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O conceito de Morte e a síndrome de Asperger

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Academic year: 2017

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Universidade de São Paulo

Instituto de Psicologia

Letícia Calmon Drummond Amorim

O Conceito de Morte e a Síndrome de Asperger

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Letícia Calmon Drummond Amorim

O Conceito de Morte e a Síndrome de Asperger

Dissertação apresentada ao Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, para obtenção do Título de Mestre.

Área de concentração: Psicologia Clínica Orientador:

Prof. Dr. Francisco Batista Assumpção Jr.

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ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE

CITADA A FONTE.

Catalogação na publicação Serviço de Biblioteca e Documentação Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo

Amorim, Letícia Calmon Drummond.

O conceito de morte e a Síndrome de Asperger / Letícia Calmon Drummond Amorim; orientador Francisco Batista Assumpção Junior. -- São Paulo, 2008.

116 p.

Dissertação (Mestrado – Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Área de Concentração: Psicologia Clínica) – Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.

1. Síndrome de Asperger 2. Autismo 3. Distúrbios globais do desenvolvimento 4. Morte 5. Formação de conceito I. Título.

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Candidato(a):

Letícia Calmon Drummond Amorim

Dissertação:

O Conceito de Morte e a Síndrome de Asperger

Orientador(a):

Prof. Dr. Francisco Batista Assumpção Jr.

A Comissão Julgadora dos Trabalhos de Defesa da Dissertação de Mestrado, em sessão pública realizada a .../.../..., considerou o(a)

( ) Aprovado(a) ( ) Reprovado(a)

Examinadores:

___________________________________________________________________ ___

< NOME DO MEMBRO 1 DA BANCA >

___________________________________________________________________ ___

< NOME DO MEMBRO 2 DA BANCA >

___________________________________________________________________ ___

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Ao meu orientador Dr. Francisco Assumpção, que tanto admiro e tenho como exemplo, pelo conhecimento transmitido na confecção deste trabalho.

À Dra Evelyn Kuczynski pelo apoio e incentivo à idéia do projeto e observações no

exame de qualificação.

À Dra Maria Júlia Kóvacs pela colaboração no exame de qualificação e pelo conhecimento transmitido na sua disciplina.

Aos meus amigos, por estarem perto, mesmo quando distantes.

À minha família, por estar ao meu lado nos momentos mais felizes e também nos mais difíceis da minha vida, amo vocês...

Ao Ozzy, meu carinho, meu afeto, meu companheiro de todas as horas.

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“ ‘E agora?’ Gregor perguntou a si mesmo e olhou a escuridão a sua volta. Logo

descobriu que não podia mais se mexer nem um pouco. Não se admirou com o

fato, antes pareceu-lhe pouco natural que até então tivesse conseguido se mover

com tanta facilidade [...]. Quanto ao resto ele até que se sentia relativamente

confortável. Ainda tinha dores pelo corpo todo, mas parecia-lhe que elas pouco a

pouco iam se tornando mais fracas e ao fim desapareceriam por completo [...]. De

sua família, ele se recordava com amor e comoção. Sua própria opinião de que

deveria desaparecer era, talvez, ainda mais decidida. Permaneceu neste estado

de reflexões vazias e pacíficas até que o relógio da torre bateu três horas da

madrugada. Ainda presenciou o início do alvorecer geral do dia lá fora, além da

janela. Em seguida, sem que ele quisesse, sua cabeça inclinou-se totalmente

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AMORIM, L.C.D. O Conceito de Morte e a Síndrome de Asperger. 2008. 116 f. Dissertação (Mestrado) – Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.

A Síndrome de Asperger, um Transtorno Global do Desenvolvimento, pertencente ao espectro autístico caracteriza-se por dificuldades na comunicação, abstração e socialização. O conceito de morte é adquirido paralelamente ao desenvolvimento cognitivo e afetivo da criança, sendo descritos três estágios em seu desenvolvimento paralelos aos estágios piagetianos. Ele é composto pelas dimensões universalidade, irreversibilidade e não funcionalidade. O objetivo deste trabalho foi de verificar se o conceito de morte em portadores da síndrome de Asperger é similar ao observado em pessoas sem psicopatologia ou se relaciona com o observado em portadores de deficiência mental leve. Para isso foram

avaliados indivíduos com Síndrome de Asperger, indivíduos com deficiência mental leve e indivíduos sadios, sem doenças mentais e/ou neurológicas, utilizando-se o Instrumento de Sondagem do Conceito de Morte elaborado por Wilma Torres. Os resultados apontaram prejuízo na aquisição do conceito de morte de acordo com a seguinte hierarquia, nas dimensões universalidade e não funcionalidade: Sadios > Síndrome de Asperger > deficiência mental leve. Na dimensão irreversibilidade a hierarquia encontrada foi Sadios > Síndrome de Asperger = deficiência mental leve. Esses resultados apontam déficits na aquisição do conceito de morte por indivíduos com Síndrome de Asperger, possivelmente relacionados a déficits na teoria da mente, função executiva e fraca coerência central.

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AMORIM, L.C.D. The Concept of Death and Asperger’s Disorder. 2008. 116 p. Dissertation (Master’s Degree) – Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.

Asperger’s Disorder, a Pervasive Development Disorder, is part of the autism spectrum and is characterized by difficulties in communication, abstraction, and social interaction. The concept of death is acquired in parallel with cognitive and affective development of children, and three stages in its development are described in parallel with piagetian stages. It is made up of the dimensions of universality, irreversibility, and non-functionality. The objective of this work is to verify if the concept of death in people with Asperger’s disorder is similar to the one observed in people without psychopathological symptoms , or if it relates to the one observed in people with mild mental retardation. With that purpose,

individuals with Asperger’s disorder, individuals with mild mental retardation and healthy individuals, without mental and/or neurologic diseases were evaluated by means of the Instrument of Investigation of the Concept of Death developed by Wilma Torres. The results indicated damage in the acquisition of the concept of death according to the following hierarchy, in the universality and non-functionality dimmensions: Healthy > Asperger’s disorder > mild mental retardation. In the irreversibility dimension, the hierarchy found was healthy > Asperger’s disorder= mild mental retardation. These results indicate deficit in the acquisition of the concept of death by individuals with Asperger’s disorder, possibly related to deficits in the theory of mind, executive function, and weak central coherence.

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Tabela 1: Médias e desvios-padrão das idades das pessoas de cada grupo ...45

Tabela 2: Caracterização da classe social das famílias dos 3 grupos estudados.46

Tabela 3: Comparação entre as médias e desvios-padrão dos escores da Escala de Comportamento Adaptativo de Vineland (Vineland) e da Escala de traços Autísticos (ATA) entre grupo SA e grupo DMLEVE ...47

Tabela 4: Comparação entre as médias e desvios-padrão dos escores da

dimensão extensão (universalidade) nos 3 grupos estudados ...48

Tabela 4.1: Comparações múltiplas de Bonferroni entre os 3 grupos...48

Tabela 5: Comparação entre as médias e desvios-padrão dos escores da

dimensão significado (não funcionalidade) nos 3 grupos estudados ...48

Tabela 5.1: Comparação entre as médias e desvios-padrão dos escores da

dimensão significado (não funcionalidade) nos 3 grupos estudados ...49

Tabela 6: Comparação entre as médias e desvios-padrão dos escores da

dimensão duração (irreversibilidade) entre os 3 grupos estudados ...49

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1 INTRODUÇÃO...11

1.1AUTISMO E SÍNDROME DE ASPERGER... 11

1.2AVISÃO DA MORTE NA SOCIEDADE... 16

1.3ODESENVOLVIMENTO DO CONCEITO DE MORTE... 19

1.4OCONCEITO DE MORTE, O CONCEITO DE VIDA E EXISTÊNCIA... 33

1.5AUTISMO E MORTE... 34

2 OBJETIVOS...38

3 CASUÍSTICA E MÉTODOS...39

3.1CASUÍSTICA... 39

3.2INSTRUMENTOS... 40

3.2.1INSTRUMENTO DE SONDAGEM DE CONCEITO DE MORTE... 40

3.2.2AVALIAÇÃO DE CLASSE SOCIAL-PELOTAS... 41

3.2.3ESCALA DE AVALIAÇÃO DE TRAÇOS AUTÍSTICOS (ATA) ... 42

3.2.4ESCALA DE COMPORTAMENTO ADAPTATIVO DE VINELAND (VINELAND)... 42

3.2.5TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO... 43

3.3PROCEDIMENTOS... 43

3.4ANÁLISE ESTATÍSTICA... 43

4 RESULTADOS ...45

4.1ESTATÍSTICA DESCRITIVA... 45

4.2ANÁLISE DOS RESULTADOS ENTRE OS GRUPOS EM RELAÇÃO ÀS TRÊS DIMENSÕES DO CONCEITO DE MORTE... 47

5 DISCUSSÃO...50

6 CONCLUSÃO ...57

REFERÊNCIAS ...58

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1 INTRODUÇÃO

1.1AUTISMO E SÍNDROME DE ASPERGER

Os transtornos abrangentes do desenvolvimento constituem um grupo nosológico no qual as habilidades sociais, o desenvolvimento da comunicação e da linguagem e o repertório comportamental esperados não se desenvolvem adequadamente. O mais conhecido deles é o autismo e nesta categoria também se encontram a Síndrome de Asperger, o transtorno desintegrativo do desenvolvimento e a Síndrome de Rett.

