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Medicalização social (I): o excessivo sucesso do epistemicídio moderno na saúde.

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Academic year: 2017

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1 Depar t am en t o de Saú de Pú blica, Un iver sidade Feder al de San t a Cat ar in a, SC. <ch ar lest esser @ccs.u f sc.br > Rua Sebastião Laurentino da Silva, nº 1307

Córrego Grande – Florianópolis, SC Brasil - 88.037-400

T ESSER, C. D. Soci al m edi cali zat i on ( I ) : t h e exagger at ed su ccess of m oder n ‘epi st em i ci de’ i n h ealt h . I n t er f ace -I n t er f ace -I n t er f ace -I n t er f ace -I n t er f ace -Co m u n i c., Saú de, Edu c.

Co m u n i c., Saú de, Edu c. Co m u n i c., Saú de, Edu c. Co m u n i c., Saú de, Edu c.

Co m u n i c., Saú de, Edu c., v.1 0 , n .1 9 , p .6 1 -7 6 , j an / j u n 2 0 0 6 .

T h e pr ocess of soci al m edi cali zat i on i n Br azi l i s i n t en se an d i m por t an t f or t h e SUS ( Un i f i ed Healt h car e Syst em ) - par t i cu lar ly t h e PSF- an d f or Collect i ve Healt h . T h e pu r pose of t h i s ar t i cle i s t o r ef lect on t h i s pr ocess f r om a cr i t i cal an d “ di agn ost i c” per spect i ve. T o t h i s en d, a f r ee ou t li n e of I lli ch ’s ( 1 9 7 5 ) i deas on t h e t opi c i s

pr esen t ed, f ollowed by an i n t er pr et at i on of h i s t h ou gh t s f r om Fleck’s ( 1 9 8 6 ) epi st em ologi cal poi n t of vi ew. M edi cali zat i on cu lt u r ally t r an sf or m s popu lat i on s, r edu ci n g t h ei r abi li t y t o f ace m ost of t h e ever yday i lln esses an d pai n s au t on om ou sly. T h e con sequ en ce i s an abu si ve an d cou n t er pr odu ct i ve con su m pt i on of bi om edi cal ser vi ces, gen er at i n g depen den cy an d ali en at i on . Accor di n g t o Fleck, i t i s t h e pr edi ct able con sequ en ce of t h e f ast an d f or ced soci ali zat i on of t h e bi om edi cal st yl e of t h ou g h , wh i ch i s cen t er ed on con t r ol an d h et er on om ou s act i on s an d i n t er pr et at i on s. T h i s m en t ali t y was spr ead t o popu lat i on gr ou ps t h at ar e n ot ver y m oder n an d t h at ar e m u lt i cu lt u r al an d of var i ou s et h n i ci t i es, t h i s bei n g t h e case of t h e vast m aj or i t y of t h e Br azi li an p eo p l e.

KEY WORDS: dr u g u t i li zat i on . kn owledge. Fam i ly Healt h Pr ogr am .

O pr ocesso de m edi cali zação soci al n o Br asi l é i n t en so e i m por t an t e par a o SUS ( especi alm en t e o PSF) e a Saú de Colet i va. O obj et i vo dest e ar t i go é r ef let i r sobr e t al pr ocesso, n u m a per spect i va cr ít i ca e “ di agn óst i ca” . Par a i sso, é apr esen t ada u m a sín t ese li vr e de i déi as de I lli ch ( 1 9 7 5 ) sobr e o t em a, segu i da de u m a

i n t er pr et ação do m esm o a par t i r da con cepção epi st em ológi ca de Fleck ( 1 9 8 6 ) . A m edi cali zação t r an sf or m a cu lt u r alm en t e as popu lações, com u m declín i o da capaci dade de en f r en t am en t o au t ôn om o da m ai or par t e dos adoeci m en t os e das dor es cot i di an as. I sso desem boca n u m con su m o abu si vo e con t r apr odu t i vo dos ser vi ços bi om édi cos, ger an do depen dên ci a excessi va e ali en ação. Vi st a pelas i déi as de Fleck, ela é a pr evi sível

con seqü ên ci a da soci ali zação f or çada e aceler ada do est i l o d e p en sa m en t o bi om édi co ( cen t r ado n o con t r ole, n as ações e i n t er pr et ações h et er ôn om as) par a con t i n gen t es popu laci on ai s pou co m oder n i zados, plu r i ét n i cos e m u lt i cu lt u r ai s, com o a m ai or i a da popu lação br asi lei r a.

PALAVRAS-CHAVE: u so de m edi cam en t os. con h eci m en t o. Pr ogr am a Saú de da Fam íli a.

Medicalização social (I):

Medicalização social (I):

Medicalização social (I):

Medicalização social (I):

Medicalização social (I): o excessivo

sucesso do epist emicídio moderno na saúde

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I n t r o d u ç ã o I n t r o d u ç ã oI n t r o d u ç ã o I n t r o d u ç ã o I n t r o d u ç ã o

M u it o sin t et icam en t e, o pr ocesso de m edicalização social pode ser vist o com o a expan são pr ogr essiva do cam po de in t er ven ção da biom edicin a por m eio da r edef in ição de exper iên cias e com por t am en t os h u m an os com o se f ossem pr oblem as m édicos.

I llich ( 1 9 7 5 ) an alisou e cr it icou a m edicalização social qu e se aceler ava em su a época, ain da m ais acir r ada n o in ício dest e sécu lo XXI . I m pu t ou à in st it u cion alização, in du st r ialização e expan são da biom edicin a

t r an sf or m ações sociocu lt u r ais e polít icas n egat ivas. Su a an álise m an t ém -se at u al em vár ios aspect os, apesar do seu t om agr essivo, t en do sido

r ein t er pr et ada e r evalor izada r ecen t em en t e por Nogu eir a ( 2 0 0 3 a) . No Br asil, o r ecen t e in vest im en t o do SUS n a r ede básica e n o Pr ogr am a de Saú de da Fam ília ( PSF) au m en t ou o con t in gen t e de pr of ission ais de saú de e seu con t at o com a popu lação, am plian do pot en cialm en t e o acesso e o con t at o das popu lações com a at en ção à saú de biom édica. Est e f at o t or n a a qu est ão da m edicalização social u m t em a can den t e e u r gen t e par a a Saú de Colet iva, par a a edu cação per m an en t e dos pr of ission ais de saú de e par a su a at u ação cot idian a, par t icu lar m en t e par a as equ ipes de PSF ( e de t oda a r ede básica) .

O obj et ivo dest e ar t igo é discu t ir algu n s aspect os do pr ocesso de m edicalização social or a em vigor n o Br asil, com o con t r ibu ição par a u m a m elh or com pr een são da r elevân cia do pr oblem a. I sso é par t icu lar m en t e im por t an t e em r azão do f at o de as ações cot idian as de pr of ission ais m édicos e equ ipes de saú de da r ede básica ser em at ivos e in t en sos agen t es desse pr ocesso ( T esser , 1 9 9 9 ) . Nu m a an alogia com o j ar gão m édico, est e ar t igo discu t ir á u m “ diagn óst ico” , m as n ão en t r ar á n a con st r u ção de est r at égias par a o “ t r at am en t o” , dado seu lim it e de espaço.

Par a r ealizar est e obj et ivo, ser á in t r odu zida a visão illich ean a da qu est ão, por m eio de u m a sín t ese livr e da m esm a, sob a per spect iva da pr át ica de at en ção à saú de n a r ede básica, a qu al in du z u m a f ocalização m aior n o qu e I llich ( 1 9 7 5 ) ch am ou de “ iat r ogên ese cu lt u r al” desvian do, assim , de qu est ões m acr opolít icas, econ ôm icas e cor por at ivas, as qu ais n ão ser ão abor dadas em pr of u n didade. A segu ir , u m a an álise do pr ocesso de m edicalização social ser á esboçada a par t ir das idéias epist em ológicas de Lu dwik Fleck ( 1 9 8 6 ) , pr eviam en t e in t r odu zidas, de m odo a r essit u ar a visão illich ean a e in dicar algu m as con seqü ên cias pr át icas da m edicalização social par a a r ede básica do SUS. I sso per m it ir á delin ear , ao f in al, est r at égias de ação e de pesqu isa su ger idas par a o m an ej o das qu est ões discu t idas.

