o que será feito por meio de perspectivas feministas e de masculinidades, destacando o papel do Poder Judiciário, e apresentando os grupos de reflexão com autores de violência. Assim, tendo em vista que existem iniciativas de trabalho com homens, procurando sensibilizá-los quanto às implicações da desigualdade de gênero na sociedade e as possibilidades de mudança de comportamento, uma análise do Direito também se faz necessária, visto que há questões jurídicas envolvidas na atuação desses grupos reflexivos, revelando, inclusive, que o Poder Judiciário também tem seu papel na desconstrução da violência contra a mulher. Nesse sentido, buscou-se: 1) compreender a luta pelos direitos das mulheres e contra a violência; 2) apresentar a realidade da violência em dados e estatísticas; 3) conhecer a legislação que as defende; 4) apontar as ações e políticas judiciárias de enfrentamento à violência contra a mulher; 5) e entender a discussão a respeito das masculinidades e dos grupos de reflexão com homens autores de violência. Por certo, a sociedade tem avançado na concepção a respeito das mulheres, principalmente por meio da luta do movimento feminista, porém além da compreensão quanto à condição feminina, é importante considerar o olhar sobre as masculinidades, entendendo que a violência contra a mulher precisa ser analisada como uma relação complexa que envolve vítima e agressor, ou melhor dizendo, mulher em situação de violência e homem autor de violência. Em síntese, a atuação com homens autores de violência é reflexo de uma mudança de paradigma, que decorre das discussões sobre a igualdade de gênero, e que envolve a busca de uma transformação social. Portanto, tem-se que os grupos de reflexão ampliam a visão da violência contra a mulher, para além da própria mulher, também envolvendo o homem na desconstrução e construção de novas relações sociais, não tomadas pela desigualdade de gênero.

(10)

10 ABSTRACT

This dissertation focuses on analyzing what has been done in combating violence against women, which will be held through feminist perspectives and masculinities, highlighting the role of the judiciary, and focusing on groups with authors of violence. Thus, considering the initiatives with men, looking to sensitize them about the implications of gender inequality in society and behavior change possibilities, one law analysis is also necessary, since there are legal issues involved in reflective activities of these groups, revealing that even the Judiciary plays a role in the deconstruction of violence against women. In this sense, this dissertation sought to 1) understand the struggle for women's rights and against violence; 2) present the reality of violence on data and statistics; 3) know the protection law; 4) point out the actions and judicial policies of combating violence against women; 5) and understand the discussion of masculinities and focus groups with men who have practiced violence. Of course, the society has advanced the design of the social role of women, mainly through the struggle of the feminist movement, but beyond comprehension as female condition, it is important to consider the look on masculinities, understanding that violence against women must be analyzed as a complex relationship involving victim and perpetrator, or rather, women victims of violence and men author of violence. In short, the work with men who have used violence reflects a paradigm shift stemming from the discussions on gender equality, and it involves the search for a social transformation. Therefore, groups with authors of violence expand the vision of violence against women, not only as a woman‟s concern, also involving the man in the deconstruction and construction of new social relations, not taken by gender inequality.

(11)

11 LISTA DE ABREVIATURAS

ACADEPOL Academia de Polícia do Estado de São Paulo ADC Ação Declaratória de Constitucionalidade ADI Ação Direta de Inconstitucionalidade

ADPF Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental AMB Associação dos Magistrados Brasileiros

ANPEd Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação ANPOCS Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais Art. Artigo

CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CEBELA Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos

CEDAW Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (mais conhecida pela sigla em inglês)

CEJIL Centro para a Justiça e o Direito Internacional CES Centro de Educação para Saúde

CFEMEA Centro Feminista de Estudos e Assessoria CID Classificação Internacional de Doenças

CIDH Comissão Interamericana de Direitos Humanos CIM Comissão Interamericana de Mulheres

CLADEM Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher CLAM Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos

CMCVM Comissão Permanente Mista de Combate à Violência contra a Mulher CNDM Conselho Nacional de Direitos da Mulher

CNJ Conselho Nacional de Justiça COCTRS Coordenação de Controle Social

COMESP Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Poder Judiciário do Estado de São Paulo

COPEVID Comissão Permanente de Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher

(12)

12 DJe Diário de Justiça Eletrônico

ECOS Comunicação em Sexualidade.

ENFAM Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados FEBRAPSI Federação Brasileira de Psicanálise

FFLCH/USP Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo FLACSO Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais

Fonavid Fórum Permanente de Juízes de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher

FPA Fundação Perseu Abramo

GEVID Grupo de Atuação Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica do Ministério Público do Estado de São Paulo.

GNDH Grupo Nacional de Direitos Humanos IBAP Instituto Brasileiro de Advocacia Pública IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ICRW International Center for Research on Women IFCH Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. IMS Instituto de Medicina Social

IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada ISER Instituto de Estudos da Religião

JVDFM Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher LGBT Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais

LGBTTTs Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Transgêneros e simpatizantes

LMP Lei Maria da Penha

MFPA Movimento Feminino pela Anistia Min. Ministro

MPSP Ministério Público do Estado de São Paulo MS Ministério da Saúde

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13 ONU Organização das Nações Unidas

OPM Organismo de Políticas paras as Mulheres PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios PPA Plano Plurianual

PPGDPE Pós-Graduação em Direito Político e Econômico PROSUP Pós-Graduação de Instituições de Ensino Particulares

SAE Secretaria de Políticas do Trabalho e da Autonomia Econômica das Mulheres SAIAT Secretaria de Articulação Institucional e Ações Temáticas

SEMASPV Secretaria Municipal de Assistência Social e Prevenção da Violência SENASP Secretaria Nacional de Segurança Pública

SerH Serviço de Educação e Responsabilização para Homens Autores de Violência c contra a Mulher

SESC Serviço Social do Comércio

SEV Secretaria de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres SIESPJ Sistema de Estatística do Poder Judiciário

SIM Sistema de Informações sobre Mortalidade SIPS Sistema de Indicadores de Percepção Social

SPM/PR Secretaria de Política para as Mulheres da Presidência da República SRJ-MJ Secretaria de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça

STF Supremo Tribunal Federal STJ Superior Tribunal de Justiça

TJGO Tribunal de Justiça do Estado de Goiás TJPR Tribunal de Justiça do Estado do Paraná

TJRJ Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro TJSP Tribunal de Justiça de São Paulo

(14)

14 SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 16

1. FEMINISMO E GÊNERO ... 20

1.1.CONCEITUANDO FEMINISMO ... 20

1.1.1. Conhecendo a história do movimento feminista ... 29

1.2.CONCEITUANDO GÊNERO ... 44

1.2.1. Conceitos de gênero e seus autores ... 46

2. VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: UMA PAUTA NECESSÁRIA ... 60

2.1.ESTUDOS FEMINISTAS SOBRE A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER ... 60