A prevalência do autismo tem aumentado ao longo dos anos, devido à dectecção precoce e à ampliação dos critérios diagnósticos. Nas décadas de 1960 e 70, a prevalência era de 5:10.000, na de 80, de 10:10.000; desde a década de 90, a prevalência do autismo varia de estudo para estudo. Os fatores associados à variação nessas estimativas são o tamanho e a composição da população estudada, a triagem inicial e os critérios pelos quais os casos são confirmados (NEWSCHAFFER et. al., 2007).

De acordo com o Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais Texto Revisado (DSM-IV-TR) da Associação Americana de Psiquiatria (APA, 2002), as taxas variam de 2 a 20 casos por 10.000 em população de crianças, porém, estudos recentes apontam 60:10.000; sendo a proporção de portadores de síndrome de Asperger de 3:10.000 (FOMBONNE, 2003, 2005), embora estudo recente em uma população de 55.000 crianças inglesas de oito e nove anos de idade encontrou a prevalência de 110:10.000 (BAIRD et. al., 2006).

O termo autismo, originário da palavra grega autos, que significa próprio, foi cunhado por Eugene Bleuler em 1911, para descrever um sintoma da esquizofrenia, definido como “estreitamento com o mundo exterior” (FRITH, 1989).

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normal, o grupo de crianças descritas por Kanner apresentava isolamento desde o início da vida (FRITH, 1989).

Mudanças nessa concepção surgem com Ritvo e Ornitz (1976), ao proporem o conceito como uma patologia do Sistema Nervoso Central devido a déficits cognitivos, associado a distúrbios da percepção, do desenvolvimento, do relacionamento interpessoal, da linguagem e da motilidade. Deixa assim de ser considerado uma psicose para ser um transtorno do desenvolvimento.

Atualmente, segundo Gillberg (1990), o autismo é considerado uma síndrome comportamental de base biológica com múltiplas etiologias. Dessa

forma, vários quadros neurológicos e genéticos são descritos concomitantemente à sintomatologia autística, caracterizada por déficits na interação social e de linguagem, bem como alterações de comportamento.

Existem associações de autismo com crises convulsivas e sinais de prejuízo neurológico e deficiência mental, que fornecem evidências de que o autismo é um transtorno do desenvolvimento com base neurobiológica em vez de um quadro com base psicogênica (MINSHEN, 1991).

Crianças com autismo apresentam grande variação no grau de inteligência, estando ele associado tanto a graus profundos de deficiência mental quanto a performances acima da normalidade em alguns testes psicométricos (LORD e RUTTER, 1994).

Segundo os critérios do DSM-IV-TR (APA, 2002), o autismo é um quadro decorrente de condições pré, peri e pós-natais, com reconhecimento da sintomatologia antes dos 30 meses caracterizado por:

• Prejuízo da habilidade social: não compartilham interesses, não desenvolvem empatia e demonstram uma certa inadequação em abordar e responder aos interesses, emoções e sentimentos alheios;

• Prejuízo no uso de comportamentos não-verbais, como contato visual direto, expressão facial, postura corporal e com objetos;

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comportamento de apego que levam ao desenvolvimento dos laços afetivos (BOWLBY, 1985);

• Alterações na linguagem: atraso na linguagem falada. Nos que desenvolvem a linguagem adequadamente, dificuldade em iniciar ou manter uma conversa,

uso estereotipado e repetitivo de certas palavras ou frases e emprego da terceira pessoa (inversão pronominal) para falar de suas vontades. Os que aprendem a ler não apresentam compreensão do que lêem;

• Alterações de comportamento: padrões restritos de interesse, manipulação sem criatividade dos objetos, não apresentam atividade exploratória, preocupação com as partes de objetos, não participam de jogos de imitação social espontâneos, adesão a rotinas rígidas, apresentam maneirismos motores e podem ter crises de raiva ou pânico com mudanças de ambiente; • Mudanças súbitas de humor com risos ou choros imotivados, podem ser hipo

ou hiper-responsivos aos estímulos sensoriais e apresentar agressividade sem razão aparente. Comportamentos auto-agressivos, como bater a cabeça, morder-se, arranhar-se e arrancar os cabelos podem ocorrer.

A síndrome de Asperger foi descrita primariamente sob a designação de

“psicopatia autística” em 1944, por Hans Asperger, como um quadro caracterizado por habilidades intelectuais preservadas, pobreza na comunicação não verbal, tendência a intelectualizar as emoções, fala prolixa, em monólogo e, às vezes, incoerente, linguagem tendendo ao formalismo, interesses que ocupavam totalmente o foco da atenção envolvendo tópicos incomuns e incoordenação motora (KLIN, 2006).

A relação entre autismo e síndrome de Asperger foi aventada a partir da elaboração de um continuum autístico por Wing (1988), que considera o primeiro um comprometimento comportamental cuja constelação sintomatológica é intimamente relacionada ao desenvolvimento cognitivo. Entretanto, existem questionamentos se o autismo pode ocorrer sem atraso de linguagem e com inteligência normal, bem como controvérsias acerca da comparação entre síndrome de Asperger e autismo sem deficiência mental, incluídos em uma categoria “autismo de alto funcionamento”. Para se definirem melhor estes grupos novos estudos são necessários (LORD, RUTTER, 1994).

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critérios idênticos ao do autismo. Na síndrome de Asperger, entretanto, não deve haver atraso na aquisição da linguagem, nas habilidades intelectuais e de auto cuidado (KLIN, 2006).

Alguns estudos tentam esclarecer as dificuldades dos autistas nas relações sociais, na linguagem objetiva e na capacidade de abstração. Esses estudos se concentram nos déficits na teoria da mente, ou seja, na capacidade de inferir estados mentais como crenças, desejos, intenções, emoções e conceitos de outra pessoa (teoria da mente de primeira ordem), e de atribuir estados mentais de uma pessoa a respeito de uma terceira pessoa (teoria a mente de segunda ordem)

(BARON-COHEN, 1997).

A origem dos déficits autisticos, pode ser pensada como cognitiva ou afetiva. A vertente afetiva recorre às primeiras descrições do autismo feitas por Léo Kanner, para atribuir uma falha inata na habilidade de interagir com outros, levando a falhas no reconhecimento dos estados mentais das pessoas, caracterizada por problemas de abstração e simbolização, déficit social e dificuldade em perceber que o outro é portador de sentimentos e pensamentos (BARON-COHEN, 1988).

De acordo com Hobson (1997), todo indivíduo deve ter capacidade de perceber o outro, responder afetivamente à linguagem não verbal e desenvolver a intersubjetividade. Essa capacidade se fundamenta na esfera conativo-afetiva de base biológica, em que a intencionalidade do bebê em direção ao ambiente está manifestada. Considerando as características do espectro autístico, Hobson sugere haver no bebê autista uma falha nessa condição intencional, que leva às dificuldades de simbolização e abstração.

As pricipais teorias cognitivas utilizadas para a compreensão do autismo são a da mente, a da coerência central e a da disfunção executiva. A teoria cognitiva descrita por Baron-Cohen (1988), na qual um déficit cognitivo central leva à falha em reconhecer estados mentais em outra pessoa, habilidade chamada de meta-representação ou “teoria da mente”, ocasionando um prejuízo

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estar intactos. O déficit na teoria da mente explicaria os padrões alterados de interação social, pragmáticos e simbólicos.

