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CAPÍTULO III – O CONCEITO DOS ESTUDANTES INTERNOS DE MEDICINA SOBRE

3.3 Homossexualidade é uma escolha?

De acordo com 71,4% dos internos de Medicina da UFRN, a homossexualidade não é uma escolha. O pressuposto “Homossexualidade não se escolhe” foi um dos argumentos mais empregados nos discursos dos internos de Medicina, tanto por aqueles que utilizavam como uma justificava para fundamentar a rejeição ao termo “Opção sexual”, quanto por aqueles outros que não mencionaram recusa à expressão “Opção sexual”. De uma amostra de quatorze discentes, dez compactuaram com este argumento. Na sequência, trechos de falas:

Antônio: Por que eu não escolhi “opção sexual”? Então, eu acho que não é uma

questão de opção, porque dá a entender que você teve escolhas.

Valentina: Opção eu não acho que seja, porque “opção” eu entendo como uma

escolha e isso não só diz respeito aos homossexuais, mas aos heterossexuais também.

Luíza: Falar de opção é como se: - ah, você tem a opção de ser assim ou a opção

de ser outro. E não. Às vezes, você é daquela forma como você se vê. A sua orientação você não escolhe, entendeu?

A palavra opção induz, de antemão, ao sentido do sinônimo escolha. Sendo assim, quando estes entrevistados afirmam que a homossexualidade não é uma “Opção sexual”, no sentido de ser uma escolha sexual, subentende-se que esta sexualidade se impõe ao indivíduo

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de modo que ele/ela possa (ou deva) exercê-la, por excelência. Dessa forma, a homossexualidade impõe-se como uma “atribuição” ou uma “pertença” ao sujeito na medida em que não lhe cabe escolher. Para justificar o fato de esta sexualidade ser uma “imposição” a qual não se pode evitar, apresentamos os argumentos presentes nas falas de mais internos:

Valentina: Eu coloquei “Orientação sexual” porque eu acredito que não seja uma

opção, é involuntário.

Betina: (...) acredito que seja uma característica que é inerente do indivíduo

mesmo, não é uma coisa que se escolhe.

Bento: (...) não seria uma “Opção”. Então eu acredito que é “Orientação sexual”

mesmo. É algo que você é, é uma coisa muito íntima sua, é do seu interior, não há como ninguém por fora modificar.

Téo: Eu acho que o termo que melhor gradua isso mesmo é “Orientação sexual”,

porque já dá uma ideia de algo que sempre existiu.

Nas falas acima percebemos que os termos “involuntário”, “característica que é inerente”, “é do seu interior” e “algo que sempre existiu” corroboram com a concepção de que a homossexualidade não se escolhe. No dado contexto, as palavras “Involuntário” e “Característica inerente” sugerem que a homossexualidade, respectivamente, independe da vontade do sujeito e é algo que faz parte da pessoa. As expressões “é do seu interior”, “algo que sempre existiu” e “É algo que você é” ressalta a ideia de que esta sexualidade existe interiormente no sujeito.

Quanto a isso, analisando as falas dos entrevistados, é pertinente observar como o tipo de linguagem que os internos empregam para falar da homossexualidade revela sobremaneira o que eles compreendem desse assunto. Sendo assim, consideremos o verbo “ser” nas dadas situações textuais seguintes de recortes de falas sobre a homossexualidade e/ou o homossexual.

Bento: É algo que você é.

Bianca: (...) sendo que ela em algum momento da vida dela vai se descobrir como

ela realmente é.

Nas falas acima, o verbo “ser”, conjugado no presente do indicativo e, portanto, flexionado para “é”, não apresenta apenas uma função gramatical na estrutura da linguagem. Da forma como estão contextualizados nas frases, esses verbos subentendem que o sujeito é a sexualidade, no sentido de carregar a sexualidade como uma substância ou essência, que o faz “ser”. Nesse ponto, recorremos à noção de metafísica das substâncias, trabalhada por Butler

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(2015) ao referir-se às concepções de sexo e gênero, para compreender o que ocorre também com a sexualidade.