2.2.DADOS E ESTATÍSTICAS ... 66

2.2.1. Mulheres Brasileiras e Gênero nos Espaços Público e Privado ... 68

2.2.2. Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher ... 77

2.2.3. Percepções de Homens sobre a Violência contra as Mulheres ... 84

2.2.4. Avaliando a Efetividade da Lei Maria da Penha ... 93

2.2.5. A institucionalização das Políticas Públicas ... 94

2.3.AÇÕES E POLÍTICAS PÚBLICAS ... 99

2.3.1. Secretaria de Política para as Mulheres ... 100

2.3.2. Campanha Compromisso e Atitude ... 105

3. VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER E O DIREITO NO BRASIL ... 110

3.1.VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER COMO VIOLAÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS ... 110

3.1.1. O caso Maria da Penha no âmbito internacional... 118

3.2.VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER E A LEI MARIA DA PENHA ... 125

3.2.1. Avanços jurídicos que viabilizaram a Lei ... 126

3.2.2. Analisando a Lei Maria da Penha ... 139

3.2.3. Uma análise crítica ... 155

4. VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER E O PODER JUDICIÁRIO ... 163

4.1.AÇÕES E POLÍTICAS JUDICIÁRIAS ... 163

4.1.1. Jornadas Lei Maria da Penha ... 164

4.1.2. Fórum Nacional de Juízes de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher .. 166

4.1.3. Manual de rotinas e estruturação dos Juizados ... 168

4.1.4. Atos Normativos ... 172

(15)

15

5. GRUPOS DE REFLEXÃO PARA AUTORES DE VIOLÊNCIA? ... 185

5.1.FEMINISMOS E MASCULINIDADES ... 185

5.2.TRABALHANDO COM HOMENS AUTORES DE VIOLÊNCIA ... 192

5.2.1. A experiência de São Paulo: o Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde ... 199

5.3.TRAJETÓRIA DE PESQUISA ... 204

5.3.1. Impressões em um grupo reflexivo ... 208

5.3.1. Entrevistas e percepções ... 210

CONCLUSÃO ... 217

REFERÊNCIAS ... 221

ANEXO 1: TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ... 240

(16)

16 INTRODUÇÃO

Na tentativa de discutir o papel do Poder Judiciário na desconstrução da violência contra a mulher, esta pesquisa tem como objetivo geral oferecer um panorama do que tem sido realizado no seu enfrentamento, e por meio das questões que o envolve, apresentar os grupos de reflexão com homens autores de violência e a sua relação com o Poder Judiciário. No caso, como se trata de algo novo, é interessante verificar que além das ações e serviços proporcionados às mulheres em situação de violência, existem iniciativas de trabalho com homens, procurando sensibilizá-los quanto às implicações da desigualdade de gênero na sociedade e as possibilidades de mudança de comportamento.

Na medida em que esse assunto tem sido objeto de outras ciências1, uma análise do Direito também se faz necessária, visto que há questões jurídicas envolvidas na atuação desses grupos reflexivos, revelando que o Poder Judiciário também tem seu papel na desconstrução da violência contra as mulheres. Nesse sentido, os objetivos específicos desta pesquisa são: 1) compreender a luta pelos direitos das mulheres e contra a violência; 2) apresentar a realidade da violência em dados e estatísticas; 3) conhecer a legislação que as defende; 4) apontar as ações e políticas judiciárias de enfrentamento à violência contra a mulher; 5) e entender a discussão a respeito das masculinidades e dos grupos de reflexão com homens autores de violência, sobretudo em seus aspectos jurídicos.

Sabendo que o programa de Pós-Graduação em Direito Político e Econômico

(PPGDPE), da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), visa “estimular e consolidar a reflexão crítica a respeito do impacto que as principais mudanças de paradigma da sociedade contemporânea têm causado na esfera jurídica”2, e que as pesquisas e estudos realizados no

PPGDPE integram-se em duas linhas de pesquisa, quais sejam, "A cidadania modelando o Estado" e “Poder Econômico e seus limites jurídicos”3, importa salientar que o tema

escolhido compete à primeira linha de pesquisa mencionada, visto que a luta das mulheres, inclusive contra a violência, envolve a mobilização destas por direitos iguais de cidadania.

1 Tal como estabelecido no site de uma das organizações que desenvolve esse tipo de trabalho, grupo reflexivo

“é um espaço de convívio que propicia uma imersão crítica no cotidiano dos participantes‟, e que tem como metodologia “uma construção interdisciplinar que utiliza instrumentos, sobretudo, dos campos da sociologia, da psicologia e da educação que privilegiam um estreito diálogo entre a teoria e a prática”. INSTITUTO NOOS. Atendimento. Rio de Janeiro. Grupos reflexivos. Disponível em: <http://noos.org.br/portal/atendimentos/>. Acesso em: 16 dez. 2015.

2 MACKENZIE. Programa de Pós-Graduação em Direito Políticos e Econômico. Disponível em:

<http://mackenzie.com.br/stricto_politico_economico.html>. Acesso em 26 mai. 2014

(17)

17 Considerando que a violência contra a mulher revela um padrão de relações desiguais, atingindo diretamente o engajamento e a participação das mulheres na sociedade, tal violência faz com que uma parcela expressiva de cidadãs seja impedida de exercer plenamente sua cidadania.4 Nesse sentido, fica evidente a possibilidade de abordar a questão da violência contra a mulher no âmbito da linha de pesquisa escolhida, até porque, ao promover a reflexão sobre o conceito de cidadania, buscando integrá-lo aos fundamentos e princípios do Estado Social e Democrático de Direito, por essa linha também se reflete em maneiras de se alcançar a promoção da justiça social e da participação política efetiva5, o que pode ser verificado nas políticas de enfrentamento à violência contra a mulher.

Assim, se a grande preocupação de todo esse debate envolve ainda a implementação de políticas públicas, que “exige a atuação racional e planejada do Estado para a realização de programas de ação governamental”6, percebe-se então que, nessas políticas, sobretudo nas que

tratam especificamente da mulher, há a necessidade de que seja incorporada uma perspectiva de gênero que almeje a emancipação social e política das mulheres, bem como a conscientização dos homens.7 Em síntese, a pesquisa deste trabalho pressupõe que a mulher somente alcançará a cidadania plena quando homens e mulheres se unirem contra a desigualdade de gênero.

Por certo, a sociedade tem avançado na concepção a respeito das mulheres, principalmente por meio da luta do movimento feminista, porém o que se pretende analisar vai além de uma compreensão da condição feminina, abrangendo também um olhar sobre as masculinidades. Nesse sentido, entende-se que a violência contra a mulher precisa ser analisada como de fato é: uma relação complexa que envolve vítima e agressor, ou melhor dizendo, mulher em situação de violência e homem autor de violência.