A falta de capacidade para juntar partes de informações para formar um todo provido de significados (coesão central) é também característica marcante do autismo (BOSA, 2001). Outro enfoque cognitivo proposto por Hill e Frith (2003), para explicar tal prejuízo é a teoria da fraca coerência central. Esta se refere a um tipo de processamento de informação dentro de um contexto em que se capta o essencial. Uma forte coerência central é caracterizada por gasto de atenção e memória para detalhes e, no caso da fraca coerência central, a

característica é um gasto com significado global a favor de um processamento gradual. Os indivíduos com autismo são descritos como portadores de coerência central fraca.

A teoria da fraca coerência central explicaria a tendência dos autistas em ver partes em vez de uma figura inteira, sua resistência a mudanças e também algumas habilidades específicas, como o melhor desempenho nas escalas de Weschler que envolvem reunião e classificação de imagens por série (HAPPÉ, 1994), nas tarefas de localização de figuras escondidas (SHAH e FRITH, 1993) e memorização de uma série de palavras sem sentido em vez daquelas com significado (HERMELIN e O’CONNOR, 1970).

A teoria da disfunção executiva propõe que os prejuízos na socialização e na comunicação são secundários aos déficits na função executiva. Esta se refere à habilidade para resoluções de problemas, ação mediada pelo córtex frontal, e compreende todo o processo que forma a base do comportamento direcionado, a saber: planejamento, memória de trabalho, inibição de respostas e flexibilidade cognitiva (DUNCAN, 1986).

Estudos que avaliaram o desempenho dos autistas em tarefas para medir função executiva encontraram déficits nas tarefas que requeriam flexibilidade cognitiva e capacidade de planejamento (HUGHES e RUSSEL, 1993; OZONOFF, 1994). McEvoy, Rogers e Pennington (1993) demostraram que um grupo de

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parceiro e o objeto/evento, que pode ser considerada a precursora da capacidade de se desenvolver uma teoria da mente (MUNDY e SIGMAN, 1998).

A diferença entre esses modelos teóricos é que um deles atribui os déficits primários à esfera afetiva, enquanto os outros, à cognitiva. A teoria cognitiva prevê que as habilidades sociais que requerem meta-representação são prejudicadas, enquanto outras permanecem intactas, explicando os déficits pragmáticos como conseqüência de um fracasso cognitivo especifico. A teoria afetiva enfoca mais as dificuldades do reconhecimento das emoções pelos autistas, mas não explica por que algumas habilidades estão intactas nem como e

por que a emoção e o desenvolvimento simbólico estão ligados. Assim os déficits pragmáticos seriam devidos a uma inabilidade de atribuir crenças e intenções ao outro, havendo uma sobreposição com as teorias cognitivas, de forma que essas teorias interagem de forma inseparável (BARON-COHEN, 1988).

1.2 A VISÃO DA MORTE NA SOCIEDADE

A morte põe fim aos sonhos, planos e expectativas idealizadas pelo homem – daí a tentação de fugir dela, deixando de pensar e evitando assuntos que nos façam lembrar de que morreremos. Vivemos um período em que a morte

é vista como fracasso e tabu. Ariès (2003) descreve a transformação dos ritos e da significação da morte no Ocidente sob o ponto de vista histórico e sociológico e mostra que nem sempre a morte foi encarada desta forma. Descreve assim:

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e do cotidiano, porém, apesar da familiaridade com os mortos, os antigos temiam a proximidade dos mortos e os mantinham à distância.

• A Morte de Si Mesmo: modificações dão um sentido dramático e pessoal à familiaridade tradicional do homem com a morte. Quatro fenômenos

introduzem na idéia de destino coletivo uma preocupação com a particularidade de cada um. A representação do juízo (1) final é como uma “balança” das contas individuais a serem apresentadas às portas da eternidade. Acreditava-se numa vida além da morte que não iria necessariamente à eternidade, mas ao último dia do mundo no final dos tempos, e promoveria uma conexão entre a morte e o final dos tempos. O juízo (ação entre o bem e o mal particular a cada indivíduo) ocorreria no quarto do moribundo (2), que vê sua vida inteira e sua atitude e, nesse momento, tem sua conclusão. A solenidade ritual da morte no leito tomou um caráter dramático, uma carga de emoção que antes não possuía. A decomposição (3) é o sinal do fracasso do homem, idéia bastante familiar nas sociedades industriais da atualidade, em que o adulto experimenta o sentimento de que não realizou nenhuma promessa de sua adolescência. O homem do final da Idade Média tinha consciência de que era um morto em suspensão condicional e que a morte despedaçava suas ambições e envenenava seus prazeres - daí uma paixão pela vida manifesta por temas macabros. A morte tornou-se o lugar em que o homem toma consciência de si mesmo. As sepulturas (4) são individuais, com inscrições para se conservar a identidade do túmulo e a memória do desaparecido. Alguns túmulos chegam a ser monumentais.

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• A Morte Selvagem: a partir do século XIX, as imagens da morte são cada vez mais raras, ela vai se tornando selvagem. O momento da morte passa a perder a importância, não se percebendo os avisos, o doente ainda se encontra no leito, mas o momento perde a dramaticidade. A dor não é mais

pelo sofrimento do moribundo, mas pela separação das pessoas amadas. Não é mais o momento da morte que define as coisas e sim o modo como se viveu a vida (bem-viver, bem-morrer). A arte de bem-morrer envolvia temperança e moderação. Há uma simplificação dos funerais e quase uma indiferença em relação à morte. Estabelece-se uma impessoalidade diante do luto e a expressão da dor deve então ser silenciosa e discreta. Os cemitérios são construídos fora da cidade por questões de políticas de saúde e higiene públicas (KOVÁCS, 2003).

• A Morte Invertida: No decorrer do século XX existe uma alteração de tudo o que sempre foi associado ao evento da morte. Houve um silêncio da ciência em relação a esta, os homens tornaram-se mudos, comportando-se como se ela não existisse ou fosse motivo de vergonha e silêncio. O moribundo é privado de sua morte, sendo dever do médico e da família dissimular a gravidade de seu estado. Morre-se às escondidas, como efeito da recusa em se admitir a morte daqueles a quem se ama e do ofuscamento dela em caso de uma doença incurável. O momento de avisar a família é postergado para

que se evite uma reação em cadeia de sentimentos que fazem com que os profissionais de saúde percam o doente, a família e o autocontrole. Falar sobre a morte, admiti-la em situações sociais, passa a ter uma conotação dramática. Aos vivos não é permitido demonstrar o que se está sentindo: devem ser discretos e dissimular seu sofrimento.

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condolências à família são suprimidas ao final dos serviços de enterro. As manifestações aparentes de luto desaparecem; não se usam mais roupas escuras; ao contrário, a postura deve ser a mesma dos outros dias. Uma dor demasiada e visível não inspira pena, mas repugnância é sinal de perturbação mental. Não há expressão de emoções intensas e dificilmente manejadas – não se sabe o que fazer com choro intenso, raiva ou medo. Assim, a família deve lidar com a perda de maneira contida para que as pessoas não fiquem constrangidas, sem saber o que fazer.

• A Morte Escancarada: Segundo Kovács (2003), a morte interdita convive com a morte escancarada, que é aquela violenta por acidentes ou assassinatos veiculados de forma maçante pela mídia, e que despertam vários sentimentos sem permitir tempo para reflexão e elaboração. Ainda segundo a autora, os diferentes tipos de morte não são separados, já que pode haver manifestações de uma em outra. Assim, práticas da Idade Média podem ser observadas nos tempos atuais, como, por exemplo, a crença de que a morte manda aviso, presente no imaginário popular.

1.3 O DESENVOLVIMENTO DO CONCEITO DE MORTE

Os primeiros estudos objetivando compreender o desenvolvimento do conceito de morte em crianças se iniciam a partir da metade do século XX e se intensificam na década de 70. Os critérios pelos quais estas pesquisas se pautavam variavam entre a idade em que a criança compreendia o conceito de morte e o desenvolvimento cognitivo geral.

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A abordagem multidimensional do conceito de morte é fundamental para que se tenha uma visão clara do que a criança é capaz de compreender sobre a morte, nas diferentes etapas do seu desenvolvimento. As três dimensões fundamentais são: a irreversibilidade quanto ao caráter definitivo da morte; a universalidade em relação ao fato de que ocorrerá com todos; e a não funcionalidade no tocante à compreensão de que todas as funções definidoras da vida cessam com a morte (SPEECE; BRENT, 1984).

