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Adolescência, violência e sociedade.

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Academic year: 2017

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RES UMO:Partindo da expressão da violência no palco social, o autor interroga a resiliência psíquica dessa violência no adolescente. O adolescente violento m uitas vezes é um a pessoa desam parada. A vio-lência precisa ser contida, canalizada e dom inada. Para conseguir isso o adolescente precisa encontrar em si m esm o recursos e um podero-so apoio narcísico proveniente dos adultos. Ele precisa confrontar-se com adultos que não fraquejem , que resistam à sua destrutividade e que sirvam de referência para ele. Na falta disso, o adolescente não conseguirá orientar sua violência interna em sua busca de sentido, sua busca narcísica identitária. O tratam ento da violência passa, por-tanto, pela tom ada de consciência, por parte dos adultos, quanto ao papel que devem exercer na constituição do self, em particular no m om ento da adolescência.

Palavras - chave : Apoio narcísico; destrutividade; identidade; desam -paro; processo de adolescência; violência; conflito.

ABSTRACT: Adolescence, violence and society. Starting from the expression of violence in the social stage, the author questions the psych ical resilien ce of th at violen ce in adolescen ce. Th e violen t adolescent is often a helpless person. Violence m ust be contained, channeled and tam ed. In order to succeed in that, the adolescents need to find in them selves the m eans, and a powerful narcissistic support from the adults. They need to confront adults w ho can hold out their destructiveness and w ho can afford them references. If that lacks, the adolescents w ill not succeed in driving their inner violence towards their search for m eaning, their narcissistic and identity search. So, th e treatm en t of violen ce passes th rou gh th e adu lts takin g conscience of the role they m ust play in the construction of the self, especially in adolescence.

Ke yw ords : Narcissistic support; destructiveness; identity; helplessness; adolescence process; violence; conflict.

Psicanalista; diretor e professor do Laboratório de Psicologia Clínica e de Psicopatologia da Universidade de Paris 5, França; consultor do Ministério da Pesquisa e Ensino Superior do Governo da França; presidente do Collège International de L’Adolescence ( Cila) ; diretor da coleção Cham ps Libres, junto à Editora In Press; m em bro do com itê editorial das revistas

Adolescence, Cliniques M éditerranéennes,

Psy choperspectives, La Lettre du Grape; vice-presidente da Association pour la Form ation à la psychothérapie Psychanalytique de l’Enfant et de l’Adolescent ( Afppea) ; autor e organizador de vários livros, dentre eles, Transactions narcissiques à l’adolescence

( Dunod, 2002) ,

L’adolescent dans l’histoire

de la psychanalyse ( In Press, 2003) , Ce que souffrir veut dire ( In Press, 2004) .

Tradução de Pedro Henrique Bernardes Rondon

ADOLESCÊNCIA, VIOLÊNCIA E SOCIEDADE*

Fra n ç ois Ma rty

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A

violência urbana preocupa hoje em dia pelo nível que atingiu tanto em term os de freqüência quanto de intensidade. Exige um a análise aprofundada de suas causas, as quais, com o todos sabem os, são m últiplas, e convoca aqueles a quem interessa o psíquico, o relacional, o político e o social a form ular proposi-ções quanto ao seu tratam ento. Nenhum a análise séria pode pretender dar conta dessa violência reduzindo-a a este ou àquele fator. Portanto, não vou m e arriscar a explicar a violên cia n em m esm o a dar receitas de com o com batê-la ou transform á-la. Convém dem onstrar certa m odéstia nesse assunto, e não dar li-ções a quem quer que seja e, especialm ente, convém não perturbar o trabalho de todos aqueles que têm experiência nisso e labutam há m uito tem po em busca de soluções equitativas nesse terreno. Contudo, a partir de nossa experiência clínica e da com preensão que tem os da violência com o expressão psicopatológica, em particular daquela violência que se exprim e na adolescência, eu gostaria de abrir algum as vias de reflexão, com a esperança de que aquilo que tem valor na prática clínica possa contribuir para esclarecer um a problem ática que concerne ao cam -po am pliado do -político, do econôm ico e do social. É -possível pensar aquilo que se passa no palco social com o expressão deslocada do que costum eiram ente se produz no palco psíquico, um a vez que tudo fica desligado quando a violência não encontra outros objetos senão o próprio corpo do sujeito. Nas problem áticas do agir, o m undo interno é expelido sobre os objetos externos, e a violência é proje-tada aí. Hoje em dia os adolescentes atacam suas bases de vida, as de seus próprios pais. É contra esses objetos fam iliares que eles se enfurecem , com o se destruíssem a si m esm os, num m ovim ento de auto-sabotagem , a m enos que se trate de um a violência dirigida a seus pais.

