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O discurso sobre a homossexualidade: o conceito dos estudantes internos de medicina da UFRN e as influências para esta composição discursiva

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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS. MARLLA SUÉLLEN DE MELO DANTAS. O DISCURSO SOBRE A HOMOSSEXUALIDADE: O CONCEITO DOS ESTUDANTES INTERNOS DE MEDICINA DA UFRN E AS INFLUÊNCIAS PARA ESTA COMPOSIÇÃO DISCURSIVA. NATAL 2017.

(2) MARLLA SUÉLLEN DE MELO DANTAS. O DISCURSO SOBRE A HOMOSSEXUALIDADE: O CONCEITO DOS ESTUDANTES INTERNOS DE MEDICINA DA UFRN E AS INFLUÊNCIAS PARA ESTA COMPOSIÇÃO DISCURSIVA. Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestra em Ciências Sociais. Orientadora: Profa. Dra. Lore Fortes. NATAL 2017.

(3) Universidade Federal do Rio Grande do Norte Sistema de Bibliotecas – SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN – Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes – CCHLA. Dantas, Marlla Suéllen de Melo. O discurso sobre a homossexualidade: o conceito dos estudantes internos de medicina da UFRN e as influências para esta composição discursiva / Marlla Suéllen de Melo Dantas. 2017. 103f.: il. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, 2017. Orientador: Prof.ª Dr.ª Lore Fortes.. 1. Homossexualidade. 2. Internos de Medicina (UFRN) homossexualidade. 3. Gêneros e sexualidades. 4. Formação em Medicina. I. Fortes, Lore. II. Título. RN/UF/BS-CCHLA. CDU 316.837.

(4) MARLLA SUÉLLEN DE MELO DANTAS. O DISCURSO SOBRE A HOMOSSEXUALIDADE: O CONCEITO DOS ESTUDANTES INTERNOS DE MEDICINA DA UFRN E AS INFLUÊNCIAS PARA ESTA COMPOSIÇÃO DISCURSIVA. Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestra em Ciências Sociais. Orientadora: Profa. Dra. Lore Fortes. Aprovada em: 21/08/2017. BANCA EXAMINADORA:. ______________________________________________ Profa. Dra. Lore Fortes Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) (Orientadora). ______________________________________________ Prof. Dr. Homero de Oliveira Costa Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) (Examinador Interno). ______________________________________________ Prof. Dr. Felipe Bruno Martins Fernandes Universidade Federal da Bahia (UFBA) (Examinador Externo).

(5) Dedico este trabalho de modo especial àquele que, no período em que eu batalhava para realizar esta dissertação, lutava pela vida: Titio (in memorian). Com você, aprendi a nunca desistir, apesar dos pesares..

(6) AGRADECIMENTOS. Assim como em outros aspectos da vida, minha trajetória com este trabalho não se fez sozinha. Por isso, o momento é de agradecer. Muitas foram as pessoas que estiveram ao meu lado e me acompanharam durante o mestrado e ao longo de todo o tempo que se fez necessário para a composição dessa dissertação. Agradeço à minha família: Titia e Tia Angelina, minhas duas mães de coração, por sempre estarem ao meu lado, me apoiando para a concretização dos meus sonhos e nas lidas diárias; aos meus pais, Francisco de Assis e Marleide Melo, por também me apoiarem nos meus objetivos e por saber que posso contar com eles; Tia Neide, que acompanhou de perto esse momento e sempre se fez presente quando precisei; minha irmã, Assileide, pela disponibilidade em ajudar e pelos conselhos nos momentos difíceis e ao meu irmão, Raphael, por saber que posso contar com ele em todos os momentos. À minha orientadora, professora Lore Fortes, muito obrigada pelo acolhimento desde o início da trajetória no mestrado, pela caminhada realizada ao longo desse período e por ter sempre acreditado no meu trabalho. Ao professor Alípio de Sousa, agradeço aos poucos, porém proveitosos encontros em que conversamos sobre o meu trabalho, sempre impulsionando de forma positiva para o andamento da pesquisa por meio de seus conhecimentos. Às minhas grandes amigas que tanto me inspiram a ser melhor: Andresa Carvalho, por todo o apoio nesse tempo e por sempre estar junto, não só nesse período como na vida; a Marina Duarte, por se fazer presença constante em minha vida e por ter me ajudado a levantar em todos os momentos difíceis dessa fase; Aldijane Jales, por estar sempre disposta a me ouvir e por acreditar em mim mais até do que eu mesma; a Flávia Yonara, por sua amizade e por ter me ouvido, incansáveis vezes, falar sobre esse trabalho, sempre me apoiando e ajudando a pensar da melhor forma; Priscila Portela, pela lealdade e segurança de saber que sempre posso contar e Jussara Alves pela amizade de tantos anos. Aos amigos que fiz no mestrado e que contribuíram, cada um à sua maneira, para que essa caminhada valesse a pena. Com eles, compartilhei mais de perto e intensamente todas as dores e delícias desse período: Rayane Oliveira, pela parceria desde o início da trajetória, ao apoio e disposição em ajudar; a Érika Batalha pela amizade e todas as trocas e diálogos, sempre estando disposta a me ouvir, para além dissertação. Aos amigos Zeneide Rodrigues, Clécio Jamílson, Carol França, Juliana Magalhães e Sidney Oliveira com quem dividimos,.

(7) juntos, as alegrias nos fins de aulas, regado a conversas e risadas. De modo especial, destaco Zeneide Rodrigues, por se mostrar amiga em tantos outros momentos, me apoiando e sempre me dando força; a Clécio Jamílson, pela amizade fortificada ainda que distantes fisicamente, pela leveza com que, juntos, conseguimos conduzir esses últimos meses de escrita, um sempre dando força ao outro e, mesmo com as adversidades, compartilhando gargalhadas; e a Carol França, pela amizade, preocupação e por estar sempre presente quando precisei. Ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFRN e aos seus servidores, Otânio e Jefferson, pela eficiência e paciência com que conduzem os seus trabalhos, sempre nos ajudando e apoiando. À Capes, que viabilizou a realização deste trabalho por meio da bolsa de mestrado concedida para a efetivação da pesquisa. Não poderia deixar de agradecer também aos estudantes internos de Medicina que dispuseram do seu tempo para participar desta pesquisa, sempre de forma cordial. Enfim, muito obrigada a todas essas pessoas, que, de uma forma ou de outra, puderam agregar saberes, cuidados e atenção valiosos e importantes à minha caminhada para a realização desta dissertação!.

(8) RESUMO Considerando o discurso como reverberação de discursos precedidos (FOUCAULT, 2014) e ponderando acerca dos seus efeitos, este trabalho propõe-se analisar o sentido dado para o conceito de homossexualidade, de acordo com o discurso dos estudantes internos do curso de graduação em Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Para tanto, os discentes internos foram interrogados acerca da compreensão sobre o conceito de homossexualidade e indagados sobre as influências adquiridas para compor esse discurso, atentando para as contribuições teóricas da graduação em Medicina. Metodologicamente, trata-se de pesquisa qualitativa, cujos dados empíricos colhidos foram analisados sociologicamente por meio do referencial teórico sobre o construcionismo social e os estudos de sexualidade e gênero. Os resultados da análise da pesquisa apontam que os discentes internos de Medicina compreendem a homossexualidade a partir de causas biológicas e/ou sociais que a determina - com ênfase para o determinismo biológico. Ademais, as infuências para a composição desse discurso partiram, de modo massivo, do senso comum e o curso de graduação não contribuiu, diretamente, para a formação desses enunciados, uma vez que não há discussões concernentes a esse tema, exceto pelo currículo oculto. Com isso, este trabalho lança reflexões sobre as deficiências presentes no discurso dos futuros médicos sobre a homossexualidade, além de gerar reflexões acerca da estrutura curricular do curso de Medicina da UFRN. Palavras-chave: Gêneros. Sexualidades. Homossexualidade. Discurso Médico-Científico. Formação em Medicina..

