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Histórias de Vida das Famílias Beneficiárias do RSI com crianças em risco: Estudo de Caso na Cooperativa Sol Maior

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Academic year: 2021

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Bárbara Maia Morais

HISTÓRIAS DE VIDA DAS FAMÍLIAS BENEFICIÁRIAS DO

RSI COM CRIANÇAS EM RISCO: O estudo de caso na

Cooperativa Sol Maior

Dissertação realizada no âmbito do Mestrado em Sociologia orientada pelo Professor Doutor Eduardo Vítor Rodrigues

Faculdade de Letras da Universidade do Porto

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HISTÓRIAS DE VIDA DAS FAMÍLIAS BENEFICIÁRIAS DO

RSI COM CRIANÇAS EM RISCO: O estudo de caso na

Cooperativa Sol Maior

Bárbara Maia Morais

Dissertação realizada no âmbito do Mestrado em Sociologia orientada pelo Professor Doutor Eduardo Vítor Rodrigues

Membros do Júri

Professora Doutora Natália Azevedo Faculdade de Letras da - Universidade do Porto

Professor Doutor Eduardo Vítor Rodrigues Faculdade de Letras - Universidade do Porto

Professor Doutor José Manuel Couto Escola Superior de Educação Jean Piaget

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A toda a minha Família, em especial: Aos meus Pais, Mª Fátima e Jaime Morais Por todo o amor e valores transmitidos;

Aos meus irmãos, Berto, Jaime e Susana

"Ter um irmão é ter, pra sempre, uma infância lembrada com segurança em outro coração." Tati Bernardi

Ao meu namorado, Hélder Pelo apoio, motivação e amor incondicional.

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1 Sumário Agradecimentos ... 4 Resumo ... 6 Abstract ... 7 Résumé ... 8 Introdução ... 9

PARTE I: Enquadramento teórico ... 13

1. A Criança e a sua infância ... 13

1.1 Clarificação de Conceitos ... 13

1.2 Uma abordagem sociológica ... 14

1.3 Infância na Sociedade Contemporânea ... 17

2. Abordagem da Família ... 19

2.1 Sociologia da Família ... 20

2.1.1 Definição e caraterísticas da Família ... 23

2.1.2 Evolução e mudanças na Família. ... 25

2.2 Complexidades do grupo familiar ... 31

2.2.1 Tipos de Família ... 31

2.2.2 Socialização e Habitus ... 32

2.2.3 Funções da família: ... 34

2.3 A mobilidade social: Trajetória e origem social. ... 38

3. Pobreza e exclusão social ... 42

3.1 Conceitos e definições de pobreza ... 42

3.1.1 As abordagens teóricas ... 45

3.2 Conceito e definição de Exclusão Social ... 47

3.3 Contextualização da pobreza em Portugal ... 48

3.3.1 Vulnerabilidade à pobreza ... 50

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3.4.1 O caso do RSI ... 55

4. Sistema de Promoção e Proteção das Crianças e Jovens. ... 59

4.1 O surgimento dos direitos da criança ... 59

4.2 Crianças em Risco e/ou em Perigo ... 64

4.3 Medidas de promoção e proteção e entidades competentes: CPCJ; EMAT e Instituições. ... 67

4.3.1 Entidades competentes: ECMIJ... 67

4.3.2 CPCJ ... 68

4.3.3 EMAT ... 70

5. Enquadramento de estágio: Cooperativa Sol Maior ... 72

5.1 Concelho de V.N. de Gaia ... 75

5.2 Caracterização da população residente em V.N.Gaia beneficiária do RSI. ... 76

Parte II: Estudo Empírico ... 78

6. Modelo de análise ... 78

7. Metodologia ... 81

7.1 Método intensivo: ... 82

7.2 Pesquisa Qualitativa: ... 83

7.2.1 Técnicas Documentais ... 84

7.2.2 Técnicas não documentais ... 85

7.2.3 Histórias de vida ... 86

8. Conversa com as famílias beneficiárias e apresentação do debate em Focus-Group com a equipa do RSI ... 89

8.1 Apresentação e análise das entrevistas realizadas aos beneficiários: ... 89

8.1.1 Infância, família e socialização ... 92

8.1.2 Trajetória escolar e Adolescência. ... 94

8.1.3 Trajetória profissional: Emprego / RSI ... 96

8.1.4 Constituição da própria família / vida presente ... 98

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3 8.2 Debate em Focus-Group com a equipa de RSI da Cooperativa Sol Maior:

Perspetivas e descrições da equipa. ... 103

9. Breve análise dos resultados: Entrevistas e Focus-Group em reflexão com as Hipóteses Teóricas. ... 111

10. Considerações Finais ... 117

11. Bibliografia ... 124

11.1 Webgrafia ... 130

12. Anexos ... 131

Anexo I: Durkheim: Sistema de análise da família ... 132

Anexo II: Informação ao entrevistado ... 134

Anexo III: Pedido de autorização da entrevista ... 135

Anexo IV: Guião de entrevista histórias de vida ... 136

Anexo V: Caracterização Sociodemográfica dos entrevistados ... 144

Anexo VI: Análise cruzada das entrevistas e hipóteses teóricas ... 146

Anexo VII: Tabela cruzada: Entrevistas e objetivos do estudo ... 149

Anexo VIII: Guião do Focus-Group ... 152

13. Anexos em CD: ... 154

Anexo IX: Transcrição integral das oito entrevistas realizadas aos beneficiários do RSI; ... 154

Anexo X: Grelhas de Observação das oito entrevistas; ... 154

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Agradecimentos

A realização deste trabalho é para nós o culminar de uma etapa, já longa, mas há muito tempo ambicionada e delineada, significando o encerrar de um ciclo e o início de outro. Mas esta longa caminhada jamais poderia ter-se realizado sozinha, quero por isso agradecer e expressar a minha sincera gratidão a várias pessoas e instituições que me permitiram chegar a este momento.

Em primeiro lugar, o meu mais profundo agradecimento vai para o meu orientador Professor Doutor Eduardo Vítor Rodrigues, a quem reconheço um profundo saber e conhecimento. Agradeço pelas palavras sábias, apoio e conhecimento transmitido, e por nunca ter desistido de me orientar mesmo com todas as complicações e adversidades que surgiram. Obrigado!

Obrigado também a todos os professores do curso de Sociologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, que sempre se mostraram bastante disponíveis e a quem devo todos os conhecimentos adquiridos ao longo do curso, além do ensinamento e passagem de valores e experiências que contribuíram para o meu crescimento pessoal.

Quero agradecer a instituição que me acolheu, Cooperativa Sol Maior, pela total disponibilidade apoio e compreensão, em especial à equipa de RSI, técnicas e auxiliares que sempre se dispuseram a me orientar, apoiar e motivar. Esta equipa ficará para sempre guardada no meu coração pela sua humanidade e boa disposição.

O meu agradecimento a todos aqueles que se disponibilizaram a colaborar e a participar nas atividades de estágio.

Um agradecimento a todos os amigos verdadeiros, que sempre me acompanharam e ajudaram a completar esta etapa, por vezes tão difícil. Em especial: Marta, Rita, Juliana, Manuela, Susana G3, obrigado por toda amizade e ajuda, vocês deram aquele empurrão que fez toda a diferença.

Aos meus Pais, que sempre estiverem presentes em toda a minha vida, sempre me apoiaram, e fizeram de mim a pessoa que sou hoje, a vocês devo tudo, obrigado. Espero um dia poder retribuir tudo que já fizeram por mim. São os melhores do Mundo.

Aos meus irmãos (Berto, Jaime e Susana), cunhado, cunhadas e sobrinhos (Ricardo, Mariana, Pedro, André e Maria Inês), por existirem e preencherem a minha vida todos os dias, é bom ter com quem me chatear de vez em quando, mas também, ter com quem dividir as tristezas, partilhar as alegrias e festejar as vitórias.