A noção de que o sexo aparece na linguagem hegemônica como substância, ou, falando metafisicamente, como ser idêntico a si mesmo, é central para cada uma dessas concepções. Essa aparência se realiza mediante um truque performativo da linguagem e/ou do discurso, que oculta o fato de que “ser” um sexo ou um gênero é fundamentalmente impossível (2015, p. 46, grifo da autora).

Nesse sentido, esses internos compreendem a homossexualidade como um elemento fixado na constituição do sujeito, corroborando com a perspectiva de que a sexualidade é inata. Esta perspectiva retira da homossexualidade “todos os seus traços de uma construção do desejo e de uma expressão da diversidade das escolhas sexuais, ao torná-la uma essência, uma substância, que a pessoa representada por “homossexual” seria portadora (e do que não poderia escapar)” (SOUSA, 2009a, p. 65, grifo do autor).

As falas a seguir foram bastante freqüentes nas vozes dos universitários e desvelam um argumento recorrente no discurso do senso comum para mostrar que a homossexualidade não pode ser uma escolha.

Carolina: (...) não é só uma opção, porque às vezes a pessoa nasce num meio que é

totalmente heterossexual e que as pessoas condenam a homossexualidade, mas ainda assim ela é homossexual, então eu acho que é mais uma “orientação” do que uma “opção”.

Rafael: (...) não acredito que o homossexualismo seja uma “opção sexual”, por

exemplo, você não vai escolher uma participação social, posso dizer assim, que vai lhe trazer preconceitos e, de certa forma, que vai trazer conseqüências que vão ser muito prejudiciais ao seu desenvolvimento.

Luíza: (...) as pessoas não escolhem, muitas vezes elas não escolhem, até porque a

gente vive numa conjuntura tão preconceituosa que às vezes as pessoas demoram tanto a exibir publicamente a sua sexualidade. Muitos não exibem no sentido de que a gente vive num ambiente muito opressor.

Leonardo: Eu escolhi que eu considero ser uma “orientação sexual”, uma vez que

não é bem uma opção, você não tem essa facilidade de optar pelo que você quer exatamente. Na maioria das vezes, você às vezes não quer ser homossexual, porque às vezes se torna um pouco mais difícil do que ser heterossexual, uma vez que existe a questão do preconceito, a questão sobre a família que, graças a Deus, tem melhorado bastante nos últimos anos, mas ainda acaba sendo um problema. Então, se fosse realmente uma “opção sexual”, se fosse uma coisa opcional, o homossexualismo não seria como ele é hoje, não existiriam tantas pessoas homossexuais. Inclusive tem países onde essa questão é considerada sentença de morte ou as pessoas são caçadas, né?

Betina: Eu não acho que seja escolha, porque, assim, eu acho que a sociedade é tão

preconceituosa. Acho que uma pessoa não ia escolher uma opção que lhe traz uma carga de preconceito tão grande por parte de muita gente, infelizmente, atualmente.

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O que esses argumentos, explícita ou implicitamente, tencionam dizer? Em primeiro lugar, que a homossexualidade não pode ser uma escolha do ponto de vista racional e consciente do sujeito. E, sendo assim, só mesmo fatores intrínsecos ao sujeito, isto é, externos à consciência individual fariam as pessoas adotarem práticas homossexuais. Aqui, a consciência individual não está isenta das coerções sociais. Nesse sentido, a homossexualidade não está sendo reconhecida como uma escolha de uma expressão de sexualidade tão legítima quanto qualquer outra forma de exercer os prazeres.

Além do mais, esse argumento tão difundido de que “se fosse uma escolha, ninguém iria escolher a homossexualidade por causa do preconceito”, admite que o problema está no exercício da homossexualidade e não no preconceito latente contra essa prática sexual. Desse modo, essa justificativa é, consciente ou inconscientemente, preconceituosa e reveladora sobre como o imaginário social é domesticado por meio da ideia de uma “heterossexualidade obrigatória” (RICH, 2010).