(9) ABSTRACT Considering the discourse as a reverberation of speeches preceded (FOUCAULT, 2014) and pondering about its effects, this paper proposes to analyze the meaning given to the concept of homosexuality, according to the discourse of Medicine graduation course's internal students of Federal University of Rio Grande do Norte. In order to do so, the internal students were asked about the understanding which concerning to the concept of homosexuality and they were questioned about the acquired influences to compose this discourse, considering the theoretical contributions of the graduation in Medicine. Methodologically, this is a qualitative research, whose empirical data were analyzed sociologically through the theoretical reference about social constructionism and sexuality and gender's studies. The results of the research analysis point out that the medicine internal students' discourses understand homosexuality from biological and/or social causes that determine it - with emphasis on biological determinism. In addition, the influences for the composition of this discourse started, massively, from common sense and the graduation course did not contribute, directly, to the formation of these statements, since there are no discussions concerning this theme, except for the hidden curriculum. Thereby, this work throws reflections on the deficiencies present in the speech of the future doctors about the homosexuality, besides generating reflections about the curricular structure of the UFRN's Medicine course. Keywords: Genders. Sexualities. Homosexuality. Medical-Scientific Discourse. Academic training in Medicine..

(10) SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 12 CAPÍTULO I – RELAÇÕES SEXUAIS ENTRE GÊNEROS IGUAIS .................................. 16 1.1 A invenção da sexualidade ............................................................................................. 17 1.2 A criação da homossexualidade em relação com a heterossexualidade ......................... 20 1.3 Discursos teóricos sobre a homossexualidade ................................................................ 23 1.4 A construção da homossexualidade no Brasil ................................................................ 26 1.5 A homossexualidade teorizada por estudiosos brasileiros .............................................. 28 1.5.1 Início do século XX até a década de 1930................................................................... 28 1.5.2 Década de 1940 até 1950 ............................................................................................. 31 1.5.3 Década de 1960 e 1970 ................................................................................................ 31 1.5.4 Década de 1980 ............................................................................................................ 34 1.5.5 Década de 1990 até os dias de hoje ............................................................................. 34 CAPÍTULO II – DESCONSTRUINDO O CONCEITO DE HOMOSSEXUALIDADE ....... 39 2.1 Sexo, Gênero e Sexualidade: produzindo corpos e identidades ..................................... 40 2.2 Há causas para a homossexualidade? ............................................................................. 46 2.3 Uma nova perspectiva sobre as sexualidades ................................................................. 51 CAPÍTULO III – O CONCEITO DOS ESTUDANTES INTERNOS DE MEDICINA SOBRE A HOMOSSEXUALIDADE E AS INFLUÊNCIAS PARA ESSA COMPOSIÇÃO DISCURSIVA .......................................................................................................................... 55 3.1. Pesquisa empírica .......................................................................................................... 55 3.1.1 Metodologia ............................................................................................................. 55 3.1.2 Ingressando no campo: conhecendo os sujeitos da pesquisa ................................... 56 3.1.3 Perfil dos participantes ............................................................................................. 59 3.2 Apresentação e análise dos dados: construindo o discurso dos internos de Medicina sobre a homossexualidade..................................................................................................... 59 3.3 Homossexualidade é uma escolha? ................................................................................. 65 3.4 O discurso das causas da homossexualidade .................................................................. 70 3.4.1 Primeira linha: “Homossexual desde o nascimento” ............................................... 72 3.4.2 Segunda linha: “Homossexual desde o nascimento, porém existe relação com as interferências do meio” ..................................................................................................... 73 3.4.3 Terceira linha: “Homossexualidade determinada por um conjunto de fatores”. ...... 77 3.4.4 Quarta linha: “Homossexualidade determinada por um conjunto de fatores, contudo a sexualidade pode se modificar”. ..................................................................................... 79.

(11) 3.4.5 Síntese do quadro conceitual “Linhas de Pensamento Determinantes” ................... 82 3.5 Problematizando sobre as influências discursivas para a produção do conceito de homossexualidade ................................................................................................................. 84 3.5.1 A influência da graduação em Medicina..................................................................84 3.5.2 Demais influências para a constituição do discurso.................................................92 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................97 REFERÊNCIAS...............................................................................................................100.

(12) INTRODUÇÃO No início do livro “A ordem do discurso” o filósofo francês Michel Foucault argumenta que “no momento de falar uma voz sem nome me precedia há muito tempo” (2014, p. 5). Este fragmento nos faz refletir sobre como somos guiados por discursos inscritos em algum lugar e/ou momento da história. Nesse sentido, parece-nos instigante compreender o porquê de certos assuntos serem ditos da maneira que são ditos para, assim, repensá-los. Neste ponto, incorporamos o tema da homossexualidade a nossa argumentação. Considerando a história do conceito de homossexualidade, atentamos para a sua ampla produção discursiva, que teve início no século XIX. Nesse sentido, o que foi anunciado por meio dessa elaboração de discursos? O comportamento homossexual foi, inicialmente, classificado sob a ótica médica como uma anormalidade e os homossexuais como anormais. A partir daí, uma gama de estudos foi empreendida majoritariamente pelo discurso médicocientífico para explicar as causas que determinavam a anormalidade ou desvio dos sujeitos homossexuais. Dentre outros argumentos, esses estudos apontavam para desordem hormonal, transtorno psíquico, hereditariedade, defeitos congênitos, fatores genéticos. Do mesmo modo que antes, a discussão acerca da homossexualidade continua em evidência, embora os termos outrora criados, desvio e anormalidade, tenham sido superados em sua definição. Além disso, nos últimos trinta anos, novas abordagens, como as relacionadas aos estudos de gênero e sexualidade, foram pensadas em contraponto ao determinismo biológico. Contudo, ainda impera o discurso da biologia para discorrer sobre a homossexualidade. Tendo em vista os fatos apresentados sobre essa temática, invocamos a pergunta abordada por Foucault ao questionar a reverberação dos discursos: “Mas, o que há, enfim, de tão perigoso no fato de as pessoas falarem e de seus discursos proliferarem indefinidamente? Onde, afinal, está o perigo?” (2014, p. 8). No tocante à homossexualidade, à medida que o comportamento homossexual foi sendo classificado como um desvio, perversão ou anormalidade foi se estabelecendo um desprezo ou repulsa a esta sexualidade e aos sujeitos que a praticam. Repúdio este que, hoje, marca o cotidiano destes indivíduos, nos mais diversos espaços sociais, pois são reflexos dos discursos outrora produzidos. Desse modo, podemos dizer que o “perigo” desse discurso encontra-se explícito nas vivências dos indivíduos homossexuais.. 12.