Koocher (1973) investigou a aquisição do conceito de morte paralelo ao desenvolvimento cognitivo descrito por Piaget. A amostra, por ele estudada,

compunha-se de 75 crianças americanas de 6 a 15 anos de idade, com nível intelectual normal e nível sócio econômico médio. Cada criança foi testada quanto ao seu nível cognitivo e responderam às seguintes questões sobre a morte: “O que faz as coisas morrerem?”; “Como você pode fazer coisas mortas voltarem à vida?”; “Quando você vai morrer?”; e ”O que irá acontecer então?”.

Os resultados obtidos mostraram que as respostas às questões sobre a morte estão significativamente relacionadas com o desenvolvimento cognitivo. As respostas à pergunta “O que faz as coisas morrerem” possibilitaram uma classificação em três níveis:

No nível 1, as respostas revelavam raciocínios fantasiosos, pensamento mágico e/ou causas realistas de morte, porém, ligados com os processos de pensamento egocêntrico, no qual as explicações das crianças estão intimamente ligadas às suas experiências individuais, fato esse característico do período pré-operacional.

O nível 2 incluiu meios específicos de infligir a morte, com ou sem intenção. Nomeação de armas, venenos e outros meios incluídos neste grupo. Tais respostas foram atribuídas ao período operacional concreto.

O nível 3 incluiu agrupamentos abstratos e possibilidades específicas, como nomeação de causas, idéia de deterioração física e reconhecimento da morte como processo natural, caracterizando respostas típicas das crianças no

período operacional formal.

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Quanto às duas últimas perguntas, as respostas foram amplamente diversificadas, não permitindo ao autor estabelecer nítidas diferenças entre os níveis de desenvolvimento cognitivo e chamando atenção para o fato de que respostas em termos de personificação, esperadas para a última pergunta, não ocorreram.

White, Elsom e Prawat (1978) investigaram em sua pesquisa o desenvolvimento de três dimensões do conceito de morte: irreversibilidade, universalidade e cessação das funções biológicas. Baseado em Vigotsky (1998), segundo o qual alguns conceitos se desenvolvem naturalmente através do próprio

esforço da criança (conceitos espontâneos), enquanto outros são adquiridos através da informação e da instrução (conceitos científicos), e ainda em investigações piagetianas sobre o julgamento moral da criança e a aplicação da universalidade de regras na fase operacional concreta, os autores hipotetizaram que a compreensão do conceito de universalidade estaria ligada às estruturas do pensamento operacional concreto, mas que a compreensão dos outros dois componentes aumentaria com a idade sem estar ligada às estruturas do pensamento operacional concreto.

Sua amostra foi constituída por 170 crianças provenientes de três escolas públicas de uma comunidade de subúrbio distribuídas conforme a escolaridade: jardim de infância (40 crianças com idades entre 5,3 a 6,9 anos); 1ª série (40 crianças entre 6,4 a 7,8 anos); 2ª série (30 crianças entre 7,3 a 8,3 anos); 3ª série (30 crianças entre 8,5 a 10,3 anos); 4ª série (30 crianças entre 9,4 a 10,8 anos). Do total, 56% eram do sexo feminino. Os instrumentos utilizados foram três tarefas de conservação (de substância, de quantidade contínua e de quantidade descontínua) e uma entrevista com perguntas abertas para avaliar o entendimento de morte (exemplo: “Todo mundo morre?”). A pesquisa era precedida por uma história sobre certa mulher idosa que morre, sendo que, em uma versão, ela era uma pessoa agradável, que ria bastante, gostava de crianças e de animais e, em outra versão, ela era desagradável, nunca ria, era má com as

crianças e com os animais.

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aumenta com a idade, porém não a ponto de indicar que esteja relacionada com a estrutura operacional concreta.

Orbach e Glaubman (1978) elaboraram uma pesquisa para investigar em que diferem, considerando-se o conceito de morte dos outros e da morte pessoal, as crianças normais, as agressivas e as suicidas, e quais as contribuições das limitações do desenvolvimento cognitivo e dos processos defensivos para o conceito de morte. A amostra foi constituída por 21 crianças entre 10 a 12 anos de idade, divididas em três grupos, de acordo com o tipo de comportamento que as caracterizava. As variáveis de nível sócio-econômico, de cultura e inteligência

foram controladas. Assim, todas as crianças eram de nível socioeconômico baixo e todas foram avaliadas quanto ao nível de desenvolvimento cognitivo.

A avaliação do conceito de morte foi obtida através de respostas a um questionário baseado numa versão modificada do estudo de Koocher (1973). Esse questionário era composto por dois módulos de três perguntas. O primeiro módulo consistia em perguntas impessoais sobre a morte, tais como:

- “Como as coisas morrem?”;

- “O que acontece com as coisas que morrem?”; - “Coisas mortas podem voltar à vida?”.

Enquanto o segundo módulo consistia em perguntas pessoais sobre a morte, como:

- “Como você acha que vai morrer?“;

- “O que irá acontecer quando você morrer?”; - ”Você pode reviver depois que morrer?”.

Os resultados indicaram que os três grupos diferem principalmente em relação ao conceito de morte pessoal. As crianças suicidas consideravam o suicídio como causa de morte e se referiam a uma vida depois da morte e à ressurreição mais freqüentemente do que as crianças de outros grupos. As crianças normais e as agressivas enfatizavam a irreversibilidade da morte, porém

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Kane (1979) entrevistou 122 crianças americanas com idade entre 3 a 12 anos, de raça branca e pertencentes à classe média com a finalidade de determinar a estrutura conceitual da morte. O instrumento utilizado foi uma entrevista informal e flexível sobre a morte. Já no começo da entrevista, a criança deveria escolher uma entre nove figuras de coelhos em diferentes estados de atividade, incluindo um dormindo e um coelho morto não mutilado. As crianças que não escolheram o coelho dormindo ou o que estava morto foram desqualificadas.

Os conceitos de morte das crianças foram avaliados de acordo com dez

componentes extraídos de pesquisas anteriores:

1. Realização: consciência da morte, do estado de estar morto ou de um evento que acontece.

2. Separação: lida com o local onde o morto se encontra.

3. Imobilidade: diz respeito às noções do movimento do morto, visto como totalmente inativo ou completamente ou parcialmente ativo.

4. Irrevocabilidade: idéia da morte como permanente e irreversível ou temporária e reversível.

5. Causalidade: crença sobre o que traz o estado da morte, ou seja, causas internas ou externas.

6. Disfuncionalidade: idéias sobre as funções corporais.

7. Idéias acerca da mortalidade: diz respeito a ter noção de que todos morrem, ou de que ninguém morre ou ainda de que existem exceções.

8. Insensibilidade: concernente a considerações das funções mentais, como sentir, pensar, ouvir, sonhar.

9. Aparência física do morto.

10. Personificação: noção concreta da morte como uma pessoa ou coisa.

Os resultados demonstraram que o conceito de morte das crianças era

(25)

• Estágio 1 – a criança pensa sobre a morte em termos de estrutura, isto é, da aparência do fenômeno. A morte é considerada a partir de três componentes: realização, separação e imobilidade, que se apresentam concomitantemente,

mas não inter-relacionados. O pensamento é egocêntrico e mágico, a criança pode provocar a morte através do seu comportamento ou desejo. A morte é uma descrição.

• Estágio 2 – a morte é específica e concreta, é uma explicação para a disfunção. O pensamento é caracterizado pelo realismo e início da função lógica, pelo desenvolvimento gradual dos componentes de realização, separação e imobilidade e pela inclusão e desenvolvimento dos seis componentes restantes: irreversibilidade, causalidade, disfuncionalidade, universalidade, insensibilidade e aparência, que se apresentam de forma concomitante, mas não inter-relacionados. No início deste estágio, a morte é notada como causada externamente e as crianças percebem apenas disfunções mais explícitas (comer, falar) e, posteriormente, entendem as causas internas e disfunções menos óbvias (sonhar, saber que está morto). Acreditam na universalidade, mas não reconhecem sua unidade lógica, exceto pela violência, a morte é distante e associada a idades avançadas. O conceito evolui para uma causa e explicação do estado. Quando as crianças começam

a correlacionar os componentes, tem início o movimento para o terceiro estágio.

• Estágio 3 – nesta etapa, as crianças são capazes de pensar a morte em termos abstratos. Embora o pensamento seja lógico e reconheçam a realidade, eles podem especular de forma descompromissada. Alguns consideram as questões existenciais da vida e da morte. A morte é um estado de disfuncionalidade e insensibilidade. Suscetibilidade não é só uma característica da morte, mas um requisito para a vida.

