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O contrato para pessoa a nomear

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Academic year: 2021

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FACULDADE DE DIREITO MESTRADO EM DIREITO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

FERNANDO BOTELHO ALUNO – 340107327

ORIENTADOR: EXMO. SENHOR PROFESSOR DOUTOR BRANDÃO PROENÇA

PORTO, MAIO DE 2013

(2)

INTRODUÇÃO 1

1 Noção, terminologia e exemplos 1

1.1 Noção 1

1.2.Terminologia 5

1.3 Exemplos 6

2 Origem histórica 8

3. Positivação e codificação da figura 9

4 Limitações ao uso da cláusula de contrato para pessoa a nomear 13

5 Regime no direito português 14

5.1.No Código Civil 14

5.2.No Código de Registo Predial 21

6. Atos do contraente originário anteriores à nomeação. 23

7. Questão fiscal 28

8. Natureza jurídica do contrato para pessoa a nomear 29

CONCLUSÃO 33

FONTES INFORMATIVAS 35

A)BIBLIOGRAFIA e WEBGRAFIA CITADAS 35

B) JURISPRUDÊNCIA CITADA 47

C)PARECERES DO INSTITUTO NACIONAL DOS REGISTOS E DO

NOTARIADO, I.P. CITADOS 50

(3)

INTRODUÇÃO

Neste trabalho vou fazer uma análise da figura do contrato para pessoa a nomear.

Começarei por dar uma noção de tal figura, indicar a terminologia à mesma atinente, e, para uma melhor compreensão dela, referirei alguns exemplos.

Farei uma breve referência à origem histórica do contrato para pessoa a nomear, para, de seguida, me referir aos países em que tal contrato se encontra codificado, ou, pelo menos, positivado.

Seguidamente, mencionarei alguns contratos nos quais a cláusula para pessoa a nomear não é admissível.

Depois analisarei o regime do contrato para pessoa a nomear no direito português, considerando o que consta, não só do CC, mas também do CRP.

Debruçar-me-ei também sobre aquela que me parece ser uma das questões fulcrais do contrato para pessoa a nomear que consiste em saber o que valem afinal os atos de disposição (alienação e oneração), eventualmente levados a cabo pelo estipulante antes da nomeação, naturalmente caso esta venha a ser depois efetuada.

Farei ainda uma breve referência à questão fiscal atinente ao contrato para pessoa a nomear, bem como às múltiplas teorias sobre a natureza jurídica deste contrato.

Terminarei com uma síntese conclusiva, e com uma indicação das fontes informativas citadas, bem como das abreviaturas utilizadas.

1 Noção, terminologia e exemplos

1.1 Noção

O art. 452.º-1, do CC1, não nos dá uma noção de contrato para pessoa a

1

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nomear, visto que nos diz apenas quando é que tal contrato ocorre. É contudo possível retirar desse art. uma definição do contrato em causa, podendo ela ser: o contrato para pessoa a nomear é um contrato em que uma das partes se reserva a faculdade de designar uma outra pessoa que assuma a sua posição na relação contratual, como se o contrato tivesse sido celebrado com esta última2.

Constata-se, portanto, que não há um tipo de contrato para pessoa a nomear, pois que todos os contratos, com as exceções constantes do n.º 2, do art. 452.º, podem ser contratos para pessoa a nomear, desde que lhes seja aposta a respetiva cláusula. Assim, podemos dizer que um contrato para pessoa a nomear será um contrato que pode assumir diversos tipos, p. ex. a compra e venda, o trespasse, etc, ou ser até atípico, e no qual é convencionada a cláusula em questão.

O contrato para pessoa a nomear foi introduzido inovatoriamente no direito civil português apenas no atual CC, embora, mesmo anteriormente a tal código legal, a figura, apesar de não constar do CC1867, já pudesse ser utilizada, ao abrigo do princípio da liberdade contratual, hoje plasmado no art. 405.º, e que constitui um afloramento do princípio da autonomia privada, não contrariado, no caso, por nenhuma disposição legal3.