(13) É diante dessa realidade que lançamos a seguinte indagação: como as conjecturas criadas sobre a homossexualidade, ao longo de sua história, estão reverberando no discurso dos futuros médicos formados pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte? Tal questionamento encontra a sua devida importância quando nos deparamos diante de dois aspectos. O primeiro aspecto refere-se à discriminação existente nos serviços de saúde em razão da preferência sexual do indivíduo. Nesse sentido, é importante atentar para o fato de que a discriminação é expressa, na maioria das vezes, enquanto uma violência simbólica1. Isto ocorre quando o discurso sobre a anormalidade é proferido, mesmo que de forma sutil, no contexto da relação entre o médico e o paciente homossexual. Neste momento, o paciente pode se reconhecer nas representações feitas a partir da construção do discurso do médico. O segundo aspecto diz respeito à forma como as faculdades de Medicina, no Brasil, abordam a temática das sexualidades em suas estruturas curriculares. É sabida a existência de uma visão reducionista e, nesse sentido, circunscrita dentro do ponto de vista das ciências biológicas, no que tange às sexualidades. Sendo assim, pretendemos fazer uma análise sociológica do discurso dos estudantes que estão na etapa do Internato2 do curso de Medicina da UFRN sobre o conceito de homossexualidade. Para realizar esta análise, investigamos os entrevistados acerca das influências que eles obtiveram para compor esse discurso e, nesse ponto, indagamos sobre as contribuições teóricas do curso de Medicina para essa composição discursiva. Com isso, objetivamos identificar como os futuros médicos estão apreendendo esse conceito e como o curso de graduação pode estar contribuindo para compor este discurso sobre a homossexualidade. O sentido da escolha pelos discentes do Internato em Medicina se deu pelo fato de estes internos, como são chamados esses estudantes, estarem nos quatro últimos semestres da formação médica, período em que eles estão colocando em prática os ensinamentos teóricos recebidos ao longo do curso. Por este motivo, atentamos para as influências do curso de Medicina no tocante ao discurso dos futuros profissionais sobre a homossexualidade. Com isso, ao refletirmos sobre o entendimento do discurso dos futuros profissionais sobre a. 1. Ver mais em: BOURDIEU, P. O campo científico. In: Ortiz, R. & Bourdieu, P. Coleção Cientistas Sociais. São Paulo: Ática, 1994. 2 O internato de Medicina pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte corresponde aos quatro últimos semestres letivos do curso, ou seja, parte do nono ao décimo segundo períodos. Nesta etapa, o estudante coloca em prática o que foi aprendido durante os oitos semestres letivos. A experiência dos internos se dá, de acordo com o Projeto Político Pedagógico do Curso de Medicina, em unidades do Complexo de Atenção à Saúde da UFRN, tais como, o Hospital Universitário Onofre Lopes e a Maternidade Escola Januário Cicco, nos serviços do Sistema Único de Saúde e nas unidades conveniadas.. 13.

(14) homossexualidade, saberemos também se a formação médica da UFRN está contribuindo para a formação do discurso referente à temática sobre essa sexualidade. Desse modo, este trabalho está dividido em três capítulos. No capítulo I apresentamos a história sobre o conceito de sexualidade, tendo como principal referência os escritos de Michel Foucault. Feito isso, alcançamos às discussões sobre a homossexualidade. A partir de então, fizemos um apanhado histórico, que se iniciou do século XIX até os dias de hoje, apresentando as teorias e discursos médico-científico sobre essa categoria de exercício de sexualidade. Desse modo, mostramos como o sentido para o discurso da homossexualidade originou-se e foi se desenvolvendo. Para isso, recorremos às obras de Jurandir Costa Freire, Peter Fry, Edward MacRae, João Silvério Trevisan, James N. Green e Jackson Ronie Sá da Silva, os quais trazem de modo específico as discussões sobre as teorias dominantes acerca da homossexualidade. No tocante às idéias biomédicas presentes na atualidade sobre esse tema, recorremos às argumentações do médico Dráuzio Varella, da neurocientista Suzana HerculaHouzel e em artigos publicados em periódicos científicos da área. Desvelados os enunciados hegemônicos sobre o conceito de homossexualidade, seguimos para o segundo capítulo. No capítulo II desconstruímos a formação do conceito homossexualidade, que fora fundamentado em um contexto “médico-legal, psiquiátrico, sexológico e higienista” (COSTA, 1992, p. 24). Na medida em que fazemos isso, revelamos as pretensões e os “perigos” desse discurso. Para empreender essa desconstrução, contamos com o arcabouço teórico e conceitual dos escritos sobre construcionismo social e os estudos de gêneros e sexualidades. Conforme empreendemos isso, estamos propondo um novo modo de pensar sobre a homossexualidade, bem como as sexualidades de um modo geral. Sendo assim, dedicamo-nos com atenção às escolhas bibliográficas, pois corroborando com Minayo, “o investigador tem que se esmerar na constituição, ampliação e articulação de seu quadro teórico” (2013, p. 96). Desse modo, as principais referências são Judith Butler, Thomas Laqueur, Guacira Lopes Louro, Adrienne Rich, Jeffrey Weeks, Jonathan Kats, Alípio de Sousa Filho, John Gagnon, dentre outros/as. Denotadas as perspectivas teóricas, avançamos para o último capítulo. No capítulo III apresentamos os caminhos para a realização da pesquisa empírica, que objetiva analisar sociologicamente o discurso dos discentes internos de Medicina sobre o conceito de homossexualidade, atentando para as influências que esses sujeitos tiveram e, nesse sentido, averiguando o papel do curso de graduação para a contribuição na composição desse discurso. A pesquisa possui caráter qualitativo e, sendo assim, lançamos mão de um. 14.

(15) roteiro semiestreturado de entrevista para efetivar o campo, que contou com a participação de quatorze estudantes internos de Medicina da UFRN. Por meio das discussões teóricas sobre sexualidade e gênero trazidas nos capítulos I e, em especial, no II, foram feitas as análises dos dados recolhidos. Nesse sentido, conseguimos compreender de que forma e em que bases estão estruturados os discursos dos internos de Medicina sobre o conceito de homossexualidade. Além disso, apresentamos as principais influências que os internos obtiveram para a composição desse discurso e, sendo assim, conseguimos identificar se o curso de graduação em Medicina está contribuindo teoricamente para isso. Finalizado o último capítulo com a apresentação e análise dos dados, apontamos as considerações e reflexões acerca dos resultados.. 15.

(16) CAPÍTULO I – RELAÇÕES SEXUAIS ENTRE GÊNEROS IGUAIS. Iniciamos este capítulo anunciando que a homossexualidade, entendida aqui como a prática sexual entre pessoas do mesmo gênero3, sempre existiu na história das sociedades humanas. Contudo, o conceito para homossexualidade e para o homossexual, tal como conhecemos hoje, são fenômenos recentes. Sendo assim, antes de discorrermos sobre a categoria homossexualidade, nos limitamos neste instante a nomeá-la por meio da frase “relações sexuais entre gêneros iguais” ou “práticas sexuais entre gêneros iguais” com o objetivo único de afirmar que esta expressão de sexualidade e o seu significado estão relacionados às condições específicas do seu surgimento. Neste sentido, conforme o tempo e o espaço em que estavam localizadas, as relações sexuais entre gêneros iguais configuravam-se de uma determinada forma. Sendo assim, houveram variados modos de organizá-la, a exemplo da pederastia4, na Grécia Antiga, e da sodomia5, na Idade Média, em um panorama breve. Hoje, estas práticas estão caracterizadas sob a expressão homossexualidade e este conceito emergiu no contexto do surgimento de um outro conceito fundamental, produzido pelo discurso médico-científico, no século XIX: a sexualidade. Assim, em meio às discussões acerca das práticas sexuais, a homossexualidade foi cunhada pelo médico húngaro Karl Kertbeny e utilizada, pela primeira vez, pelo próprio autor, em 1869. Inicialmente, Kertbeny pretendia que esta expressão fosse uma variante benigna da sexualidade. Porém, o termo findou tornando-se uma descrição médico-moral através de alguns autores sexólogos e, desse modo, foi considerado como fora da norma sexual (WEEKS, 2001). Homossexualidade é uma designação muito importante para a nossa discussão, uma vez que originou definitivamente um novo jeito de pensar sobre estas práticas sexuais e, principalmente, sobre as pessoas que a praticavam. De sua criação até os dias de hoje, houve uma proliferação discursiva sobre as definições para as relações entre pessoas do mesmo gênero, sendo homossexualidade a expressão corrente. No seguinte tópico nos debruçaremos 3. O gênero está sendo pensado a partir da categoria do sexo biológico socialmente construído, que visa diferenciar os papeis sociais para o homem e para a mulher. 4 Denominava-se pederastia a relação sexual que ocorria entre um homem mais velho e um homem mais jovem. Este se chamava erômenos, aquele erastes. A relação entre eles possuía traços pedagógicos, pois “o que estava em jogo era a educação do cidadão”, no caso, o erômenos (COSTA, 1994, p. 134). Sendo assim, a pederastia era consentida enquanto um modelo amoroso para essa sociedade. 5 A prática sexual entre pessoas do mesmo gênero, denominada pela Bíblia por meio da expressão sodomia, veio a ser considerada um dos pecados mais graves pela Igreja.. 16.