NOS S A CONCEPÇÃO DA VIOLÊNCIA

EM S UAS RELAÇÕES COM A ADOLES CÊNCIA

É m uito freqüente que a violência esteja am algam ada com a adolescência. É certo que a adolescência é violenta, m as a violência não é exclusivam ente adolescente. Adem ais, a violência de que se trata nem sem pre é aquela em que acreditam os ( refiro-m e à violência atuada) . Convém distinguir um a violência dita “com um ” que pertence propriam ente ao processo da adolescência e um a violência “de expressão patológica” que não concerne à m aioria dos adolescentes. Tratase tam -bém de distinguir a violência atuada da violência sofrida, a violência auto-agres-siva e a violência hetero-agresauto-agres-siva, aquela que se exerce no am biente ( parental, educativo, social) do adolescente.

Ado le s c ê n c ia vio le n ta

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de abrir um cam inho para si m esm o. Porém , em se tratando da adolescência, vam os falar de “ violência do adolescente” , de “ violência na adolescência” , ou de “ violência da adolescência” ? De fato, o encam inham ento de nossa reflexão tenderá a questionar a ligação fundam ental que há entre violência e adolescên-cia, m ostrando as im plicações que decorrem daí no ter ritório da clínica e do tratam ento.

O processo da adolescência é antes de tudo o acontecim ento pubertário; é um arrom bam ento — Sigm und Freud descreve o processo do arrom bam ento com o “ excitações externas bastante fortes para arrom bar o pára-excitações” ( FREUD, 1923/ 1981, p.72) — que am eaça o eu, subm etendo o adolescente a um bom bardeio psíquico que se revela traum ático, com o, durante a guerra, o bom bardeio pode ser para o soldado traum atizado. Esse bom bardeio pubertário é um a violência contra a criança que agora é púbere, e desencadeia nela um a reação neurótica de um tipo sem elhante à neurose de guerra que o soldado pode conhecer. Para o adolescente, trata-se de um a neurose traum ática na qual a vio-lência é com preendida com o sendo a da genitalização do psiquism o e do corpo, que abala o corpo da criança. O processo da adolescência terá por função em seguida elaborar esse traum atism o, neurotizando-o.

O acontecim ento pubertário am eaça o eu de um perigo vivido com o advindo tanto de fora com o de dentro. A am eaça exterior — ou vivida desse m odo — é a do corpo púbere vivido com o “exterior”, eventualm ente persecutório. Um cor-po vivido num sentim ento de estranheza com o objeto externo e não com o um eu-corpo unificado. Não-representado, não-integrado num sentim ento de con-tinuidade da existência, esse corpo am eaça a unidade narcísica do sujeito pelas excitações que a puberdade traz, e ante as quais o sujeito se sente desarm ado, transbordado, relegando a um “não-lugar psíquico” essa fonte de excitações não m entalizadas.

A am eaça interior se origina na libido pubertária que potencialm ente põe em perigo o equilíbrio narcísico-objetal, correndo o risco de um a realização das fantasias edipianas pubertárias. A revivescência do roteiro edipiano infantil reli-do e reescrito à luz da genitalização potencializa os riscos de passagem ao ato, os riscos do recurso ao agir que encontram sua origem na potência, talvez m esm o na violência dos rem anejam entos pubertários.

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podem os nos interrogar acerca da natureza da adolescência que os jovens dos subúrbios vivem , com o acerca daquela que os jovens dos países que estão em guerra pelo m undo afora podem viver. Se o arrom bam ento pubertário perm ane-ce com o referência, esse m odelo poderia ser questionado de novo à luz destas situações particulares.