4 Conforme estabelecido no site das Promotoras Legais Populares, projeto que é fruto de um esforço conjunto

entre o Instituto Brasileiro de Advocacia Pública – IBAP, a União de Mulheres de São Paulo e o Movimento do Ministério Público Democrático, para desenvolver a cidadania e a igualdade de direitos, “o acesso à cidadania e suas conseqüências práticas exigem a incorporação de novos conceitos de igualdade e respeito onde as mulheres tenham tanta importância quanto os homens no seu valor humano, social, político e econômico”. PROMOTORAS LEGAIS POPULARES. Quem somos. Projeto Promotoras Legais Populares. Disponível: <http://uniaodemulheres.org.br/blogpromotoras/?page_id=2>. Acesso em: 18 dez. 2015.

5 MACKENZIE. Programa de Pós-Graduação em Direito Políticos e Econômico. A Cidadania Modelando o Estado. Disponível em: <http://www.mackenzie.br/cidadania_modelando_estado.html>. Acesso em 24 mai. 2014.

6Idem, ibidem.

(18)

18 No que tange à estrutura do trabalho em si, para compreender o debate acerca da violência contra a mulher, primeiro, é interessante conhecer a luta das mulheres contra as desigualdades e entender qual a importância do movimento feminista. Por isso, no primeiro capítulo, serão apresentadas algumas considerações a respeito do feminismo, com um panorama dos acontecimentos que possibilitaram a conquista de direitos e deveres pelas mulheres. Além disso, será abordado o uso do conceito gênero nos estudos feministas, o qual mais tarde cria condições para a discussão sobre masculinidades e a forma como elas também são socialmente construídas.

No segundo capítulo, adentrando às discussões sobre violência contra a mulher no Brasil, uma visão geral dos estudos feministas sobre esse assunto será apresentada, e, após, por meio de dados estatísticos e informações gerais do que tem sido realizado, se buscará contextualizar a realidade brasileira. No caso, importa destacar as ações realizadas, principalmente, pela Secretaria de Política para as Mulheres da Presidência da República

(SPM-PR), e mais no âmbito jurídico, a cooperação entre o Poder Judiciário, o Ministério Público, a Defensoria Pública e o Governo Federal, por meio da Campanha Compromisso e Atitude pela Lei Maria da Penha – A lei é mais forte.

Abordando a relação entre violência contra a mulher no Brasil e o Direito, no terceiro capítulo, será traçado um histórico da invisibilidade até a promulgação da Lei nº 11.340, de 7 de agosto 2006, mais conhecida como Lei Maria da Penha (LMP). Para tanto, será apresentada uma análise da violência contra a mulher como violação dos direitos humanos, e nesse sentido será abordado o caso Maria da Penha no âmbito internacional. Diante desse contexto, a Lei propriamente será analisada, percorrendo os avanços jurídicos que a viabilizaram, os principais aspectos e discussões a seu respeito, inclusive o que dispõe acerca dos grupos de reflexão com homens autores de violência.

Ainda por meio de uma análise mais jurídica do fenômeno da violência doméstica, no quarto capítulo, pretende-se apresentar as ações e políticas judiciárias, além da estrutura e demanda judicial no atendimento à violência contra mulher. Porém, como o objetivo não é só avaliar a perspectiva das mulheres em situação de violência, no quinto capítulo, serão analisados os grupos de reflexão com homens autores de violência.

(19)

19 último capítulo se discorrerá, inicialmente, sobre a questão das masculinidades, para em seguida tratar do funcionamento desses grupos, e especificamente da experiência no Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, em São Paulo.

Por fim, ainda no quinto capítulo, serão apresentadas as principais percepções de operadores do direito sobre essa atuação, obtidas por meio de entrevistas e da participação em eventos, revelando se as pessoas que atuam no Poder Judiciário conhecem e o que pensam a respeito. Antes, porém, vale ressaltar que será mencionada a trajetória desta pesquisadora, descrevendo como se deu o primeiro contato com o tema, e as principais etapas até a conclusão desta dissertação, mencionando, inclusive, as impressões após ter participado de uma reunião em um grupo reflexivo. No caso, optou-se por deixar a trajetória ao final, no último capítulo, tendo em vista justamente o caráter empírico da narrativa e das entrevistas.

Em geral, a atuação com homens autores de violência é reflexo de uma mudança de paradigma, e por isso deve ser compreendida, inicialmente, dentro das discussões sobre a desigualdade de gênero. Como se verá, há pessoas interessadas em transformar o caráter machista da sociedade, e que trabalham arduamente para que homens e mulheres tenham consciência de si e entre si, respeitando-se e compartilhando um ambiente sem violência. Somente com uma atuação que envolva os dois lados da relação, isto é, somente quando homens e mulheres se envolverem na desconstrução da violência contra a mulher é que, de fato, se avançará na construção de relações mais justas, iguais e solidárias.89

Assim, já adiantando algumas das considerações finais, esta dissertação se revelou o início de uma pesquisa necessária sobre a relação entre feminismos, masculinidades, violência contra a mulher e o papel do Poder Judiciário. Diante de tamanha complexidade, a conclusão desta pesquisa foi apenas o primeiro desafio, deixando ainda outras questões a serem analisadas e aprofundadas em outra oportunidade.

8Tal como defendido por Saffioti, importante feminista brasileira, “as pessoas envolvidas na relação violenta

devem ter o desejo de mudar”, e não há mudança radical de uma relação violenta, quando se trabalha exclusivamente com a vítima. Aliás é interessante que, segundo ela, “as duas partes precisam de auxílio para promover uma verdadeira transformação da relação violenta”. SAFFIOTI, Heleieth Iara Bongiovani. Gênero, violência e patriarcado. Coleção Brasil Urgente. São Paulo: Editora Persem Abramo, 2004, p. 68.

9 Nesse sentido, cumpre mencionar, o movimento de solidariedade pela igualdade de gênero, HeForShe

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20 1. FEMINISMO E GÊNERO

Este primeiro capítulo visa compreender o que é o feminismo, apresentar um panorama histórico do movimento feminista10 e analisar os principais pontos a respeito do conceito e da teoria de gênero. Espera-se assim contextualizar a questão da violência contra a mulher nas discussões mais gerais que envolvem a luta e o reconhecimento dos direitos das mulheres.