Par t e-se da h ipót ese de qu e as idéias epist em ológicas de Fleck ( 1 9 8 6 ) – r elat ivam en t e pou co con h ecidas e qu e abor dam pr ecisam en t e as

t r an sf or m ações dos saber es por in t er m édio de ext r at os sociocogn it ivos dist in t os –, podem en r iqu ecer a com pr een são do pr ocesso de m edicalização social, f or n ecen do r elevan t es con t r ibu ições à Saú de Colet iva.

So b r e a m ed i cal i zação So b r e a m ed i cal i zaçãoSo b r e a m ed i cal i zação So b r e a m ed i cal i zação So b r e a m ed i cal i zação2

Há t r in t a an os, I van I llich ( 1 9 7 5 ) lan çou a cr ít ica m ais con t u n den t e at é en t ão em pr een dida con t r a a m edicin a m oder n a, en volven do seu s aspect os cu lt u r ais, econ ôm icos, sociais e polít icos. M ais do qu e u m a cr ít ica à

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m edicin a, pelo qu e f icou con h ecido, o au t or descr eveu u m m ovim en t o cu lt u r al cu j as dim en sões são, h oj e, globais.

Su a pr in cipal obr a, “ A expr opr iação da saú de: n êm esis da m edicin a” , dizia qu e a m edicin a in st it u cion alizada t r an sf or m ou -se n u m a am eaça à saú de. Af ir m ava qu e est a am eaça se dá pela dif u são de t r ês t ipos de

iat r ogên ese3: a iat r ogên ese clín ica, qu e se con st it u i n os dan os ao in divídu o

ocasion ados pelo u so da t ecn ologia m édica, diagn óst ica e t er apêu t ica. A segu n da ser ia a iat r ogên ese social, r ef er en t e ao ef eit o social dan oso do im pact o da m edicin a, qu e ger a u m a desar m on ia en t r e o in divídu o e o seu gr u po social, r esu lt an do em per da de au t on om ia n a ação e n o con t r ole do m eio, expr opr iação da saú de en qu an t o r espon sabilidade das pessoas e dissem in ação do papel de doen t e com o com por t am en t o apassivado e depen den t e da au t or idade m édica ( Nogu eir a, 2 0 0 3 a) . E, por f im , a iat r ogên ese cu lt u r al: a dest r u ição do pot en cial cu lt u r al par a lidar

au t on om am en t e com boa par t e das sit u ações de en f er m idade, dor e m or t e. Segu n do Nogu eir a ( 1 9 9 7 , 2 0 0 3 a) , est a f oi a gr an de n ovidade

in t r odu zida por I llich : a am pliação do con ceit o de iat r ogên ese par a abar car pr ocessos dif u sos e su b-r ept ícios de m edicalização da sociedade. I llich , m er gu lh ado n o con t ext o con t r acu lt u r al da época, f oi r elat ivam en t e pou co con sider ado pela academ ia e pela saú de pú blica4, sej a pelo r adicalism o de

su a cr ít ica, af r on t oso à su bj et ividade m édica pr esen t e n os san it ar ist as, sej a pela in f lu ên cia m ar xist a n a ár ea n a su a época.

Com o se pode en t en der a m edicalização? Em qu e ela con sist e? Um a br eve discu ssão sobr e a dor e o adoecim en t o ilu st r a o pr oblem a. Par a a

biom edicin a, a dor “ é u m d os si n t om a s m a i s com u n s, d en u n ci a n d o l esões

or g â n i ca s q u e d et er m i n a m o f en ôm en o r ef l exo, e, em m en or f r eq ü ên ci a , exp r i m i n d o a or i g em p si cóg en a . É u m a sen sa çã o d esa g r a d á vel ( ...) , u m f en ôm en o n eu r ol óg i co r ef l exo” ( Ram os Jr , 1 9 7 3 , p.1 6 ) . An alogam en t e, as

doen ças

são coi sas, de exi st ên ci a con cr et a, f i xa e i m u t ável, de lu gar par a

lu gar e de pessoa par a pessoa; elas se expr essam por u m

con j u n t o de si n ai s e si n t om as, qu e são m an i f est ações de lesões,

qu e devem ser bu scadas do âm ago do or gan i sm o e cor r i gi das

por algu m t i po de i n t er ven ção con cr et a.

( Cam ar go Jr , 1 9 9 3 , p.1 3 )

M as par a qu em a sof r e, a dor é bem m ais do qu e ist o, assim com o as en f er m idades são m u it o m ais do qu e os cr it ér ios e saber es m édicos. Elas podem t er vár ias f acet as, sim u lt an eam en t e dif er en t es, in t en sas e

ver dadeir as: u m valor in t r ín seco n egat ivo, f at o qu e design a a exper iên cia da abolição da in t egr idade do in divídu o con sigo m esm o e/ ou com seu m eio. Assim , a dor gan h a car át er t r ágico, por t an do cer t ezas excepcion ais. De valor in com u n icável, e igu alm en t e in con t est ável, é t am bém in acessível ao t er m o qu e a design a clin icam en t e, n ão poden do, por t an t o, ser en qu adr ada em cat egor ia algu m a. Dif er en t em en t e de ou t r os m ales, n ão adm it e dist in ção en t r e cau sa n ociva e exper iên cia pen osa, f ican do o in divídu o n a solidão de su a exper iên cia pessoal e ú n ica ( I llich , 1 9 7 5 ) .

3 I l l i ch u sa o t er m o “ iat r ogen êse” com sen t i do der i vado do u so com u m do t er m o m édico “ iat r ogen ia” : pr odu ção de ef ei t os delet ér i os sobr e a saú de devi dos à ação m édica.

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Par adoxalm en t e, apesar da in com u n icabilidade da dor , a cer t eza de su a exist ên cia ( possível) n o ou t r o é u m a ver dade de t ipo igu alm en t e

excepcion al. A per cepção da dor n o ou t r o den ot a u m a ver dade t am bém in qu est ion ável: a cer t eza de qu e o ou t r o é capaz dest a exper iên cia. I sso acom pan h a a cer t eza de qu e ele é h u m an o ( I llich , 1 9 7 5 ) .

Assim , a dor pode ser ch an ce de en volvim en t o m ais ín t im o do doen t e con sigo m esm o, seu m eio, su a vida. T al en volvim en t o pode ser – e am iú de é – t er apêu t ico; dele pode a pessoa sair m ais f or t e, m ais au t ôn om a, m ais r espon sável por si m esm a e per an t e a vida e o sof r im en t o dos ou t r os. M as par a u m a m elh or com pr een são do pr oblem a da dor e do adoecim en t o, é n ecessár io in clu ir n essa discu ssão o con t ext o sociocu lt u r al em qu e ela ocor r e.

A sen sação da dor é pr ovocada por m en sagen s r ecebidas n o cér ebr o. No en t an t o, a exper iên cia da dor , a qu e I llich r eser va o t er m o sof r i m en t o, depen de em qu alidade e in t en sidade de ou t r os f at or es, in depen den t e da n at u r eza e da in t en sidade do est ím u lo n er voso. Lin gu agem , an siedade, at en ção e in t er pr et ação são algu n s desses f at or es qu e dão f or m a à dor e por m eio dos qu ais agem , com o det er m in an t es sociais, a ideologia, as

est r u t u r as econ ôm icas, as car act er íst icas sociais, as cr en ças e as con cepções sobr e o m u n do e o h om em . Desse m odo, é a cu lt u r a qu e or ien t a o sen t ido dado ao in divídu o à exper iên cia da dor e do adoecim en t o. Por t an t o, u m a dor é vivida e se con st it u i em sof r im en t o se est iver in t egr ada n u m a

cu lt u r a. Ju st am en t e pelo f at o de a cu lt u r a f or n ecer u m qu adr o qu e per m it e or gan izar o viven ciado, ela é con dição in dispen sável ao desen volvim en t o da “ ar t e de sof r er ” . For n ece elem en t os par a veicu lar a dor , os son s, as palavr as e os gest os qu e aliviam e per m it em a com u n icação, o diálogo qu e liga a vít im a ao seu m eio. En f im , a cu lt u r a f or n ece a m at r iz explicat iva, os m it os, o u n iver so sim bólico qu e explica a exist ên cia da dor e a ela dá sen t ido.