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5 Ao Hélder, com quem partilhei e partilho muitas das minhas angústias e que sempre me fez acreditar que seria capaz, agradeço a força que me transmite em todos os momentos, e pelo seu amor incondicional.

Seria impossível mencionar todos os nomes importantes nesta etapa, porque felizmente são muitas as pessoas que passaram pela minha vida e que, de uma maneira ou de outra, contribuíram para a realização deste projeto e para o meu crescimento pessoal.

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Resumo

O presente trabalho é o resultado de um longo período de estudo, pesquisa, análise, reflexão e construção de conhecimento científico sociológico, que se desenvolveu com o objetivo primordial de conhecer as histórias de vida dos beneficiários do RSI com crianças em risco a seu cargo, acompanhados pela equipa de RSI da Cooperativa Sol Maior. Deste modo, queríamos percecionar e compreender a sua realidade social, cultural e económica, assim como o tipo de risco corrido pelas crianças destas famílias.

Todo o trabalho de investigação teve por base um estudo de cariz qualitativo. Assim, realizamos oito entrevistas aos beneficiários com o intuito de conhecer as trajetórias pessoais destes indivíduos e detetar eventuais acontecimentos comuns ou singulares que pudessem ter marcado o seu percurso e a sua história. Ao dar voz aos indivíduos sobre as suas próprias histórias de vida pretendíamos conseguir captar a perceção dos mesmos sobre o seu percurso e expetativas, assim como a sua visão quanto à sinalização de risco da criança a seu cargo.Efetuamos também uma entrevista em Focus-Group à equipa de RSI da Cooperativa Sol Maior, com o objetivo de conhecer e ouvir “o outro lado” da intervenção.

A temática do RSI e a temática das Crianças em Riscosão independentes uma da outra. No entanto, acreditamos que, ao conhecer e percecionar as histórias de vida dos indivíduos, conseguiríamos analisar estas duas problemáticas em simultâneo.

Concluímos que, na realidade, a socialização e o ambiente que circunda o indivíduo e as suas famílias são influenciadores da sua personalidade e conduta; muitas vezes já faz parte da vida destes indivíduos um ciclo de vulnerabilidade que se reproduz e passa de geração em geração. A intervenção realizada pelas equipas de apoio é bastante útil para a sobrevivência destas famílias, mas a suposta reinserção na sociedade e no mercado de trabalho fica aquém do espectável, principalmente pela falta de meios e pelas medidas provocadas pela atual conjuntura socioeconómica.

Palavras-Chaves: Famílias, Vulnerabilidade, Crianças em Risco, Histórias de Vida, Exclusão Social, RSI.

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Abstract

This thesis is the result of an extensive study period, comprehended by research, analysis, reflection and scientific sociologic knowledge interpretation. It was developed with the intent of identifying the life stories of the Income Support Supplement beneficiaries in charge of socially at-risk children, accompanied by the Sol Maior Cooperative team. Thus, we wanted to perceive and understand their social, cultural and economic reality, as well as the kind of risk incurred by these families’ children.

The whole investigation was based upon a qualitative study. As so, we conducted eight interviews with the beneficiaries, aiming to be aware of their personal paths and detect any common or singular events that may have determined their lives. By giving voice to these individuals we were aiming to understand their awareness about their own courses and expectations. Simultaneously, we wanted to grasp their thoughts on the “socially at risk” classification of the child in their care. In addition, we have conducted a Focus-Group interview with the Sol Maior Cooperative’s team, as a way of hearing and understanding “the other side” of the intervention.

The Income Support Supplement and the Children at Risk themes are not mutually dependent. However, we believe that, by knowing and perceiving these individuals’ life stories, we could analyze both these problems at once.

We concluded that socialization and the surrounding environment influence the individuals and their families’ personalities and behavior as there is often a vulnerability cycle that continues to the following generation. The intervention done by the support teams is rather useful for the survival of these families. Nevertheless, the reintegration both into society and the labor market falls short from what one would expect, mainly due to the lack of means and current social and economic events.

Key-words: families, vulnerability, socially at-risk children, life stories, social exclusion, Income Support Supplement.

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Résumé

Cette thèse est le résultat d'une longue période d'étude, compris par la recherche, l'analyse, la réflexion et la construction de la connaissance scientifique sociologique. Elle a été développée avec l'intention d'identifier les histoires de vie des bénéficiaires de l’Allocation de Réintégration Socialeen charge des enfants socialement à risque, accompagné par le personnel de la Coopérative Sol Maior. D’ainsi, nous voulions percevoir et comprendre leur réalité sociale, culturelle et économique aussi bien que le genre de risque encouru par les enfants de ces familles.

Toute l'enquête était basée sur une étude qualitative. Ainsi, nous avons effectué huit entrevues avec les bénéficiaires, visant à être conscients de leurs parcours personnels et détecter les événements communs ou singuliers qui peuvent avoir déterminé leur vie. En écoutant ces personnes, nous visions à comprendre leur perception à propos de leurs propres cours et attentes. Simultanément, nous voulions déchiffrer leurs conceptions sur la classification de "risque social" de leurs enfants. En outre, nous avons réalisé une entrevue Focus-Groupe avec l'équipe de la Coopérative Sol Maior, afin d'écouter et de comprendre "l'autre côté" de l'intervention.

L’Allocation de Réintégration Sociale et les Enfants Socialement à Risque sont indépendants. Cependant, nous croyons que, en connaissant les histoires de vie de ces individus, nous pourrions analyser ces deux problèmes ensemble.

Nous avons conclu que la socialisation et l’environnement influent la personnalité et la conduite des individus et ces familles car il ya souvent un cycle de vulnérabilité qui se transmet à la génération suivante. L'intervention effectuée par les équipes de soutien est très utile pour la survie de ces familles. Malgré tout, la réintégration dans la société et le marché du travail n’est pas ce qu’on attendre, surtout à cause de l'absence de moyens et d'événements sociaux et économiques actuels.

Mots-clés: familles, vulnérables, enfants socialement à risque, histoires de vie, l'exclusion sociale, Allocation de Réintégration Sociale (RMI).

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Introdução

A palavra família invoca-nos, imediata e espontaneamente, diversas representações mentais sobre o tema. Quando se fala em família pensamos num grupo de pessoas onde existe opai, a mãe e as crianças, por vezes, alargada ainda a outros elementos familiares como os avós, tios e primos. Paralelamente a estas, surge a ideia de um lar, onde a vida da família é partilhada, através de valores, afetos, sentimentos, convivências, entreajudas e experiências.

A família tem um caráter institucional muito forte e transversal a todas as sociedades. Ela é a célula estruturante do indivíduo, onde este cresce e aprende a viver em sociedade. As representações mentais que temos sobre a família assentam nos modelos, experiências e valores que temos da nossa, mas também por outras famílias que conhecemos e com as quais nos vamos relacionando.

Contudo, a família nem sempre foi como a concebemos hoje, sendo ela uma instituição dual de natureza biológica e social, foi ao longo dos tempos moldada pelas sociedades e os seus sistemas (económicos, culturais, religiosos, etc.). Sofreu vários processos de mudança e mesmo hoje existem vários tipos e formas de família que são o resultado da sua história. Assim, cada indivíduoé o resultado das suas vivências e história familiar, onde as relações familiares são um espaço de intensas trocas, nomeadamente afetivas, que interferem com a reprodução, e com a estabilidade emocional de cada indivíduo, e que se vai refletir no cuidar das crianças.

Ao longo do tempo o interesse sobre a criança e o seu papel na sociedade e na família foi crescendo, assim como as reflexões acerca da sua situação social, especialmente das que estão em situação de risco/perigo, mostrando que existem muitas crianças em que o incumprimento dos seus direitos é uma constante nas suas vidas.