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sofreram a perda de pais ou irmãos, de nível socioeconômico homogêneo e cuja escolaridade estendia-se do jardim da infância à 7ª série do 1º grau. Foram utilizados dois instrumentos: tarefas selecionadas para a avaliação do nível de desenvolvimento cognitivo e um questionário elaborado para a sondagem do conceito de morte com 36 itens planejados para avaliar as dimensões de extensão (compreensão acerca dos que morrem), significado (compreensão acerca do que é a morte) e duração (compreensão acerca do tempo de permanência da morte).

As respostas, de acordo com a avaliação em cada item e em cada uma das

dimensões, eram divididas em três categorias:

1. Ignorância ou aparente ignorância: a resposta revelava total ignorância, ou demonstrava algum conhecimento muito escasso e as definições e explicações dadas eram irrelevantes e de natureza egocêntrica.

2. Noção restrita: a resposta evidenciava grau de compreensão limitada e as explicações e definições dadas caracterizavam-se por sua especificidade e concreticidade, não sendo amplas, gerais, nem lógica e biologicamente essenciais.

3. Noção completa: a resposta evidenciava um grau de compreensão dos aspectos mais abstratos da morte, e as explicações e definições dadas eram amplas, gerais, lógica, e biologicamente essenciais.

Quanto à compreensão da extensão, crianças do período pré-operacional evidenciaram o predomínio de noção restrita, caracterizada por explicações limitadas nas quais as descrições entre animados e inanimados não está suficientemente clara, com um nível ainda mais baixo de compreensão sendo observado quanto a itens relativos a seres vivos (Passarinho morre? Homem morre?) ou não vivos, criados pelo homem (Relógio morre? Bicicleta morre?). As repostas foram limitadas, mas não inadequadas, para os itens referentes aos

elementos da natureza, animados ou inanimados (Lua morre? Pedra morre? Árvore morre?), e as crianças deram respostas indicadoras de ignorância ou aparente ignorância.

(27)

noção restrita e de noção completa. Explicações precárias e irrelevantes coexistiram ao lado de explicações, amplas, gerais e biologicamente essenciais.

Em relação à compreensão do significado da morte, a análise dos resultados revelou que as crianças do período pré-operacional evidenciavam ignorância ou aparente ignorância do significado da morte. Com predomínio de respostas iniciais inadequadas (sim/não) para a maioria dos itens (Os mortos comem? Os mortos sonham?), implicando em respostas explícitas de aceitação de vida na morte e aquelas que atribuem a causas externas a impossibilidade de atividade ou sensibilidade do morto, no qual essa noção está implícita. Não houve

personificação da morte nos itens elaborados para esta sondagem (A morte mora em algum lugar? A morte é alguém que vem para levar as pessoas?). Itens que precisavam de abstração (O que é morte? O que é estar morto?) tiveram como resposta predominante “não sei”.

Crianças do período de operações concretas demonstravam maior grau de compreensão do significado da morte, exceto nos itens que indagavam sobre o processo de deterioração (Os vermes comem os mortos ou não? Com o passar do tempo o corpo dos mortos se desmancha ou não?). Neste estágio, predominaram respostas indicadoras de noção restrita, como as que focalizavam a paralisação de órgãos, mas não aquelas essenciais para a definição da morte, ou ainda as que enfocavam um aspecto perceptivo da morte, a imobilidade, principalmente, foi citada, mas não aquelas biologicamente essenciais.

Explicações amplas, gerais e biologicamente essenciais do significado da morte, indicadoras de noção completa, surgiram no período de operações formais, apesar de não serem dadas para todos os itens, ocorrendo, para os mais abstratos apenas, explicações parciais, assim como para alguns dos demais itens.

Quanto à compreensão da duração, as crianças em período pré-operacional revelaram ignorância ou aparente ignorância da morte como processo definitivo e irreversível, predominando, para todos os itens, respostas indicadoras

de crença na temporalidade e na reversibilidade da morte.

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enterrar a pessoa morta?) terem sido ainda do tipo parcial em termos de hábito, tradição cultural e inserviência do morto.

Crianças no período formal de desenvolvimento demonstravam algum progresso em relação às anteriores. Tanto acreditavam na irreversibilidade, como mostravam explicações lógicas e biologicamente essenciais para o item “Mandaria enterrar a pessoa morta?”, que exigia justificativa de resposta – apesar de as explicações não terem sido predominantes.

Sternlicht (1980) analisou em sua pesquisa a concepção de morte em sujeitos com deficiência mental do ponto de vista cognitivo, utilizando o

questionário de Koocher (1974) sobre o conceito de morte. A amostra estudada foi de 14 crianças com idade entre 10,8 e 19,10 anos e QI médio de 48,8. Os sujeitos com dificuldade na comunicação, os autistas e aqueles com discursos perseverativos e que se recusaram a participar foram excluídos. O nível cognitivo foi avaliado por três tarefas de conservação (massa, volume e número). Quando falhavam em um ou mais destes testes, eram considerados na fase pré-operacional e seguia-se, assim, com as perguntas sobre morte. Os resultados demonstraram que todos os classificados na fase pré-operacional não apresentavam conceitos realistas sobre quando iam morrer e nem a respeito da permanência da morte, embora possuíssem noções realistas acerca de como os seres humanos morrem, sugerindo que o nível cognitivo, e não a idade determinava o conceito de morte.

Reilly, Hasazi e Bond (1983) estudaram as concepções de morte e mortalidade pessoal em relação à idade, desenvolvimento cognitivo e experiências de vida com situações de morte ou separação/divórcio. A amostra foi constituída de 60 crianças entre 5 a 10 anos de idade.

As crianças com experiência de morte de pessoas significantes (pais, irmãos, parentes próximos) foram comparadas com crianças cujos pais haviam se divorciado e ainda a crianças sem experiência de perda ou separação. Os instrumentos utilizados foram uma entrevista, inventário com perguntas abertas

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Os resultados indicaram que a maioria das crianças a partir de 6 anos revelava alguma noção de mortalidade pessoal e, aos 8 anos, todas já tinham adquirido essa noção; portanto, a compreensão da mortalidade relacionava-se com o nível de desenvolvimento cognitivo e de experiência com a morte. A aptidão para conservar surgiu como suficiente, mas não necessária, para a crença na mortalidade pessoal. As crianças que haviam experienciado a morte de alguém próximo tinham maior probabilidade de acreditarem na mortalidade pessoal do que aquelas que não haviam experienciado. Não foram encontradas diferenças entre estas crianças quanto às medidas de personalidade e

ajustamento.

Derry1 (apud JENKINS; CAVANAUGH, 1985) elaborou um questionário multidimensional chamado Derry Death Concept Scale (DDCS) e o aplicou em uma amostra de 609 crianças. Além do conceito de morte, pesquisou o nível de pensamento operacional, as idades cronológica e mental, o sexo, a classe social e a experiência de perda. Os resultados apontaram para a relação do conceito de morte com as idades cronológica e mental, bem como com experiências de perda, enquanto sexo, classe social e orientação religiosa não apresentam relação.

Jenkins e Cavanaugh (1985) replicaram o estudo de Derry, com mensurações de QI por meio do Wechsler Intelligence Scales for Children-Revised (WISC-R) e do Peabody Picture Vocabulary Test (PPVT), concluindo que o conceito de morte medido pelo DDCS estava diretamente relacionado à idade cronológica e ao desenvolvimento das habilidades verbais e seu uso no ambiente.

Brent et al. (1996) estudaram sobre o desenvolvimento dos três componentes do conceito de morte: universalidade, irreversibilidade, não funcionalidade em crianças chinesas e americanas. Numa amostra de 215 americanos e 262 chineses entre 3 e 17 anos de idade aplicaram entrevistas que avaliavam os três componentes do conceito de morte. A irreversibilidade foi avaliada em duas perspectivas naturalista (irreversibilidade em um contexto natural e cientifico) e não naturalista ( referindo-se às questões espirituais e

sobrenaturais).

A universalidade foi entendida em ambas as culturas relativamente cedo. Enquanto a irreversibilidade e a não funcionalidade variaram de acordo com a

1

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cultura e a idade. Alguns diminuíram com a idade, sugerindo que o conceito de morte desenvolvido é mais complexo e também mais confuso, já que questões não naturalistas são consideradas e também devido à incerteza da natureza e local do limite entre vida e morte.