E isto tanto mais que, muito antes de constar do CC, a figura já era conhecida na legislação mercantil, pois que se encontrava codificada no CCo.1833, no art. 497.º (que teve como fonte as leis francesas de 13/09/1791, de 16/10/1791, e de 28/04/1816), do qual tal figura passou depois, e também por influência do Cod. di

Com. del 18824, para o art. 465.º do CCo., que é o atual, consagrando tais arts. 465.º e 497.º, um contrato para pessoa a nomear5.

2

É esta a definição de contrato para pessoa a nomear que nos dá A. Varela [2000], p. 429. Vide, para outras definições da figura, F. de Almeida [2012],p. 52, e, noutras latitudes, E. Enrietti [1950], p. 76.

3 A.Varela [2000], p. 428, n. r. 1; G.Telles [1965], p. 327; D. Marques [1959], pp. 304 e 305, n.º 79; M. de

Andrade [1992], p. 295 e 296, apesar de este autor retirar a possibilidade de utilização do contrato para pessoa a nomear, não tanto do princípio de liberdade contratual, mas mais da aplicação analógica à venda civil, bem como à generalidade dos outros contratos, do art. 465.º, do CCo.1888, que rege para a venda comercial.

4 Onde a figura, com maior ou menor clareza, constava dos arts. 31.º, 893.º e 895.º (M.Pennasilico [1999], pp.

11, 39, 43, 114, 601, 613, 615).

5

M. Andrade [1960], pp. 295 e 296; G.MOREIRA [1925], pp. 657 e 658, n.º 208; C. Gonçalves [1924], p. 379, n.º 120, e [1916], vol. II, p. 4, n.º 343, e [1916], vol. III, p. 11, n.º 678; J. A. Reis, 1936, p. 263; A. Anthero [1915], pp. 240 e 241; M. Cordeiro [2010], p. 587; A. Costa [2009], p. 355, n. r. 1; F. de Almeida [2012], p. 52; A. Varela; B. Chorão [1984], p. 179; P. de Lima; A. Varela [2010], p. 433, n. r. 1; A. Varela [2000], p. 428, n. r. 1; R. Bastos [1999], p. 246,notas ao art. 452.º;G. Telles [1965], p. 327, entendendo até este autor, nesta

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Independentemente de se saber qual é o regime e a natureza jurídica da figura do contrato para pessoa a nomear, o que mais adiante se analisará, dir-se-á, desde já, que a sua grande especialidade ou a sua grande vantagem, consistem em ela permitir, que alguém, que não é outorgante do contrato, nele não tendo tido pois qualquer intervenção, nem chegando no mesmo contrato a ser sequer identificado, nem referido, possa encabeçar mais tarde tal contrato, e, retroativamente, i. e., desde a celebração dele. E isto mediante uma simples nomeação feita pelo estipulante, e, naturalmente, a aceitação dela pelo nomeado. Traduzindo-se, nos termos do CC, tal aceitação numa ratificação, ou então numa procuração anterior à celebração do contrato6, procuração essa de que o estipulante já podia até dispor quando celebrou o mesmo contrato, mas que, por qualquer motivo, não quis usar. Assim, através desta figura, o terceiro pode ficar completamente incógnito, desde a data da celebração do contrato até à nomeação dele, pois que ninguém precisa então de saber, a não ser, naturalmente, o estipulante, que ele, terceiro, virá depois a tornar-se o verdadeiro contratante. Esta situação de anonimato pode, em Portugal, durar muito tempo, pois que, embora para a nomeação haja no nosso ordenamento jurídico um prazo definido na lei, que é de só 5 dias (art. 453.º-1), o certo é que esse prazo é supletivo, já que o promitens e o estipulante podem perfeitamente convencionar para a nomeação outro prazo qualquer, não havendo até qualquer limitação legal, pelo menos direta, à duração de tal prazo (art. 453.º-1)78 9.