I llich localiza o com eço da lu t a ociden t al con t r a a dor em Descar t es, qu e separ a o cor po da alm a, con st r u in do u m m odelo em t er m os de geom et r ia, m ecân ica e r eloj oar ia sem elh an t e a u m a m áqu in a qu e pode ser r epar ada por u m en gen h eir o. No f im do sécu lo XI X, a dor est ava em an cipada de t odo r ef er en cial m et af ísico. Desde en t ão, ocor r eu u m a gr an de vir ada da m edicin a ociden t al r u m o à an algesia, qu e se in ser e den t r o de u m a r eavaliação

ideológica da dor e do sof r im en t o, a qu al se r ef let e n a cu lt u r a e em t odas as in st it u ições con t em por ân eas. Par a o au t or , a dor e su a elim in ação por con t a in st it u cion al adqu ir ir am lu gar cen t r al n a an gú st ia do n osso t em po. O pr ogr esso da n ossa civilização t or n a-se sin ôn im o de r edu ção de

sof r im en t o, m edian t e a t en t at iva de elim in ação ou sedação de dor es e sin t om as e con t r ole dos r iscos e doen ças cr ôn icas. Assim , a dor , a doen ça e seu s r iscos com eçam a ser vist os pr im eir o com o a con dição dos h om en s a qu em a cor por ação m édica n ão con cedeu o ben ef ício de su a caixa de f er r am en t as ( I llich , 1 9 7 5 ) .

Ao viver em u m a sociedade qu e valor iza a an est esia e a sedação de

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pacien t e, pode at é r econ h ecer sin t om as e f azer diagn óst icos cor r et os, m as n ão com pr een der á n ada do sof r im en t o dele.

En t r et an t o, o desen volvim en t o da f acu ldade de obj et ivação da dor e dos sin t om as em ger al é u m dos r esu lt ados ( per segu idos) da f or m ação

cien t íf ica dos m édicos. Seu s est u dos os in cit am a con cen t r ar a at en ção n os aspect os classif icáveis e m an ipu láveis da dor e dos ou t r os sin t om as. O at o m édico vai, assim , r edu zin do-se a u m a in t er ven ção m ecân ica. E a

in t er r ogação essen cial é t r an sf or m ada em vaga an siedade qu e se pode f acilm en t e r edu zir ou dissolver por m eio de an siolít icos “ ef icazes” ( I llich , 1 9 7 5 ) .

Além disso, h oj e a pr of issão m édica decide qu ais as dor es ou doen ças au t ên t icas, as im agin adas ou sim u ladas. Os t er m os com qu e o m édico-pr of essor explica aos seu s alu n os a n at u r eza da dor gan h am em édico-pr ecisão obj et iva, e os t er m os de r ef er ên cia su bj et iva com os qu ais os pacien t es se esf or çam par a discer n ir e dar sign if icado par a seu s padecim en t os esvaziam -se e per dem -seu poder de com u n icação, -sen do en golidos e

m et am or f oseados pelo en t en dim en t o e u so m édicos. A sociedade r econ h ece est e j u lgam en t o pr of ission al e ader e a ele. A dor obj et iva pode vir a ser sof r im en t o apen as at r avés do olh ar de u m a pessoa, m as at u alm en t e é o olh ar pr of ission al qu e m ais det er m in a a r elação do pacien t e com a su a exper i ên ci a.

A in st it u cion alização da dor e dos adoecim en t os r ef let e-se n a lin gu agem e m u da o sen t ido das palavr as. A dor cor por al é in dicada por u m a lit an ia de t er m os qu e design am o abor r ecim en t o, f adiga, pu n ição, af lição, t r abalh o pen oso, pr ovação, agon ia, cu lpa, ver gon h a, t or t u r a, m edo, an siedade, t r ist eza, depr essão, opr essão, con f u são, doen ça, et c. M as o sen t ido em qu e a palavr a “ dor ” é em pr egada cor r et am en t e n u m a sala de cir u r gia design a algu m a coisa qu e n ão t in h a n om e especial par a as ger ações passadas. A palavr a est á m edicalizada por seu em pr ego pr of ission al e se r edu z à design ação da par t e da sen sação sobr e a qu al o m édico pode af ir m ar a su a com pet ên cia e o seu con t r ole.

Par a I llich , as cu lt u r as t r adicion ais t or n avam o h om em r espon sável por seu com por t am en t o sob o im pact o da dor . T or n avam -n a su por t ável e “ en f r en t ável” , in t egr an do-a n u m sist em a car r egado de sen t ido. Hoj e, a m edicalização da lin gu agem , da r espost a à dor e aos sin t om as em ger al est á em vias de det er m in ar con dições sociais qu e par alisam ou dim in u em a capacidade de r eagir au t on om am en t e f r en t e à dor ou sof r ê-la. O t ecido de r espost as or gân icas, pessoais, em ocion ais e sociais à dor , pr opiciado pelas cu lt u r as, est á em vias de se desf azer ( ou j á est á se desf azen do) , “ d e se

t r a n sf or m a r em u m a d em a n d a g er a l d e g est ã o t écn i ca d a s sen sa ções, d a s exp er i ên ci a s e d o p or vi r i n d i vi d u a i s” ( I llich , 1 9 7 5 , p.1 2 8 ) .

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con f or t o, dist r ação e esper an ça) e o con h ecim en t o cu lt u r al sobr e a saú de ( t r adicion al, popu lar ou de ou t r as m edicin as) , de ger ações an t er ior es e do en t or n o social do doen t e ( f on t e de t r at am en t o in t egr ado à cu lt u r a e à vida do pacien t e e dos seu s) , t r an sf or m am -se em vir t u des obsolet as e m u it as vezes in desej adas.

Sem m at r iz cu lt u r al ou con h ecim en t o qu e pr opiciem ou t r a saída, os pacien t es apr en dem a con ceber su a pr ópr ia dor ou adoecim en t o com o f at o clín ico obj et ivo, qu e pode ser su bm et ido a t r at am en t o “ est an dar dizado” . Cr esce, assim , u m pr ocesso cíclico em qu e o in divídu o apr en de a se ver com o con su m idor de an est esias, sin t om át icos, qu im iot er ápicos e cir u r gias.

Por ou t r o lado, e coer en t em en t e, a “ saú de” passa a ser en car ada com o obr igação, em t er m os de com por t am en t os pr escr it os por pr of ission ais da ár ea, scr een i n g s per iódicos especializados, gest ão pr of ission alizada e, m esm o, qu im iot er ápica dos r iscos; u m a obsessão do cidadão m oder n o t r an sf or m ado em con su m idor de especialist as, p er son a l t r a i n er s, academ ias e, m ais r ecen t em en t e, “ est at in as”5, con f or m an do o qu e

Nogu eir a ( 2 0 0 3 a) ch am ou de h i g i om a n i a m oder n a, cr it icada t am bém por I llich n os seu s escr it os post er ior es ao Nêm esi s.

Segu n do I llich , essa sit u ação ch ega a pon t o de ger ar u m decr éscim o ger al n o qu e ch am ou de ín dice de boa saú de: a capacidade de m an t er , in t er vir e t r an sf or m ar , de f or m a au t ôn om a e socialm en t e com par t ilh ada, a pr ópr ia vida e o m eio em qu e se vive, com vist as a pr eser var e ou au m en t ar o gr au de “ liber dade vivida” .