Todas as famílias necessitam de momentos de reajuste e adaptação que se vão repetindo ao longo de todo o seu ciclo de vida. Mas este torna-se um processo complexo e ainda mais difícil nas famílias pobres, que se vêm inseridas em contextos desfavorecidos e marcadas por uma diversidade de problemas multidimensionais que não conseguem resolver. O trabalho aparece na vida dos indivíduos como sinónimo de sobrevivência e quem não o tem é, grande parte das vezes, excluído da sociedade. Após a revolução industrial, o trabalho assalariado, entre as várias modalidades que coexistem nos dias de hoje, é a principal fonte de rendimentos. Sem rendimentos, os indivíduos ficam em situações graves de falência de várias das suas necessidades básicas, tendo o Estado Social a função de proteger e cuidar destes indivíduos/famílias em situações de vulnerabilidade. Foi, por isso, criado em Portugal, em

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10 1996, o Rendimento Mínimo Garantido sendo mais tarde, em 2003, alterado o seu nome para Rendimento Social de Inserção (RSI).

O RSI é uma medida de política social de tradição europeia, tendo Portugal sido o penúltimo país onde foi implementado, e tem o propósito de conferir uma prestação financeira aos mais desfavorecidos, mas também de proporcionar a inserção socioprofissional, através de um programa específico para os beneficiários e suas famílias. No entanto, constata-se que, na maior parte destas famílias vulneráveis, continuam a perpetuar-se fatores de vulnerabilidade que se vão agravando ao longo do tempo e se reproduzem de geração em geração. Tendo como referência, relevantes contributos provenientes da sociologia, sabemos que a inclusão social decorre da posse de uma pluralidade de recursos (económicos, sociais e simbólicos). Ou seja, para estar socialmente incluído não basta ter acesso a rendimentos compatíveis com a satisfação das necessidades, mas dispor de ajudas e oportunidades de participar em redes de relacionamento com indivíduos socialmente heterogéneos, partilhar normas e valores coletivos. É fundamental apoiar as crianças das famílias em situação de pobreza e/ou exclusão para que a situação não se reproduza mais tarde, tornando-se num ciclo vicioso. Daí a importância de desenvolver e implantar políticas de promoção e proteção às crianças e famílias vulneráveis, para que a sua situação de vulnerabilidade não seja uma herança de vida condicionadora do futuro.

O presente estudo foi realizado no âmbito da tese para obtenção do grau de mestrado em Sociologia, e pretende dar conta da multiplicidade de aspetos que envolvem a vivência de famílias beneficiárias do Rendimento Social de Inserção com crianças em risco/perigo a seu cargo. Através do método de histórias de vida pretendíamos compreender a realidade vivida pelas crianças em risco, na perspetiva dos seus cuidadores, e perceber de que forma os beneficiários do RSI percecionavam as suas vivências e a dos seus filhos. Por conseguinte, a vivência das famílias foi a primeira preocupação a captar neste estudo; através do discurso dos próprios atores, pretendíamos conhecer, perceber e captar as suas histórias, o seu passado, presente e perspetivas de futuro.

Na primeira parte desta tese, abordamos as temáticas que nos ajudaram a esclarecer alguns conceitos, a descortinar ideias e a sustentar o estudo empírico. Iniciamos a exposição teórica, no primeiro e segundo capítulo com uma breve referência à Sociologia da infância e da família, respetivamente. Aproveitamos para clarificar alguns conceitos como o de criança, infância, família, etc., e para refletir sobre a evolução que estas temáticas sofreram até aos dias de hoje. No primeiro capítulo começamos por fazer uma abordagem sociológica da

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11 infância e descortinar este conceito ate aos dias de hoje, para posteriormente, no segundo capítulo, percecionar o lugar da infância/criança na família.

Ao analisar a família não podemos deixar de ter em conta que, nas últimas décadas, o seu conceito tem vindo a adquirir novas configurações e novas tendências, o que tem vindo a permitir novas conceções de família e da organização da vida dos seus membros, sendo defendido por alguns os seus hábitos tradicionais e por outros o seu progresso moderno. No entanto, seja qual for o seu modelo ou a forma de família, ela é sempre um conjunto de pessoas, uma unidade social onde se estabelecem e desenvolvem relações entre os seus membros e o meio externo, e que desempenha funções importantes na sociedade, como a educação, socialização, função reprodutora, etc. Daí, este estudo conceber centralidade à Família e ter a relação familiar como base da análise.

Ainda no segundo capítulo, fomos descortinando os vários tipos de famílias e a suas principais funções; desenvolvemos conceitos que nos servem para compreender as relações no interior das famílias, entre pais e filhos, as relações entre a família e a sociedade e as trajetórias sofridas ao longo do tempo. Mostrou-se relevante abordar a evolução da família e perceber a importância que o desenvolvimento destas temáticas tem para compreender o papel que hoje a criança e a infância detêm na sociedade.

Num terceiro capítulo abordamos a pobreza e a exclusão social nas suas vertentes, variabilidades e abordagens teóricas. Estes dois conceitos muitas vezes se confundem, a nível do senso comum, sendo por isso pertinente explicitá-los na medida em que, sendo conceitos diferentes se reforçam mutuamente. A pobreza é um fenómeno relativo no espaço e no tempo, não se podendo fazer uma medição direta, é preciso ter em conta os valores predominantes numa dada sociedade. Decidimos por isso, ainda neste capítulo, fazer uma contextualização da pobreza em Portugal, assim como apresentar as vulnerabilidades dos indivíduos relativamente à pobreza. A pobreza e a exclusão são fenómenos transversais a várias esferas da vida dos indivíduos; não se pode por isso dizer que resultam de uma causa em particular, mas existem diversos fatores que contribuem para que o indivíduo se encontre, ou possa vir a ficar, nessa condição.

Em Portugal, foi necessária a criação de políticas sociais de apoio e ajuda para minimizar as situações de pobreza e exclusão das famílias. O RSI, como política de combate à pobreza e de inclusão social, pode ser um bom exemplo de resolução do problema, se for mais uma medida de inclusão e menos uma medida de subsidiação. Fazemos por isso, ainda neste terceiro capítulo, um enquadramento da medida no nosso País, apresentando as suas principais características.

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12 Estando a falar de famílias beneficiários do RSI, com a particularidade de terem crianças em risco a seu cargo, mostrou-se pertinente fazer um enquadramento sociojurídico destas problemáticas. Assim sendo, o quarto capítulo aborda o sistema de promoção e proteção das crianças e jovens, dando ênfase, ao surgimento dos direitos da criança, tentando perceber a sua evolução, dinâmica e capacidade de proteção. É feita uma alusão aos conceitos de Risco e Perigo para compreender e desmistificar a relação entre estes: apesar de se interligarem e manterem uma relação estreita, são distintos. Note-se que, as situações de risco são mais amplas do que as situações de perigo. É feito posteriormente referência às entidades competentes nesta área (CPCJ, EMAT e outras), fazendo o levantamento e a caracterização das mesmas.

Terminamos o nosso enquadramento teórico, no quinto capítulo, com a apresentação da entidade de estágio, a Cooperativa Sol Maior, e da população em estudo.

Passando para a segunda parte da nossa dissertação é apresentado, no sexto capítulo, o nosso modelo de análise.

No capítulo sétimo é descortinada a metodologia utilizada. Tendo em conta a natureza da problemática em estudo, foi utilizado o método qualitativo e desenvolvidas técnicas como: a entrevista do tipo Histórias de vida, o Focus-Group e a observação em campo. É neste momento que é feita a apresentação do nosso estudo de campo: apresentamos o enquadramento conceptual, os objetivos da investigação e a metodologia levada a cabo para concretizar os objetivos formulados através dos problemas de investigação e hipóteses de trabalho.

Chegamos à apresentação dos dados recolhidos, no capítulo oito, em que é feita uma leitura das oito entrevistas realizadas aos beneficiários do RSI e do Focus-Group feito com a equipa de RSI da Cooperativa Sol Maior.