E, efetuada a nomeação nos termos legais pelo estipulante, este, como que por artes mágicas, misteriosamente, desaparece do contrato, dele se sumindo, como se

3.ª ed. da obra em causa, que é de 1965, i. e. anterior ao CC, que o art. 465.º do CCo., não tem carácter excecional, antes devendo considerar-se como revelação de um princípio genérico, referindo-se aqui a 3.ª ed. dessa obra, muito embora já exista uma 4.ª ed., pois que nesta 4.ª ed., que é de 2010, ou seja, posterior ao CC, não consta já a referência atrás indicada, certamente por ela ter perdido interesse, face à consagração expressa no CC da figura em causa.

6

M. Leitão defende, de iure condendo, ser desnecessária a ratificação, bastando uma procuração, ainda que posterior à realização do negócio, posição esta que não merece a concordância de R. Guichard, nem a minha, como adiante no texto melhor se verá e analisará.

7 Quanto à duração dos prazos de nomeação em direito comparado, bem como à imperatividade ou supletividade

deles, e ainda às situações em que não está fixado na lei prazo para a nomeação, vide a n. r. 69.

8

Vide, no sentido de que não há qualquer limitação legal à duração do prazo convencional para a nomeação, R. de Faria [2001], p. 333.

9 Parece-me que a fixação de um prazo demasiado longo sempre pode configurar um excesso manifesto dos

limites impostos pelo fim social ou económico do direito em causa e, por isso, preencher, eventualmente, a figura do abuso de direito, a que alude o art. 334.º.

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nunca lá tivesse estado10, deixando-nos a questão, crucial no contrato para pessoa a nomear, de saber qual é afinal o valor dos atos que ele estipulante tenha, eventualmente, praticado entre a data da celebração do contrato e a nomeação, questão esta que desenvolverei mais à frente no texto.

Temos pois, no contrato para pessoa a nomear, uma sucessão do terceiro ao estipulante11, que não é uma sucessão, digamos assim, normal, como aquela que ocorre, p. ex., mortis causa, ou mesmo, em regra, inter vivos, e de que um caso paradigmático será a cessão de posição contratual. Isto, porque nestas sucessões “normais”, não há, ao contrário do que sucede no contrato para pessoa a nomear, alguém que foi contratante inicial, que, como contratante se mantem durante algum tempo, e que, depois, em determinado momento, deixa de ser contratante, com efeitos

ab initio, ou seja, como se nunca tivesse sido contratante, nem alguém que não foi

contratante inicial, mas que, no mesmo momento atrás referido, se torna contratante, e também com efeitos reportados ao inicio do contrato, i. e., como se sempre tivesse sido contratante.

Ora esta especificidade do contrato para pessoa a nomear, em que há inicialmente um sucessor do promitens, que é o estipulante, e que afinal, depois, tendo havido nomeação, já não é, nem nunca foi, sucessor de tal promitens, porque o único sucessor do promitens passa então a ser o nomeado, pode colocar problemas, em sede da transferência do risco12, da boa fé13, do direito de preferência14, da capacidade do

10 “ …el estiuplante quedará desligado de la relación jurídica y desaparecerá de la escena como si nunca

hubiera estipulado.” (Díez-Picazo[2007], p. 549).

11 Falo aqui de sucessão em sentido impróprio, na medida em que, em termos técnicos, e em bom rigor, o

nomeado não sucede na relação jurídica ao estipulante, antes sucedendo diretamente ao promitens.