Um a vez que atua por reações violentas, o que falta ao adolescente é a possi-bilidade de pôr em ação o trabalho da ligação, esse trabalho psíquico que tece perm anentem ente o fio do sentim ento de continuidade da existência, a partir dos prim eiros tem pos da infância — em que é possível observá-lo com o que balbuciando nas alternâncias de presença/ ausência e na interiorização, na sim -bolização da presença e da ausência ( em especial do objeto m aterno) — até essa ocasião do acontecim ento pubertário, que fundam entalm ente funciona num re-gistro de descontinuidade e tam bém , no entanto, de continuidade ( m as não de perm anência) . Na adolescência, um a vez que o trabalho de ligação está faltando, está em sofrim ento, e se a atividade representativa em ação nas fantasias pubertárias não está contida e as experiências pubertárias perm anecem sem interpretação, o processo da adolescência enguiça quanto à sua função de elaboração da “violên-cia” pubertária. Porquanto o pubertário é violento: é violento de um a violência que lhe é inerente com o a própria violência, em si m esm a, é inerente a toda vida, a tudo aquilo que é vida e está vivo. O pubertário é violento por aquilo que traz de novidade, a princípio insana e am eaçadora, às vezes capaz de provocar tam a-nho desequilíbrio, um a ruptura tão grande na estabilidade da organização da vida psíquica, que o sujeito luta por sua sobrevivência e reage a isso com violên-cia. A violência ( atuada) não é fruto de um conflito, é um a reação instintiva de sobrevivência ( não é um a interiorização, é antes um a exteriorização) . Quando o conflito se trava no encontro de forças antagônicas, a violência é expressão de um a resposta ante um a am eaça vital, resposta que visa proteger a integridade narcísica de um sujeito que está se sentindo am eaçado, desam parado.

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com o alguém que busca o prazer essencialm ente narcísico para poupar o apare-lho psíquico das exigências do trabaapare-lho de ligação e de representação, porque os efeitos de traum atism os prim ários continuariam a fazer-se sentir no atual. Isso levou-nos a considerar o recurso ao agir destruidor do objeto com o um a defesa contra esses efeitos do traum atism o — agir para lutar contra a am eaça de desm o-ronam ento — ao m esm o tem po perm itindo que o sujeito prossiga num a vida de relação, sob determ inadas condições. A violência na adolescência traduz, portanto, um desam paro e um a dificuldade no processo de subjetivação; um a dificuldade cuja passagem pelo ato constituiria um a tentativa de solução, um a busca de tran-qüilização.

Pro p o s ta s pa ra um po s s íve l tra ta m e n to da vio lê n c ia

A partir de nossa com preensão da violência, e em particular daquela que se ex-prim e na adolescência, gostaríam os de expor alguns princípios que tornam operacionais as conclusões que tiram os de nossa experiência clínica com adoles-centes difíceis. Sem banalizar a violência nem dem onizá-la, trata-se de conside-rar quais são as alternativas à resposta de “tolerância zero” e de “chega de repres-são” que algum as vezes é apresentada hoje em dia, considerada por determ ina-dos especialistas com o sendo o único cam inho possível para o tratam ento da violência dos jovens. Se provoca um a resposta em term os de lim ites, de conten-ção, algum as vezes de cham ada da lei, a violência não poderá ser tratada pela única via da firm eza, se esta firm eza não se acom panhar de justiça e de respeito. É em torno da noção de “apoio narcísico parental” que desejo expor estas propostas.

O que é a p o io n a rc ís ic o pa re n ta l?

O apoio narcísico parental ( GUTTON, 1990) constitui o m elhor recurso para perm itir que os adolescentes lutem de m aneira eficaz contra sua própria tendên-cia à destruição, contra as projeções paranóicas. Esse apoio narcísico parental inclui a capacidade dos pais em oferecer a seus filhos adolescentes sustentação para sua agressividade. É assim que o conflito com os objetos externos pode nascer e progressivam ente ser interiorizado, retom ando o cam inho das vias de elaboração dos conflitos da infância, aproveitando as novas possibilidades que o conflito edipiano pubertário oferece. Para os pais, esse apoio narcísico im plica: Dar-se com o adulto ao adolescente que o procura para confrontar-se com ele. Oferecer lim ites, com o quem oferece um presente ( o dever dos lim ites — P.