Assim, neste capítulo apresentamos os resultados e fazemos a sua análise, recorrendo posteriormente, no capítulo nove, a um confronto entre os dados recolhidos e as hipóteses traçadas no início do nosso estudo.

Terminamos este trabalho, com algumas considerações finais, que pretendem não só sintetizar os aspetos mais relevantes deste estudo, como também contribuir com algumas reflexões pessoais que podem ajudar todos aqueles que se interessam por estas matérias e queiram refletir estas temáticas.

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PARTE I: Enquadramento teórico

1. A Criança e a sua infância

“A infância tem as suas maneiras próprias de ver, pensar e sentir. Nada mais insensato que pretender substituí-la pelas nossas” Voltaire

1.1 Clarificação de Conceitos

Tomar como objeto de estudo, Famílias com crianças e jovens em risco, tem subjacente a necessidade de compreender os modos como as crianças são vistas pelas famílias, pela sociedade, e neste caso, pela Sociologia. As transformações ocorridas na família moderna, assim como o olhar da sociedade sobre a criança e a infância, tornam-se pontos cruciais para o trabalho que iremos desenvolver, a fim de melhor compreender toda a dinâmica envolvente nas famílias em estudo.

O conceito de criança, assim como de infância, tem variado ao longo do tempo, e o entendimento e as representações em torno deste conceito têm vindo a sofrer mudanças muito significativas na história. A literatura mostra, que a criança era, na Antiguidade, tratada como um ser pequeno, frágil e invisível para a sociedade. A infância, que é definida nos dicionários de língua portuguesa como: “o período de crescimento, do ser humano, que vai desde o

nascimento à puberdade” (Dicionários Modernos, 2015)era um período frágil para se educar

ou ensinar.

De certo modo, demorou algum tempo para que as Ciências Sociais e Humanas focassem a criança e a infância como objetos centrais das suas pesquisas. Na sociologia da família o objeto central era o casal, não se debruçando sobre a temática da infância, até porque esta nem sempre existiu como hoje a concebemos: era vista como uma fase "inútil", em que se aguardava que a criança chegasse à fase adulta. Tal como refere Sarmento:

“Crianças existiram sempre, desde o primeiro ser humano, a infância como construção social – a propósito da qual se construiu um conjunto de representações sociais e de crenças e para a qual se estruturaram dispositivos de socialização e controlo que a instituíram como categoria social própria – existe desde os séculos XVII e XVIII” (Sarmento, 1997:11).

A criança era inicialmente considerada pela sociedade como um ser futuro, desprovido de identidade e personalidade própria. Na verdade, o dia-a-dia das crianças era, até ao século

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14 XV, pontuado por um enorme isolamento, onde os bebés e crianças por serem demasiado frágeis, não partilhavam o mundo dos adultos. Pelo menos até ao século XVII, a criança ocupava um papel muito reduzido, quer na família quer na sociedade, e por isso a infância não era uma categoria socialmente reconhecida.

A infância, como a concebemos hoje, não existia, pois “ela [a infância] apresenta ao

educador não um ser formado, não uma obra realizada e um produto acabado, mas um devir, um começo de ser, uma pessoa em vias de formação. Não importa que período da infância consideremos, sempre nos encontramos em presença de uma inteligência tão fraca, tão frágil, tão recentemente formada, de constituição tão delicada, com faculdades tão limitadas e exercendo-se por um tal milagre que, quando pensamos nisso tudo, não há como não se temer por essa esplêndida e frágil máquina.” (Sirota, 2001: 9). Assim, na Antiguidade, as

crianças eram geralmente vistas como indefesas e incapazes de dirigir os seus próprios afetos e, por isso, impossíveis de estudar.

Na sociedade medieval, como refere Philippe Ariès (1988), o sentimento de infância não existia, e por sentimento de infância entende-se, “uma consciência da especificidade

infantil”, que distingue a criança do adulto, nesta época a criança passava despercebida, pois

o seu estatuto social era irrelevante. A família era mais uma realidade moral e social do que sentimental, um espaço aberto, desprovido de rotinas familiares. A criança detinha um estatuto de não excluído, já que tinha assegurado o seu lugar na família alicerçando a sua pertença ao grupo por motivos de sangue, raça ou condição social. Não se mostrava por isso pertinente estudar a criança e/ou a infância.

1.2 Uma abordagem sociológica

As crianças foram conquistando ao longo dos tempos um estatuto de sujeitos sociais que integram uma categoria geracional distinta de todas as outras. Ao longo da História, a atitude dos adultos face à criança foi alvo de grandes mudanças, mas demorou algum tempo até que a infância fosse institucionalmente reconhecida como um campo a estudar pelas ciências sociais. Foram inicialmente os filantropos e reformadores sociais, seguidos pelos médicos e psicólogos que se lançaram no campo da infância. Os sociólogos, estavam pouco presentes no início, foi pouco a pouco que se desenvolveram neste campo de estudos.

A abordagem sociológica da infância trouxe consigo importantes contribuições para uma melhor compreensão dessa categoria social, representando um importante marco para a defesa dos direitos das crianças em diferentes espaços sociais, em especial, no contexto familiar e no sistema de educação formal.

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15 Segundo Sirota, a ideia da construção de uma sociologia da infância surgiu já nos anos 30 do século XX com Marcel Mauss, no entanto a infância como objeto sociológico sofre um processo de “apagamento” ou marginalização que a levou a ser ignorada, na sua autonomia conceitual, pelos pesquisadores até muito recentemente. (Sirota, 2001).

Nos anos 60 é publicado por P. Ariès uma das mais inovadoras e brilhantes obras de história social e familiar: “A criança e a família no Antigo Regime (1960 – 1973)”, que trazem a público a discussão da sentimentalização da infância. Nesta obra o autor começa por falar da descoberta da infância, ainda nos finais da Idade Média. Através da análise de pinturas e de documentos relativos à educação das crianças, verificou as transformações do papel da família e da sua hierarquia social no Ocidente. É estabelecida uma consequência lógica entre a aquisição de uma consciência sobre a especificidade da criança e alguns indicadores dessa mesma consciência, como o aparecimento do bebé e da criança pequena nos retratos pintados da família dessa época, o surgir de um vestuário próprio, assim como o surgimento de jogos, brinquedos e histórias específicas para os mais pequenos. No livro, o autor destaca o fenómeno da domesticidade e o aparecimento da escola (que serão aprofundados mais à frente neste trabalho, no capítulo sobre a família). Estes dois novos conceitos que emergem na sociedade refletem as mudanças que vão ocorrendo no seio da família cada vez mais afetiva, fechada e individual. Esta, enquanto micro-estrutura, torna-se então a base da sociedade e tem como função principal a criação e a educação dos filhos, componente indispensável de uma felicidade pessoal, mas também garantia da manutenção da coesão social. Esta “nova” sociedade fez com que surgisse, além de um novo sentimento pela infância, a criação de instituições públicas a si destinadas: a criança era, agora, considerada um ser inocente que precisava de cuidados e que necessitava de ir à escola para se preparar para o futuro.

É a partir de fins dos anos 80 que cientistas sociais europeus e norte-americanos, consideram a ideia da infância como uma etapa da vida que possui uma importante dimensão de construção social. Isto significa desconstruir o paradigma tradicional da infância como uma fase da vida natural e universal e as crianças como entidades biopsicológicas, objetos passivos de socialização numa ordem social adulta (Sirota, 2001). Num contexto de industrialização intensa, urbanização, imigração, explosão demográfica e expansão da instrução pública, emergiu um interesse pelos problemas da infância e, particularmente, pelo trabalho das crianças.

A sociologia da infância é um campo que tem vindo progressivamente a emergir no domínio da investigação sociológica a nível internacional e, mais recentemente, em Portugal.