12 Na verdade, e pensando, p. ex., num contrato de compra e venda, com a cláusula para pessoa a nomear pelo

comprador, e em que a nomeação é feita dentro do prazo fixado, se é inequívoco que o risco de perecimento da coisa objeto do contrato, por causa não imputável ao promitens/vendedor, se transfere dele promitens, no momento da celebração do contrato (arts. 408.º e 796.º), já é mais duvidoso saber se a coisa perecer dentro do período da nomeação, e antes desta ter sido efetuada, naturalmente sem culpa de quem quer que seja, tal risco corre pelo estipulante ou pelo terceiro que este venha a nomear. E isto porque, se tenho na verdade para mim como religiosamente certo que, com a celebração do contrato, a propriedade do bem, objeto do mesmo contrato, se transfere do promitens vendedor, para o estipulante, por não menos religiosamente certo tenho também que tal transferência de propriedade é, no caso de haver depois nomeação, digamos assim, meramente provisória, pois que, com a nomeação, a propriedade acaba na verdade por se transferir diretamente do

promitens para o nomeado, sendo pois nesse caso difícil de defender que o risco corre, mesmo antes da

nomeação, pelo estipulante, pois que afinal a propriedade nunca foi dele. Não encontrei qualquer bibliografia nacional sobre este tema, embora possa, para análise dele, ter algum interesse a monografia de N. Aureliano [2009], principalmente as pp. 333 a 343, que, apesar de não se referirem à responsabilidade pelo risco no caso

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estipulante e do terceiro15, etc, problemas estes cuja resolução depende da natureza jurídica que se venha a considerar ter o contrato para pessoa a nomear.

1.2. Terminologia

Quanto à terminologia utilizada a propósito do contrato para pessoa a nomear podemos indicar a constante de diversos autores, nomeadamente M. Cordeiro16 e V. Serra17, não deixando de referir que a clássica designação de estipulante, para aquele que diretamente contrata com o promitens, não é adequada18.

dos contratos para pessoa a nomear, tratam do risco na transmissão não imediata ou precária da propriedade, aí se incluindo a alienação subordinada a condição suspensiva, a condição resolutiva e a termo suspensivo. Noutras paragens, pode consultar-se, sobre a transferência do risco nos contratos para pessoa a nomear, e, no que ao direito espanhol toca, C. Rosell [2000] pp. 137 a 145.

13 Quanto à boa fé, uma questão que se pode colocar no contrato para pessoa a nomear é a de saber se ela, para

efeitos, p. ex., do art. 243.º (que consagra, pelo menos segundo alguns, uma boa fé psicológica ou subjetiva), ou do art. 291.º (que prevê uma boa fé inequivocamente ética), tem de se verificar, em relação quer ao estipulante, quer ao terceiro, ou bastará que se verifique em relação a um deles, e, neste caso, qual. Pode aqui trazer-se um pouco à colação o art. 259.º, maxime se se entender, o que, é uma possibilidade admitida por uma significativa parte da doutrina, sobretudo italiana, que o contrato para pessoa a nomear é um fenómeno representativo.

14 Um problema de direito de preferência que se pode colocar é, p. ex., o de num contrato de compra e venda,

celebrado entre A, como vendedor, e B, como comprador, com a cláusula para pessoa a nomear por B, que nomeou C, haver D, que goza do direito legal de preferência, sobre o bem objeto do contrato em causa, direito este de que também goza B, e com uma graduação superior à de D, mas de que não goza C, ou goza, mas com uma graduação inferior à de D. Assim, enquanto não houver nomeação, parece-me que D não pode preferir. Mas será que pode fazê-lo mais tarde e quando C for nomeado? E se B não gozar do direito de preferência, ou gozar, mas com um grau inferior ao de D, pode este preferir desde logo, ou tem que aguardar que B, nomeie, eventualmente, um terceiro, só podendo então D preferir se tal terceiro não gozar do direito de preferência, ou gozar, mas com um grau inferior a D?

15 Isto é, saber se a capacidade de gozo e/ou de exercício de direitos terá de existir no estipulante e no terceiro, ou

só num deles, e, nesse caso, em qual. Esta questão é analisada, em relação ao direito espanhol, por, p. ex., C. Rosell [2000], pp. 89 a 99.