Embora a maior parte dos internos tenham se posicionado sobre a homossexualidade não ser uma escolha, houve colocações contrárias a este argumento, assim como houve discentes que não se pronunciaram a respeito desta questão. Sendo assim, do universo de quatorze entrevistados, uma discente alegou que a essa sexualidade é uma escolha; uma interna afirmou tanto a concepção de que a homossexualidade não é uma escolha, como a noção de que é uma escolha sexual, ou seja, ela utilizou os dois argumentos, e dois internos não discorreram sobre o aspecto de esta sexualidade ser uma escolha ou não.

Em seguida, a fala da única entrevistada que afirmou que a homossexualidade é uma escolha. Ela revelou estar em dúvida entre “Orientação” e “Opção”, contudo elegeu a alternativa “Opção sexual” e justificou sua resposta.

Alice: “Opção” é mais uma coisa assim: ah, hoje eu estou feliz sendo assim e hoje

eu quero beijar menino, então eu vou lá e beijo menino, é a escolha que eu tô tendo.

Esta discente não discorre com mais profundidade sobre isto, apenas reitera o argumento de que a homossexualidade é uma opção de cada pessoa, pois em outro trecho ela fala, “é o seu corpo e você faz o que quiser com o seu corpo”. O pensamento dessa interna sobre a homossexualidade transparece fluidez no que tange ao uso dos corpos para vivenciar os prazeres. No entanto, em um dado momento da entrevista ela reflete sobre o fato de haver determinações para este exercício de sexualidade.

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Dando continuidade, apresentamos a declaração que compactua com os dois enunciados opostos.

Marcela: Eu acho que a pessoa pode escolher. Por exemplo: eu sou heterossexual,

mas eu tenho atração por uma pessoa do mesmo sexo, tive um relacionamento com ela e, a partir dali, eu comecei a sentir mais desejo por pessoas do mesmo sexo e escolhi ter relacionamentos homossexuais. Mas eu também acho que às vezes a pessoa não escolhe. Por isso que eu não consigo entender só como uma vertente, entendeu?

Sobre o argumento de que a homossexualidade é uma escolha, ela não justifica com maior propriedade acerca dos motivos que a levam a afirmar isso. Todavia, ela deixa explícito em seu discurso que a “atração” e o “desejo por uma pessoa do mesmo sexo” são as razões principais para acreditar que a homossexualidade pode ser uma escolha. Nesse sentido, percebemos uma concepção fluida sobre as possibilidades de vivenciar a sexualidade em suas diversas possibilidades, sem apego a destinos essencializantes.

Entretanto, no que se refere ao pressuposto de que a homossexualidade não é uma escolha, em outro momento da entrevista, a interna acredita que existem causas que determinam o exercício dessa sexualidade. Ela ainda revelou que, durante a escolha para a definição de homossexualidade, não soube diferenciar entre “Opção sexual” e “Orientação sexual”. No entanto, optou por esta última.

Em síntese, tendo evidenciado os dados neste tópico “Homossexualidade é uma escolha?”, apuramos o quão é recorrente o argumento de que a homossexualidade não se escolhe. A justificativa que se seguiu a este argumento, foi o pressuposto de que há causas determinantes para a homossexualidade. Isto é, essa sexualidade não se escolhe, posto que há causas intrínsecas que a determinam. Esse argumento é, deveras, essencial, uma vez que foi encontrado nos discursos de todos os quatorze estudantes internos entrevistados.

Nesse sentido, independente dos termos escolhidos para definir a homossexualidade, se fora “Orientação” ou “Opção” sexuais, e independente da concordância ou não concordância com o argumento “homossexualidade não se escolhe”, todos os internos interrogados declaram, em algum momento da entrevista, que existem fatores que determinam a homossexualidade. Este é o argumento que há em comum em todos os discursos e é o segundo ponto chave na investigação sobre o conceito de homossexualidade junto aos internos. Desse modo, vamos atentar para este pressuposto para buscar quais são as causas ou fatores que determinam o exercício dessa sexualidade, segundo os discentes.

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