Legendre) .

Resistir à destrutividade da violência adolescente, sem por isso contra-reagir pela violência, seja verbal, seja, pior ainda, física.

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Dar nom es às coisas, povoar de m arcos que façam sentido o m undo de rela-ções entre as gerarela-ções. É m uito freqüente que os adultos tenham m edo dos adolescentes, nessa ocasião em que os adolescentes precisam dos adultos. Con-versar, sem se confundirem com eles nem se ignorarem . É aos adultos que com pete a responsabilidade de orientar os m ais jovens.

Proporcionar seu apoio ao adolescente que esteja em situação de fragilidade narcísica; ter confiança na saída do processo de adolescência. Entretanto, em caso de dificuldade, quando os pais se sentem im potentes para ajudar seus filhos, eles devem aceitar o auxílio de um terceiro. O adulto tem o dever de proteger o adolescente contra si m esm o, pela confiança que m anifeste na sua própria transform ação.

Perceber o tornar-se adulto no ser adolescente, com tudo o que este estado com porta de incerteza, talvez m esm o de destrutividade potencial. A violência com porta em si m esm a a força da vida, m as encontra sua via de resolução no crédito que se dê ao adolescente quanto a poder ligá-la aos objetos e orientá-la em direção a algum a significação.

Oferecer objetos aos adolescentes para que eles prendam aí a sua violência: a oferta de cultura, de objetos culturais, é essencial e com pete aos adultos. Perm anecer na ligação com o adolescente, ligação de palavra, ligação de

inte-resse. Ajudar o adolescente a m anter um a atividade de ligação em seus inves-tim entos, ajudá-lo para que não sobrevenha o risco da ruptura.

Qua is s ã o a s c o n s e qüê n c ia s da a us ê n c ia de a p o io n a rc ís ic o pa re n ta l?

Em determ inados casos, o desam paro adolescente — o estado de desam paro no qual um adolescente pode se encontrar no m om ento de enfrentar a violência do arrom bam ento pubertário — lem bra aquele experienciado na infância, especial-m ente eespecial-m circunstâncias de privação. O adolescente que entra eespecial-m puberdade se vê outra vez defrontado com a ausência da m ãe que, se ele não conseguiu interiorizar sua função, lhe fará então m uita falta. Esse desam paro adolescente ressurgido da infância pode im peli-lo a com portam entos violentos para encon-trar a reparação para aquilo que considera um a injustiça, talvez m esm o um pre-conceito que ele sofreria. Ele procura conseguir, por todos os m eios, aquilo que não recebeu de sua m ãe e a que acredita ter direito.

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im p en sável, co m reações de invasão ligadas à falta do am bien te m atern o ( WINNICOTT, 1974) . Neste caso, trata-se de traum atism o por carência. É a acu-m ulação desses dois tipos de trauacu-m as ( trauacu-m a cuacu-m ulativo) que pode levar o adolescen te a recor rer ao ato, con siderado com o m odo de tratam en to do traum atism o e da angústia que a ele está ligada.

O estu do de diversos h om icídios com etidos por m en in as adolescen tes ( GOUDAL et al., 1998) tem dem onstrado algum as vezes que o desam paro e o ato violento que o acom panha vêm revelar os vestígios que as violências sofridas durante a infância tinham deixado nelas. Outras vezes, enfim , o desam paro adoles-cente é o de adolesadoles-centes inibidos, antes passivos, que vivem no tem or exatam ente de um apassivam ento que produziria confusão dem ais no plano da distinção entre realidade e fantasia, entre o eu e o outro e que, num dado m om ento, num contexto de fecham ento narcísico, tornaria necessário um ato que viesse cortar, diferenciar, conclam ar o outro a existir. Daí a im portância da resposta do am biente, porquanto são adolescentes que correm o risco de ficar ainda m ais desam para-dos se o am biente não responder da m aneira adequada a essa busca de encontro e/ ou de confrontação com adultos que os contenham .