16 [2010], p. 585. 17 [1958], p. 163, n.º7. 18

Vide, F. de Almeida [2012], p. 52, n. r. 47, que se insurge contra esta designação de estipulante, por entender que, tratando-se de uma cláusula contratual, ambas as partes são estipulantes, não podendo pois tal palavra estipulante servir para identificar uma qualquer delas, na medida em que se aplica às duas. Também V. Serra [1958], pp. 163 e 164, n.º 79,n. r. 2,entende que a designação de estipulante dada ao que contrata para pessoa a nomear não é rigorosa, pois que estipulante é também a outra parte, i. e., o promitens, dizendo que se emprega esta designação à falta de outra melhor, e sugerindo até que se use antes a designação de promissário, à semelhança do que aquele autor havia já proposto no caso do contrato a favor de terceiro. O certo é que, bem ou mal, o uso da palavra estipulante para designar o contraente originário está consagrado na doutrina, embora R. Guichard [2009], p. 547, nos diga que, pelo motivo atrás referido, essa utilização tem de ser entendida habilmente.

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1.3 Exemplos

Para uma melhor compreensão da figura do contrato para pessoa a nomear, e da respetiva utilidade, nomeadamente sob o ponto de vista económico, consideremos alguns exemplos práticos de aplicabilidade de tal contrato, retirados de diversos autores.

Como 1º exemplo, admitamos que D tem procuração de E para adquirir um determinado bem, mas que E não quer aparecer desde logo no negócio, por recear que esse aparecimento determine, só por si, um preço excessivo por parte do vendedor, ou então, que outras pessoas, concorrentes de E, ao saberem que E pretende realizar o negócio em causa, se interessem também por tal negócio, “seja por acinte ou por qualquer outro motivo”19, fazendo assim subir o respetivo preço20 21.

Também, e segundo B. Proença, o contrato para pessoa a nomear surge com frequência no clausulado do contrato-promessa, com a formulação seguinte, ou com uma próxima dela: “ A escritura de venda será outorgada com o promitente-comprador ou com a pessoa que vier, entretanto, a ser indicada”22

.

Similar opinião têm também G. Telles23; A. Costa24; R. Guichard25; e, no direito espanhol, onde o contrato de compra e venda é configurado como meramente obrigacional, L. Serrano26.

Distinta é a opinião de D. Marques27, que entende que tal cláusula não tipifica o contrato de promessa em que ela se insere como sendo um contrato para pessoa a nomear, e também, parece, a de A. Varela28.

19 A. Anthero [1915], p. 211.

20 Exemplo dado por A. Varela [2000], p. 428, e retomado por R. de Faria [2001], p. 330. 21

Não podendo aqui ser usada a figura da gestão de negócios, pois que havendo procuração eficaz não se verifica o pressuposto da falta de autorização, que, como resulta do artigo 464.º in fine, é inerente, i. e., constitui uma condição necessária, posto que não suficiente, para que ocorra uma gestão de negócios. De qualquer forma, e admitindo que não havia procuração, a gestão de negócios também não seria adequada para E atingir a finalidade que pretendia de não aparecer desde logo no negócio, a não ser que o gestor o realizasse no seu próprio nome, como permite a 2.ª parte do artigo 471.º. E isto porque se o gestor realizar o negócio em nome do gerido, tem de identificar desde logo este, que era precisamente aquilo que E pretendia evitar.

22 [2007], p. 169. 23 [1965], p. 327. 24 [2009], p. 356. 25 [2009], p 547. 26 [2011], pp. 43 e 44. 27 [1959], p. 306, n.º 79, n. r. 1,

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A questão divide também a jurisprudência dos nossos tribunais superiores, podendo, em relação à primeira das duas linhas de orientação atrás mencionadas, citar-se os Acs. do TRL [04/05/1973] e do STJ [26/11/1987] e [14/11/1991].