(17) no contexto do conceito que fez emergir um novo imaginário sobre as práticas sexuais e os seus praticantes.. 1.1 A invenção da sexualidade. Reconhecer que um fenômeno é uma invenção é considerar que possui história e que os discursos sobre ele são construídos, ou seja, são construções históricas e sociais. Por serem construtos, pressupõe-se uma conjuntura determinada em um período mais ou menos fixo. Sendo assim, é essencial atentar para o contexto da invenção deste fenômeno, para que se destina, e todas as implicações que pode gerar. Em vista disso, e diferente do que muitos acreditam, a sexualidade é uma invenção. Até o século XIX não havia a noção de sexualidade tal como é conhecida hoje. E como o sexo, enquanto ato ou prática, era compreendido nos períodos anteriores a este século? Como se deu a construção do fenômeno da sexualidade e como está configurado? Como vimos, desde a Idade Média existiam questões relativas aos comportamentos sexuais que eram inquietações da religião, sendo geridas pela Igreja, especialmente. Nesse sentido, à instituição Igreja coube falar sobre o sexo e, assim, produzir discursos. Segundo Foucault (2015), no volume 1 de “A história da sexualidade”, a técnica da confissão contribuiu enormemente para a produção do discurso sobre o sexo, tendo em vista que tudo devia ser dito no confessionário da pastoral cristã, desde pensamentos e desejos até as práticas. O mecanismo de confissão penetrou de tal modo na vida das pessoas, que elas não percebiam mais como uma obrigação, pois já estava completamente naturalizado nas práticas cotidianas. Com isso, a Igreja fixava as fronteiras entre o permitido e o não permitido no tocante às possibilidades de vivenciar o sexo, mostrando como se deve comportar e pensar sobre este assunto. Ainda conforme o autor francês, esta produção discursiva sobre o sexo proliferou-se na Idade Moderna, a partir do século XVII, por intermédio da religião, e intensificou-se durante o século XIX. Deste modo, colocou-se o sexo em uma intensa rede discursiva. Toda essa explosão discursiva funcionou como uma estratégia com pretensão de controlar os indivíduos, mas não através da proibição, e sim, da produção e imposição de definições sobre os comportamentos sexuais (FOUCAULT, 2015). Esta produção acerca do sexo manifesta-se em termos de conduta apropriada ou inapropriada e legítima ou ilegítima, podendo ser incitadas ou coibidas. 17.

(18) No transcorrer deste período a elaboração do discurso sobre o sexo desloca-se do prisma judaico-cristã para uma perspectiva racional e científica. Sendo assim, as questões relativas ao sexo e às práticas sexuais aceitáveis e inaceitáveis, sob o ponto de vista da ordem e da moral religiosa, são apoderadas pelo discurso científico. Com isto, formula-se um discurso racional no qual ele vai ser analisado, classificado e especificado (FOUCAULT, 2015).. O domínio do sexo não será mais colocado, exclusivamente, sob o registro da culpa e do pecado, do excesso ou da transgressão, e sim no regime (que, aliás, nada mais é do que sua transposição) do normal e do patológico; define-se, pela primeira vez, uma morbidez própria do sexual; o sexo aparece como um campo de alta fragilidade patológica: superfície de repercussão para outras doenças, mas também centro de uma nosografia própria, a do instinto, das tendências, das imagens, do prazer e da conduta (FOUCAULT, 2015, p. 76).. Neste sentido, a noção de sexualidade surge no âmbito de um modelo científico de discurso criado pela cultura ocidental. Os pressupostos científicos sobre este tema são muito recentes, pois datam do século XIX as primeiras teorias médico-científicas que incorporaram o tema da sexualidade na ordem social. [...] foi sobretudo no fim daquele século que houve, na Europa, um grande movimento cultural em moldes médico-científicos, que questionou diretamente as crenças anteriormente sustentadas sobre o papel da sexualidade na vida humana (GAGNON, 2006, p. 70).. A partir desta nova perspectiva, o sexual passa a ter uma grande relevância na vida das pessoas, uma vez que o domínio do sexo passa a compreender, para além das práticas sexuais, seus próprios praticantes. O sexo vai transpor os limites de uma usual atividade sexual para introduzir-se como uma dimensão constituinte da pessoa humana: a sexualidade. Segundo Gagnon, os precursores deste assunto “agiram no sentido de tirar a sexualidade do campo do bizarro e do desconhecido - no sentido de introduzir os atos e os atores sexuais no mundo do percebido” (2006, p.71). E, nesse sentido, a sexualidade foi reformulada e incluída na ordem social, sendo, portanto, uma invenção da cultura. Desse modo, a sexualidade emerge tendo como pressuposto o discurso da natureza biológica presente nos sexos masculino e feminino, enquanto diferenças. Neste momento, é importante atentar para esta distinção biológica que fora criada entre o homem e a mulher, tendo como base fundamental as distintas características físicas baseadas, especialmente, nos órgãos genitais. Nesse sentido, afirma Laqueur “a anatomia no contexto da diferença sexual era uma estratégia representativa que iluminava uma realidade extracorpórea mais estável” (2001, p. 50). 18.

(19) No final do século XIX, a temática da sexualidade adquire a condição de disciplina, intitulada sexologia. Os estudiosos pioneiros sobre esta disciplina argumentavam sobre a existência de um instinto sexual que exprimia “as necessidades fundamentais do corpo” (WEEKS, 2001, p. 39).. A força do instinto sexual, sua própria naturalidade e a necessidade social de que sua expressão seja controlada ou inibida continuaram a ser uma crença fundamental, comum à maioria das pessoas, inclusive aos pioneiros científicos da sexualidade e àqueles que povoaram as barricadas das lutas sexuais, tanto do lado dos adeptos da liberação quanto do lado dos defensores da repressão (GAGNON, 2006, p. 75).. Assim sendo, figura no imaginário social desta época a noção do sexo como uma força descomunal, uma energia vital ou como um impulso para o sexual. Estes elementos integrariam o corpo do indivíduo, sob o prisma do corpo sexuado enquanto uma expressão da natureza. Desse modo, o sexual entendido pela ordem da natureza é algo que não se consegue evitar e que não se consegue explicar, uma vez que há uma tendência ou uma disposição para isso. Para Weeks, estas observações refletem “uma preocupação pós-darwiniana do final do século XIX, em explicar todos os fenômenos humanos em termos de forças identificáveis, internas, biológicas” (2001, p. 39). Apresentando outros contornos, esta ideia continua presente no imaginário de hoje. Nesse sentido, a partir do entendimento de que o sexo é um impulso ou um instinto natural que está presente na pessoa humana, podemos compreender claramente a noção de sexualidade pelo modelo médico-científico. A sexualidade seria, dentre um dos aspectos, a expressão desses componentes sexuais que marcam a fisiologia do indivíduo, não podendo ser alterada, pois representa a essência de cada pessoa. Em outras palavras, os atos sexuais passam a ser entendidos como conseqüências da sexualidade inata do indivíduo. Alicerçado na biologia, o traço essencialista “procura explicar os indivíduos como produtos automáticos de impulsos internos” (WEEKS, 2001, p. 43). Desse modo, o sujeito e a sexualidade se confundem, na medida em que pensar o sujeito implica considerar a sexualidade. Apontar a existência de uma essência da sexualidade no corpo é determinar que existe uma verdade (FOUCAULT, 2015) incrustada no corpo do sujeito que vai condicionar além da conduta sexual, suas formas de sentir, de agir e de pensar. Nesse sentido, a sexualidade é tomada como a identidade sexual do indivíduo, sob o ponto de vista daquilo que ele porta em sua constituição biológica, que vai determiná-lo. De acordo com Nunan, “a sexualidade tornou-se a chave da individualidade, constituindo-a e permitindo sua análise. O. 19.