Nunes et al. (1998) estudaram a compreensão de morte pelas crianças analisando a presença ou ausência dos conceitos de irreversibilidade, não funcionalidade, universalidade e personificação, bem como alguns indícios que demonstram a influência da cultura na formação e no desenvolvimento do conceito de morte. Participaram desse estudo seis crianças na faixa etária de 6 a

7 anos, período no qual, segundo Piaget, inicia-se a reversibilidade do pensamento. Foram realizadas duas entrevistas semi-estruturadas, uma com cada criança e outra com suas respectivas mães. Foi perguntado às crianças: O que é morte? Uma planta/ animal/ pessoa morre? A morte é um acontecimento alegre ou triste? Dói ou não morrer? Já viu um animal/uma pessoa morto/morta? O que acontece quando se morre? As perguntas dirigidas às mães investigavam aspectos relativos ao ambiente familiar da criança e ao relacionamento social, bem como a existência de medos específicos e experiências sobre a morte. Foi solicitado, também, que as crianças desenhassem algo sobre a morte, seguindo a proposta de Fávero e Salim, que entendem o desenvolvimento como uma atividade simbólica capaz de representar conteúdos mentais.

Os resultados mostraram que os conceitos básicos de irreversibilidade, não funcionalidade, universalidade e personificação são indicadores do desenvolvimento do conceito morte. A influência das experiências está presente através da mídia e crenças transmitidas pelo ambiente e explicitadas no discurso das mães. Houve coerência entre o discurso verbal da criança, o da mãe e o desenho, o que confirmou a relação entre as experiências e o desenvolvimento cognitivo.

Kenyon (2001) fez uma revisão crítica de diversos artigos que investigam o conceito de morte nas crianças, devido a diversos pontos incongruentes, para

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verbais, enquanto a causalidade e a não funcionalidade seriam afetadas por experiências pessoais. Questões religiosas, culturais e emocionais também afetam o conceito de morte, mas não há uma unanimidade quanto a esses fatores, devido à dificuldade em mensurá-los.

Torres (2002) investigou a relação entre o nível cognitivo e o conceito de morte em crianças portadoras de doenças crônicas (câncer, doenças hematológicas, doenças renais, HIV positivo) e comparou a evolução desse conceito entre essas crianças e em crianças sadias, com mesmo nível cognitivo e mesmo nível socioeconômico (carência). Foram empregadas tarefas piagetianas

para avaliação do nível cognitivo e o instrumento de sondagem de conceito de morte para avaliação do conceito de morte biológica. A amostra foi constituída de 167 crianças portadoras de doenças crônicas e 142 crianças sadias. Os resultados revelaram que a defasagem cognitiva encontrada em crianças carentes, em relação aos padrões piagetianos, não era agravada nas crianças doentes. A doença crônica, embora se manifestasse inicialmente como um fator desestruturante na aquisição do conceito de morte (fase pré-operacional), surgia na fase seguinte (operacional concreta) como um fator de amadurecimento na compreensão do conceito.

Slaughter e Lyons (2003) fizeram um estudo com 60 crianças em idade pré-escolar, entre 3 anos e 7 meses e 5 anos e 11 meses de idade. Inicialmente as crianças foram avaliadas sobre o funcionamento do corpo humano e sobre a morte. Dependendo de seu desempenho na entrevista, elas foram classificadas em “life theorizers” e “non life theorizers”; parte das crianças de cada grupo se submeteu a um treinamento sobre o corpo humano e suas funções, enquanto a outra parte, considerada o grupo controle não recebeu esse treimanento. Após o treinamento, as crianças foram novamente avaliadas sobre o funcionamento do corpo humano e a morte.

Os resultados mostraram que crianças que utilizavam espontaneamente conceitos vitalísticos para responder o questionário sobre o corpo humano

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Yang e Chen (2006) estudaram o conceito de morte em 204 chineses de ambos os sexos, de quarta a oitava série do ensino fundamental, por meio de um parágrafo no qual cada um escreveu sobre suas idéias acerca do tema. As seis categorias mais identificadas foram: causa interna, estados emocionais negativos ( frustração, tristeza), casusa externa, não existência, reações corporais como sudorese e calafrio, existência em outro lugar e de outra forma. Os fatores que influenciaram o conceito de morte foram grau de escolaridade, sexo, religião e discussões em família sobre a morte.

Slaughter e Griffiths (2007) compararam a aquisição do conceito de morte

maduro, ou seja, a compreensão da morte como um evento biológico, ao medo da morte em 90 crianças de quatro a oito anos de idade. As crianças foram avaliadas através de entrevistas em relação à compreensão e ao medo da morte. O nível de ansiedade foi mensurado pelo relato dos pais. A análise das respostas indicou que quanto mais maduro o conceito de morte menor era o medo e sugeriu que uma forma de aliviar o medo de crianças acerca da morte e falar sobre ela em termos biológicos.

Resumindo, são descritos três estágios de desenvolvimento do conceito de morte paralelos aos estágios piagetianos, enquanto indicadores mais fidedignos que a idade para avaliação do conceito de morte em crianças (KANE, 1979; KOOCHER, 1973, 1974; ORBACH; GLAUBMAN, 1978; STERNLICHT, 1980; TORRES, 1978, 1979, 1996, 1999). Observando como elas lidam com as dimensões que estabelecem a noção de morte e com a morte propriamente dita, podemos caracterizar o seguinte:

1. Estágio pré-operacional: as crianças não adquiriram a dimensão da irreversibilidade, da universalidade e da não funcionalidade, não negam a morte, mas são incapazes de separá-la da vida. A morte é uma posição particular imediata, aqui e agora. A separação com a morte se faz pelo fechamento dos olhos, seu pensamento é egocêntrico e mágico, e em

conseqüência, eles podem fazer alguém morrer pelo seu comportamento ou desejo.

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explicações biologicamente aceitáveis. A dimensão da não funcionalidade ainda não foi atingida. A criança vê a morte como específica e concreta, começa a compreender as dimensões da morte, mas não faz uma correlação entre elas. A morte é distante e relacionada a idades avançadas. Eles percebem as disfunções mais óbvias, como o morto não poder comer ou falar. 3. Estágio das operações formais: compreendem a universalidade, podem dar

explicações lógico-categoriais e de causalidade, reconhecem a morte como parte da vida. São capazes de pensar de uma forma abstrata sobre ela e consideram questões existenciais sobre a vida e a morte. Na adolescência, a

morte é um tema importante, confirmável por ser um assunto comum em músicas e filmes cultuados pelos adolescentes. Apesar de, no aspecto cogntivo, perceberem as características da morte, emocionalmente, observamos um paradoxo entre a vida e a morte.

A adolescência é um período de transformações, de necessidade de auto-afirmação, de aquisição de identidade e de luto pela perda do corpo infantil e dos pais infantis. Por um lado, buscam experimentar e sugar toda essência da vida e, por outro, nessa busca desvairada, esbarram em situações que colocam suas vidas em risco. A morte como possibilidade pessoal está distante e essa onipotência traz certa identificação com heróis que, em sua maioria, são jovens que sofreram mutações em seu corpo e devem aprender a lidar com essas mudanças. A busca por atividades em que se possa desafiar a morte é comum, aumentando o risco para uma morte inesperada. A adolescência é uma fase em que a vida, como um desenvolvimento pleno, e a morte, como continuação desta plenitude, encontram seu auge (KOVÁCS, 1992).

Raimbault (1979) e Aberastury (1984) fazem diferença entre a percepção da morte e o conceito de morte a partir da experiência pela qual crianças condenadas à morte, desenvolveriam um conceito mais precoce para suas faixas etárias. Segundo Wallon (1975), a questão da morte não pode ser reduzida ao

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1.4 O CONCEITO DE MORTE, O CONCEITO DE VIDA E EXISTÊNCIA

Para Minkowski (1970) a morte é um fenômeno vital e nos traz a noção de vida, já que põe fim a esta de forma irreparável. A presença da morte não apenas nos revela a noção de vida, mas também coloca o ser face a face com a própria vida e mortalidade.

O conceito de vida, de acordo com Piaget (1926), está relacionado à noção de consciência, que, por sua vez, é uma idéia extensa e tende a ser adquirida totalmente após o conceito de vida no desenvolvimento cognitivo. As crianças só

são capazes de diferenciar seu ponto de vista dos outros, isto é, ter consciência de que seus pontos de vista nem sempre são compartilhados por outros, em período de operações concretas (PIAGET, 1968).

