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Parte II: Estudo Empírico

8. Conversa com as famílias beneficiárias e apresentação do debate em Focus-Group

8.1 Apresentação e análise das entrevistas realizadas aos beneficiários:

8.1.1 Infância, família e socialização

No que à infância do indivíduo e ao período de socialização, em que este viveu com a sua família de origem diz respeito, explanamos a sua infância e as suas vivências no seio familiar.

Neste tema da entrevista é percecionado que grande parte dos entrevistados teve uma infância difícil, com problemas familiares - famílias destruturadas, e/ou problemas financeiros. -“Eu morava num bairro, na casa dos meus avós com os meus pais, só que, o

meu avô na altura era muito mau e então a minha mãe, houve uma altura que veio morar para umas escadas. Nas escadas fez tipo um barraco de plástico” E6.

Denota-se em alguns dos casos, a ausência na educação de um dos pais, ou problemas relacionais com um dos progenitores. –“Vivia com a minha mãe, eles tinham

problemas tanto o meu Pai como a minha Mãe, depois entretanto voltaram a viver juntos um tempo, tiveram o meu irmão, (…), e separaram-se outra vez, foi a melhor coisinha” E8. É frequente referirem problemas com alguns vícios, drogas ou álcool, e

93 que sofreram ou viam os pais sofrer -“Com o meu Pai e a minha mãe não eram…. Ele

batia muito à minha Mãe, maltratava-a. O meu Pai, muita vez nem de comer tínhamos, eram os vizinhos que nos davam de comer” E7.

Apesar disso, numa primeira análise, quase todos afirmam ter uma boa relação com os familiares, pelo menos com parte deles.

8.1.1.1 Família de origem

Vários dos entrevistados cresceram em bairros sociais. Os pais já eram beneficiários do RSI ou tinham trabalhos temporários de baixo rendimento, excetuando uma das entrevistas, os restantes relatam a passagem por dificuldades financeiras na sua infância. -“Vivia num bairro

Pobre, (…), meus pais eram pobres, trabalhavam na cerâmica de Valadares. (…) Entretanto a minha Mãe faleceu, tinha 9/10 anos” E7.

A maior parte vem de famílias numerosas, com muitos irmãos, e com grandes dificuldades financeiras. O pai era o elemento que normalmente trabalhava, pelo menos com mais permanência; a mãe é algumas vezes referida como quem cuidava da casa e dos filhos. A escolaridade dos pais dos entrevistados era baixa ou em alguns casos inexistente. “Também

não, não estudaram, não iam à escola, tenho um irmão meu, agora com 29 esteve preso e lá dentro é que estudou, agora, aprendeu a ler e a escrever ao fim de 29 anos” E1. (entrevistada

ao falar da escolaridade dos pais e dos irmãos.)

É também frequente, nas histórias destes indivíduos, os Pais terem relações conflituosas e um dos progenitores ter problemas com álcool ou drogas. “Meu pai era toxicodependente, e

então ele saiu da droga quando eu fiz 16 anos, (…). Ele tem problemas nas artérias, entupidas, porque ele fuma quatro maços de tabaco por dia e bebe álcool, mas nessa altura foi muito complicado porque eu sempre fui uma criança muito triste.” E6;

Alguns dos entrevistados em crianças passaram pelo processo de sinalização, os que não passaram estiveram, pelo menos num determinado momento da sua infância, em situação de perigo. “Cresci num bairro social, só que lá está, nunca tive grandes problemas, fui

sinalizada, mas depois ficou tudo arquivado, porque não havia nada…” E3.

Tal como já referimos anteriormente, três dos entrevistados eram de etnia cigana, o que se mostra relevante, por questões de diferença cultural que influência os costumes e os valores incutidos. “Apesar do meu marido, é meu marido e é meu primo irmão, somos primos,

pronto, mas sempre nos demos bem, a família toda” E1.

As entrevistas realizadas aos elementos de etnia cigana, revelam similaridades entre o percurso de vida das três famílias ciganas da nossa amostra. Os três viviam com os pais e

94 irmãos, por vezes com os avós também, ou seja, com a família alargada. Viviam em comunidade cigana em bairros sociais ou barracas. Os pais têm a escolaridade muito baixa, no caso das mulheres/mães a maioria são analfabetas. Não iam à escola, principalmente as mulheres que, quando começam a ganhar formas mais femininas têm que sair da escola, para “não se deixarem perder com nenhum homem” – culturalmente defendem que têm de casar virgens com alguém da etnia cigana. “Andei na escola e fiz até ao quinto, depois no quinto

saí não cheguei a passar de classe porque meu Pai tirou-me. Você sabe que eu sou cigana, então quando as mulheres começam a ficar com peito e isso têm medo que os homens na escola façam maldades e depois elas não podem casar” E6.

O caso do entrevistado angolano é visível uma realidade bem distinta das outras. Diz

que não passou dificuldades, pois nunca lhe faltou comida, mas fala que brincava descalço na rua com os irmãos e que a escola tinha poucas condições naquela altura, que não havia cadeiras nem secretárias para os meninos se sentarem.

Em duas das entrevistas, os entrevistados viveram uma parte da infância com os pais e outra em instituição/colégio. Num dos casos por falecimento de um dos pais e falta de condições económicas, em criança foi viver para uma aldeia SOS. Depois de a mãe falecer,

“uma vizinha avisou a assistente social para nos meter numa aldeia SOS, e fomos as duas, as menores as mais pequeninas fomos para aldeia SOS, o nosso percurso foi todo lá” E7.

No outro caso, por separação e violência doméstica, os pais optaram por colocar a filha num colégio interno. “Meus pais separaram-se quando eu tinha 5 anos, depois a partir daí foi

sempre brigas um queria-me o outro queria-me, e andavam sempre a disputar-me. Então depois fui para um colégio dos 7 anos até aos 15. E vinha ao fim de semana a casa.” E2. Em

ambas as situações, a socialização primária, que está normalmente associada à família de origem foi também desenvolvida por uma entidade externa que durante um período de tempo, foi responsável pela sua educação e formação.