É clar o qu e t odo h om em t em dir eit o ao con h ecim en t o e à m oder n a t écn ica cien t íf ica e in du st r ial, n ão só m édica, e às in f or m ações sobr e os ben ef ícios e per igos das dr ogas e pr ocedim en t os u sados n a m edicin a. M as esses pr ogr essos, n a gr an de m aior ia das vezes, só lh e f avor ecem a saú de n a m edida em qu e alar gam su a capacidade e r espon sabilidade dian t e de si m esm o e dos qu e sof r em ( I llich , 1 9 7 5 ) .

T odavia, par a u m m elh or en t en dim en t o da cr ít ica illich ean a ao dom ín io das ações h et er ôn om as em saú de-doen ça, deve-se levar em con t a seu con ceit o de con t r apr odu t ividade. A con t r apr odu t ividade en volve a idéia de u m a f er r am en t a qu e passa a pr odu zir ef eit os par adoxais, oper an do con t r a o obj et ivo im plícit o em su a f u n ção: o au t om óvel qu e pr odu z

con gest ion am en t os, a escola qu e in ibe t alen t os, o h ospit al qu e f avor ece a doen ça. I sso pode ocor r er por excesso de pr odu ção da f er r am en t a e/ ou por m on opolização da su a f u n ção.

A con t r apr odu t ividade é u m a f r u st r ação social in t er n a ao u so da f er r am en t a. Seu s cu st os n ão podem ser ext er n alizados, n em pode o con su m idor r ecor r er a ou t r a f on t e de ser viços ( ou t r o h ospit al, por exem plo) , por qu e as con dições sociais de pr of ission alização e do

in st it u cion alism o f azem com qu e t odos oper em sob a m esm a lógica. Ela vem da dest r u ição de cer t as con dições cu lt u r ais e psicológicas qu e possibilit am a pr odu ção au t ôn om a de valor es de u so, por f or a dos

esqu em as m er can t is e pr of ission ais qu e h oj e os m on opolizam . As pessoas t or n ar am -se con dicion adas a obt er em vez de f azer , a com pr ar em vez de cr iar : em saú de, n ão qu er em m ais cu r ar -se, m as ser em cu r adas ( Nogu eir a, 2 0 0 3 a) .

(7)

A par t ir de cer t o lim iar de expan são da pr odu ção h et er ôn om a, o equ ilíbr io sin ér gico en t r e as ações de saú de au t ôn om as ( r ealizadas pelo in divídu o ou seu s par es n o seu m eio social au t óct on e) e as ações h et er ôn om as ( r ealizadas e con t r oladas por agen t es pr of ission ais in st it u cion alizados) é r om pido in t er n am en t e, ao passo qu e a

con t r apr odu t ividade com eça a cr escer e a expan dir -se, r et r oalim en t an do posit ivam en t e a pr odu ção de ações h et er ôn om as. A con seqü en t e expan são da pr odu ção h et er ôn om a ger a m ais con t r apr odu t ividade, e am bas, por su a vez, ger am a ilu são da n ecessidade de m ais ação h et er ôn om a par a cor r igir os ef eit os in desej áveis e par adoxais pr odu zidos. Per de-se, assim , a aj u da m ú t u a, a sin er gia posit iva en t r e as ações h et er ôn om as e au t ôn om as, cr ian do-se u m cír cu lo vicioso con t r apr odu t ivo.

No caso da at en ção à saú de, a ação especializada, em vez de pr om over a au t on om ia do doen t e, par a qu e est e possa n ecessit ar m en os de n ovas ações h et er ôn om as e m elh or u su f r u ir de ações even t u ais ou n ecessár ias, dest r ói a au t on om ia, r eivin dican do su bm issão, alim en t an do a depen dên cia e a

com pu lsão ao con su m o, ger an do m ais dem an da por at en ção h et er ôn om a, com pr om et en do, por f im , a su a pr ópr ia ef et ividade e ef icácia ger al.

As i d éi as d e Fl eck As i d éi as d e Fl eck As i d éi as d e Fl eck As i d éi as d e Fl eck As i d éi as d e Fl eck

O en f oqu e illich ean o, apesar de su as valiosas pist as par a a abor dagem do t em a ( aqu i n ão discu t idas6) , par ece n ão t er m obilizado su f icien t em en t e a

at en ção da Saú de Colet iva, dos gest or es do SUS e do en sin o m édico n as ú lt im as décadas.

Par a ilu m in ar a qu est ão da m edicalização de f or m a dist in t a, pode-se pen sá-la com base n as idéias epist em ológicas de Lu dwik Fleck ( 1 9 8 6 ) sobr e os est i l os e col et i vos d e p en sa m en t o e o m et abolism o do saber qu e ocor r e por m eio dos cír cu los sociocogn it ivos do colet ivo ger al de u m est ilo de p en sam en t o7.

Um est ilo de pen sam en t o é u m con j u n t o en t r elaçado de t r adição, valor es, cr en ças m et af ísicas, m odelos abst r at os, r epr esen t ações sim bólicas, m ét odos e exem plos de pr ocedim en t os, apr en didos por sem elh an ça e in iciação ao m odo t r adicion al ( ext r acien t íf ico) , qu e os m em br os de u m colet ivo de pen sam en t o com par t ilh am par a det er m in ada ação, pr oj et o ou in t er esse específ ico8.

Os est ilos de pen sam en t o, ao m esm o t em po em qu e coagem e dir ecion am o pen sam en t o, a per cepção e a cogn ição, t êm u m a f u n ção pedagógica essen cial ao pr opor cion ar u m cor po de ver dades, valor es e m ét odos pr on t os qu e viabilizam a in t r odu ção dos n ovat os n o est ilo do pen sam en t o. Além disso, exer cem u m a f u n ção sociocogn it iva e psicológica de per m it ir a coalizão dos par t icipan t es em t or n o de cer t a r ealização in t elect u al, t ecn ológica, cu lt u r al et c. Par a Fleck, os est ilos de pen sam en t o são u n idades de an álise f u n dam en t ais par a a com pr een são da con st r u ção e t r an sf or m ação do saber e sin t et izam em si f at or es de or dem

sociopsicológica, cogn it iva, h ist ór ica, f ilosóf ica e cu lt u r al.

Segu n do o au t or , algo com o u m “ m et abolism o” psico-sócio-cogn it ivo do saber desen r ola-se en t r e os cír cu los sociocogn it ivos de u m colet ivo de pen sam en t o por t ador de u m est ilo. T oda a base de u m saber especializado 6 A esse r espeit o, vide

Nogu eir a ( 2 0 0 3 a) .

7 Par a u m a apr esen t ação m ais det al h ada das i déi as de Fleck ( 1 9 8 6 ) , vide Tesser ( 2 0 0 4 , cap.1 , p.9 3 -1 0 7 ) .

8 A con ceit u ação de

est ilos d e pen sa m en t o de Fleck gu ar da est r eit a sem elh an ça, coer ên cia e an alogia com os p a r a d i g m a s de Ku h n ( 1 9 8 7 , 1 9 8 9 ) , em bor a sej a bem m ai s ger al. Os par adigm as podem ser

con sider ados casos par t icu lar es de est ilos de pen sam en t o, pr opost os por Ku h n par a a at i vi dade cien t íf ica. Um a com u n idade cien t íf ica ser ia u m caso par t icu lar de u m colet i vo por t ador de u m est i l o de

(8)

der iva do sen so com u m , da cu lt u r a ger al, dos ext r at os exot ér icos de qu alqu er est ilo de pen sam en t o, qu e f or n ece o sen so de con f ian ça, as con cepções ger ais de m u n do e u n iver so, a est abilidade em ocion al das cer t ezas eviden t es por si sós. Esse saber e algu m as par t es dele são r econ st r u ídos, elabor ados, sof ist icados e t r an sf or m ados pelos cír cu los pr ogr essivam en t e m ais esot ér icos ( especializados) de u m est ilo de pen sam en t o, escr u t in ados pelos in t er esses, m ét odos, valor es e t écn icas desen volvidos por esses cír cu los, gan h an do n ova dim en são, m u it as vezes ger an do n ovos saber es e con cepções, per m it in do descober t as,

especializações, ef icácias, n ovas idéias e t ecn ologias. Est as per m it ir ão n ovas pr át icas sociais qu e podem , agor a, f azer o cam in h o de volt a ao m u n do exot ér ico ( social ger al) e o in f lu en ciar .