A consciência do eu, para Jasper (2006), é a modalidade em que o eu se faz consciente dele mesmo, possuindo quatro características: a) a consciência da ação: o “eu penso” acompanha todas as percepções, representações e os pensamentos; b) a consciência da unidade: sou um no mesmo momento; c) a consciência da identidade: a consciência de ser o mesmo na sucessão do tempo; d) a consciência do eu em oposição ao exterior e aos outros: que é a clara oposição do eu ao mundo externo.

A noção de morte, dessa forma, está relacionada à noção de vida e consciência, afinal, um homem se torna um todo não ao nascer, mas ao morrer, pois a morte põe fim à nossa vida, mas não à vida completando a idéia de um indivíduo (MINKOWSKI, 1970). A compreensão de sua finitude traz ao ser humano a angústia, superada pelas realizações, atribuições da rotina e um significado que faça sentido à sua existência.

A escolha de um projeto existencial ocupa o cotidiano para possibilidades. Significa empenhar-se para algo possível no sentido de ocupar-se de uma realização dando significado ao viver. Isso porque a vida é um modo de ser ao qual pertence o ser-no-mundo (HEIDEGGER, 1996). Em contraposição, morrer é

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A filosofia existencial entende a morte como a angústia da não existência, a impossibilidade da realização. Para Minkowski (1970), o homem é o único ser vivo que tem consciência da sua finitude, enquanto para Heiddeger (1996), a morte é um fenômeno da vida, um incontestável fato da existência, a possibilidade mais própria, já que ninguém pode assumir a morte do outro – ela é assim essencialmente minha e se constitui pela minha existência.

Apesar de sua característica própria, insuperável e irremissível, é também indeterminada, ou seja, possível a qualquer momento. A indeterminação da morte certa determina as ocupações cotidianas, colocando-as à frente como

possibilidades previsíveis e próximas e transferindo a morte para mais tarde.

1.5 AUTISMO E MORTE

Os déficits autísticos comprometem, tanto cognitiva quanto afetivamente, sua relação com o outro e com o meio. A função intelectiva se desenvolve gradualmente como resultado, tanto de porcessos neurofisiológicos quanto de relações interpessoais (SILVEIRA, 1966). Segundo Piaget (1967), o sistema cognitivo constrói sua estrutura no curso das interações humanas e da adaptação ao meio através da assimilação de novas experiências e da acomodação destas experiências dentro do desenvolvimento do sistema cognitivo; assim, uma representação cada vez mais complexa da realidade é adquirida.

A função afetiva estimula diretamente a inteligência despertando o interesse, ou seja, só haverá empenho por parte da criança em um raciocínio à medida que houver motivação afetiva para tal (COELHO, 1980).

A motivação forma a base dos processos de aprendizado e cognição, onde o comportamento é estruturado por experiências do individuo no ambiente. A força motivacional por trás da construção do sistema cognitivo pode ser vista como um potencial inerente no desenvolvimento das estruturas cognitivas (BUCK, 1986).

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Emoção I: adaptação corporal, envolve a regulação do organismo para manter a vida (homeostase), mediado pelo sistema nervoso autônomo, endócrino e imunológico.

Emoção II: comunicação social, envolve respostas acessíveis aos outros por sinais sensoriais, reações químicas, expressões faciais, movimentos corporais, postura, gestos, ou seja, qualquer comportamento que pode ser visto, ouvido e sentido.

Emoção III: relação entre a emoção e a cognição, envolve informar o sistema cognitivo sobre o sistema motivacional em questão, isto permite acesso

rápido e fácil aos estados motivacionais em cada processo cognitivo que pode contribuir no processo de satisfação.

A construção da pessoa será formada por uma sucessão de momentos predominantemente afetivos ou cognitivos, não paralelos, mas integrados. Nos momentos com dominância afetiva do desenvolvimento, o que está em primeiro plano é a construção do sujeito, que se faz por meio da interação com os outros. Naqueles de maior peso cognitivo, é o objeto, a realidade externa que se modela, à custa da aquisição das técnicas elaboradas pela cultura. Cada novo momento terá sido incorporado às aquisições feitas no nível anterior, ou seja, na outra dimensão. Isto significa que a afetividade depende, para evoluir, de conquistas realizadas no plano da inteligência e vice-versa (DANTAS, 1992).

A proposta de Hobson (1997) em considerar a idéia de intencionalidade no processo de desenvolvimento, valorizando a interação entre o sujeito e o ambiente na constituição de ambos, reforça a idéia de que o desenvolvimento das estruturas cognitivas não ocorre separadamente do desenvolvimento conativo-afetivo.

Um aspecto particular da inteligência chamado de “teoria da mente” refere-se à capacidade de compreensão dos estados mentais próprios e os dos outros (BARON-COHEN, 1991). Crianças com déficits autísticos não possuem essa compreensão, e a dificuldade nos processos inter-humanos prejudica não apenas

a sociabilidade, mas também a aquisição e percepção de certos conhecimentos em que se faz necessário transpor o pensamento concreto, como, por exemplo, o significado da palavra morte.

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indivíduo compreende o mundo e age sobre ele (VIGOTSKY, 1998). A questão do significado pertence ao domínio cognitivo, por referir-se ao processo de generalização e de organização conceitual, e aos aspectos afetivos do funcionamento psicológico, distinguindo dois componentes do significado: o significado propriamente dito e o sentido. O primeiro refere-se ao sistema de relações objetivas que se formou no processo de desenvolvimento da palavra, compartilhado por todos que a usam; o segundo remete ao significado da palavra para cada indivíduo, composto por relações que dizem respeito ao contexto de seu uso e às vivências afetivas do indivíduo (OLIVEIRA, 1992).

Assim, o significado propriamente dito da palavra morte como cessação de todas as funções vitais, é comum a todos, porém, o sentido que essa palavra tem, varia de acordo com as experiências individuais diante da morte e do significado que cada indivíduo atribui à sua vida. De acordo com a teoria da fraca coerência central, os autistas tendem a focar o detalhe em detrimento do significado global, assim, perceberiam a morte somente em alguns detalhes e não de forma ampla e existencial.

A noção de vida está relacionada à noção de consciência (PIAGET, 1926), a consciência do eu em oposição ao externo e aos outros (JASPER, 2006). A teoria da mente sugere que a noção de consciência apresenta prejuizo nos autistas. A consciência da identidade em indivíduos com síndrome de Asperger, ou seja, identidade do eu projetada no futuro, àquilo que Jasper (2006) considera a consciência de ser o mesmo na sucessão do tempo, foi representada no estudo de Zukauskas (2003) através de características físicas e pela atividade profissional, sem considerar a trajetória a ser percorrida.

Crianças pequenas (abaixo de 8 anos) que falharam em testes de conservação e que cognitivamente não funcionavam no nível de operações concretas, mas que tinham experiências de perda, acreditavam mais na própria mortalidade (REILLY; HASAZI; BOND, 1983) e desenvolviam o conceito de morte mais cedo que o esperado (DERRY, 1979 apud JENKINS; CAVANAUGH, 1985).

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A compreensão da mortalidade requer noção tanto de causalidade quanto de temporalidade (FERGUSON, 19782 apud REILLY; HASAZI; BOND, 1983). Zukauskas (2003) caracterizou a temporalidade e a noção de tempo em indivíduos do espectro autista partindo de uma perspectiva teórica em que a temporalidade possibilita o sentido das vivências humanas, da subjetividade e da própria noção de tempo e com os autistas mostrando-se rígidos com horários e datas específicas, impacientes diante da espera e, segundo o relato dos pais, parecendo estar “fora do tempo”.

Sua avaliação constituiu-se de duas fases: na primeira, com uma amostra

de 30 indivíduos em cada grupo (grupo síndrome de Asperger e grupo de comparação) verificando aspectos de noção de duração de tempo através de instrumentos quantitativos e qualitativos. Na segunda fase, a partir de uma amostra de 15 indivíduos de cada grupo, investigaram-se, através de entrevista qualitativa, temas relacionados à temporalidade. Os resultados constataram uma temporalidade restrita evidenciada pela presença de prejuízos relacionados à continuidade no contato com o ambiente, à limitada perspectiva no sentido do que está por vir e da noção de tempo. A morte foi representada, a partir do senso comum, como um acontecimento ruim associado ao que é perigoso e doloroso, enquanto no grupo de comparação apareceu o sentido da espiritualidade e da possibilidade da própria morte.

