OFTALMOPLEGIA DOLOROSA.
R E L A T O D E T R Ê S CASOS
FRANCISCO OTAVIANO LIMA PERPÉTUO
Em 1954 Tolosa
7relatou o caso de um homem de 47 anos que
apre-sentou dor no território do nervo oftálmico e oftalmoplegia esquerda
progres-siva no período de uma semana. O exame mostrou oftalmoplegia completa
à esquerda e diminuição do reflexo corneano deste lado; angiografia carotídea
esquerda mostrou irregularidades e afilamento da porção superior do sifão
carotídeo; o paciente foi submetido a uma craniotomia exploradora falecendo
no terceiro dia de pós-operatório. A necropsia mostrou a presença de tecido
granulamatoso dentro do seio cavernoso envolvendo a carótida interna e os
nervos adjacentes. O lume arterial não estava afetado mas apenas a
adven-ticia; o afilamento da carótida, visto na angiografia, seria explicado por
espasmo ou compressão extrínseca.
Em 1961 Hunt e c o l .
3descreveram 6 casos clinicamente semelhantes.
Estes autores ressaltaram a semelhança de seus casos com o de Tolosa e,
afastadas outras possíveis causas, acreditam tenham a mesma etiología.
Re-cuperação após alguns dias ou meses e recurrências após meses ou anos foi
a regra geral.
Smith e Taxdal
5relataram, em 1965, 5 casos e propuzeram que antes
de submeter o paciente a exames complementares mais complicados tais como
angiografia e biópsia de cavo faríngeo, fossem administrados corticóides (60
a 80 miligramos de prednisoma/24 horas) por um período de 48 horas, como
prova terapêutica. Segundo esses autores as melhoras começam dentro de
poucas horas.
Em 1970 Steele e Vasuvat
6publicaram sua experiência com 14 pacientes
tailandeses, vistos em um período de 13 meses, que relataram história de
paralisias recurrentes de nervos cranianos acompanhadas por cefaléia. Os
nervos mais constantemente acometidos foram os motores oculares mas o
óptico (8 casos.\ o facial (4 casos), o estato-acústico (2 casos), o
glossofa-ríngeo (3 casos) e o vago (2 casos) foram também acometidos. Os autores
chamam a atenção para semelhanças clínicas com a síndrome descrita por
Tolosa e Hunt, advogando a mesma etiología para os seus casos.
Recurrên-cias foram também comuns.
Em um período de 4 meses (março a julho de 1973) tivemos a
oportu-nidade de acompanhar 3 pacientes com cefaléia localizada e paralisia
pro-gressiva de nervos cranianos.
O B S E R V A Ç Õ E S
CASO 1 — M . G . J . , c o m 20 a n o s de idade, branca, s e x o feminino, a d m i t i d a no H o s p i t a l d a s Clínicas da F a c u l d a d e de Medicina da U n i v e r s i d a d e F e d e r a l de M i n a s Gerais, e m 29-03-1973 ( R e g s i t r o 2 9 5 3 ) . E m j a n e i r o de 1973 a p a c i e n t e c o m e ç o u a a p r e s e n t a r c e f a l é i a frontal esquerda, c o n t í n u a , à s v e z e s a c o m p a n h a d a de v ô m i t o s e que respondia aos a n a l g é s i c o s c o m u n s . P t o s e da p á l p e b r a superior e s q u e r d a ocorreu e m u m período de 3 d i a s c o m e ç a n d o 20 dias a n t e s da a d m i s s ã o . N a m e s m a o c a s i ã o a p a c i e n t e n o t o u diplopia. A h i s t ó r i a p r e g r e s s a n ã o era d i g n a de n o t a . O e x a m e físico foi normal. Exame neurológico — O f t a l m o p l e g i a e x t e r n a c o m p l e t a à esquerda; p u p i l a s m e d i n d o 2 / 2 m i l í m e t r o s c o m r e f l e x o m a i s l e n t o à esquerda. Sensibilidade da f a c e normal. E x a m e o t o r r i n o l a r i n g o l ó g i c o n o r m a l . Exames complementares — H e -m o s e d i -m e n t a ç ã o , 27 -m i l í -m e t r o s n a 1 .a
Evolução — Foi i n s t i t u i d o t r a t a m e n t o c o m prednisona e m dose i n i c i a l de 8 0 m i l i
g r a m a s por d i a . M e l h o r a p r o g r e s s i v a ocorreu c o m e ç a n d o por a l í v i o d a dor a p r o x i -m a d a -m e n t e n o q u i n t o d i a de t r a t a -m e n t o ; p e l a a l t u r a do 20.° d i a de t r a t a -m e n t o a p a c i e n t e e n c o n t r a v a - s e c o m p l e t a m e n t e a s s i n t o m á t i c a .