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“O desenvolvimento recente desse campo de estudos acompanha os progressos verificados no plano internacional, em que a sociologia de infância foi reconhecida como o mais recente Comité de pesquisa da Associação internacional da Sociologia (ISA) e um dos últimos grupos de trabalho a serem criados no interior da Associação internacional de Sociologia de Língua Francesa (AISLF)”. (Sarmento, 2005:362). O significado social e ideológico da criança e o

valor social atribuído à infância são agora objeto de estudo da sociologia, compreendendo que a dependência da criança em relação ao adulto é facto social.

Em Portugal, foi em 1990 que se registaram as primeiras monografias e estudos científicos sobre o tema da infância. Abrangendo aspetos específicos da situação social no nosso país, nascem da convergência dos estudos educacionais, com estudos sociológicos no âmbito da família e das ciências da comunicação. Esta perspetiva relativamente à infância tem vindo a ganhar destaque no nosso País, através da construção do debate teórico da sociologia em torno da individualidade na contemporaneidade, como refere Marta Carreira no seu Working Paper 2012, “O ator-criança, capaz, autónomo, produtor de sentido e significado do

seu mundo torna-se evidente.” (Carreira (b), 2012:3). A própria crescente procura de

conhecimento social sobre a infância, principalmente por parte do poder político, faz crescer e desenvolver a investigação sobre a temática.

O século XX marca, definitivamente, a viragem de paradigma e é principalmente por oposição à proposta que considerava a infância como um simples objeto passivo de uma socialização regida por instituições, que vão surgir e se fixar os primeiros elementos de uma sociologia da infância.

A institucionalização da infância ocorre com o início da modernidade e é, depois das duas grandes guerras, realizada na conjugação de vários fatores. Um fator a ser destacado foi a criação de instâncias públicas de socialização, como a escola, outro dos fatores relevantes foi, as transformações na estrutura e modelos familiares (com o decréscimo da natalidade, o surgimento das famílias mais pequenas, fechadas e centradas no seu núcleo, etc.). Também a formação de um conjunto de saberes normativos e a administração simbólica da infância, por meio de regras e instituições, foi outro fator que levou ao crescimento da reflexão social sobre a criança. Foram surgindo, deste modo, vários fatores sociais que contribuíram para uma maior valorização do papel da criança na sociedade (que serão aprofundados no próximo capítulo na abordagem da família).

É a partir do século XX, que os direitos das crianças começam a ser assinalados, através da aprovação da Assembleia Geral das Nações Unidas, a 20 de novembro de 1959 da

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17 “Declaração dos Direitos da Criança”, e em 1989 da “Convenção dos Direitos da Criança”, ratificada por Portugal em 21 de setembro de 1990.

1.3 Infância na Sociedade Contemporânea

O conceito de infância sofreu mudanças ao longo do tempo, que estão relacionadas com o contexto social da época em que se vivia e da evolução dos contributos provenientes dos estudos realizados. Apenas recentemente se começaram a focalizar nas especificidades que distinguem as crianças dos adultos. Inicialmente, a infância era vista com indiferença, só ocupando, posteriormente, um lugar de destaque junto da família e da sociedade. Essa perceção, de acordo com P. Ariès (1988), é simultânea à constituição da família nuclear, do estado nação e da nova organização do trabalho produtivo. O conceito de infância e adolescência é uma invenção própria da sociedade industrial.

A distinção entre criança e adulto fez com que a adolescência começasse a ser percebida como um período à parte do desenvolvimento humano. Hoje, surgem preocupações com a proteção das crianças e tentativas de explicar os seus comportamentos. Note-se que, as crianças são influenciadas e influenciam a realidade social em que se encontram inseridas, e todos os comportamentos e vivências das crianças influenciam as suas trajetórias.

As mudanças sentidas ao longo dos tempos na sociedade foram também vividas no interior das famílias, que provocaram alterações e desenvolvimentos distintos não só, no conceito de família, mas também no conceito deindivíduo.

Por conseguinte, estas mudanças envolveram a sociedade, os indivíduos, e as próprias crianças, que são hoje diferentes do passado, dado que as suas expetativas, os recursos existentes, os contextos culturais em que se inserem e a própria sociedade se foram alterando ao longo dos tempos. Alguns psicólogos defendem que, nos dias de hoje, se caiu no processo de infantilização. Com o crescimento da importância da educação e da escola na vida das crianças, cujo objetivo é assegurar uma população adaptada e produtiva na vida adulta, a família deixa de ser o único agente de socialização, passando a escola também a ter essa responsabilidade. A criança passa assim por um longo período de infantilização, onde é vista como uma extensão dos seus progenitores, em que a infância é importante, mas fundamentada como um processo inacabado, a formar-se para a idade adulta.

As crianças e as problemáticas associadas à infância estão na ordem do dia, como refere Sarmento (1997), a problemática da criança ganhou uma forte importância mediática, sendo destaque em todos os meios de comunicação social notícias sobre, abandono ou maus tratos às crianças, crianças em risco ou em situação de pobreza, etc. Assim, também no campo da

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18 investigação, desde a década 90, tem-se dado cada vez mais atenção à criança e às problemáticas envolventes. “(…) assiste-se, em Portugal, ao surgimento dos primeiros

relatórios que consideram aspetos específicos da situação social da infância no nosso país, nomeadamente sobre a pobreza infantil (Silva, 1990), o trabalho infantil (Instituto de Apoio à Criança/CNASTI, 1996), as crianças vítimas de maus--tratos (Almeida, 1997), os direitos da criança (Comité dos Direitos da Criança, 1996), ou, no âmbito da sociologia da família, sobre a condição da infância (Wall, 1996)”. (Sarmento, 1997:1). O novo olhar apontado para

estas recentes perspetivas é a questão central para a construção social da infância como um novo paradigma, no qual há a necessidade de elaborar e reconstruir as conceções e conceitos associados à infância e às crianças.

Este novo olhar sobre a criança e a infância, remete para a importância da internalização dos costumes, das normas, dos valores sociais e dos significados simbólicos estabelecidos socialmente. Assim, as crianças devem ser submetidas à ordem social, devem ser socializadas; o que assegura a transmissão da cultura e garante a continuidade da sociedade. Junto com a família, a escola estabelece-se como uma agência socializadora de transmissão de significado e de cultura. No entanto, a família tem merecido uma constante centralização na vida da criança. “No domínio da educação para os valores, a família, não sendo a única

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2. Abordagem da Família

“O individuo só poderá agir na medida em que aprender a conhecer o contexto em que está inserido, a saber quais as suas origens e as condições de que depende. E não poderá sabê-lo sem ir à escola, começando por observar a matéria bruta que está lá representada.” Èmile Durkheim

A base do nosso estudo prende-se nas histórias de vida de pessoas com determinadas características específicas: beneficiários RSI com crianças em situação de risco ou perigo, ou seja, trajetórias de vida complexas passadas no seio familiar. Abordar a família torna-se, por isso, essencial para este trabalho, pois é no seu interior que o indivíduo se começa a formar enquanto ser individual e social.

A família tem um caráter institucional muito forte e transversal a todas as sociedades. Ao longo dos tempos e em diferentes contextos sociais, verificou-se a sua variabilidade e capacidade de adaptação, e apesar de todas as alterações que a família tem sofrido, não há nenhuma outra instituição que a substitua no seu todo. Tem um importante papel na vida do indivíduo, é o primeiro e principal agente de socialização do indivíduo. “Quando a criança

nasce, nasce numa determinada família composta por vários membros interactuantes e ocupando posições específicas na sociedade. Deste modo, o indivíduo fica contido numa rede de roles1 simultaneamente característicos desse grupo restrito que é a sua família e característicos do contexto social onde esta se insere.” (Santos, 1969: 73).

É importante reconhecer como, desde o nascimento, somos socializados na cultura de nossa família e como a infância é um período de intensa aprendizagem cultural. É nos primeiros anos de vida que as crianças aprendem a língua e os padrões básicos de comportamento que serão a base de toda a socialização. A família é o veículo de transmissão dos modelos sociais, é o instrumento de socialização através do qual os indivíduos se inserem no meio que os rodeia.