Outra corrente jurisprudencial entende contudo que a inserção da cláusula em questão num contrato-promessa não faz dele um contrato-promessa para pessoa a nomear, e isto principalmente em virtude de tal cláusula não se reportar ao próprio contrato-promessa em si, mas sim ao contrato prometido ou definitivo. É o que acontece, entre outros, com os Acs. do TRG [22/02/2007], do STA [05/03/1980]29 e do STJ [23/01/1986], [26/02/1991], [19/10/2000] e [01/04/2008], bem como com o Ac., também do STJ [03/06/1992], que afirma até que um contrato-promessa com tal cláusula é um contrato próximo do tipo dos contratos para pessoa a nomear, sendo certo que próximo não pode deixar de significar diferente, ou, pelo menos, não igual.

Podemos pois dizer que a questão é, tanto na doutrina, como na jurisprudência, controversa, aguardando-se, para um melhor esclarecimento jurisprudencial, e uma resolução definitiva dela30, um possível futuro Ac.UJ, prolatado

28 [2006], p. 431, n. r. 1.

29 Tendo este Ac. sido comentado por T. Ribeiro, que concorda com a decisão, embora discorde da

fundamentação dela, na RLJ, ano 113.º, 1981, n.º 3.676, pp. 302 a 304.

30

Bem, resolução definitiva é como quem diz, pois que os Acs.UJ, apesar da autoridade que não podem naturalmente deixar de ter, e que lhes advém de serem proferidos pelo pleno das sec. cíveis (quando, como é o caso, estamos no domínio de matéria cível), do nosso mais alto Tribunal, têm, como todos os recursos, apenas força obrigatória dentro do processo a que respeitam, não impedindo que, num outro processo, um juiz, ou um coletivo de juízes, quaisquer, quer dos tribunais superiores, incluindo o STJ, quer de tribunais de 1ª instância, decidam de forma completamente diferente, e até contrária, à preconizada no Ac.UJ. Que assim é, sempre foi entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência nacionais, como aconteceu, p. ex., no Ac. do STJ [05/11/2009], que referiu, ainda que relativamente a um Ac.UJ das sec. criminais do STJ, tendo contudo essa referência total aplicabilidade aos Acs.UJ das sec. cíveis, que, apesar de poder parecer estultice tomar outro caminho que não o acolhido no pleno das sec. do STJ, os juízes são livres de o fazer, dada a independência dos tribunais, que estão apenas sujeitos à lei, a ela só devendo obediência (art. 203.º, da Co.RP), e o STJ não fazer lei. Bom, não fazer lei agora, e desde que os assentos, que constituíam, esses sim, uma fonte de direito, dotada de força vinculativa geral, a que todos os tribunais tinham de obedecer (revogado art. 2.º), foram banidos da ordem jurídica portuguesa, por força, quer do DL n.º 329-A/95, de 12/12, com produção de efeitos que, após sucessivos adiamentos, foi fixada no dia 01/01/1997, quer da declaração da sua inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, declarada no Ac. do TC [28/05/1996], proferido em sede de fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade, prevista no art. 281.º-3, da Co.RP (o que verdadeiramente este Ac. declarou inconstitucional foi a norma do art. 2.º, na parte em que atribuía aos tribunais competência para fixar doutrina com força obrigatória geral, por tal norma violar o disposto no então art. 115.º-5, hoje art. 112.º-5, da Co.RP [como se esta norma não fosse também ela, de certa maneira, violada pelos arts. 278.º a 282.º, todos da própria Co.RP, arts. esses que assim seriam daquelas normas constitucionais inconstitucionais - no caso sob o ponto de vista material - de que nos fala, p. ex., O. Bachof [2008], pois que tais arts. atribuem ao TC uma função de legislador negativo] ). Terminou assim, o “genuinamente nacional” e “simpático” (M. Cordeiro [1996], pp. 307 e 308), “típico e exclusivo do nosso ordenamento jurídico” (A. Neto [2004], p. 1.089), e de “boa memória” (L. C. Fernandes [2009] p. 138, n. r. 5), instituto dos assentos, que já existia na ordem jurídica portuguesa desde o

(10)

ao abrigo, seja dos arts. 732.º-A e 732.º-B, do CPC, seja dos arts. 763.º a 770.º, do mesmo código.