(20) discurso médico, por sua vez, transformou os comportamentos sexuais em identidades sexuais e o sexo tornou-se a última verdade do ser” (2003, p. 35-36, grifos da autora). Ao mostrar que a sexualidade é uma característica fundamental do ser humano, os discursos científicos dominantes objetivavam o controle dos comportamentos sexuais da população por meio de uma produção discursiva da verdade sobre o corpo e o sexo. Se outrora o governo dos corpos era feito por intermédio de regras religiosas ou jurídicas, neste momento faz-se uso do discurso da ciência. Diante da referida abordagem médico-científica sobre a sexualidade, seguimos para a discussão acerca das possibilidades de práticas sexuais e suas implicações. Considerando que a sexualidade vai ser compreendida como a razão de ser do indivíduo, este passa a ser o foco primordial da questão. Neste sentido, é “por meio do discurso biomédico que se passou do julgamento de práticas consideradas lícitas ou ilícitas (como a “sodomia”) para o julgamento de sujeitos considerados normais ou anormais (como o “homossexual”)” (RUSSO, 2004, p. 97, grifos da autora). Para que fique claramente inteligível o modo como o indivíduo vai ser compreendido nesta configuração sobre a sexualidade, Nunan compara a homossexualidade com a sodomia e declara que [...] o indivíduo que tinha o desejo de praticar sodomia, mas não o fazia, não era considerado um sodomita. Da mesma forma, aquele que abandonasse o vício abominável deixava, igualmente, de ser taxado de sodomita. Em outras palavras, a categoria era definida pelo ato, não pelo indivíduo que o praticasse. O sodomita não tinha, tal como aconteceria mais tarde com o homossexual, uma fisiologia ou psicologia particular (NUNAN, 2003, p. 33, grifos da autora).. Por isso que, para compreender a ideia de homossexualidade fez-se fundamental situá-la no campo de construção discursiva da noção de sexualidade, pois, agora, o que está em debate não é apenas a prática sexual isolada, mas os sujeitos que a praticam. Desse modo, diante das maneiras consideradas legítimas e ilegítimas de exercer o sexo, o discurso médico direciona o olhar para as pessoas que as praticam, uma vez que são elas que carregam os traços de sua própria sexualidade. Posto isto, seguimos com as categorias criadas para identificar as manifestações distintas de sexualidade.. 1.2 A criação da homossexualidade em relação com a heterossexualidade. Impossível falar sobre o nascimento da homossexualidade sem mencionar o surgimento da heterossexualidade, pois ambos são conceitos médicos que emergiram no contexto das discussões acerca das definições da sexualidade. Para tanto, para compreender 20.

(21) como esses termos surgiram devemos admitir dois aspectos: o primeiro ponto é que, neste período, as investigações dos profissionais da medicina pressupunham as distinções normalidade e a anormalidade no que se refere ao sexual e, o segundo aspecto é que essas expressões surgiram enquanto estratégia para definir especificamente “os tipos e as formas do comportamento e da identidade sexuais” (WEEKS, 2001, p. 62). Desse modo, nas circunstâncias mencionadas, as relações sexuais entre pessoas de gêneros diferentes eram uma norma de prática sexual, uma vez que havia um apelo do sexo normal com finalidade reprodutiva. Enquanto isso, já havia discussões sinalizando o sexo entre gêneros iguais como distintos de um padrão. Segundo Katz, “a ideia de uma determinada orientação sexual fisiológica (sadia ou doentia, normal ou anormal) tornou-se uma hipótese dominante da teoria sexual moderna” (1996, p. 40). É importante atentar para estes argumentos, pois tais perspectivas influenciaram o pensamento de teóricos da Medicina que desenvolveram estes conceitos. Desse modo, faz-se necessário mostrar a conjuntura no qual estavam inseridos estes conceitos.. Os dois termos foram cunhados, ao que parece, pela mesma pessoa, Karl Kertbeny, um escritor austro-húngaro, e foram usados pela primeira vez publicamente, por ele, em 1869. O contexto no qual esses neologismos emergiram é importante: eles foram desenvolvidos em relação a uma tentativa anterior de colocar na pauta política da Alemanha (que em breve seria unificada) a questão da reforma sexual, em particular, a revogação das leis anti-sodomitas. Eles eram parte de uma campanha embrionária, subseqüentemente assumida pela disciplina da sexologia, então em desenvolvimento, de definir a homossexualidade como uma forma distintiva de sexualidade: como uma variante benigna, aos olhos dos reformadores, da potente mas impronunciada e mal definida noção de "sexualidade normal" (WEEKS, 2001, p. 61-62, grifo do autor).. De acordo com Weeks (2001), vimos que inicialmente pensada pelos estudiosos da sexologia para ser uma versão benigna de sexualidade, a homossexualidade tornou-se uma descrição médico moral para as relações entre pessoas do mesmo gênero e, nesse sentido, constituiu-se no âmbito da anormalidade. Do outro lado e em contraste, a emergência do termo heterossexualidade foi gradativamente sendo incorporada, durante o século XX, à esfera da normalidade sexual entre pessoas de gêneros distintos. Ainda segundo este autor, “uma parte importante desse processo centrava-se na definição do que constitui a anormalidade. Os dois esforços — a redefinição da norma e a definição do que constitui anormalidade — estão inextricavelmente ligados” (WEEKS, 2001, p. 63). Desse modo, conceitualmente asseguramos que estas duas categorias foram construídas tendo como alicerce significados antagônicos, ao que concerne o exercício da 21.

(22) prática sexual. Isto é, a categoria heterossexualidade como uma sexualidade normal foi construída em oposição à noção de homossexualidade como anormal. Nas palavras de Louro “a produção da heterossexualidade é acompanhada pela rejeição da homossexualidade” (2001, p. 27). Dessa forma, é a partir da diferença que um conceito sustenta o outro, sendo então, opostos e complementares. Tendo sido a heterossexualidade legitimada como um padrão dominante de sexualidade, mediante a declaração sobre a sua naturalidade e normalidade, o discurso médico incide obstinadamente sobre o seu contrário: a homossexualidade. Esta “será, inicialmente, definida como uma perversão do instinto sexual causada pela degenerescência de seus portadores” (COSTA, 1995b, p. 131). Sendo assim, com a noção vigente de que a homossexualidade é um desvio, esta prática “passava a definir um tipo especial de sujeito que viria a ser assim marcado e reconhecido” (LOURO, 2016, p. 29). A emergência desse sujeito, designado homossexual, é um ponto primordial para a discussão, pois, é sobre o indivíduo que o discurso médico vai recair. Deste modo, a relação ou o ato sexual entre pessoas do mesmo gênero seria uma conseqüência da causa que se inscreve em seu corpo biológico.. O homossexual do século XIX tornou-se uma personagem: um passado, uma história, uma infância, um caráter, uma forma de vida; também é morfologia, com uma anatomia indiscreta e, talvez, uma fisiologia misteriosa. Nada daquilo que ele é no fim das contas, escapa a sua sexualidade (FOUCAULT, 2015, p. 48).. Com esta afirmação, Foucault (2015) revela que ao homossexual atribui-se marcas no corpo, na personalidade e na sua história, caracterizando-o como um personagem de natureza particular. Desse modo, percebe-se que a dimensão da sexualidade como um dado da natureza especifica o sujeito. E, nesta perspectiva, além da categoria homossexual ser um tipo específico de sujeito, também o é o heterossexual. A diferença, como já foi apontada, é que o homossexual recebe a alcunha de desviante da norma heterossexual. O discurso, produzido pela ciência, sobre a naturalidade da sexualidade que está incrustada em nossos corpos “transformou os comportamentos sexuais em identidades sexuais. Na cultura ocidental contemporânea, essa identidade sexual tornou-se identidade social. O sujeito passa, então, a ser classificado como “normal” ou “anormal” a partir de sua manifestação, ou inclinação, sexual” (CECCARELLI e FRANCO, 2010, p. 125, grifos do autor). A definição das sexualidades, sob o ponto de vista normal e anormal, foi o ponto de partida para uma série de debates sobre esta última. Uma profusão de discursos foram criados sob o signo da verdade da ciência para explicar o comportamento homossexual. Sob essa 22.