Nas páginas que se seguem, temos o objetivo de dar a conhecer de uma forma breve e sucinta o percurso da sociologia da família no mundo em geral e em particular em Portugal, de descodificar significados e conceitos e perceber as transformações que a temática sofreu ao longo dos tempos.

1Rôles é «um modelo organizado de comportamentos, relativo a uma certa posição de indivíduo num todo

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20 2.1 Sociologia da Família

Nas Ciências Sociais o estudo da família é algo comum a várias disciplinas. No caso da Sociologia, foi procedida de teorias filosóficas que “consideravam a família como a

incarnação de ideias platónicas relativas à justiça e ao amor” (Michel, 1983:13). Pode-se

atribuir a E. Durkheim o estatuto de fundador da Sociologia da Família quando em 1888 e 1892 organizou, na Universidade de Bordéus, dois cursos: um com a designação de Sociologia da Família e o outro intitulado “Família Conjugal” (Leandro, 2001).

Durkheim vê a família como uma instituição social que é produto de causas sociais, em que a família conjugal formada no casamento é o marco de uma evolução. Segundo Andrée Michel, “a família conjugal contemporânea é o resultado, para Durkheim, da lei de

contracção progressiva que resume a evolução da família: é um processo centrípeto, que vai da periferia ao centro; de modo que «é o agrupamento doméstico que emerge do agrupamento político, e não o político que é procedente, por dilatação do doméstico.»”(Michel,1983:43). Para fazer uma completa análise da família, Durkheim tentou

descrever os elementos da organização familiar (relações entre pessoas e bens, entre os próprios elementos da família – pais, filhos e parentes próximos, etc.). O autor incluiu também o Estado, como um elemento exterior que se mistura à vida doméstica e se torna um fator importante dele (ver em anexo I).

As pesquisas de Durkheim sobre a família continuaram por muitos anos, e serviram de base para muitos outros autores. De facto, é admirável perceber que, mesmo passado tanto tempo desde que Durkheim escreveu e formulou as suas principais análises sobre a família e os seus processos de transformação, algumas das suas posições ainda apresentam extrema modernidade e até a profunda atualidade. Em suma, pode-se distinguir três ideias centrais em Durkheim:

-Em primeiro lugar, a passagem da família paternal e patriarcal para um novo tipo de família, a família conjugal moderna, identificando as suas características distintivas; esta passagem é tão conhecida e divulgada quanto criticada. É verdade que havia excessiva simplificação e homogeneização na sua perspetiva, mas Durkheim, apesar de tudo, acertou no essencial quanto ao sentido das transformações verificadas: pôs a família constituída apenas pelo marido, a mulher e os filhos menores e solteiros do casal. E foi o que se afirmou ao longo do século XX continuando a ser a forma de família dominante, apesar de coexistirem diversas formas de família.

- Em segundo, a ideia da valorização do papel do indivíduo, dos seus interesses e sentimentos em relação ao coletivo da família;

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21 - Em terceiro lugar, salienta o papel específico do Estado no contexto dessa nova forma de organização familiar que considera dominante.

Em Portugal o estudo da Sociologia da Família surge através de algumas monografias realizadas entre 1909 e 1934 por sociólogos franceses e portugueses ligados à escola playsiana, sobre a sociologia da família. A escola playsiana reside na construção de um método sistemático para a investigação social, que se concentra no estudo da família, vista como a instituição fundadora da sociedade. Para Frédéric Le Play a família era considerada “a

célula de base da sociedade, a partir da qual os valores de ordem social (ou então do socialismo) podiam desenvolver-se na cidade.” (Michel, 1983:33). Neste sentido, a família é

considerada a base de uma estrutura social, pois é o suporte indispensável de um indivíduo e o meio onde as crianças se socializam e estabelecem as relações sociais fundamentais.

A obra de M. Engrácia Leandro sobre a Sociologia da Família nas sociedades contemporâneas (2001), explicita muito bem o desenvolvimento que a sociologia da família teve em Portugal dividindo-a por três etapas essenciais que se traduzem em três tempos distintos: “o tempo dos precursores”; “o tempo das interconexões e da procura”; “o tempo das estratégias de solidificação”.

A primeira etapa (o tempo dos precursores) remonta aos inícios do século XX com os trabalhos de alguns sociólogos franceses e portugueses diretamente ligados à Escola playsiana, como já tínhamos referido. Mas na época, não foi possível que a Sociologia se desenvolvesse em Portugal que se encontrava no regime ditatorial de Oliveira Salazar e, como qualquer ditadura, não fomentava o progresso ou crescimento do conhecimento.Foi, por isso, necessário esperar pelo fim do Estado Novo, para que a sociologia ganhasse novo fôlego.

A segunda etapa foi particularmente marcada pela reflexão e visão interdisciplinar no quadro das Ciências Sociais, reunindo essencialmente antropólogos, demógrafos, economistas, geógrafos, historiadores e sociólogos. Estudando fenómenos de migração, do meio rural e meio urbano, e organizam-se seminários dedicados essencialmente às questões da família.

Na terceira fase, a partir de finais dos anos oitenta, a Sociologia da Família foi crescendo, desenvolvendo-se vários trabalhos sobre esta temática, e passando a ser disciplina de estudo em várias universidades. Esta fase corresponde ao momento em que lhe é conferida o estatuto de disciplina autónoma no âmbito do ensino e da investigação universitária, é também nesta fase que surgem as políticas Sociais, essas políticas ajudaram a estimular o crescimento dos estudos das ciências Sociais e vice-versa.

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22 Ao ter a família como unidade de análise, a sociologia encarou-a como um grupo social inconfundível face a outros grupos sociais. A família foi assumindo formas e funções diferentes, dependendo do tempo e espaço em que se situava. Ela tem variado muito desde meados do século XIX, nos contextos de implantação da industrialização, mas foi sobretudo nas últimas três décadas do século XX, que a família mais sofreu mutações nas sociedades industrializadas.

Os estudos da sociologia da família em Portugal assentam obviamente na história da sociologia em Portugal que emergiu ao longo dos anos 60. Estes anos foram marcados por um contexto económico e social de reorganização do processo de industrialização e do mercado estrangeiro, o que permitiu que a investigação em sociologia se abrisse a novas temáticas, (trabalho, demografia, emigração, mudanças socias, etc.), mas sem grande investimento em pesquisa no terreno. A Sociologia tentava libertar-se e produzir um discurso sociológico autónomo, tentando compensar o lugar periférico que ocupava em relação aos principais centros onde se desenvolvia o conhecimento sociológico. Durante os anos 70 e 80 a tendência foi para, a nível teórico privilegiar o macrossocial e o problema da regulação social; no plano da investigação, verificou-se uma quase ausência de debate crítico e de confronto teórico ou metodológico, o que acabou por demarcar este período.

Após o 25 de abril foi possível desenvolver a investigação e o pensamento sociológico, aparecendo novos centros universitários. O antropólogo Robert Rowland, foi convidado a criar um departamento de ciências sociais na Faculdade de Economia do Porto, mais tarde transfere-se para o Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, em Lisboa, instituto que tinha a cargo a formação de licenciados em Sociologia e, posteriormente a de Licenciados em Antropologia Social. Com Robert Rowland são retomadas as interrogações sobre a estrutura da família portuguesa e estabelecidos contactos com o Cambridge Group (Wall,1993). Foram sendo criados vários seminários que proporcionavam uma troca frutuosa entre a sociologia, e outras disciplinas como a antropologia, a história, a demografia e a geografia humana; a família enquanto problemática foi sendo descortinada em trabalhos de várias disciplinas, desenvolvendo-se tanto na teoria como na pesquisa empírica.