Nesse cam in h o de volt a, os saber es de n ovo se t r an sf or m am , f ican do m ais sim ples, dogm át icos e esqu em át icos. Af ast ado do cen t r o esot ér ico em dir eção à per if er ia exot ér ica, o saber f ica f or t em en t e dom in ado por u m gr af ism o em ot ivo qu e con f er e a ele segu r an ça su bj et iva do eviden t e. O saber exot ér ico car act er iza-se pela om issão dos det alh es e u m a valor ização apodídica qu e con sist e n o sim ples aceit ar ou r ech açar cer t os pon t os de vi st a.

Um a vez est abelecido f ir m em en t e n o saber exot ér ico e popu lar at é qu e se t or n e u m a coer ção do pen sam en t o, o saber r et or n a ao especialist a com o u m f u n do cu lt u r al, per cept ivo e cogn it ivo, com o aqu ilo qu e é pu r a

evidên cia, qu e n ão se pr ecisa m ais pr ovar n em se pode m ais qu est ion ar -aqu ilo qu e n ão se pode pen sar de ou t r o j eit o. Dest a m an eir a, f ech a-se o cír cu lo da depen dên cia in t r acolet iva do saber .

No caso da biom edicin a, discu t ida por Fleck, os cír cu los exot ér icos são os pacien t es dessa m edicin a, u n s m ais ou t r os m en os exot ér icos, con f or m e seu gr au de af in idade e de socialização n o saber biom édico. Os cír cu los m ais esot ér icos, os n ú cleos cen t r ais dest es cír cu los, são os gr u pos de cien t ist as “ de pon t a” ou de excelên cia, qu e se debr u çam sobr e det er m in ados

pr oblem as, t em as ou in vest igações. Os m édicos clín icos est ão localizados n a per if er ia dos cír cu los esot ér icos, em ext r at os in t er m ediár ios, j á qu e

in iciados n o est ilo de pen sam en t o e h abilit ados com o pr at ican t es -por t an t o, social e est ilist icam en t e especializados - m as n ão t ão especializados n a pr odu ção de saber com o os cien t ist as.

A t r an sf or m ação do saber pelos cír cu los eso-exot ér icos de u m colet ivo de pen sam en t o, com o descr it a por Fleck n o caso da ciên cia, per m it e algu m a com pr een são da din âm ica de t r an sf or m ações in t en sas por qu e passa a popu lação br asileir a, h oj e, n o seu con t at o com a biom edicin a, ou sej a, en qu an t o cír cu lo bem exot ér ico desse saber / pr át ica.

(9)

n a per spect iva est ilíst ica) . Com o discu t i em ou t r os m om en t os ( T esser , 2 0 0 4 , 1 9 9 9 ; T esser & Lu z, 2 0 0 2 ) , isso t em im por t ân cia n a m edicalização social cot idian a e em vár ios dilem as ét icos, t écn icos, t er apêu t icos e

r elacion ais n a pr át ica biom édica da at en ção à saú de.

Fl eck e a m ed i cal i zação Fl eck e a m ed i cal i zação Fl eck e a m ed i cal i zação Fl eck e a m ed i cal i zação Fl eck e a m ed i cal i zação

Passados os r adicalism os da con t r acu lt u r a ( de I llich ) e cer t as cr en ças ou sim plif icações do m ar xism o an t er ior à qu eda do m u r o de Ber lim , podem -se con sider ar os ef eit os con st r u t ivos e, par a algu n s, desej áveis da

m edicalização social. É possível, t am bém , an alisar os f u n dam en t os epist em ológicos da m esm a e con sider ar su a ir r ever sibilidade r elat iva, en qu an t o con st r u ção cu lt u r al em aceler ado an dam en t o n o Br asil - j á qu e a m aior ia da popu lação, m or ador a em cen t r os u r ban os, n os ú lt im os an os, t em algu m con t at o com a biom edicin a por m eio do SUS. É n esse sen t ido qu e en saio u m a pequ en a an álise n as lin h as qu e se segu em .

I n icialm en t e, é pr eciso esclar ecer e r esgat ar cer t os pr essu post os e cr en ças ilu m in ist as, r acion alist as e m oder n as sobr e a at u ação h ist ór ica e social da ciên cia, par a qu e se possa con sider ar a m edicalização social n o seu con t ext o desej ável, com o u m su post o pr oj et o m oder n o de em an cipação social ou , ao m en os, de m u dan ça cu lt u r al em saú de-doen ça, cen t r ada n o saber cien t íf ico.

A ciên cia n asceu e se dif er en ciou de t odos os ou t r os saber es qu er en do ser su per ior , ú n ica e exclu siva. Con segu iu at in gir seu s obj et ivos em gr an de m edida, em bor a par cialm en t e. A ver acidade é, h oj e, m on opólio da ciên cia n a ár ea da saú de, n o ociden t e.

“ O p r i vi l ég i o ep i st em ol óg i co d a ci ên ci a m od er n a é p r od u t o d e u m

ep i st em i cíd i o” ( San t os, 2 0 0 0 , p.2 4 2 ) de ou t r as f or m as de saber e f azer

en t r elaçadas com valor es, t ecn ologias, m odos de vida, cu lt u r as e sociedades diver sas das vigen t es n a sociedade m oder n a ( e pós-m oder n a) eu r opéia ou , r ecen t em en t e, n or t e-am er ican a. Assim , a h om ogen eização dos saber es em saú de-doen ça, cen t r ada n o saber cien t íf ico, n as su as t ecn ologias cor r elat as ( in du st r ializadas) , n o pen sam en t o m oder n o e su a n oção de pr ogr esso, é sau dada com o u m a vit ór ia, u m a gr an de r ealização, par a os def en sor es da su per ior idade cien t íf ica.

T odavia, essa h om ogen eização dos saber es cu lt u r ais em saú de, se é f or t em en t e pr om ovida pela m ídia, pelo con t at o com a biom edicin a e pela globalização, dá-se de f or m a assín cr on a e desar m ôn ica em r elação aos pr ocessos de socialização social e econ ôm ica n o t er ceir o-m u n do e n o Br asil. Além disso, a cu lt u r a eu r opéia ( e n or t e-am er ican a) , de m odo ger al, n ão se expan de em u m vazio cu lt u r al ou sociot écn ico, ao con t r ár io. En con t r a, com bat e, dom in a, dest r ói, t r an sf or m a e con st r ói por sobr e u m a popu lação h et er ogên ea, com cu lt u r a m est iça su list a pobr e ( por oposição ao n or t e r ico) , plu r iét n ica, m u lt icu lt u r al e, em boa m edida, sin cr ét ica, com saber es e f azer es m ais ou m en os pr ópr ios e diver sos.

A socialização am pla do est ilo de pen sam en t o biom édico em n osso país só pode se dar n a per if er ia exot ér ica do seu colet ivo, on de a sim plif icação, o pr agm at ism o e a t r an sf or m ação dos saber es são in evit áveis e sof r em

(10)

r epr esen t ações, r eligiões e cr en ças popu lar es do Br asil.

As pessoas n ão-eu r opéias ( lat in o-am er ican as, af r ican as, asiát icas e m est iças) , im er sas em r edes sociot écn icas9 dist in t as, par t icipan t es de

cír cu los exot ér icos ( qu an do n ão esot ér icos) de colet ivos de pen sam en t os diver sos, por t am valor es e r epr esen t ações com pou ca sem elh an ça ou af in idade com o est ilo de pen sam en t o biom édico.