Os objetos externos têm , portanto, um a im portância de prim eiro plano. Suportes da operação de busca de sentido de um vivido despersonalizante são tam bém objeto de projeção do ódio necessário à constituição de um espaço de pensam ento autônom o. Ninguém vai se surpreender, portanto, que eles sejam intensam ente solicitados e com freqüência abalados nesse duplo registro. A vio-lência do adolescente os visará tanto m ais quanto os espaços de pensam ento serão confundidos. Essa confusão tem conseqüências à m edida que o vivido fantasístico do adolescente encontra um a espécie de realidade com o desm oro-nam ento depressivo dos pais, seu estado de desam paro ou sua contra-violência. Ter podido experienciar a cólera parental, a função de lim ite e de pára-excitações que ela pode representar, oferece à criança ( e ao adolescente) a m elhor oportuni-dade de, por sua vez, poder conter sua própria violência.

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adolescentes, se se sentem am eaçados e im potentes, os pais induzem o senti-m ento de que esses ataques são irreparáveis, o que intensifica sensivelsenti-m ente a culpabilidade inconsciente dos adolescentes e os im pele a atuar. Observam os esse fenôm eno em pais que foram espancados — por exem plo — que não con-seguem conter a destrutividade de seus filhos e que, por seu desm oronam ento, estim ulam isso. Aquilo que parece um com portam ento m asoquista nos pais de fato m ascara a im possibilidade que esses adultos têm para identificar-se num a função parental. A violência do adolescente exprim e nesse caso a violência que os pais não puderam m anifestar em relação aos seus próprios pais. Visa os avós, com o se a operação sim bólica do assassinato do pai não tivesse tido lugar na geração precedente, com o se a violência pubertária dos pais não tivesse podido expressar-se nem ser elaborada. Atuando, tornando-a m anifesta, a violência do adolescente com em ora a violência que os pais não conseguiram viver em relação aos seus próprios pais. Dá testem unho tam bém do desespero vivido por esses pais que perderam , eles próprios, as referências de sua cultura.

O desam paro adolescente, portanto, faz pensar no estado de desam paro parental, aquele que quase sem pre os próprios pais vivem , em especial quando são confrontados com a violência atuada de seu adolescente. Essa coincidência das incapacidades dos pais e dos adolescentes quanto a se ajudar a si m esm os e a ajudar o outro cria um efeito de reforço. Do m esm o m odo com o o desam paro adolescente e o desam paro parental agem um sobre o outro, a violência do “tex-to” pubertário, a violência do arrom bam ento pubertário propriam ente dito e a violência do “contexto” adolescente, aquela que diz respeito aos circunstantes, ao am biente do adolescente, com freqüência agem um a sobre a outra. Estas vio-lências, não elaboradas, reforçam -se de m odo m útuo, correndo o risco de au-m entar seus respectivos efeitos destrutivos. Tornaau-m necessário uau-m trabalho terapêutico junto aos adolescentes tanto quanto junto aos pais, trabalho que fica-rá centrado em seu respectivo apoio narcísico.

Have rá a lte rn a tiva s a o “to le râ n c ia z e ro ”?

Acabam os de exam inar um determ inado núm ero de pontos:

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narcísico parental e, m ais am plam ente, am biental. O adolescente fica abandona-do por si m esm o e pode tam bém se sentir abanabandona-donaabandona-do pelos adultos, quanto m ais não seja, pela dificuldade destes quanto se constituir com o lim ite e com o detentores de um sentido, com o portadores da esperança e do futuro. Parece-m e que foi esta a argum entação que Aichhorn quis desenvolver em sua obra Jeunesse à l’abandon [ Juventude abandonada], de 1925.