A investigação sociológica sobre a família, mesmo ancorada nos debates dos primeiros trabalhos sobre a sociedade portuguesa, procurou criar um espaço mais autónomo, para isso, foi se apoiando na sociologia da família desenvolvida no estrangeiro. “Em 1986, a convite do

ISCTE, Jean Kellerhals apresentou uma conferência sobre os tipos de interacção na família (…). A partir de então jovens investigadores criaram um seminário de investigação e de formação em sociologia da família, no qual participaram numerosos investigadores

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23

estrangeiros. Alguns investigadores assumiram-se então como pertencentes à área da «sociologia da família», adoptando como objectivo central a análise dos processos familiares” (Wall,1993:1004). Certo é que o estudo da família, e da vida conjugal, é uma das

áreas mais importantes da Sociologia. A abordagem Sociológica da família, permite estabelecer uma ponte entre o micro e o macrossocial, entre os atores e as estruturas.

A sociologia da família estuda factos bastante variados e diferentes que vão desde o casamento, à relação do casal, à estrutura familiar, o cuidado dos filhos, o papel da criança na família, etc. A família tem sido objeto de diferentes abordagens sociológicas, entre as quais a institucional, a estrutura-funcionalista, a marxista e a interacionista.O que nos leva a questionar o que é a família? E qual a sua função?

2.1.1 Definição e caraterísticas da Família

O termo família abrange uma enorme variedade de experiências, relações históricas e culturais, tornando-se por isso complicado encontrar uma única definição do termo. O seu estudo atualmente processa-se face às surpreendentes modificações que a instituição família tem sofrido.

A família tem diversas funções e poderíamos dividir essas funções, como afirma Osório (1996), em biológicas, psicológicas e sociais, mas é difícil, para não dizer impossível, separar cada uma dessas abordagens. A família é a primeira instituição na qual, geralmente, todo o ser humano participa sendo o primeiro grupo de forte influência sobre as pessoas, sobre o seu comportamento, a sua personalidade e as suas escolhas futuras, tendo ainda, funções de acolhimento, cuidados, educação e preparação do indivíduo para a vida adulta. É na relação com os seus cuidadores que a criança inicia a sua constituição como sujeito: a formação da sua identidade, as perceções de quem são os outros e quais são os papéis que a ela e esses outros desempenham dentro da organização familiar. Mas o conceito de família está longe de ter uma única definição clara e restrita.

O termo família é de origem latina: apareceu em Roma derivada de famulus, que quer dizer servo ou escravo. Na Roma Antiga, família, significava o conjunto dos escravos e dos servidores, mas também toda a domus (casa), ou seja, todos os indivíduos que vivem sob o mesmo teto e os bens patrimoniais pertencentes a essa casa.Assim, considerava-se a família tanto o “Senhor” da casa como o conjunto de escravos ou criados pertencentes a esse “Senhor”. (Leandro,2006:52). O conceito de família apenas surge com uma definição próxima da dos dias de hoje, no século XVII; com um significado equivalente à família nuclear conjugal, grupo constituído por pai, mãe e filhos, só surge no século XIX (Leandro, 2001). Se

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24 é verdade que desde essa altura até aos anos setenta do século XX este grupo e o seu conceito pareciam estáveis, rapidamente, a realidade sociofamiliar, fruto das relevantes mutações ocorridas, encarregou-se de demonstrar o contrário.

A família, que é uma instituição ancestral, universal, e multivariada, tem sabido resistir e adaptar-se a todas as transformações e mutações familiares e sociais, tendo ela própria participado, enquanto sujeito-ator, nessa mesma dinâmica social ao longo dos tempos. É uma instituição essencial ao ponto de, até ao presente, nenhuma sociedade conseguir passar sem ela, apesar de todas as transformações e mutações que tem sofrido. “A família revela-se como

um dos lugares privilegiados de construção social da realidade, a partir da construção social dos acontecimentos e relações aparentemente mais naturais” (Saraceno,1997:12).

Numa definição, que João Ferreira de Almeida refere como minimalista, no seu livro Introdução à Sociologia (2006),a família enquanto grupo doméstico, é um grupo de pessoas ligadas por laços de parentesco, onde os membros adultos assumem a responsabilidade de cuidar das crianças. Mas a família é muito mais abrangente, é uma multiplicidade de dinâmicas e alternâncias. Acima de tudo, a família é o grupo social primário que influencia e é influenciado por outros indivíduos e instituições. Representa um conjunto de agentes sociais ligados por descendência a partir de um ancestral comum, por matrimónio ou adoção. Existe um grau de parentesco entre os indivíduos que a constituem e é comum os seus membros partilharem o mesmo sobrenome. Os indivíduos unem-se através de laços capazes de os manter moral, material e reciprocamente unidos durante gerações.

A família é um indicador eficaz, que representa a complexidade de relações e dimensões implicadas no espaço da família: dos vínculos e dos limites que os articula. “Do ponto de

vista sociológico, Murdock (1949, cit. Por Sprinthall e Collins, 1999) define a família como um grupo social que se caracteriza por residência comum, cooperação económica e reprodução. Inclui adultos de ambos os sexos, pelo menos dois dos quais mantêm uma relação sexual socialmente aceite.”(Silva; 2004:46).

Pode, então, tentar definir-se a família como um conjunto de pessoas com difíceis exigências funcionais, que organizam a interação dos membros, considerando-a, como um sistema que opera através de padrões transacionais. Assim, no interior da família, os indivíduos podem constituir subsistemas podendo ser formados por geração, sexo, interesse e/ou função, havendo diferentes níveis de poder, e onde os comportamentos de um membro afetam e influenciam os outros membros.

A família, como unidade social, enfrenta uma série de tarefas de desenvolvimento, diferindo a nível dos parâmetros culturais, mas possuindo as mesmas raízes universais.

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25 Giddens define a família como um “grupo de pessoas unidas diretamente por laços de

parentesco (relações entre indivíduos estabelecidas por meio de linhas de descendência que ligam familiares consanguíneos ou através do casamento - definido como união sexual entre dois indivíduos adultos reconhecida e aprovada socialmente) no qual os adultos assumem a responsabilidade de cuidar das crianças” (Giddens, 2007:175).

Em termos de significação, a família tem-se assumido como algo polissémico ao que não será estranho a diversidade das suas estruturas, formas de organização e representações que têm surgido ao longo dos tempos e das sociedades, configurando, assim, relativamente a cada um desses momentos, uma componente da estrutura social. A sociologia opta por não dar um conceito único e fechado de família, uma vez que considera diversos aspetos sociais, nas análises que produz. Deste modo, podemos afirmar que o casamento ou a união de facto é um pilar basilar na constituição daquilo que consideramos como família, todavia temos de considerar ainda as famílias monoparentais (famílias compostas somente por um adulto, isto é, pais/ mães solteiros) e mesmo a questão da homossexualidade. Por via de todas estas realidades torna-se impossível produzir um conceito único de família.

2.1.2 Evolução e mudanças na Família.

Mais abrangente do que a noção de família, definida pela existência de laços de sangue ou de aliança, o conceito de “agregado doméstico” designa o grupo elementar de solidariedade quotidiana, tendo como base um critério de co-residência entre indivíduos, o que implica quer a partilha do mesmo teto, quer a partilha de recursos e mesmo de atividades. Durante muitos séculos a família, enquanto grupo doméstico, constituiu o modo normal de fazer frente à reprodução e garantir a continuidade das gerações, mas também se revelava como uma verdadeira empresa, com objetivos produtivos e financeiros bem estruturados.

A evolução e a mudança levaram a alterações e transformações na família, que deixou de ser um modelo tradicional prevalente, aparecendo novas formas de organização familiar. Tornou-se assim um fenómeno de caráter global bastante complexo.

A sociedade, ao longo dos tempos, foi sofrendo várias transformações sociais e culturais que, Philippe Ariès expõe no seu livro “A História social da Criança e da Família”. O autor analisa as transformações da vida social através da representação da família, desde a era Medieval até ao século XIX, descrevendo de forma clara o cenário encontrado na época.