1.1. Conceituando feminismo

Em síntese, feminismo é um termo que traduz um processo histórico de transformação da sociedade, e que busca repensar e recriar a identidade de gênero. Conforme Alves e Pitanguy, não é tão simples defini-lo, pois corresponde a um processo que se iniciou no passado, tem se construído no presente, e ainda não se tem certeza do ponto de chegada. De fato, visto que o movimento feminista atua nos diferentes espaços da vida social, e em todas as esferas existem mulheres buscando redesenhar as relações interpessoais e assim fazer com que o feminino seja mais valorizado na sociedade.11

Desse modo, entende-se que o feminismo busca que as diferenças entre os sexos não se manifestem em relações de poder, para que homens e mulheres não tenham que se adaptar a modelos hierarquizados, e “que a afetividade, a emoção, a ternura possam aflorar sem constrangimentos nos homens e serem vivenciadas, nas mulheres, como não desvalorizados”.12

Enquanto movimento político e social, o feminismo tem como objetivo superar as formas tradicionais de organização, normalmente caracterizadas pela assimetria e pelo autoritarismo do homem sobre a mulher. Nesse sentido, pode-se dizer então que se aproxima de outros movimentos de libertação que buscam a superação das desigualdades sociais,

10 Importa reconhecer que alguns teóricos(a) distinguem movimento de mulheres e movimentos feministas.

Conforme Teles, o movimento de mulheres reivindica direitos e melhores condições, mas difere do feminismo na medida em que este se propõe a combater a discriminação e a subalternidade das mulheres, criando meios para que elas mesmas sejam protagonistas de sua vida e história. Segundo ela, “o movimento de mulheres tem sido um meio privilegiado de difundir e de aplicar o feminismo. O movimento feminista apresenta caráter ideológico, crítico e propositivo quanto às questões de fundo”. TELES, Maria Amélia de Almeida. Feminismo no Brasil: trajetória e perspectivas. In: SOTER (Org.). Gênero e teologia: interpelações e perspectivas. São Paulo: Paulinas. Belo Horizonte: Soter – Sociedade de Teologia e Ciências da Religião. São Paulo: Edições Loyola, 2003, p. 52.

11 ALVES, Branca Moreira; PITANGUY, Jacqueline. O que é feminismo. São Paulo: Ed. Abril cultural:

Brasiliense, 1985, p. 07.

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21 entendendo que a opressão não se resume apenas à questão econômica.13 É o caso da luta contra a discriminação racial, pelos direitos das minorias e das reivindicações estudantis, que “ampliaram o campo do político, alargando a compreensão das contradições sociais para além do estritamente econômico, revelando a existência de outras formas de exercício do poder”.14

Nas palavras de Alves e Pitanguy:

(...) tais movimentos trazem o individual para o campo do político, tornando-o coletivo, demonstrando que o ser social não se esgota na experiência de sua classe. Não é apenas por relações sociais de produção que o indivíduo está impregnado, mas também por relações de sexo, raça, instâncias estas que também se concretizam numa distribuição desigual de poder. 15

Denunciando a desigualdade de gênero, o movimento feminista combate a produção, internalização e reprodução da ideologia de discriminação, e além disso, volta-se para as formas de resistência desenvolvidas pelas mulheres, o que “é importante porque supera o simplismo de análises que colocam a mulher na condição única de vítima passiva ao longo da história”.16

Considerado um movimento de massas, é inegável a força política que possui, pois, voltado para a reivindicação de direitos iguais para as mulheres, nas últimas décadas o feminismo conseguiu romper com algumas das desigualdades mais extremas da sociedade, particularmente no que se refere à igualdade formal,17 com o direito ao voto, à propriedade e o acesso à educação pelas mulheres.18 Como se verá nos próximos tópicos, historicamente, a

13 Alves e Pitanguy apontam os movimentos negros, de minorias étnicas, ecologistas e homossexuais, e afirmam

que existem conexões significativas entre eles, pois se somam na busca por uma nova sociedade. ALVES, Branca Moreira; PITANGUY, Jacqueline. O que é feminismo. São Paulo: Ed. Abril cultural: Brasiliense, 1985, p. 7-8.

14Idem, ibidem, p. 58. 15Idem, ibidem, p. 7-8. 16Idem, ibidem, p. 58.

17Rothenburg explica que “o princípio da igualdade determina um tratamento jurídico de equiparação onde não

houver justificativa para a diferenciação e determina um tratamento jurídico de distinção onde houver motivo suficiente para diferenciar. Não se trata, portanto, de um princípio formal ou neutro, mas de um conteúdo definido pela história e pela ideologia. Cabe ao Direito oferecer técnicas para a destruição das discriminações negativas e para a promoção das discriminações positivas (ações afirmativas). O conceito jurídico de igualdade é um só e abrange as variações de igualdade formal e igualdade material, superando as distinções relativas à teoria e à prática (igualdade formal = igualdade de direito ou de iure/igualdade material = igualdade de fato); geral e específico (igualdade formal = igualdade genérica/igualdade material = igualdade específica); igualdade perante a lei e igualdade na lei (igualdade formal = igualdade perante a lei, igualdade de aplicação, dirigida ao Executivo e ao Judiciário/igualdade material = igualdade na lei, igualdade de formulação, dirigida ao Legislativo); liberal e social (igualdade formal = direito individual de 1ª dimensão/igualdade material = direito social de 2ª dimensão)”. ROTHENBURG, Walter Claudius. Igualdade Material e Discriminação Positiva: O Princípio da Isonomia. NEJ - Novos Estudos Jurídicos, v. 13, n. 2, julho-dezembro/2008, p. 77.

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22 mobilização feminina e sua articulação com a academia conseguiram grandes mudanças em relação à condição inferiorizada das mulheres, porém, ainda há muito para avançar.

Quando se fala em feminismo e movimento feminista, outro aspecto importante a se considerar é que não se trata de um movimento uniforme, na medida em que é constituído por diferentes frentes de luta, variando de acordo com o momento histórico e as características socioeconômicas e políticas das sociedades. Assim, como “não se organiza de uma forma centralizada, e recusa uma disciplina única, imposta a todas as militantes”,19 não é errado

dizer que há feminismos ou movimentos feministas, formados a partir da união de mulheres, que buscam em suas próprias vivências, a solidariedade para juntas lutarem contra a discriminação e subjugação feminina.

Aliás, é importante ressaltar que, apesar das reivindicações dos movimentos feministas consolidarem a ideia de que há uma subordinação feminina, as diversas correntes questionam o caráter natural dessa subordinação, entendendo que não se trata de um dado natural, mas de algo socialmente construído. Nesse sentido, tendo como pressuposto de que aquilo que é construído, pode ser desconstruído e reconstruído, “alterando as maneiras como as mulheres são percebidas seria possível mudar o espaço social por elas ocupado”.20

É evidente que alguns temas têm sido levantados de forma generalizada nas mais diferentes vertentes do feminismo, mas dentre os conceitos e categorias fundamentais, merecem destaque a identidade, a opressão e o patriarcado, pois são categorias que norteiam as reflexões feministas como um todo, e que mais adiante serão utilizadas na discussão teórica sobre violência contra a mulher.