(23) perspectiva, na passagem para o século XX, a homossexualidade foi colocada em intensa rede discursiva, principalmente, no campo da psiquiatria. A respeito desse campo, Jane Araújo Russo afirma que “no interior da biomedicina, a psiquiatria foi certamente a especialidade que mais se debruçou sobre o tema da sexualidade, exatamente por ser o campo de conhecimento cujo objeto de estudo e intervenção é o comportamento individual e suas perturbações” (2004, p. 97-98). Afinal, como a ideia ou conceito sobre a homossexualidade foi sendo desenvolvido desde a sua emergência até os dias de hoje? Para responder a esta indagação, seguimos apresentando historicamente algumas definições concebidas para a ideia de homossexualidade e do homossexual, por meio de um apanhado de teorias que foram construídas desde o final do século XIX, até os dias de hoje para que possamos entender como esse conceito foi sendo pensado, apropriado e reapropriado. Neste primeiro momento, apresentaremos as primeiras teorias elaboradas por estudiosos estrangeiros do fim do século XIX e início do século XX. Posteriormente, falaremos sobre como essas teorias chegaram ao Brasil e dialogaremos com os trabalhos dos teóricos brasileiros sobre essa questão.. 1.3 Discursos teóricos sobre a homossexualidade. Como apresentamos, a discussão sobre a homossexualidade tem origem no discurso médico-científico. A Medicina se apropriou paulatinamente sobre essa questão ao classificar os sujeitos que tivessem práticas consideradas fora do padrão da heterossexualidade. Sendo assim, é no contexto desse saber que os estudiosos elaboraram as primeiras teorias para explicar as causas para esse tipo de sexualidade. Inicialmente, estes discursos assumiam a perspectiva de que o comportamento homossexual é uma condição natural do indivíduo e possui uma natureza distintiva, portanto, deveria ser explicada. Para Peter Fry e Edward MacRae, “a tendência é de acreditar que homossexuais masculinos e femininos são biologicamente ou psicologicamente tão diferentes dos assim chamados heterossexuais, que seu comportamento pode ser compreendido em termos mais psicológicos e biológicos que sociais” (1985, p. 11). A partir desse momento, submetido ao controle do discurso médico, o sujeito homossexual vai ser investigado e analisado. Os teóricos da Medicina acreditavam que existia alguma predisposição orgânica neste indivíduo, chamado também de invertido sexual.. 23.

(24) Inversão sexual foi uma das expressões criadas durante esse período de discussões iniciais acerca da sexualidade anormal. Essa expressão foi cunhada pelo médico e psicólogo britânico Havelock Ellis. Segundo ele, a inversão é congênita, ou seja, o invertido nasce com uma modificação característica que o faz sentir atração por pessoas do mesmo gênero 6. Tendo isso em vista, denota-se que a homossexualidade foi compreendida enquanto causa de uma alteração, de ordem biológica, presente na constituição do indivíduo. Ou seja, esta alteração determina a atração sexual homossexual. Nas obras O que é homossexualidade?, de Fry e MacRae (1985) , Para inglês ver, de Fry (1982) e nos trabalhos A inocência e o vício e A face e o verso, de Jurandir Costa Freire, conseguimos encontrar as teorias de alguns estudiosos que se debruçaram na questão da homossexualidade. Um deles, o médico e sexólogo alemão Richard Von Krafft-Ebing, um dos nomes mais importantes da psiquiatria e neurologia do final do século XIX.. Kraft-Ebing herdou de seus contemporâneos as noções de norma e desvio naturais, originadas do instintivismo, do evolucionismo, do psicofisicalismo e das demais correntes do positivismo naturalista do século XIX. Em seguida, classificou e arquivou todas as aberrações, degenerações, anormalidades e anomalias sexuais que pululavam anarquicamente naquelas teorias (COSTA, 1992, p. 80, grifos do autor).. O médico alemão sustentava que a homossexualidade era “uma patologia congênita ou uma mera perversão quando praticado por pessoas não uranistas” (FRY, 1985, p. 64). A explicação para uranista é que o homossexual masculino possuiria uma alma feminina e a homossexual feminina possuiria uma alma masculina. Assim eram caracterizados os homossexuais, segundo esta explicação. Ele segue afirmando ainda que “os uranistas sofrem de uma mancha psicopática7, que mostram sinais de degenerescência anatômicos” (FRY, 1985, p. 64). Em uma de suas obras mencionadas, Peter Fry (1982) apresenta o autor alemão, Karl Heinrich Ulrichs, que embora não possuísse formação médica, formulou teorias científicas sobre a homossexualidade. Ulrichs compactuava da teoria de Krafft-Ebing ao argumentar que “a homossexualidade era congênita e resultava de uma combinação anômala de traços masculinos e femininos num só corpo” (FRY, 1982, p. 97). O médico e sexólogo Magnus Hirschfeld e o autor Edward Carpenter, também citados por Fry como sendo defensores da homossexualidade, insistiam em afirmar que uma “gênese biológica da homossexualidade, “Psicologia do sexo”, Havelock Ellis. Disponível em: < https://pt.scribd.com/doc/117298555/Havelock-EllisPsicologia-Sexual>. Acesso em: 15 de maio de 2017. 6. 7. Refere-se à Psicopatia, a saber, é um distúrbio psíquico causado por uma anomalia no cérebro.. 24.

(25) produziria um ‘sexo intermediário’, ‘naturalizando’, assim, essa condição” (1982, p. 99, grifos do autor). As teorias utilizadas por Havelock Ellis, Krafft-Ebing, Ulrichs e Hirschfeld argumentam que a homossexualidade é uma condição natural, ou seja, os indivíduos homossexuais nasciam assim. De modo geral, a perspectiva de alguns destes autores, além de enfatizar os aspectos inatos e biológicos, era o argumento de que o homossexual possuía aspectos biológicos do seu gênero oposto. No caso de um homem homossexual, “uma alma feminina num corpo de macho” (COSTA, 1995, p. 175). No decorrer do século XX, Fry (1982) declara que problemas na etapa fetal e as questões hormonais foram teorias sugeridas como causas para elucidar a homossexualidade. De acordo com ele, o embrião possivelmente homossexual seria motivado por causa de um desequilíbrio hormonal da progenitora. Pode-se dizer que muitas pesquisas que pretendiam explicar a homossexualidade através de teorias biológicas miravam-se para a ideia de hereditariedade, defeitos congênitos e desequilíbrios hormonais. Considerando as teorias mencionadas até o momento, é importante refletir sobre como a natureza e o discurso determinista biológico são utilizados como estratégias para explicar o fenômeno da homossexualidade. Ora, se são de ordem biológica, pode haver possibilidade de mudança através de técnicas médicas. Por isso, deve-se considerar também alguns procedimentos que foram utilizados para tentar “tratar” os homossexuais. Conforme Fry, a castração e o tratamento através da lobotomia chegaram a ser utilizados, principalmente, em homossexuais presos acusados de crimes sexuais. Estes dois casos significavam não necessariamente a cura, mas a punição para os sujeitos homossexuais. [...] ultimamente o periódico Medical World New, de 25 de setembro de 1970, anunciou uma técnica de queimar, através de choques elétricos, uma pequena seção do hipotálamo. Este método teria sido usado em vários jovens americanos homossexuais, na sua maioria pedófilos, que dessa forma teriam sido reconduzidos à “normalidade” (FRY, 1982, p.71, grifos do autor).. O homossexual foi classificado pela psiquiatria como um doente que possui predisposição à esquizofrenia e à paranoia. Segundo a percepção de Peter Fry, “os médicos não se satisfizeram apenas em declarar a homossexualidade uma anomalia orgânica, pois as origens endócrinas dessa doença também acarretariam outras patologias. Assim é que surge o homossexual que é esquizoide, paranoide etc.” (1982, p. 100, grifos do autor).. 25.