Assim , os cidadãos pobr es br asileir os, m al-alf abet izados, em pr in cípio, car r egam u m im agin ár io de cr en ças, r epr esen t ações, valor es e cosm ologias em saú de-doen ça m u it o m ais dist in t os do est ilo de pen sam en t o biom édico do qu e os cír cu los exot ér icos da biom edicin a, por exem plo, n a Eu r opa – on de a alf abet ização, a escolar ização e a in ser ção cu lt u r al e social do saber cien t íf ico são m ais velh as e m ais capilar m en t e dif u n didas n a popu lação. I n evit avelm en t e, n o Br asil, o con t at o exot ér ico com t al est ilo im plica m aior es m et am or f oses de sen t ido, m aior sim plif icação e m aior gr au e var iedade de “ an om ias viven ciais” n as in t er pr et ações e n os t r at am en t os m édicos dos adoecim en t os, bem com o r elevan t es con f lit os de vár ias n at u r ezas, além de u m a m aior dif icu ldade com u n icacion al en t r e o cu r an deir o biom édico e os doen t es ( ou u su ár ios) , com discr epân cias de valor es e dissen sos sim bólicos, ger alm en t e an t it er apêu t icos e pou co pr om ot or es de saú de ou au t on om ia.

M edian t e o m odelo de Fleck, t or n a-se com pr een sível a per spect iva popu lar qu e pode par ecer absu r da a u m a pr im eir a vist a. Por der ivar de ou t r os cír cu los exot ér icos, socializados em m eios sociocu lt u r ais n ão-in t elect u ais n em cien t if icizados, f ascão-in ados pela ver são m idiát ica m ilagr osa da pr opagan da cien t íf ica, pr ession ados pela globalização, pr ecar iedade da m or adia e do em pr ego, violên cia, pobr eza e pelo desem pr ego, a m aior ia dos br asileir os n ão poder ia m esm o agir de ou t r o m odo. Su plica por u m a vaga n os ser viços, au m en t a as f ilas dos pacien t es do SUS, par a t odos e qu aisqu er adoecim en t os, t r an st or n os e qu eixas.

En sin ados a esqu ecer , m en ospr ezar e desqu alif icar t odos os cabedais de saber es au t óct on es par a in t er pr et ação e m an u seio dos adoecim en t os e sof r im en t os vividos; en sin ados a bu scar n a cau sa biológica e n o t r at am en t o qu im iot er ápico/ cir ú r gico a solu ção de t odos os m ales; en sin ados a esper ar do especialist a e dos exam es com plem en t ar es a elu cidação e a cu r a de t u do, os doen t es agem coer en t em en t e.

A biom edicin a, por su a vez, en sin a essas lições aos doen t es n o dia-a-dia da clín ica ( T esser , 1 9 9 9 ) , por in t er m édio de u m dos in st r u m en t os m ais poder osos em qu alqu er sit u ação ou t r adição: o exem plo. Os biom édicos, eles m esm os, pr at icam esses en sin am en t os, con f or m e seu est ilo de pen sam en t o en sin a, e assim ger am par a si u m excesso de dem an da qu e en cobr e, por u m lado, seu s pr ópr ios lim it es e, por ou t r o, desvia a at en ção de m édicos e doen t es das in f lu ên cias com plexas sociopsicológicas,

am bien t ais, espir it u ais e econ ôm icas sobr e a vida e o adoecim en t o das p essoas.

Os ot im ist as do desen volvim en t o econ ôm ico t alvez ar gu m en t assem qu e, com m ais em pr egos, m ais san eam en t o, m ais edu cação, m ais escolar ização, essas m azelas do su bdesen volvim en t o ser iam equ acion adas. T odavia, as r edes sociot écn icas da biom edicin a, de or dem m er cadológica e com er cial, os

(11)

valor es e as cu lt u r as r em an escen t es do pr ocesso colon ialist a n ão par ecem in dicar t an t o ot im ism o e esper an ça a cu r t o ou m édio pr azo. Em t odo o caso, en qu an t o o m ilagr e m oder n o ( ou pós-m oder n o) n ão ch ega, cabe-n os a con sider ação das r ealidades pr esen t es e su as t en dên cias.

Do pon t o de vist a do pr oj et o polít ico da ciên cia, a m edicalização social n ão só é desej ável com o pode ser con sider ada u m a vit ór ia da m oder n idade e da biociên cia. Nessa per spect iva, é o su cesso do pr oj et o polít ico-cu lt u r al e epist em ológico da socialização ger al do saber cien t íf ico pelo m u n do, qu e n ão pode ocor r er sen ão por m eio do con t at o dos seu s pr ópr ios cír cu los in t er m ediár ios e exot ér icos com as con st elações cu lt u r ais e de saber es, de vár ios t ipos, dos doen t es e das popu lações, ain da plu r ais n o Br asil. Devido às pecu liar idades polít ico-epist em ológicas da biom edicin a e ao seu su cesso n a lu t a pelo “ m on opólio epist em ológico” in st it u cion al, est e con t at o, obt ido n o m u n do ociden t al e expan dido com a globalização, é dom in ador , desqu alif icador e epist em icida, com o se m im et izasse, em alt a velocidade e com m u it o m ais con t r apr odu t ividade, a socialização qu e a biociên cia viveu em sécu los passados n a Eu r opa.

T r at a-se, por t an t o, de u m pr ocesso colossal de epist em icídio pr ogr essivo de saber es e est ilos de pen sam en t o em saú de-doen ça, m ais ou m en os est r u t u r ados, e de pr át icas dilu ídas n as cu lt u r as, popu lações e su bcu lt u r as, im por t an t es par a o m an ej o au t ôn om o dos pr oblem as em saú de-doen ça, agor a em r ápida t r an sf or m ação ou ext in ção par cial. Um pr ocesso cu j a con seqü ên cia é a h om ogen eização - pau t ada pela h et er on om ia - dos

saber es/ pr át icas em saú de-doen ça ( e m odos de vida em ger al) , cr it icada por Feyer aben d ( 1 9 9 1 ) , par t icu lar m en t e qu an t o ao seu pr essu post o f u n dador e j u st if icador , t r an sf or m ado em m it o n a m oder n idade: a idéia dissem in ada da su per ior idade epist em ológica t ot al da biociên cia e su a biom edicin a.

Ou t r o aspect o a ser r essalt ado é qu e o est ilo de pen sam en t o dessa m edicin a pr odu z e por t a u m con h ecim en t o basicam en t e de t er ceir a pessoa ( par a u sar u m j ar gão epist em ológico at u al) , cu j a t r adição r eser va t oda com pet ên cia epist em ológica e t ecn ológica par a os pólos esot ér icos de si m esm a; ou sej a, ela é calcada n a in t er pr et ação e in t er ven ção h et er ôn om as especializadas e su per especializadas, n o con t r ole h et er ôn om o.

De m odo qu e é coer en t e com a socialização gen er alizada dessa t r adição o at u al desen r olar sociocu lt u r al exot ér ico do saber / f azer em saú de-doen ça, o qu al se car act er iza por u m a pr ogr essiva in com pet ên cia epist em ológica cíclica por par t e das pessoas e m esm o, em cer t o gr au , dos m édicos, a per if er ia exot ér ica dos cír cu los esot ér icos. O pólo exot ér ico t r an sf or m a-se pr ogr essivam en t e em con su m idor de t ecn ologias biom édicas

in du st r ializadas, o in t er m ediár io ( o pr of ission al clín ico) em con su m idor de saber es e pr escr it or dessas t ecn ologias ou com por t am en t os.

Par adoxalm en t e, o pr ogr esso em an cipador da ciên cia par ece t er , em par t e, saído pela cu lat r a, ao m en os par a os qu e acr edit avam ou acr edit am n essa pr om essa ou pot en cialidade em an cipador a do pr ocesso sociocogn it ivo ci en t íf i co.

(12)

par t icipa do r ever so de seu su post o pr oj et o em an cipador : a con st r u ção da in com pet ên cia epist em ológica m oder n a em saú de-doen ça de t odas as pessoas, por m eio da m edicalização social, do excesso de su cesso da socialização do saber biocien t íf ico e das t ecn ologias cien t íf icas n essa ár ea.