Quanto à identidade, Piscitelli explica que se tornou uma categoria primária do feminismo, a partir do reconhecimento político das mulheres como coletividade. Assim, para além de raça e classe social, segundo uma vertente mais radical do feminismo, as mulheres são oprimidas pelo fato de serem mulheres, sendo o corpo feminino pré-condição para opressão.21 Se, por um lado, a ênfase nos aspectos biológicos é um tanto essencialista, o que é criticado também pela implícita associação apenas à mulher branca e de classe média,22 a

19 ALVES, Branca Moreira; PITANGUY, Jacqueline. O que é feminismo. São Paulo: Ed. Abril cultural:

Brasiliense, 1985, p. 8-9.

20 PISCITELLI, Adriana. Re-Criando a (categoria) mulher? In: ALGRANTI, Leila Mezan (Orgs.). A prática feminista e o conceito de gênero. Departamento de História. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Estadual de Campinas. Textos Didáticos, nº 48, Novembro de 2002, p. 09.

21Idem, ibidem, p. 12.

22 Não se pode deixar de considerar que, no início, a teoria feminista era dominada pela perspectiva das mulheres

(23)

23 formação da categoria “mulher” foi muito útil ao feminismo como um todo, de modo que hoje já se discute uma nova ênfase em sua utilização, mas que não seja contaminada por um “fundacionalismo biológico”.23

No caso, importa esclarecer que, para Nicholson, fundacionalismo e determinismo biológico não correspondem a mesma coisa, e, portanto, embora os dois envolvam a noção entre corpo, personalidade e comportamento, em contraste com o determinismo biológico, no primeiro, a relação entre esses aspectos é mais do que acidental. 24 Compreendendo a discussão acerca da “identidade sexual”, embora não seja entendida em termos puramente fisiológicos, o fundacionalismo biológico é entendido como um obstáculo à compreensão das diferenças entre as mulheres, “conduzindo mais à coexistência entre as diferenças do que a intersecção entre gênero, raça, classe, etc”.25

Nesse sentido, vale mencionar que a literatura feminista aponta o uso do termo „interseccionalidade” para designar justamente a interdependência das relações de poder de sexo/gênero, raça e classe social.26 Há quem considere que refuta ainda a hierarquização de outros eixos de diferenciação, tais como a etnicidade, idade, deficiência e orientação sexual e, por isso, trata-se de uma categoria que leva em conta as “múltiplas fontes da identidade”.27

Desse modo, “a interseccionalidade é vista como uma das formas de combater as opressões múltiplas e imbricadas, e portanto como um instrumento de luta política”.28

Aliás, conforme Alves e Pitanguy ressaltam, a luta contra a discriminação implica na recriação de uma identidade que vai além de hierarquias, para que as diferenças entre os sexos

classe, gênero e raça, para uma compreensão mais concreta da exclusão das mulheres. SOARES, Vera. Muitas faces do feminismo. In: BORBA, Ângela; FARIA, Nalu; GODINHO, Tatau (Orgs.). Mulher e política: Gênero e feminismo no Partido dos Trabalhadores. São Paulo: Fundação Perseu Abramo: 1998, p. 45.

23 PISCITELLI, Adriana. Re-Criando a (categoria) mulher? In: ALGRANTI, Leila Mezan (Orgs.). A prática feminista e o conceito de gênero. Departamento de História. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Estadual de Campinas. Textos Didáticos, nº 48, Novembro de 2002, p. 08.

24 NICHOLSON, Linda. Interpretando o gênero. Revista Estudos Feministas. Florianópolis, Universidade

Federal de Santa Catarina, v. 8, n. 2, 2000, p. 12.

25 PISCITELLI, Adriana. Op. cit.,p. 35.

26 Usado pela primeira vez num texto da jurista afro-americana Kimberlé W. Crenshaw (1989), pode-se dizer

que sua origem remonta ao movimento do final dos anos 1970, conhecido como Black Feminism, e que se voltou de maneira radical contra o feminismo branco, de classe média e heteronormativo. HIRATA, Helena. Gênero, classe e raça: Interseccionalidade e consubstancialidade das relações sociais. Tempo Social. Revista de sociologia da USP, v. 26, n. 1, Junho/2014, p. 62.

27 É interessante notar que, a partir do final dos anos 1970, também foi elaborada a problemática da

“consubstancialidade” de Danièle Kergoat, inicialmente articulando sexo e classe social, e mais tarde, incluindo raça. Nesse sentido, como apontado por Hirata, embora “ambas partam da intersecção, ou da consubstancialidade, a mais visada por Crenshaw no ponto de partida da sua conceitualização é a intersecção entre sexo e raça, enquanto a de Kergoat é aquela entre sexo e classe, o que fatalmente terá implicações teóricas e políticas com diferenças bastante significativas”. De qualquer forma, tanto a interseccionalidade, quanto a consubstancialidade propõem a não hierarquização das formas de opressão. Idem, ibidem, p. 63.

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24 não manifestem em uma relação de dominação, mas de complementariedade, ou seja, em que feminino e masculino não se coloquem como polos opostos, e sim, “como parte da totalidade dialética contraditória, do ser humano”.29

No que diz respeito à opressão, o movimento feminista se divide quanto à percepção das origens e causas da opressão das mulheres, bem como dos diferentes mecanismos de libertação. De acordo com uma vertente socialista do feminismo, a divisão sexual do trabalho tem como base material a estrutura de classes, de modo que haveria verdadeira relação entre a opressão feminina e a formação e desenvolvimento do capitalismo. Ocorre que, se parte dessa corrente entende que apenas em uma sociedade sem classes é possível que a opressão seja superada; outra parte dela critica tal premissa, revelando a existência de hierarquias nas sociedades que implantaram o socialismo.30

Além disso, outra vertente mais radical do feminismo entende que a opressão decorre do processo reprodutivo, tornando as mulheres prisioneiras da biologia e as forçando a depender dos homens. Desse modo, para essa corrente, as mulheres apenas serão livres da opressão quando adquirirem o controle da reprodução, sendo a reprodução artificial um dos mecanismos possíveis para a eliminação da própria distinção sexual. Fica evidente que “o corpo aparece, assim, como o centro de onde emana e para onde convergem opressão sexual e desigualdade”.31

Conforme dito anteriormente, em que pese a ênfase nos aspectos biológicos seja um tanto essencialista, é possível verificar que o desenvolvimento do conceito de opressão gerou um alargamento dos significados do político.32 De acordo com Piscitelli:

(...) ao definir o político de tal maneira que acomodasse as novas concepções de opressão, toda atividade que perpetuasse a dominação masculina passou a ser considerada como política. Nesse sentido, a política passava a envolver qualquer relação de poder, independentemente de estar ou não relacionada com a esfera pública.33

29 ALVES, Branca Moreira; PITANGUY, Jacqueline. O que é feminismo. São Paulo: Ed. Abril cultural:

Brasiliense, 1985, p. 57.