(26) Apesar da extrema predominância, as abordagens medicalizantes não foram as únicas a se referirem sobre a homossexualidade no início do século XX. O aporte teórico da psicanálise, na figura de Sigmund Freud, também tratou dessa discussão. Embora tenha trazido a ideia do desejo sexual inconsciente, Freud (2002) absorveu o discurso da psiquiatria sobre a natureza da sexualidade para teorizar sobre a homossexualidade no volume 6 de “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”. Utilizando o termo pulsão sexual, desenvolvido pelo próprio autor, Freud sugeriu que a pulsão ultrapassava a divisão dicotômica entre homem e mulher. Sendo assim, havia pulsão sexual entre sexos iguais. No entanto, estas pessoas eram chamadas de “invertidas”, ou seja, era sob a denominação de inversão sexual que Freud tratava o assunto. Sobre o fenômeno da inversão, Freud (2002) revelava que a conduta dessas pessoas poderiam ser divididas em: invertidos absolutos, os quais tem como objeto sexual apenas o mesmo sexo, sentindo inclusive aversão ao sexo oposto; invertidos anfígenos, a saber os hermafroditas sexuais, os quais o objeto sexual tanto pode ser homem ou mulher; e os invertidos ocasionais, os quais tomam como objeto sexual uma pessoa do mesmo sexo para satisfazer-se quando não há acessibilidade ao objeto sexual oposto. Ele sugere que o sinal da inversão pode vir de fases remotas da vida do indivíduo, que esta condição pode ser temporária ou consistir como eventuais casos, podendo também ser algo que oscile entre a inversão e o dito objeto sexual normal. Estas primeiras abordagens teóricas, sob o prisma em grande parte da “ciência médica”, desvelam as tentativas incansáveis de achar um “lugar” para o fenômeno da homossexualidade. “Lugar” este que não é o mesmo da heterossexualidade. Tais teorias “estavam tentando assinalar a descoberta ou o reconhecimento de um tipo distinto de pessoa, cuja essência sexual era significativamente diferente daquela do/da ‘heterossexual’” (WEEKS, 2001, p. 65).. 1.4 A construção da homossexualidade no Brasil. A saúde das famílias brasileiras só veio a receber maior atenção por parte das autoridades no Brasil do século XIX. Essa preocupação surgiu, sobretudo, devido ao alto índice de mortalidade em crianças e às terríveis condições sanitárias que existiam no país. A partir de então, um regime de higiene racional tomou conta da nação. Foi neste momento, também, que se criou a ideia de uma sexualidade higienizada no seio da família. 26.

(27) Devido a este fato, mencionado acima, as prescrições médicas adentraram nos lares das famílias, penetrando também nas emoções e sexualidades dos cidadãos. Conforme Fry, “formou-se a ideia de que a ‘saúde’ da nação era diretamente ligada à ‘saúde’ da família e dependente, portanto, do controle da sexualidade” (1985, p. 61). A influência do Estado através de medidas higienistas sobre o corpo social e as famílias tinha por objetivo diminuir a ocorrência de doenças sexualmente transmissíveis. Para tanto, o sexo fora do casamento foi fervorosamente combatido. Em vista de tamanha influência, João Silvério Trevisan revela que os médicos passaram a condenar os libertinos, celibatários e os homossexuais, todos considerados “cidadãos irresponsáveis e adversários do bem-estar biológico-social” (2002, p.173). Nesta época, proliferou-se no Brasil, assim como ocorreu na Europa, diversos questionamentos científicos acerca das intituladas perversões sexuais, dentre elas, a homossexualidade. Diante desse contexto, a ideologia higienista se aproximou do campo da ciência e instaurou um controle terapêutico através da Medicina e da psiquiatria, penetrando no âmbito da sexualidade das pessoas. Os homossexuais eram comumente chamados de invertidos ou pervertidos e a homossexualidade recebia o nome de inversão sexual ou perversão sexual. A partir daí, a homossexualidade, na qualidade de categoria científica, passou a ser considerada uma patologia e começou a receber intervenções, física ou psicológica, de especialistas. No entanto, visto que a homossexualidade estava enquadrada como uma patologia passível de tratamento ela não podia mais ser considerada um crime. A justificativa dos estudiosos da Medicina da época se assentava no fato de que o simples encarceramento não eliminava a anormalidade do comportamento. Assim, o médico Leonídio Ribeiro afirma que. As práticas de inversão sexual não podiam continuar a ser consideradas, ao acaso, como pecado, vício ou crime, desde que se demonstrou tratar-se, em grande número de casos de indivíduos doentes ou anormais, que não deviam ser castigados, porque careciam antes de tudo de tratamento e assistência. A medicina havia libertado os loucos das prisões. Uma vez ainda, seria ela que salvaria de humilhação esses pobres indivíduos, muitos deles vítimas de suas taras e anomalias, pelas quais não podiam ser responsáveis (RIBEIRO, 1938, apud FRY, 1985, p. 62).. É significativo evidenciar que os intelectuais das elites reorganizaram a moldura da repressão à homossexualidade na vida dos brasileiros, através, por exemplo, de explicações teóricas como as da psiquiatria (TREVISAN, 2002). Aqueles que escreveram, no início do 27.

(28) século XX, até a década de 1940, acerca da homossexualidade tinham como referência os estudiosos europeus. Além do mais, esses mesmos autores não compartilhavam de maneira homogênea a respeito das origens e possíveis curas para a homossexualidade. A premissa compartilhada pela grande maioria era que havia uma ideia tendenciosa de mostrar que os homossexuais eram diferentes biologicamente ou psicologicamente dos heterossexuais. Havia uma pressão exercida por parte da Família, da Medicina e do Estado em reprimir e controlar os homossexuais. Estas instituições juntas empenharam-se a fim de conter este desvio. Para James N. Green, “esse tipo de pressão institucional a fim de desencorajar atividades homossexuais servia para disciplinar e desmoralizar alguns indivíduos, que acabariam por reverter a um estado de “normalidade” heterossexual” (2000, p. 191, grifos do autor). Estes acontecimentos evidenciam que as representações iniciais acerca da homossexualidade foram construídas num amplo contexto político e social, no Brasil. Além disso, revelam também a preocupação de profissionais da área médico-legal sobre as demonstrações de homossexualidade. A partir daí, especialistas e médicos brasileiros tentaram explicar as causas para as relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo. Dá-se início a uma construção de conceitos com o intuito de controlar o exercício desta sexualidade.. 1.5 A homossexualidade teorizada por estudiosos brasileiros Os intelectuais que se dedicaram a estudar a homossexualidade exibiram diferentes teorias acerca das origens e prováveis “curas” para este comportamento. Reiteramos que estes intelectuais apropriavam-se das teorias produzidas por europeus. A seguir, dividimos a apresentação das teorias por época e em cada época fizemos uma subdivisão em tópicos. Fizemos isto com o intuito de visualizar da melhor maneira essas questões, posto que as teorias apresentadas iniciam-se a partir da década de 30 e segue até os dias de hoje.. 1.5.1 Início do século XX até a década de 1930. 1.5.1.1 Homossexual como pertencente ao gênero oposto. Considerando o final do século XIX e início do século XX, muitas teorias declaravam que o homossexual, tanto o masculino como o feminino, possuíam características do gênero oposto.. No caso dos homens, os teóricos da Medicina afirmavam que os 28.