CASO 2 — J . E . S . , 28 a n o s de idade, s e x o m a s c u l i n o , preto, a d m i t i d o n o H o s p i t a l das Clínicas e m 21-03-1973 ( R e g i s t r o 2 9 4 1 ) . E m 1968 o p a c i e n t e sofreu c e f a l é i a periorbitária e s q u e r d a q u e r e g r e d i u e s p o n t a n e a m e n t e e m 4 o u 5 m e s e s e n ã o foi a c o m p a n h a d a de o u t r a s i n t o m a t o l o g i a . T r i n t a d i a s a n t e s da a d m i s s ã o d e s e n v o l v e u n o v a m e n t e u m a c e f a l é i a periorbitária e s q u e r d a e s t e n d e n d o - s e à r e g i ã o f r o n t a l e t e m p o r a l . A p r o x i m a d a m e n t e 1 0 d i a s depois o c o r r e u p t o s e p a l p e b r a l e s q u e r d a e diplo-pia. A h i s t ó r i a p r e g r e s s a n ã o e r a d i g n a de ndta. E x a m e físico normal. E x a m e o t o r r i n o l a r i n g o l ó g i c o n o r m a l . Exame neurológico — P a r a l i s i a do 3.° n e r v o c r a n i a n o à esquerda. P u p i l a s m e d i n d o 2 / 4 m i l í m e t r o s s e n d o a p u p i l a e s q u e r d a p o u c o r e a t i v a à luz. R e f l e x o c o r n e a n o d i m i n u i d o à esquerda. R e s t a n t e do e x a m e n e u r o l ó g i c o n o r m a l . Exames complementares — H e m o s e d i m e n t a ç ã o 20 m i l í m e t r o s n a í.a h o r a . P e s q u i s a de c é l u l a s L . E . n e g a t i v a . P r o v a de t o l e r â n c i a à g l i c o s e normal. H e m o g r a m a , e x a m e de urina, e q u í m i c a r o t i n e i r a d e s a n g u e (uréia, c r e a t i n i n a , colesterol, proteí-n a s s é r i c a s ) , proteí-n o r m a i s . E l e t r e proteí-n c e f a l o g r a m a : o proteí-n d a s l e proteí-n t a s de 4 a 5 c i c l o s por s e g u proteí-n d o e m a m b a s a s r e g i õ e s occipitais. Angiografia pela carótida esquerda n o r m a l .
Evolução — O p a c i e n t e foi m e d i c a d o c o m p r e d n i s o n a (80 m i l i g r a m a s e m 24
h o r a s ) . D e p o i s de u m período de 48 h o r a s c o m e ç o u a a p r e s e n t a r m e l h o r a s c o m a l í v i o d a dor e d i m i n u i ç ã o da p t o s e p a l p e b r a l . N a o c a s i ã o d a a l t a , a p r o x i m a d a m e n t e 4 0 d i a s após a a d m i s s ã o , a i n d a a p r e s e n t a v a d i s c r e t a diplopia a o o l h a r p a r a a direita.
CASO 3 * — A . M . A . , c o m 18 a n o s de idade, s e x o f e m i n i n o , branca, a d m i t i d a no H o s p i t a l S ã o F r a n c i s c o e m 13-07-1973. S u a m o l é s t i a c o m e ç o u 2 0 d i a s a n t e s da a d m i s s ã o c o m dor s u p r a o r b i t á r i a à e s q u e r d a , i n t e n s a e c o n t í n u a . A p r o x i m a d a m e n t e 2 d i a s após n o t o u b a i x a p r o g r e s s i v a n a a c u i d a d e v i s u a l do o l h o esquerdo, ficando " c o m p l e t a m e n t e c e g a " (sic) d e s t e olho. A v i s ã o m e l h o r o u p r o g r e s s i v a m e n t e a o c a b o de a l g u n s dias a p a r e c e n d o e n t ã o diplopia e p t o s e p a l p e b r a l à esquerda. O e x a m e fí-sico, no dia da a d m i s s ã o , foi n o r m a l . Exame neurológico — P a r e s i a do 3.° n e r v o c r a n i a n o e p t o s e p a l p e b r a l à e s q u e r d a ; r e f l e x o c o r n e a n o d i m i n u i d o d e s t e m e s m o l a d o ; p u p i l a s i s o c ó r i c a s de d i â m e t r o m é d i o e i g u a l m e n t e r e a t i v a s à l u z ; a c u i d a d e v i s u a l n ã o foi r i g o r o s a m e n t e m e d i d a m a s p a r e c i a n o r m a l ; c a m p o v i s u a l de c o n f r o n t a ç ã o n o r m a l . E x a m e o t o r r i n o l a r i n g o l ó g i c o n o r m a l . P u n ç ã o l o m b a r — p r e s s ã o inicial 180 m i l í m e t r o s de á g u a , l í q u i d o límpido; 3 c é l u l a s por m m3
( m o n o n u c l e a r s 1 0 0 % ) ; g l i -c o s e 79 m g %; p r o t e í n a s 3 2 m g % . R a d i o g r a f i a do -crânio e a n g i o g r a f i a -c a r o t í d e a esquerda, n o r m a i s . P r o v a de t o l e r â n c i a à g l i c o s e n o r m a l . H e m o s e d i m e n t a ç ã o : 1 1 m i l í m e t r o s a p ó s 6 0 m i n u t o s . Q u í m i c a r o t i n e i r a d e s a n g u e (uréia, c r e a t i n i n a , c o l e s -terol, p r o t e í n a s s é r i c a s ) , h e m o g r a m a e e x a m e de u r i n a n o r m a i s . P e s q u i s a de c é l u l a s L . E . n e g a t i v a .