Para facilitar com preender a gestão da violência, para preveni-la ou im pedi-la ( m as será que podem os de fato prevenir e im pedir a violência?) convém levar em conta determ inados elem entos: Um a vez que explode, a violência traduz o sentim ento de um a am eaça experienciada pelo adolescente ante um perigo vital. Esse sentim ento se baseia m uito num a experiência de injustiça. Nesse caso, a violência traduz a expulsão para fora de si de um conflito que não consegue interiorizar-se pela falta de um objeto. A violência é então um a agressividade em busca de objeto. Esse sentim ento de injustiça m uitas vezes encontra reforço na atitude dos adultos ante os adolescentes, atitude vista por estes com o ‘falta de respeito’. A falta de respeito dos adultos em relação aos adolescentes torna-se um argum ento para legitim ar a violência que então será um a resposta àquilo que é percebido com o um ataque que em ana do outro. A violência atuada em bando torna-se um fator de coesão do grupo em busca de identidade e reconhecim ento. Funciona com o catalisador e parece estar à altura de responder de m odo m ágico a todas as expectativas atuais e passadas, conscientes e inconscientes ou latentes dos adolescentes que estão sofrendo. Eles encontram no grupo a coesão narcísica de identificação que não conseguem construir pessoalm ente. Um a vez que se produz, um a vez que traduz o ódio que os adolescentes im aginam que os adultos têm por eles, a contra-violência dos adultos — incluída a da polícia — proporcio-na aos adolescentes que estão sofrendo o objeto que faltava para que sua violên-cia possa se exprim ir.

A via te ra pê utic a

A violência das pulsões, ligada ao processo pubertário, exige um apoio narcísico especial que diz respeito tam bém aos pais que são presas da angústia, presas de seu sentim ento de im potência para ajudar esse adolescente que lhes escapa, quando não são presas da cólera que os afoga. O alargam ento e a delicadeza do enquadre terapêutico podem dessa m aneira assum ir a significação de um a ajuda estendida aos pais, condição que algum as vezes é indispensável à busca de um a terapia com um adolescente, um a vez que a transferência incendeia a violência interna do jovem , alim entando suas projeções destrutivas contra os objetos parentais.

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dessa m aneira para lutar contra os efeitos destrutivos desses traum atism os. O cam i-nho da reconstrução só se esboça quando essa zona puder ser reconhecida, e com ela “as feridas produzidas pelos im pactos desses traum atism os” ( ROUSSILLON, 1996) . O tem po inicial do trabalho psicanalítico junto a esses adolescentes “politraum atizados” ( se ousam os dizê-lo assim ) é constituído desse reconheci-m ento. É ureconheci-m tereconheci-m po inicial ao qual se segue o trabalho analítico ( psicoterapia) e que algum as vezes pode se desdobrar em torno da análise das representações de desejo.

Um a vez que a violência tem origem traum ática — e na adolescência é assim — para que se possa ultrapassá-la vai ser necessário fazer dela um a narrativa com o perspectiva de reconstrução do sujeito. O tem po de dizer vai substituir o tem po da ação; a palavra vai criar as ligações associativas que vão reconstituir a tram a em cim a da qual vai-se poder retom ar um a história. A história dessa narra-tiva, objeto da ligação transferencial ao analista, torna-se o tem po forte dessa reconstrução, com o um a história dentro da História. Falar dessa m aneira, falar de si m esm o a um outro, devolve a capacidade de experienciar, de reencontrar as em oções que algum as vezes estão ligadas ao prim eiro tem po do traum atism o. Falar de si m esm o só será possível se o terapeuta ajudar o adolescente a reforçar suas defesas. De fato, ao contrário daquilo que ocorre habitualm ente, trata-se de reforçar as defesas do adolescente atacado de todos os lados e que se encontra num estado de grave fragilidade narcísica.

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linhagem está recusada, ou quando faltam esses elem entos que servem de refe-rência de si m esm os ( na grande parte das vezes contidos na construção edipiana) , ou ainda quando a problem ática parental está com o que congelada num estado de adolescência interm inável, e fica im possível ultrapassar o Édipo pubertário, então o adolescente terá tendência a atuar a violência, a am eaça, o desam paro que sente. Agredindo seus pais, ele procura explorar um cam inho diferente da-quele que esses pais trilharam . À sua m aneira, o adolescente retom a a questão da conflitualidade psíquica, insuficientem ente elaborada por seus pais, um a elabo-ração que dificilm ente poderá ser transm itida por eles aos seus próprios filhos. Talvez o adolescente espere dessa m aneira encontrar nos pais um apoio narcísico, sinal de sua capacidade de enfrentá-los, o que esses pais, no tem po deles, não puderam fazer com seus próprios pais. Não estará o adolescente dessa m aneira procurando fazê-los advirem , conclam á-los a existirem em suas funções parentais? De fato o adolescente espera que seus pais — ou seu terapeuta ou ainda que todo adulto que lhe sirva com o referência — não desm oronem ante sua própria violência, m as sim , ao contrário, que o ajudem a contê-la e a elaborá-la. Porque essa violência é expressão tanto de um a força nova quanto de um a am eaça que ataca vindo de dentro.