(29) homossexuais masculinos sofriam de uma alteração psíquica que os deixavam com o comportamento efeminado. “A homossexualidade confundia as noções de papeis de gênero “apropriados”, tal como era concebida pelos médicos e criminologistas” afirma Nunan (2003, p. 41). É interessante destacar as descrições dos médicos sobre os pacientes homossexuais, pois elas revelavam que os pacientes masculinos possuíam um gosto ligado à arte, dotes artísticos para a música e literatura, emotividade, sensibilidade e uma voz mais afinada, dentre outros aspectos que eram relacionados ao comportamento feminino. Esta tipificação do homossexual era bastante recorrente no discurso dos médicos. De acordo com Trevisan (2002), um estudo detalhado foi realizado pelo médico legista Leonídio Ribeiro, na década de 30, no Brasil, na tentativa de encontrar características consideradas femininas nos homens que se relacionavam sexualmente com outros homens. Ansiosos por detectar endocrinologicamente o que chamavam de “sinais de intersexualidade”, muitos desses estudiosos acreditavam que o homossexual teria pelos pubianos, bacia e cintura predominantemente femininos, além de um excessivo desenvolvimento das nádegas e ausência de pelos no tórax. Mas tropeçavam ao notar nos pederastas um “desenvolvimento exagerado do pênis”, que não se sabia “se deve ser atribuído a razões etnológicas ou também a distúrbios endócrinos” (TREVISAN, 2002, p. 182, grifos do autor).. Para os casos, citados acima, as inversões sexuais deveriam ser tratadas preventivamente, em primeiro lugar, através da educação. Dentro dos colégios, os meninos deveriam ser incentivados a conviver regularmente com crianças do sexo oposto. Segundo Trevisan, “para se evitar o contágio, que se eliminem ‘os companheiros já tarados’” (2002, p.180). Havia também outra forma de tratamento para os homossexuais masculino e feminino: a dissuasão via hipnose. Ela servia “‘para incutir ao doente a repulsa, o nojo, o horror pela sua anormalidade’, através de sessões continuadas, que poderiam variar de trinta a cem” (TREVISAN, 2002, p.181).. 1.5.1.2 Origens endocrinológicas e ambientais. Os escritos médicos acreditavam que o homossexualismo, enquanto condição de um desvio ou doença, era causado por alterações no funcionamento das glândulas. Desse modo, haveria tratamento oferecido pela Medicina. Porém, além da existência de causas biológicas, haveria também razões sociais para explicar o indivíduo homossexual e que essas razões podiam interagir com as causas biológicas. Nesse caso, existiria uma predisposição orgânica 29.

(30) para a homossexualidade que poderia ser acentuada, ou não, pelos fatores externos. Assim, se a homossexualidade fosse resultante do meio ambiente social, existiriam medidas pedagógicas para “corrigi-la” (FRY, 1982). As origens endocrinológicas da homossexualidade foram bastante empregadas pelos médicos brasileiros. Conforme Trevisan (2002), tratamentos à base de hormônios, tendo suas origens advindas da Europa, eram um dos métodos mais avançados da época. Por meio de transplantes ovarianos ou testiculares era possível atribuir características masculinas nas fêmeas e transferir atributos femininos aos machos. À época, surgiram resultados satisfatórios reconhecidos pelos médicos. Entretanto, o problema não fora resolvido em sua totalidade, desapontando muitos médicos. O pressuposto dos distúrbios endócrinos como possíveis causadores da homossexualidade reaparecerá com mais força a partir da década de 1960, como veremos mais à frente. Por se tratar de um fenômeno complexo, as explicações médico-científicas não bastavam sozinhas. Como a ciência e a Medicina não conseguiam provar a verdadeira cura para o comportamento homossexual, muitos médicos sugeriam que as causas da homossexualidade poderiam estar ligadas a fatores psicológicos e comportamentais. Não abandonando a ideia de patologia, a homossexualidade passa a ser vista como “enfermidade do corpo e da alma onde hormônios, hereditariedade, anatomia e psique encontravam-se em desordem” (SILVA, 2012, p. 49). Segundo James Green, “a oposição ‘cultura versus natureza’ em relação às causas, e desse modo ao tratamento, da homossexualidade tornou-se uma questão política concreta quase no fim da década de 1930” (2000, p. 216).. 1.5.1.3 Os tratamentos médicos No Brasil, instituições psiquiátricas especializadas para internar os homossexuais nunca chegaram a existir. Apesar disso, as autoridades médicas-policiais, desde a década de 1920, estavam preocupadas com as normas sociais e não cessavam de sugerir a psiquiatrização da prática homossexual. No entanto, no início da década de 1930, os manicômios foram utilizados como espaços para manter o invertido longe da sociedade e de suas propensões sexuais. Sobre o internamento de um paciente temos a seguinte descrição: [...] foi trazido ao Sanatório pela conduta irregular que de algum tempo para cá vem apresentando; manifesta tendências homossexuais bastante acentuadas. Pelos próprios hábitos externos vemos o instinto feminino que o domina: usa batom nos lábios, cabeleira postiça, raspa os pelos do tórax e abdômen etc (GREEN, 2000, p. 233).. 30.

(31) O confinamento, nessa época, tornou-se o principal método terapêutico para controlar a homossexualidade, já que ainda não havia cura para esse indivíduo doente. A princípio, os médicos consideravam o isolamento no instituto psiquiátrico como o método suficiente para curar o desvio do homossexual. Todavia, já no final da década referida, outros métodos mais intervencionistas foram pensados, como a terapia de aversão com eletrochoques. Este procedimento, aplicado pela primeira vez nos Estados Unidos, era utilizado para curar homossexuais e tornou-se comum nos hospitais psiquiátricos para corrigir o comportamento sexual dos desviantes.. 1.5.2 Década de 1940 até 1950. Para Green (2000), nessa época, apesar de as preocupações com o corpo físico não terem sido deixadas de lado, houve uma queda na produção escrita dos médicos acerca da homossexualidade. Ele ainda revela que um dos motivos para esse declínio se deve ao descrédito entre a relação da cura com os desequilíbrios hormonais, apontados como explicações para a homossexualidade. Ainda assim, as ideias produzidas, principalmente nos anos 1930, se difundiram expressivamente nas décadas de 1940 e 1950 por meio dos manuais sexuais “atingindo uma ampla parcela da sociedade brasileira” (NUNAN, 2003, p. 42). A homossexualidade, de acordo com a abordagem dos médicos da época, continuou sendo nomeada como uma inversão sexual, pederastia ou uranismo. Ademais, havia ainda a ideia de que o homossexual masculino tendia a possuir características marcadamente femininas, além da noção de distúrbio endocrinológico.. 1.5.3 Década de 1960 e 1970. A década de 1960 foi marcada por uma série de acontecimentos de ordem política, social e cultural. Um dos acontecimentos que despontou nesse período diz respeito ao debate sobre gênero e sexualidade. Foi nessa época também que houve o surgimento do movimento gay e do movimento feminista. Além de outras coisas, estes movimentos se destacaram por abordar diversos questionamentos sobre a sexualidade.. 31.

Referências

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