Evolução — O t r a t a m e n t o c o m d e x a m e t a s o n a (4 m g IM de 6 / 6 h o r a s ) foi
ini-c i a d o no d i a d a a d m i s s ã o . E m 48 h o r a s a p a ini-c i e n t e r e l a t o u m e l h o r a d a ini-c e f a l é i a e, a p ó s 72 h o r a s , m e l h o r a p r o g r e s s i v a d a diplopia. A p ó s 1 0 d i a s de t r a t a m e n t o e n c o n -t r a v a - s e a s s i n -t o m á -t i c a .
C O M E N T A R I O S
O quadro com acometimento dos nervos motores oculares
unilateral-mente e do ramo oftálmico do trigêmio sugere a localização da lesão na
região do seio cavernoso. Patologias comuns a essa região tais como
aneu-risma da carótida interna (que foi o diagnóstico inicial dos dois primeiros
casos), tumor infiltrante do faringe ou do seio esfenoidal, cordoma ou
ade-noma da hipófise foram excluidos pelas radiografias do crânio, pela
angio-grafia, e pelo exame do cavo faríngeo. Arterite temporal foi excluída pela
ausência de sintomas generalizados, pela idade dos pacientes e pela
hemos-sedimentação relativamente baixa. Enxaqueca oftalmoplégica é improvável
pela ausência de comemorativos anamnésticos pessoais ou familiares e de
outros sintomas de enxaqueca tais como náuseas, vômitos e fotofobia.
Dia-betes mellitus, na qual tem sido relatado acometimento de todos os nervos
cranianos exceto o l.° e o 12.°
1.
2.
4, foi excluida pela normalidade da curva
de tolerância à glicose. Colagenoses foram excluídas pela ausência de
sinto-mas gerais e pela negatividade da pesquisa de células L . E . A angiografia
carotídea do caso 1 mostrou irregularidade e afilamento do sifão carotídeo
sendo bastante semelhante à angiografia do paciente de Tolosa
7(Fig. 1).
O quadro clínico de nossos pacientes enquadra-se perfeitamente na
sín-drome descrita por Tolosa
7e por Hunt e col.
3começando com cefaléia
fron-tal unilateral seguida, dias depois, por offron-talmoplegia progressiva e ptose
palpebral. A pupila do olho afetado é geralmente de diâmetro médio, com
reação lenta à luz. Em dois dos 6 casos descritos por Hunt e col.
3houve
acometimento unilateral do nervo óptico tal qual ocorreu com nosso terceiro
paciente. Um daqueles pacientes, o qual apresentava também discreta
prop-tose teve a órbita e região quiasmática explorados cirurgicamente com
resul-tados negativos, tendo permanecido completamente cego do olho afetado
ape-sar de recuperar os movimentos extra-oculares. Nossos pacientes não têm
história de recurrência a não ser pelo fato do paciente J . E . S . (caso 2) ter
apresentado cefaléia semelhante, não acompanhada de oftalmoplegia, em
1968, o que poderia ser interpretado como episódio frusto da doença.
O tratamento com corticóides foi iniciado logo que foi feita a suspeita
diagnostica. Os pacientes dos casos 1 e 2 foram tratados com uma dose
ini-cial de 80 miligramas de prednisona/24 horas e a paciente do caso 3 com uma
dose de 16 miligramas de dexametasona intramuscular/24 horas, sendo que
esta apresentou melhor resultado, com completo alívio da dor em 24 horas
tornando-se completamente assintomática após dez dias de tratamento.