30 PISCITELLI, Adriana. Re-Criando a (categoria) mulher? In: ALGRANTI, Leila Mezan (Orgs.). A prática feminista e o conceito de gênero. Departamento de História. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Estadual de Campinas. Textos Didáticos, nº 48, Novembro de 2002, p. 10-11.

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25 Tendo em vista que esfera pública e privada34 podem corresponder, respectivamente, ao âmbito não-doméstico e doméstico das relações sociais,35 por essa concepção é interessante notar que:

Os homens são vistos como, sobretudo, ligados às ocupações da esfera da vida econômica e política e responsáveis por elas, enquanto as mulheres seriam responsáveis pelas ocupações da esfera privada, da domesticidade e

reprodução. As mulheres têm sido vistas como “naturalmente” inadequadas

à esfera pública, dependentes dos homens e subordinadas à família.36

A partir desse reconhecimento, também é importante considerar que os direitos de privacidade ou do privado nem sempre incluíram todos os membros da família. Como Okin deixa claro, não há qualquer noção de que mulheres e crianças também devessem ter seus próprios direitos à privacidade, o que desencadeia na reflexão feminista sobre a politização do pessoal.37O famoso slogan “o pessoal é político” é uma das afirmações que sustentam a análise sobre as múltiplas conexões entre o papel doméstico desempenhado pelas mulheres e a desigualdade e segregação sofrida por elas, bem como entre a socialização feminina e os aspectos psicológicos de sua subordinação. Aliás, é com base nessas análises que a família e o que acontece dentro dela tem se tornado cada vez mais o foco central da teoria feminista,38 tal como a violência a doméstica e familiar.

A distinção entre público e privado gera outras reflexões, de modo que algumas feministas até argumentam que essa divisão das relações sociais em duas esferas conduz a equívocos, legitimando a estrutura de gênero na sociedade,39 porém o que se pretende enfatizar é que o domínio da vida doméstica não pode ser interpretado sem o domínio da vida

34 Usados principalmente na teoria política, alguns aspectos dos conceitos de esfera pública e privada têm origem

no pensamento grego clássico, mas é no século XVII que se tornam centrais no pensamento político ocidental. De acordo com Okin, argumentos importantes dos debates contemporâneos se sustentam na suposição de que as questões públicas podem ser facilmente diferenciadas das questões privadas, isto é, de que há uma base sólida pra separar o pessoal do político. OKIN, Susan Moller. Gênero, o público e o privado. Revista Estudos Feministas. Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina, v. 16, n. 2, maio-agosto/2008, p. 305.

35 Okin aponta uma multiplicidade de significados para a dicotomia público/privado, abrangendo pelo menos

dois sentidos importantes: um se refere à distinção entre Estado e sociedade, e outro à vida não-doméstica e doméstica. No caso, o presente trabalho analisa o segundo sentido, pois é o que mais se aproxima das discussões acerca da desigualdade de gênero. Idem, ibidem, p. 306.

36Idem, ibidem, 307-308. 37Idem, ibidem, p. 308 e 311. 38Idem, ibidem, p. 313.

39 Conscientes de que a organização atual da sociedade é afetada por essa percepção dicotômica, algumas

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26 não-doméstica, e os acontecimentos da vida pessoal, principalmente nas relações entre os sexos, não são imunes à dinâmica de poder, tipicamente vista como face do político.40

Enfim, quanto ao patriarcado, terceira categoria fundamental do feminismo, da mesma forma que as outras categorias, como a identidade e a opressão, ele não está isento de controvérsias, inclusive dentro da teoria feminista. Se, para algumas teóricas do feminismo, ele corresponde à maneira de captar a profundidade da subordinação feminina e as diversas faces da dominação masculina, para outras, é apenas uma das manifestações históricas de tal dominação, correspondendo a uma forma específica de organização política.

Nesse sentido, uma das vertentes compreende que o patriarcado é uma explicação de origem e causa da subordinação feminina, numa perspectiva de que o relacionamento entre homem e mulher deve ser visto como relação política. Como “idéia global e unitária de poder”, por essa perspectiva, a dominação masculina se manifesta através do tempo e das culturas, formando instituições patriarcais,41 tais como a família tradicional e a divisão sexual do trabalho.

Por outro lado, a partir da consolidação dos estudos feministas, surgiram abordagens heterogêneas e controversas, a ponto de intelectuais optarem por não utilizarem essa categoria, preferindo outras expressões para tratar da condição feminina na sociedade.42 É o caso, por exemplo, de Lobo, que ao tratar, justamente da divisão sexual do trabalho, entende que o uso do conceito “remete a uma forma universal e histórica de opressão, com fortes marcas biologizantes”, produzindo um modelo feminista de base-estrutura, no qual a estrutura fixa não corresponde às relações mutáveis entre homens e mulheres, relações estas que são heranças culturais e institucionais, e que implicam em reciprocidades e antagonismos.43

40 OKIN, Susan Moller. Gênero, o público e o privado. Revista Estudos Feministas. Florianópolis, Universidade

Federal de Santa Catarina, v. 16, n. 2, maio-agosto/2008, p. 314-315.

41 PISCITELLI, Adriana. Re-Criando a (categoria) mulher? In: ALGRANTI, Leila Mezan (Orgs.). A prática feminista e o conceito de gênero. Departamento de História. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Estadual de Campinas. Textos Didáticos, nº 48, Novembro de 2002, p. 14.

42 MORGANTE, Mirela Marin; NADER, Maria Beatriz. O patriarcado nos estudos feministas: um debate teórico. Anais do XVI Encontro Regional de História da ANPDH-Rio. Saberes e práticas científicas. 28 de julho a 1º de agosto de 2014, p. 01.