Segundo o autor, desde a era Medieval, o modelo de família - o pai, a mãe e os filhos tinham um papel bem definido, em que a família integrava uma ordem social rígida. Em consequência dos fatores inerentes na época nasciam muitas crianças, mas sobreviviam

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26 poucas. Havia uma alta taxa de mortalidade infantil e o número de bebés abandonados era bastante elevado na época. Havia ainda o costume de enviar as crianças, a partir dos sete anos, para viverem com outras famílias com o intuito de aprenderem ofícios, o hábito das mães de elite enviarem os seus filhos bebés para amas-de-leite, onde eram amamentados até aos dois anos. Isto levava a que a socialização e educação das crianças não fosse assegurada nem controlada pela família, mas sim, por adultos estranhos. (Ariès,1981)

Na época Medieval o serviço doméstico confundia-se com o ensino, era a forma generalizada de educação, a participação das crianças na vida dos adultos é que garantia a transmissão de saberes de uma geração para a outra. Não havia lugar para a escola, esta estava destinada somente ao Clérigo, e mesmo os jovens clérigos que iam à escola eram muitas vezes colocados em regime interno, para poderem também aprender a servir.

Estes hábitos, na época, eram vistos com normalidade, pois a criança não tinha a importância nem o reconhecimento que lhes é atribuído atualmente. Na época, “a família era

mais uma realidade moral e social do que sentimental. (…) Do ponto de vista sentimental, a família quase não existia entre os pobres, e quando havia bens e ambição, o sentimento inspirava-se naquele que derivava das antigas relações linhagísticas” (Ariès, 1988:265).

No século XV começam a surgir algumas transformações. A escola, embora de forma lenta, deixa de estar reservada exclusivamente ao clérigo, e passa a fazer parte da inicialização social da criança, separando a condição da criança da vida adulta.

O conceito de infância e sentimento de família começam a surgir lentamente. Embora a mortalidade ainda se mantivesse bastante elevada, começava a surgir uma preocupação maior no cuidado dos filhos, (cuidados de higiene, vacinação, etc.,). No início do século XVII, deu-se uma multiplicação das escolas, o que demonstrava a necessidade de uma educação teórica que rompesse com as antigas formas práticas de aprendizagem. Mas no caso das raparigas, o alargamento da escolaridade não se generalizou até ao século XVIII, estas continuavam a ser ensinadas através da prática como serventes.

Nesta época a privacidade ainda era rara, as casas eram como grandes barracos, sem divisões. Essa ausência de delimitações fazia com que todas as coisas ficassem juntas, não existindo privacidade entre os elementos da família, todos partilhavam os mesmos espaços comuns. Aos poucos foram surgindo algumas mudanças nas casas e no próprio mobiliário, que indicavam uma transformação de valores, como o surgimento da ambição e da reputação. A família transformou-se profundamente, na medida em que foi modificando o seu modo de vida, dando maior valor à sua condição social. Começou a surgir uma preocupação com as crianças e com o seu crescimento e socialização. A necessidade de educá-la ou

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27 prepará-la para a vida futura passou a fazer parte da dinâmica familiar, tendo a escola como principal complemento.

No final do século XVII, a família passou a manter-se distante da sociedade, devido à necessidade da intimidade e da identidade dos seus membros, fator este que se tornou constante na dinâmica da estrutura familiar.

Entre o século XVI e XVII foram tomando corpo um conjunto de ideias e convicções políticas, que tinham como foco a defesa e preservação das liberdades individuais na sociedade. O liberalismo defendia os direitos naturais dos indivíduos, começando por defender que a religião era um assunto privado não sendo função do estado impor uma crença qualquer aos cidadãos. Mais tarde as ideias liberais associam-se ao livre mercado, defendendo a diminuição do papel do estado na esfera económica, dando impulso ao sistema capitalista.

As mudanças continuaram e intensificaram-se nos séculos seguintes, a família torna-se cada vez mais fechada (nuclear) e sentimental, ao contrário do modelo anterior, que era mais funcional (família como empresa). Existiram um conjunto de influências socioeconómicas na Europa, que fizeram com que, gradualmente, a civilização fosse mudando, dando cada vez mais importância à saúde, ao estudo da medicina, à higiene, à educação e à condição social.

A partir de meados do século XVIII, nas franjas urbanas particularmente favorecidas da burguesia, desponta de forma notória, um novo modo de olhar para a criança, num universo familiar cujos contornos lentamente se configuram a partir dos valores do sentimento e da privacidade, a que Philippe Ariès, define no seu livro (1988), como a emergência do

sentimento da família, que surge no final do século XVI e se intensifica no século XVIII.

Em paralelo a este sentimento, o autor refere também o crescimento do sentimento de

infância, (que foi abordado no início deste trabalho). Até então a vida passava-se em público,

a densidade social não deixava lugar para a família. “Isto não quer dizer que a família não

existisse enquanto realidade vivida – seria paradoxal negá-lo. Mas não existia enquanto sentimento ou enquanto valor” (Ariès,1988:316). As coisas passavam-se como se todos

vivessem nas ruas, tudo era partilhado e vivido entre a sociedade, até que a família se converte numa sociedade fechada, onde se passa mais tempo em casa e em família. “Tudo se

passa como se a família moderna colmatasse as falhas das antigas relações sociais, permitindo ao homem escapar a uma insuportável solidão moral. (…) Por toda a parte veremos assim reforçar-se a intimidade da vida privada em detrimento das relações de vizinhança, de amizade ou de tradição.” (Ariès,1988:317). Esta é a imagem da família

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28 separação da criança do universo dos adultos por intermédio da escola. Está presente um sentimento forte de infância e de família.

No século XIX, o vigoroso movimento industrial e a urbanização demandavam e justificavam a normalização dos hábitos, existindo um forte controlo social. Nas sociedades ocidentais produziram-se profundas transformações no universo familiar: alguns efeitos ainda hoje se mantêm, outros esvaneceram no decorrer o tempo.

O liberalismo proporcionou as bases filosóficas para o sistema capitalista industrial, e com a industrialização, a família teve que fazer face a novas necessidades, tendo perdido algumas das suas antigas funções. O novo sistema económico em torno do capitalismo levou a uma modificação nos meios e nas relações de produção, as sociedades vão passando de uma lógica económica do trabalho, baseada, essencialmente, no trabalho agrícola, artesanal e comercial familiar, para uma outra do império da máquina, da separação entre espaço de habitação e espaço de produção e, por conseguinte, para um regime salarial.

Com a industrialização dá-se a separação entre o local de trabalho e o local de residência, aquele, deixa de ser parte integrante da vida familiar pois realiza-se fora desta.

“(…), o que acontece nesta nova época é que, entrando nas rodagens do capitalismo, contrariamente ao que se passava na exploração agrícola familiar, os trabalhadores estão cada vez mais separados dos meios de produção, que se tornam agora propriedade de um patrão com quem eles passam «a comercializar» o seu trabalho em troca de um salário.”

(Leandro, 2011:69).

Para o liberalismo, a industrialização trazia a libertação do homem de todas as formas de coerção e opressão consideradas injustas, a elevação e a utilização do valor da pessoa humana para benefício do próprio e da sociedade. A burguesia via a possibilidade de aumentar os seus lucros e o proletariado sentia-se fortalecido para lutar por uma vida mais humana, mais justa.

Mas Karl Marx, fundador da teoria marxista, criticava radicalmente a ideologia liberal, defendendo que entre as classes de cada sociedade há uma luta constante por interesses opostos, desabrochando em guerras civis que poderiam ser declaradas ou não. No seu entender, na sociedade capitalista, a divisão social decorreu da apropriação dos meios de produção por um grupo de pessoas (burgueses), e da existência de um outro grupo expropriado detentor apenas do seu corpo e capacidade de trabalho (proletários), obrigado a trabalhar para o burguês. Em suma, os trabalhadores são economicamente explorados e os patrões adquirem lucro através da mais-valia.

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