Além dos 3 casos relatados neste trabalho tivemos a oportunidade de
rever a papeleta de dois outros casos semelhantes, cujo diagnóstico não foi
feito na ocasião da internação, e que deixamos de publicar por não terem
sido submetidos ao "work-up" completo mas que provavelmente têm a mesma
etiología. O fato de termos visto tantos casos em curto período de tempo
sugere que a freqüência desta síndrome em nosso meio deva ser mais elevada
do que geralmente se acredita. O diagnóstico é feito por exclusão. A rápida
melhora com o uso de corticóides é um dado confirmatorio do diagnóstico.
Na única necropsia descrita Tolosa
7R E S U M O
Após revisão da literatura são relatados 3 casos de polineuropatia
cra-niana. Os quadros clínicos se enquadram na síndrome de "oftalmoplegia
dolo-rosa", relatada por Hunt e col.
3e que fora anteriormente descrita por To¬
losa
7. A causa parece ser um processo inflamatório crônico de etiologia não
esclarecida situado na dura-mater da base do crânio notadamente do seio
ca-vernoso. Os 3 casos aqui relatados foram vistos, todos, no período de 4
meses, sugerindo que a freqüência desta síndrome em nosso meio deva ser
mais elevada do que geralmente se acredita. O prognóstico quanto à
recupe-ração é excelente mas recurrências são freqüentes. O diagnóstico diferencial
é discutido.
S U M M A R Y
Painfull ophtalmoplegia: report of three cases
Three cases of cranial polineuropathy similar to those published by Hunt
and c o l .
3under the name of "Painfull ophtalmoplegia" are reported. The
syndrome was first described by T o l o s a
7in 1954. The underlying pathology
is a chronic inflammatory process which involves the dura-mater of the base
of the skull, specially a t the cavernous sinus. The three cases here reported
were seen over a period of only 4 months, suggesting t h a t this syndrome is
more prevalent in Brazil than one might think. The prognosis as to recovery,
is good but recurrences are frequent. The differencial diagnosis is discussed.
R E F E R Ê N C I A S
1 . COLBY, A. O. — N e u r o l o g i c a l d i s o r d e r s of d i a b e t e s m é l l i t u s . P a r t 1. D i a b e t e s 1 4 : 4 2 4 , 1 9 6 5 .
2 . COLBY, A . O. — N e u r o l o g i c a l d i s o r d e r s of d i a b e t e s m é l l i t u s . P a r t 2. D i a b e t e s 1 4 : 5 1 6 , 1 9 6 5 .
3 . H U N T , W. E.; M E A G H E R ; J. N . ; L E F E V E R , H . E. & Z E M A N , W. — P a i n f u l l o p h t a l m o p l e g i a : i t s r e l a t i o n s t o i n d o l e n t i n f l a m m a t i o n of t h e c a v e r n o u s s i n u s . N e u r o l o g y ( M i n n e a p o l i s ) 1 1 : 5 6 , 1 9 6 1 .
4 . L A P S O N , D . & A U C H I N C L O S S , J . — M u l t i p l e s y m m e t r i c b i l a t e r a l c r a n i a l n e r v e p a l s i e s in p a t i e n t s w i t h u n r e g u l a t e d d i a b e t e s m é l l i t u s . A r c h I n t . Med. 8 5 : 2 6 5 , 1 9 5 0 .
5 . S M I T H , J . C. & T A X D A L , D. S. R. — P a i n f u l l o p h t a l m o p l e g i a : t h e T o l o s a - H u n t s y n d r o m e . A m e r . J. O p h t a l . 61:1466, 1 9 6 6 .
6 . S T E E L E , J . C. & V A S U V A T , A. — R e c u r r e n t m u l t i p l e c r a n i a l n e r v e p a l s i e s : a d i s t i n c t i v e s y n d r o m e of c r a n i a l p o l y n e u r o p a t h y . J . N e u r o l . N e u r o s u r g . P s y c h i a t . 3 3 : 8 2 8 , 1 9 7 0 .
7 . T O L O S A , E . — P e r i a r t e r i t i c l e s i o n s of t h e c a r o t i d s i p h o n w i t h t h e c l i n i c a l f e a -t u r e s of a c a r o -t i d i n f r a c l i n o i d a l a n e u r y s m . J. N e u r o l . N e u r o s u r g . P s y c h i a -t . 1 7 : 300, 1 9 5 4 .