43 LOBO, Elisabeth Souza. O trabalho como linguagem: o gênero do trabalho. In: COSTA, Albertina de

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27 Ainda a partir de uma análise crítica do patriarcado, Piscitelli entende que embora seu conceito seja útil do ponto de vista da mobilização política, nele há sérios problemas quanto à apreensão da historicidade da condição feminina.44 Segundo ela:

O conceito foi importante na medida em que distinguia forças específicas na manutenção do sexismo e útil, em termos da tentativa feminista de mostrar que a subordinação feminina, longe de ser inevitável, era naturalização de um fenômeno contingente e histórico, era que se o patriarcado teve um início poderia ter um fim.45

Assim, a autora descreve que, “com o decorrer do tempo, o patriarcado passou a ser um conceito quase vazio de conteúdo, nomeando algo vago, que se tornou sinônimo da dominação masculina, um sistema tratado, às vezes, quase como uma essência”, ou seja, “um sistema político quase místico, invisível, trans-histórico e trans-cultural, cujo propósito seria oprimir as mulheres”. 46

Ocorre que, apesar de ser criticado por sua generalidade e concepção essencializante, há intelectuais que sustentam o uso do conceito de forma adjetiva, tal qual família ou ideologia patriarcal, e não como sistema ou organização, denotando o uso na sua forma substantiva.47

Claro que, se relacionado ao conceito weberiano de patriarcado, isto é, como “um tipo de dominação em que o senhor é a lei e cujo domínio está referido ao espaço das comunidades domésticas ou formas sociais mais simples, tendo sua legitimidade garantida pela tradição”, não é possível utilizá-lo diante das delimitações históricas que o tornam apropriado apenas para sociedades anteriores ao capitalismo e à formação do que hoje se entende por Estado.48 No entanto, o termo patriarcado não se restringe à concepção dada por Weber, pois, conforme apontado por Saffioti, “não constitui propriedade da teoria weberiana

44 PISCITELLI, Adriana. Re-Criando a (categoria) mulher? In: ALGRANTI, Leila Mezan (Orgs.). A prática feminista e o conceito de gênero. Departamento de História. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Estadual de Campinas. Textos Didáticos, nº 48, Novembro de 2002, p. 15.

45Idem, ibidem. 46Idem, ibidem.

47 MORGANTE, Mirela Marin; NADER, Maria Beatriz. O patriarcado nos estudos feministas: um debate teórico. Anais do XVI Encontro Regional de História da ANPDH-Rio. Saberes e práticas científicas. 28 de julho a 1º de agosto de 2014, p. 01.

48 CASTRO, Mary G.; LAVINAS, Lena. Do feminino ao gênero: a construção de um objeto. Uma questão de

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28 ou de filiação weberiana”, podendo ser utilizado para designar concepções das relações de gênero, tal como a simbiose entre patriarcado, racismo e capitalismo.49

De fato, não há unanimidade na utilização do conceito de patriarcado, pois “não há, entre as feministas concordância no seu uso”. De qualquer modo, quando em referência ao poder e dominação masculina sobre as mulheres, não discordam por completo.50 Pateman, por exemplo, se utiliza do termo “patriarcado moderno” para tratar do contrato sexual, negligenciado perante o contrato social.51

Ao conceber que “a diferença sexual é uma diferença política”, e que essa diferença é o que distingue liberdade e sujeição, tendo vista que as mulheres são consideradas objeto, e, portanto, não participantes ativas do contrato original, Pateman define contrato sexual como o “meio pelo qual os homens transformam seu direito natural sobre as mulheres na segurança do direito patriarcal civil”.52 Para a autora, a formação do patriarcado moderno é resultado da

sociedade civil contratual, e por isso compreende que “grande parte da confusão surge porque “patriarcado” ainda está por ser desvencilhado das interpretações patriarcais de seus significados”. Ou seja, em sua opinião, “não há nenhum bom motivo para abandonar os termos patriarcado, patriarcal e patriarcalismo”.53

Machado, por outro lado, critica o uso no sentido fixo, universal e totalizante, mas reconhece a possibilidade de se falar em um “patriarcado contemporâneo”.54 É o que sustenta

com a seguinte declaração sobre a utilização do conceito de patriarcado e relações de gênero:

Não propugno a não utilização do conceito de “patriarcado”. Não entendo

que seja inapropriado se falar de uma “patriarcado contemporâneo”. As

relações patriarcais definidas em suas novas formas e na sua diversidade encontram-se presentes na contemporaneidade, mas seu uso implica um sentido totalizador, quer seja na sua versão adjetiva ou substantiva, e empobrece os sentidos contraditórios das transformações. Entendo que as transformações sociais contemporâneas dos lugares das mulheres e dos homens e dos sentidos das diferenças de gênero, fogem ao aprisionamento

do termo “patriarcado”. A utilização de relações de gênero, não define, a

49 SAFFIOTI, Heleieth I. B. Rearticulando gênero e classe social. In: COSTA, Albertina de Oliveira;

BRUSCHINI, Cristina. Uma questão de gênero. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos. São Paulo: Fundação Carlos Chagas, 1992, p. 194.

50 CASTRO, Mary G.; LAVINAS, Lena. Op. cit., loc. cit.

51 PATEMAN, Carole. O contrato sexual. Tradução: Marta Acancini. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993, p.

15-16.

52Idem, ibidem, p. 39. 53Idem, ibidem, p. 02.

54 MACHADO, Lia Zanotta. Perspectivas em confronto: relações de gênero ou patriarcado contemporâneo?

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29 priori, os sentidos das mudanças, e permite construir metodologicamente uma rede de sentidos, quer divergentes, convergentes ou contraditórios.55

Enfim, ao longo de todo o trabalho ainda serão apresentadas outras considerações acerca do conceito e das relações de gênero, mas no que tange ao patriarcado propriamente, desde já se esclarece que esse conceito aparecerá, ora na forma adjetiva, ora substantiva, justamente porque ainda é bastante utilizado nos textos feministas e sobre masculinidades, mas sem grandes distinções dessas duas formas.

Feita essa exposição inicial do feminismo, é possível concluir que, basicamente, trata-se de um movimento heterogêneo que propõe um projeto de sociedade alternativa, batrata-seada em princípios como a igualdade, a equidade e a justiça social56. Em síntese, corresponde a um conjunto de discursos e práticas que dão prioridade à luta das mulheres,57 inclusive no combate à violência, e que se mobiliza para modificar até mesmo a conservadora estrutura jurídica.

1.1.1. Conhecendo a história do movimento feminista

Em que pese o objeto deste trabalho não ser o feminismo, não se pode deixar de tecer mais algumas palavras a seu respeito, agora com enfoque na trajetória de luta das mulheres contra a desigualdade e pelo reconhecimento de seus direitos, pois só assim será possível ter uma noção mais clara do que já se conquistou, do que se tem atualmente e do que ainda é necessário avançar. A partir de um panorama histórico, ainda que breve, serão apontadas lutas e conquistas do movimento de mulheres, e que aos poucos foi se definindo como movimento feminista.

É evidente que a história da mulher, muitas vezes sem a visibilidade merecida na história geral, tem características que perpassam desde a idade antiga até a contemporaneidade. É importante conceber, por exemplo, que na Grécia antiga a mulher ocupava posição equivalente a do escravo, executando apenas os trabalhos que eram desvalorizados pelo homem livre. Eram dessa forma excluídas do mundo do pensamento e do

55 MACHADO, Lia Zanotta. Perspectivas em confronto: relações de gênero ou patriarcado contemporâneo?

Série Antropológica, Brasília, 2000, p. 03.