CONCLUSÃO

Se a violência se prende nos com portam entos e se, em essência, m as não apenas, é observada no palco social, sua origem está ligada, por um lado, a processos intrapsíquicos e, tratando-se da violência adolescente, a experiências de am eaça interna — difíceis de conter e de elaborar — que dão ensejo a projeções m aciças nos objetos externos. Esse é um aspecto de nossa análise da violência que m erece ser destacado um a vez que essa violência, essencialm ente narcísica, procura de algum m odo um objeto sobre o qual possa se fixar.

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Muitas vezes ela rem ete a um a im possibilidade de criar o espaço psíquico neces-sário ao encontro com o outro. A violência evidencia um a dificuldade im portan-te que o adolescenportan-te experiencia para entrar na alportan-teridade, quando esta é fonportan-te de am eaça. É tam bém neste sentido que consideram os a violência com o expressão de um im passe no processo de adolescência. A violência seria bem m ais um apelo à confrontação e ao encontro, à criação de objeto, de relação e de sentido — em bora seja claro que é tam bém pedido de lim ite — do que um apelo à lei do pai. A violência do adolescente é fundam entalm ente expressão de um a am eaça tanto interna ( em anando em especial do ataque da parte dos objetos internos, ataque do qual o adolescente se sente vítim a) quanto proveniente dos objetos externos ( do am biente, m as às vezes tam bém de seu próprio corpo púbere) . Nesse sentido é preciso ajudar o adolescente a encontrar os recursos psíquicos para enfrentar essa am eaça, de preferência a dar-lhe na realidade o sentido de que o problem a a ser resolvido não está nele, m as diante dele.

O “enfrentam ento” a que os jovens dos subúrbios se entregam nos dá um a boa ilustração dessa violência. Diante dos policiais, os jovens se encontram no ódio o necessário para diferenciar-se, para aparentar-se, filiar-se, reconhecer-se num a identidade de pertencer a um bairro, talvez m esm o a um território. O outro é um inim igo necessário a esse trabalho de identificação. Mas essa confrontação é as-sassina, porque não há nenhum a interm ediação, especialm ente não há adulto ( ou não há adulto bastante) , não há figuras suficientem ente presentes em sua con-dição de terceiro para m ediatizar o ódio e ajudar na sua transform ação. A violência aqui não é rivalidade edipiana, m as sim violência em busca de outro para se construir. A violência é fundadora da subjetividade, contanto que se renuncie à sua efetuação. Se é tão atuada hoje em dia, é talvez porque o adulto e, com este, a sociedade civil, fracassaram quanto a ser referências. O adolescente se torna um analisador dessa ausência de confiança dos adultos quanto ao devir da juventude. Um analisador de seu desam paro?

Se a violência, em suas form as destrutivas, constitui um ataque à cultura e à hum anidade com o um todo, as respostas que precisam os propor devem ajudar a juventude a transform ar essa violência ao m esm o tem po protegendo o corpo social contra o risco que a violência faz pesar sobre ele. Essas propostas, portanto, não têm que opor a defesa do social à proteção dos m enores, m as devem , ao contrário, fundar a defesa do social e da cultura na proteção dos m enores. Pare-ce-nos que é assim que o gozo experienciado na onipotência da destrutividade que está em ação nos subúrbios poderá transform ar-se em prazer de ser e de criar. Mas ainda é preciso que a sociedade dos adultos assum a o cuidado de sua juventude, que lhe proporcione os recursos para seu futuro.

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REFERÊNCIAS

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François M arty

fm arty.noos.fr

Referências

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