Conforme proposto pelos autores anteriormente citados, o entendimento de um conceito não ocorre somente num patamar intelectual, mas também em um nível afetivo que envolve experiências pessoais, trocas interpessoais e com o meio e até mesmo como uma forma de retroalimentar a cognição e vice-versa. Partindo do princípio que os déficits autísticos, sejam eles de origem afetiva ou cognitiva, levam a um prejuízo no relacionamento pessoal e social, dificuldade em se colocar no lugar do outro, perceber o estado mental do próximo, simbolizar, processar informações globalmente e disfunção executiva, esses aspectos prejudicariam, assim, a abstração necessária para a compreensão do conceito de

morte.

2

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2 OBJETIVOS

O objetivo deste trabalho é avaliar o conceito de morte em pacientes com síndrome de Asperger em comparação a indivíduos com Deficiência Mental Leve e outros sem problemas mentais e psiquiátricos.

A inexistência de estudos relacionados à concepção de morte na criança, com autismo, faz pensar que este trabalho poderá contribuir para avaliar a temática, compreender melhor o conceito de morte e o padrão do pensamento autístico no que se refere a fenômenos abstratos ligados à consciência do eu, do outro e de tempo.

O conceito de morte é aqui focalizado de um ponto de vista estritamente biológico, ou seja, como cessação definitiva das atividades funcionais dos seres

vivos. As três dimensões implícitas neste conceito foram definidas por Torres (1979) da seguinte forma:

• Extensão: grau de compreensão dos seres que morrem (universalidade);

• Significado: grau de compreensão acerca do que é a morte (não funcionalidade);

• Duração: grau de compreensão dos sujeitos acerca do tempo de permanência da morte (irreversibilidade).

Constituímos então as seguintes hipóteses: a) hipótese de nulidade: o

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3 CASUÍSTICA E MÉTODOS

3.1 CASUÍSTICA

Foram selecionados três grupos com trinta sujeitos, denominados grupo A, B e C, compostos por indivíduos do sexo masculino, em função da maior prevalência de quadros autísticos nesse sexo; idade acima de 12 anos, uma vez que nessa faixa etária é esperado que todas as dimensões do conceito de morte já tenham sido adquiridas, independente de contato prévio com a morte, seja

através de doenças terminais ou familiares falecidos.

O grupo A foi constituído por indivíduos com desempenho intelectual dentro da faixa da normalidade que freqüentavam escola, curso profissionalizante ou faculdade. A escolaridade variou entre nível superior (11), ensino médio (11) e ensino fundamental 5˚ a 8˚ série (8). Um era órfão.

O grupo B foi composto por indivíduos com síndrome de Asperger encaminhados para este estudo por diversos psiquiatras responsáveis por seu acompanhamento clínico. A escolaridade distribuiu-se em ensino superior (2), ensino médio (14), ensino fundamental 5˚ a 8˚ série (12) e escola especial (2). Seis eram órfãos.

O grupo C foi formado por indivíduos com deficiência mental leve que participavam do centro de convivência de uma instituição especializada. O nível de escolaridade distribuiu-se entre ensino médio (1), ensino fundamental 5˚ a 8˚ série (7), ensino fundamental 1˚ a 4˚ série (12), escola especial (10), sexo masculino, seis eram órfãos.

Os critérios de inclusão nos respectivos grupos:

Grupo A:

- Ausência de doença psiquiátrica detectável (segundo critérios do DSM IV TR), incluindo eixos I e II ;

- Desempenho intelectual dentro da faixa da normalidade.

Grupo B:

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- Inteligência dentro da faixa da normalidade, usando como parâmetro de homogeneização da amostra a Escala de Comportamento Adaptativo de Vineland (Vineland/ver item 3.2.4), com pontuação maior ou igual a 70;

- Escala de traços Autisticos (ATA/ ver item 3.2.3) com escore acima de 15 pontos.

Grupo C:

- Diagnóstico de deficiência Mental Leve realizado clinicamente de acordo com os critérios do DSM IV TR;

- Quociente de desenvolvimento de acordo com a Vineland em nível de

deficiência mental leve (50 ≤ QS < 70 à Vineland); - ATA com pontuação abaixo de 15 pontos.

Critérios de exclusão para os três grupos:

- co-morbidades psiquiátricas; - Doenças físicas;

- doenças somáticas crônicas; - risco de morte iminente.

3.2 INSTRUMENTOS

3.2.1 INSTRUMENTO DE SONDAGEM DE CONCEITO DE MORTE

O instrumento de sondagem de conceito de morte elaborado por Torres (1978) consta de 36 itens planejados para avaliar as dimensões extensão, significado e duração do conceito de morte biológica sendo: 11 itens pertinentes à dimensão extensão, destinados a avaliar o grau de compreensão dos sujeitos acerca dos seres que morrem; 17 itens referentes à dimensão significado, destinados a avaliar o grau de compreensão dos sujeitos acerca do que é a

morte; 8 itens referentes à dimensão duração, destinados a avaliar o grau de compreensão dos sujeitos acerca do tempo de permanência da morte.

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respostas em termos de sim e não; e itens totalmente abertos. Cada grupo de itens relativos a cada uma das dimensões é seguido por um espaço destinado a observações do aplicador. A cópia do instrumento de sondagem do conceito de morte encontra-se no Anexo A.

Os critérios de avaliação permitem a inclusão das respostas, para cada dimensão estudada, em três amplas categorias:

• Ignorância ou aparente ignorância – a resposta revela total ignorância ou, apesar de demonstrar algum conhecimento, este é muito escasso e as definições são irrelevantes e de natureza egocêntrica.

• Noção restrita – a resposta evidencia um grau de compreensão limitado e as explicações e definições dadas caracterizam-se por sua especificidade e concretude, não sendo amplas, gerais, nem biologicamente essenciais.

• Noção completa – a resposta evidencia um grau de compreensão dos aspectos mais abstratos da morte e as definições dadas são amplas, gerais, lógica e biologicamente essenciais.

A atribuição de pontos varia de 0 a 3, havendo alguns itens relativos às dimensões significado e duração que, em função de sua natureza, admitem

apenas uma valoração de 0 ou 1. Os detalhes da atribuição de pontos encontram-se no Anexo B.

3.2.2 AVALIAÇÃO DE CLASSE SOCIAL- PELOTAS

Para obtermos amostras semelhantes em termos de classe social foi aplicado a avaliação de classe social-Pelotas (LOMBARDI et al., 1988), que avalia

(43)

3.2.3 ESCALA DE AVALIAÇÃO DE TRAÇOS AUTÍSTICOS (ATA)

Com intuito de diferenciar o grupo de autistas do grupo de deficientes mentais, ambos foram submetidos à Escala de Avaliação de Traços Autísticos (ATA). A ATA é uma escala, validada no Brasil, e composta por 23 sub-escalas, cada uma das quais divididas em diferentes itens, que pontuam sintomas de autismo segundo os critérios diagnósticos da Classificação Internacional de Doenças 10ª edição (CID 10) da Organização Mundial da Saúde (OMS, 1993) e do DSM-IV-TR (APA, 2002). Cada subescala recebe uma pontuação de 0 a 2, de

acordo com a presença ou ausência de sintomas de autismo, o escore total é a soma aritimética da pontuação das subescalas, o ponto de corte sugerido pelos autores é de 15 (ASSUMPÇÃO et al.,1999), ou seja, abaixo de 15, os sintomas de autismo não são significativos, enquanto acima de 15 sugerem-se sintomas significativos de autismo (Anexo D).

3.2.4 ESCALA DE COMPORTAMENTO ADAPTATIVO DE VINELAND (VINELAND)

Para avaliar o nível adaptativo dos indivíduos com autismo e com deficiência mental, foi utilizada a Escala de Comportamento Adaptativo de Vineland (SPARROW; BALLA; CICCHETTI, 1984). A Vineland é uma entrevista com os pais ou responsáveis que avalia o comportamento adaptativo, ou seja, a capacidade de atender as demandas cotidianas; ao contrário do quociente intelectual que avalia o melhor desempenho que um indivíduo pode atingir em testes estruturados (VOLKMAR, 2003). A Vineland utilizada, neste estudo, avalia o nível funcional da criança em três áreas, a saber: comunicação (cognição), atividades de vida cotidiana (adaptação e independência nas atividades da vida diária e prática) e socialização, mensurando um quociente de desenvolvimento. A escala Vineland é bastante utilizada tanto para populações com Deficiência Mental como para pessoas com Transtorno Global do Desenvolvimento que, em

Referências

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