56 Para uma análise desses conceitos e relação entre eles: AZEVEDO, Mário Luiz Neves de. Igualdade e

equidade: qual é a medida da justiça social? Avaliação: Revista da Avaliação da Educação Superior. Campinas; Sorocaba, SP, v. 18, n. 1, p. 129-150, março/2013.

57 DESCARRIES, Francine. Um feminismo em múltiplas vozes, um movimento em atos: os feminismos no

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30 conhecimento, tão valorizados pela civilização grega, lembrando que, em Atenas, escravos, estrangeiros e mulheres não eram considerados cidadãos.58

No caso, é interessante destacar que havia uma argumentação essencialmente naturalista, de que a mulher foi criada para as funções domésticas, enquanto os homens para todas as demais funções.59 Não muito diferente da discussão anteriormente apresentada sobre a dicotomia público/privado, que ainda restringe a mulher à esfera privada, e que socializa o homem para ocupar o espaço público.

A civilização romana, como mais um exemplo das sociedades antigas, tinha a mulher como um bem de propriedade material do homem. Assim, nessa sociedade, a relação de poder entre os sexos não era de complementariedade, mas de domínio e submissão, de coerção e resistência.60

No caso, como o Direito brasileiro é essencialmente baseado no Direito romano, cumpre mencionar que até pouco tempo atrás o instituto jurídico do pátrio poder (pater famílias) era o que regia as relações familiares, resquício justamente dessa concepção romana de desvalorização da mulher.61 Por esse instituto, todo o poder, não apenas sobre a mulher, mas também, sobre filhos, servos e escravos, pertencia aos homens, e por isso, como apontado por Alves e Pitanguy, “o Direito aparece, assim, nitidamente, como um instrumento de perpetuação desta assimetria, legitimando a inferioridade da posição social da mulher romana”,62 crítica que ainda pode se aplicar ao Direito dos dias atuais sem muita dificuldade.

Como o objetivo deste trabalho não é traçar um percurso histórico com todos os delineamentos, e sim, apenas apresentar os principais aspectos da história das mulheres, um salto histórico para os primeiros séculos da Idade Média se faz necessário, por se tratar de um período marcado por muitos conflitos, guerras e longas viagens dos homens, que levaram as

58 ALVES, Branca Moreira; PITANGUY, Jacqueline. O que é feminismo. São Paulo: Ed. Abril cultural:

Brasiliense, 1985, p. 11.

59Alves e Pitanguy descrevem que Xenofonte, no século IV A.C., afirmou que “os Deuses” criaram a mulher

para as funções domésticas, e o homem para todas as outras. Idem, ibidem, p. 12.

60Idem, ibidem, p. 15.

61 Até 2002, quando o Código Civil em vigor foi editado, o homem era considerado o chefe da família, e o poder

sobre os filhos menores era chamado de “pátrio poder”. Bertolin e Carvalho explicam que antes, sob a vigência do Código Civil de 1916, em seu texto original, o art. 380 determinava que o pátrio poder cabia ao homem, e na sua ausência, à mulher. Posteriormente, o Estatuto da Mulher Casada (Lei nº 4.121/1962) passou a afirmar que competia ao pai, que deveria exercê-lo com a colaboração de sua mulher. Hoje, não se fala mais em pátrio poder, mas em poder familiar, “que é (ou deveria ser) exercido por ambos os pais, em regime de estreita colaboração, conforme estabelece o art. 226, § 5º, da Constituição da República)”. BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins; CARVALHO, Suzete. A segregação ocupacional da mulher: será a igualdade jurídica suficiente para superá-la? In: BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins; ANDREUCCI, Ana Claudia Pompeu Torezan (Orgs.). Mulher, Sociedade e Direitos Humanos. São Paulo: Rideel, 2010, p. 184.

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31 mulheres a assumirem as responsabilidades de sustento da família. Nesse sentido, vale apontar que “historicamente, a maior participação da mulher na esfera extradoméstica esteve sempre ligada ao afastamento do homem por motivo de guerras”.63

Desse período, há registros de mulheres atuando nas corporações de ofício como aprendizes, e excepcionalmente como mestres; e exercendo tarefas ditas masculinas, como a serralheria, carpintaria e comércio. Porém, ressalta-se que o trabalho feminino tinha menor remuneração, o que provocou até certa hostilidade dos trabalhadores homens, diante da competição que rebaixava o nível dos salários em geral. Ao explicar essa situação, Alves e Pitanguy revelam que, no ano de 1344, em Londres, a corporação de alfaiates proibiu seus membros de empregarem mulheres que não fossem suas esposas ou filhas.64

Por outro lado, no campo da educação, afirmam que é possível encontrar registros de mulheres frequentando a universidade por volta do século XIV, matriculadas em cursos como Medicina e Direito. É evidente que, se comparado aos homens, o número de mulheres estudando era muito inferior, mas já era um passo para a conscientização de pelo menos uma pequena parcela da sociedade sobre a condição social da mulher.65

De qualquer modo, os estudos ou mesmo a intensa participação no mercado de trabalho não conferiram prestígio às mulheres, e como exemplo da desqualificação que sofreram durante esse período, é possível mencionar o movimento que ficou conhecido como “caça às bruxas”. Estigmatizadas como instigadoras do mal, muitas mulheres foram implacavelmente perseguidas, gerando um verdadeiro genocídio.66 Sobre esse episódio na história das mulheres, Alves e Pitanguy afirmam que:

Existe, nessa perseguição, às “feiticeiras”, um elemento claro de luta pela

manutenção de uma posição de poder por parte do homem: a mulher, tida como bruxa, supostamente possuiria conhecimentos que lhes confeririam espaços de atuação que escapavam ao domínio masculino.67

63 ALVES, Branca Moreira; PITANGUY, Jacqueline. O que é feminismo. São Paulo: Ed. Abril cultural:

Brasiliense, 1985, p. 16-17.

64Idem, ibidem, p. 17-18.

65 Ainda no século XIV, Christine de Pisan, escritora francesa, tornou-se a primeira mulher a ser indicada poeta

oficial da corte, pode ser considerada como uma das primeiras feministas, no sentido de ter um discurso conscientemente articulado em defesa dos direitos da mulher. No caso, ela polemizou com escritores de renome na época, defendendo a igualdade entre os sexos, afirmando a necessidade de se dar às meninas uma educação idêntica à dos meninos. Uma de suas obras é “A Cidade das Mulheres”, onde afirma serem homens e mulheres iguais por sua própria natureza, refuta as generalizações que imputam inferioridade ao sexo feminino e condena a dupla moral, pela qual o mesmo ato é crime quando praticado pela mulher e apenas pequeno defeito quando pelo homem. Idem, ibidem, p. 18-19.

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