Por ou t r o lado, ao se levar em em con t a as r edes sociot écn icas qu e se or gan izar am e est ão en volvidas n a con st r u ção e su st en t ação da

biom edicin a, pode-se obser var o lado exit oso de u m pr oj et o sociocogn it ivo e polít ico, agor a sem cr en ças in gên u as n em cr ít icas r aivosas ou

excessivam en t e m ilit an t es. Nesse sen t ido, u m pr oj et o de desen volvim en t o de r elações sociais e pr át icas de saber es em saú de-doen ça baseados

essen cialm en t e n as r elações de con su m o ( n o sen t ido econ ôm ico, capit alist a, do t er m o) pode ser vislu m br ado.

Nesse aspect o, est á en volvida a aceler ação da socialização de pr át icas cien t íf icas, cen t r adas n o con t r ole h et er ôn om o, o m aior valor ao r edor do qu al se or gan iza a ciên cia, segu n do Lacey ( 1 9 9 8 ) . Um valor

em in en t em en t e polít ico, m as t am bém social e psicológico, e cu r iosam en t e n ão-cogn it ivo1 0. O qu e par ecia r adicalm en t e agr essivo e pessim ist a, a

con st r u ção da in com pet ên cia epist em ológica m oder n a, t or n a-se, agor a, in st r u m en t o de socialização aceler ada, de com plexif icação e ext en são das r edes sociot écn icas dos in su m os e das t ecn ologias biom édicas, de in clu são e ger ação de con su m idor es qu e n em din h eir o par a o con su m o t êm – m as o SUS f in an ciar á gr an de par t e do t r at am en t o. Depen dên cia e in com pet ên cia são r equ isit os bem -vin dos par a au m en t ar a ext en são da r ede biom édica ( cien t íf ica e in du st r ial) de con t r ole dos r iscos e das doen ças, ao passo qu e t oda a con t r apr odu t ividade ser á debit ada n a con t a alh eia, at r ibu ída às m azelas da “ f alt a de edu cação” dos pacien t es.

I sso é com pr een sível m edian t e a visão de Lat ou r ( 2 0 0 0 a) sobr e a

separ ação m oder n a en t r e t eor ia e pr át ica: en qu an t o n o alt o da lim pidez das t eor ias t u do vai bem , n o m u n do in depen den t e da pr át ica, vai se

con st r u in do u m a vida m ais t en sa, con t r olada e h om ogên ea, m ais pobr e e dif ícil, par a a m aior ia da popu lação, em qu e as r edes sociot écn icas do m er cado e da biom edicin a ( su pon do est a em algu m gr au separ ada daqu ele) se expan dem por t odo país, m edicalizan do-o.

O poder est en de-se e cen t r aliza-se ( Lat ou r , 2 0 0 0 b) , a ir r espon sabilidade cr esce at é n ão poder ser m ais r econ h ecida, at é t or n ar -se h egem ôn ica e dom in ar o t ôn u s ét ico-m or al dessa t r adição m oder n a r ecen t e de cu r an deir os of iciais. As con seqü ên cias, m azelas, os ef eit os, est r agos e r epar os ser ão f eit os por ou t r os, de ou t r o t em po, ou t r a disciplin a, ou t r a especialidade. O m eio en t r e a “ n at u r eza biológica das doen ças” ( saber cien t íf ico sobr e u m a su post a n at u r eza et er n a sem h ist ór ia) e a sociedade ( cu lt u r a) , o lu gar n ão-m oder n o on de t u do ocor r e, é o m eio t en so em qu e se dá a m edicalização social aqu i r evisit ada.

Segu n do Hösle ( a p u d M ü ller , 1 9 9 6 ) , t r ês são os post u lados f u n dam en t ais da m oder n idade: o in f in it ism o cien t íf ico ( a cr iação de m et an ecessidades a ser em sat isf eit as por u m a m ediação t écn ica cada vez m ais com plexa e cu st osa, n a depen dên cia cr escen t e de apar elh os e t ecn ologia cien t íf ica) ; o pr in cípio do ver u m f a ct u m ( só o qu e é t ecn icam en t e f eit o pelo h om em é ver dadeir o, o qu e pr oclam a a

1 0

I sso val e a pen a ser r essalt ado por qu e gr an de par t e da epi st em ol ogi a l ou va e adm ir a a ciên cia por seu s valor es cogn it ivos ( com o, por exem plo, adequ ação em pír ica, consist ência, sim plicidade, f ecu n di dade, poder explicat ivo, ver dade) , con si der an do t odos os ou t r os t i pos de val or es por ven t u r a

(13)

con st r u t ividade essen cial da ciên cia - e a dest r u t ividade dela par a o qu e n ão é ela m esm a) ; e o pr ogr am a car t esian o de t r an sf or m ação da qu alidade em qu an t idade, cor por if icado n a h egem on ia das m et odologias das ciên cias n at u r ais n a biom edicin a. Esses post u lados dão u m a idéia da con ot ação exit osa do pr ocesso de m edicalização social, o qu al é plen am en t e coer en t e com o desdobr am en t o sociocu lt u r al exot ér ico dos m esm os n a ár ea da saú de. Bem com o deixam en t r ever as con exões r ecípr ocas en t r e ciên cia, t écn ica e capit alism o, con f igu r an do r edes sociot écn icas r elat ivam en t e pou co explor adas e an alisadas, en t r e n ós, n a ár ea da saú de.

Co n seq ü ên ci as p ar a a at en ção b ási ca d o SUS Co n seq ü ên ci as p ar a a at en ção b ási ca d o SUS Co n seq ü ên ci as p ar a a at en ção b ási ca d o SUS Co n seq ü ên ci as p ar a a at en ção b ási ca d o SUS Co n seq ü ên ci as p ar a a at en ção b ási ca d o SUS

O desf ech o pr át ico do pr ocesso de m edicalização social, pr ecocem en t e descr it o por I llich e ilu m in ado pelas idéias de Fleck, m ost r a qu e gr ipes, r esf r iados, lu t os, pequ en as con t u sões e f er im en t os, t r ist ezas, cr ises de r elacion am en t o sen t im en t al, f am iliar e con j u gal, dor es ocasion ais, r ecor r en t es ou cr ôn icas, m or t es e n ascim en t os, cr ises exist en ciais et c., passam a ser ver t igin osam en t e m edicalizados, car en t es de in t er pr et ação e pr escr ição m édica ou de especialist a sim ilar .

Assim , u m dos su bpr odu t os eviden t es da m edicalização social, visível par a t odos os qu e t r abalh am ou t êm con t at o com o dia-a-dia da at en ção à saú de n os ser viços pú blicos, é a bola de n eve cr escen t e e in f in dável da dem an da espon t ân ea por at en ção m édica par a t odos os t ipos de pr oblem as, qu eixas, dor es e in côm odos. Fen ôm en o com plexo, de m ú lt iplos e am plos det er m in an t es, qu e, cada vez m ais, t em exigido espaços de acolh im en t o “ r esolu t ivo” , de at en ção m édica, adm in ist r ação e t r iagem das f ilas. I sso f az com qu e o t em a sej a can den t e n a pr át ica, n o cot idian o dos ser viços do SUS, n a r ede básica e n as equ ipes de PSF.

T al f en ôm en o associa-se a vár ias epidem ias de adoecim en t os et iqu et ados n o saber exot ér ico, qu e avassalam os ser viços pú blicos: dor es in con t áveis, depr essões, t en din it es, pân icos, h iper t en sões, sin u sit es, vir oses, gr ipes, aler gias dos m ais var iados t ipos et c. Esses adoecim en t os são

sim u lt an eam en t e r eais e ar t if iciais, j á qu e a popu lar ização dos diagn óst icos f or ça u m a h om ogen eização pr ecoce das h ist ór ias clín icas e dos diagn óst icos sobr e elas pr odu zidos, ao m esm o t em po em qu e as con dições de vida e t r abalh o im post as pela globalização pr ession am e degr adam a sit u ação de saú de da m aior ia da popu lação.

I sso sign if ica u m a in f in idade de n ovos pr oblem as de saú de, cr ian do u m a dem an da cr escen t e e pr at icam en t e im possível de se r esolver por m eio das t ecn ologias h abit u ais da at en ção biom édica ( qu im iot er apia e cir u r gias) , com o t em sido f eit o, sen ão m edicalizan do t u do cada vez m ais, ger an do au m en t o de dem an da n o f u t u r o pr óxim o, au m en t an do a

con t r apr odu t i vi dade.

Por f im , pode-se con sider ar qu e a an álise pr eceden t e su ger e u m a du pla est r at égia diagn óst ica da sit u ação, ao m esm o t em po assist en cial e de pesqu isa, in spir ada em Boaven t u r a San t os ( 2 0 0 4 ) : con sider ar a biom edicin a ( e su a socialização) in dispen sável par a o m u n do

(14)

iat r ogen ia cu lt u r al e con t r apr odu t ividade en volvidos n o seu exer cício con t em por ân eo i n st i t u ci on al .

I n dispen sável por qu e j á est á legit im ada social e cu lt u r alm en t e n as popu lações e est r u t u r as sociais do ociden t e e det ém poder social in édit o com o ú n ica r ef er ên cia epist em ológica. Além disso, por qu e j á n ão se sabe m ais o qu e f azer sem ela par a m u it as sit u ações e pr ovavelm en t e t en h a con t r ibu ído sobr em an eir a, de m u it as f or m as, par a o t r at am en t o de vár ios adoecim en t os, par t icu lar m en t e os “ gr aves” .

Essa m edicin a é in adequ ada por qu e cen t r ada n o con t r ole h et er ôn om o, vin cu lado com r edes e f or ças de poder social e econ ôm ico m er can t is, e qu e solapam ou dif icu lt am a au t on om ia, alim en t an do a depen dên cia das pessoas, m edicalizan do-as. Por ou t r o lado, seu est ilo de pen sam en t o é r edu cion ist a e m ecan icist a em excesso, pou co sen sível a m u it os

adoecim en t os de dif ícil en qu adr am en t o, par a os qu ais n ão pr opor cion a in t er pr et ação coer en t e qu e f or n eça sen t ido par a a vivên cia do adoecim en t o e par a u m a t er apêu t ica ef et iva, acessível, su st en t ável e qu e r ef or ce a

au t on om i a ( T esser , 1 9 9 9 ) .

Pode-se, assim , pr opor a t ese da in dispen sabilidade e in adequ ação ou in com plet u de da biom edicin a e su a socialização am pla. Abr e-se, com isso, o desaf io de se t en t ar algu m gr au de in t er ven ção ou dir ecion am en t o n o pr ocesso de m edicalização, t an t o n a assist ên cia in dividu al e m icr ocolet iva de pequ en a escala - PSF, r ede básica - com o n o SUS em ger al.

I sso dem an da pr odu ção de con h ecim en t o par a a com pr een são do pr ocesso e con st r u ção de pr oj et os de in vest igação e ação. Dem an da,

t am bém , clar eza sobr e o poder da ação m edicalizan t e da at en ção básica, qu e agor a pode en t r ar n os dom icílios at en didos pelas equ ipes do PSF. E,

par t icu lar m en t e, su põe con h ecim en t o sobr e o m od u s op er a n d i da at u ação dos m édicos e seu s saber es sobr e a cu lt u r a em saú de dos u su ár ios, sem pr e em algu m gr au r econ st r u ída a cada in t er ação u su ár io-ser viço ou m édico-p aci en t e.

Nesse sen t ido, a n ova pr oxim idade e in t er ação per m it ida pelo PSF é u m a f aca de dois gu m es: pode ser u m a ch an ce par a a r eor ien t ação da

m edicalização e r econ st r u ção da au t on om ia, m as t am bém , e f acilm en t e, pode con st it u ir -se em u m a n ova f or ça m edicalizador a poder osa.

A con st r u ção de sabedor ias par a o m an ej o dessa com plexa qu est ão n o dia-a-dia dos ser viços é u m desaf io qu e f ica aqu i apen as r egist r ado. Pen san do n ele, par a f in alizar , esboço u m balizam en t o qu e su ger e t r ês f r en t es de at u ação e pesqu isa par a o “ t r at am en t o” do pr oblem a. A pr im eir a é a cr ít ica, a r essign if icação e r econ st r u ção do saber e das pr át icas t ípicas da biom edicin a, su a r ef or m a por den t r o. Desaf io par a a f or m ação e a edu cação per m an en t e em saú de, especialm en t e o en sin o m édico.

A segu n da é a abor dagem , o r esgat e e o est u do das m edicin as n ão-cien t íf icas, m ais ou m en os com plexas e/ ou t r adicion ais, com o pot en ciais par ceir as a at en u ar , ilu m in ar e r elat ivizar a in adequ ação da m edicin a cien t íf ica. Elas podem ser f u t u r os e valiosos par ceir os da t r adição

biom édica, da Saú de Colet iva e do SUS n o cu idado à saú de. Par t icu lar m en t e, por h ipót ese, qu an t o à pr om oção da saú de, à evit ação da m edicalização excessiva e da con t r apr odu t ividade específ ica da biom edicin a1 1.

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A t er ceir a f r en t e en volve a r econ st r u ção da r elação do saber biocien t íf ico com a vida cot idian a e com os saber es vár ios dissem in ados n a sociedade, os qu ais n ão devem ser apen as desqu alif icados, com o t em ocor r ido em gr an de m edida. As post u r as biom édicas, em r egr a, são dom in adas pelo viés da h et er on om ia t ot al e pelo pr econ ceit o cien t if icist a qu e só valor iza o saber su per esot ér ico cien t íf ico, desqu alif ican do t odo o r est o. É pr eciso su per ar a t en dên cia con t r olist a, da clín ica biom édica e saú de pú blica, de pen sar os su j eit os e gr u pos sociais apen as pelo lado da su a su bm issão e “ ader ên cia” .

Essas f r en t es de t r abalh o con st it u em desaf ios su ger idos par a se lidar com o pr oblem a da m edicalização social, car en t es de m elh or

desen volvim en t o, t an t o par a o t r abalh o assist en cial n a r ede básica e PSF, qu an t o in st it u cion al, n os vár ios n íveis do SUS – par a o qu e se esper a con t r ibu ir em br eve.

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El pr oceso de m edi cali zaci ón soci al en Br asi l es i n t en so e i m por t an t e par a el Si st em a Ún i co de Salu d ( SUS) , en especi al par a el PSF ( Pr ogr am a Salu d de la Fam i li a) y la Salu d Colect i va. El obj et i vo de est e ar t ícu lo es r ef lexi on ar acer ca de t al pr oceso, desde u n a per spect i va cr ít i ca y “ di agn óst i ca” . Por lo t an t o, se pr esen t a u n a sín t esi s li br e de las i deas de I lli ch ( 1 9 7 5 ) acer ca del t em a, y despu és u n a i n t er pr et aci ón del m i sm o a par t i r de la con cepci ón epi st em ológi ca de Fleck ( 1 9 8 6 ) . La m edi cali zaci ón t r an sf or m a

cu lt u r alm en t e a las poblaci on es, t r ayen do u n a di sm i n u ci ón de la capaci dad de en f r en t am i en t o au t ón om o de la m ayor ía de las en f er m edades ( t r ast or n os) y dolor es cot i di an os. Eso acar r ea u n con su m o abu si vo y con t r apr odu ct i vo de los ser vi ci os m édi cos, gen er an do depen den ci a excesi va y ali en aci ón . Vi st a a t r avés de las i deas de Fleck, la m edi cali zaci ón es la pr evi si ble con secu en ci a de soci ali zaci ón f or zada y aceler ada del est i l o

d e p en sa m i en t o bi om édi co ( cen t r ado en el con t r ol, en las acci on es e i n t er pr et aci on es

h et er ón om as) par a con t i n gen t es poblaci on ales poco m oder n i zados, m u lt i ét n i cos y m u lt i cu lt u r ales, com o la m ayor ía de la poblaci ón br asi leñ a.

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