Um 3º exemplo de aplicação do contrato para pessoa a nomear consiste nas vendas de automóveis novos, em que, como parte do preço da aquisição, o comprador entrega frequentemente um automóvel usado, cuja propriedade se transmitirá ao concessionário vendedor do automóvel novo ou à pessoa que este designe como definitivo comprador deste automóvel usado31.

2 Origem histórica

Sabe-se hoje, e de ciência certa, que, na época dos romanos, a figura do contrato para pessoa a nomear não existia. Isso era uma consequência de os romanos, porque exigiam sempre a determinação, e não apenas a mera determinabilidade, dos contratantes, não admitirem que houvesse nas relações jurídicas a indeterminação subjetiva que o contrato para pessoa a nomear pressupõe32.

No direito germânico há dúvidas sobre a admissibilidade da figura em questão, defendendo alguns autores tal admissibilidade, enquanto outros tendem para a inadmissibilidade33.

século XVI (constituindo então tarefa da Mesa Grande da Casa da Suplicação), mas que, apesar de também ter os seus defensores, como era, p. ex., O. Ascensão [2005],p. 326, não resistiu à luta de décadas contra ele travada por C. Neves [1993] e [1994], nem aos vários Acs. do TC, que, em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade, prevista no art. 280.º, da Co.RP, julgaram inconstitucionais os assentos (ou melhor o art. 2.º do CC), nomeadamente o Ac. do TC [07/12/1993], Ac. este que teve as particularidades de não ter dado razão ao recorrente, e de ter um voto de vencido, da atual Presi. da AR, então Conselheira do TC, M. da A. Esteves, que, como resulta da respetiva declaração de voto, não era a favor dos assentos, antes sendo até mais radicalmente contra eles do que o próprio Ac.

31 L. Serrano [2011], p. 46, n. r. 60; L. Gomes [1994], p. 44, exemplo este que para mim é particularmente

interessante, pois que, durante mais de 30 anos, desenvolvi a minha atividade no setor automóvel, tendo feito centenas, ou mesmo milhares, de contratos deste tipo, muito embora, na época, não tivesse consciência disso, pois que, em boa verdade, não conhecia então sequer a figura do contrato para pessoa a nomear.

32 M. Pennasilico [1995], p. 11; R. Troplong [1856], p. 72: “Dans les principes du droit romain, on ne pouvait

acheter que pour soi-même, mais jamais por autrui, à moins qu’on fut mandataire”;C. Rosell [2000], pp. 33 e 34, e os autores aí citados: E. Enrietti [1950], p. 23, R. Scisca [1939], p. 6 eV. Donato[1996], pp. 43 e 45, autor este que nos diz que as origens do instituto remotam ao sistema egípcio-tolemático; M. Cordeiro [2010], p. 586, e os autores aí referidos, na n. r. 2108: G.Stolfi, [1926], 1, pp. 537 a 555; E.Enrietti [1959], p. 666 a 678.

33 N. Michel [2004], p. 30; C. Rosell [2000], pp. 47 e 48, ns. r. 68 e 71, respetivamente, e os autores aí

mencionados: B. Ramon [19619, p. 217, e C. Allue [1984], mostrando-se o primeiro destes dois autores desfavorável, e o segundo favorável, à admissibilidade no direito germânico da figura em análise.

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Os já atrás referidos impedimentos do direito romano foram desaparecendo, até que, no século XIV, surgiu, principalmente em França, pela via do direito consuetudinário ou costumeiro, e sobretudo no domínio dos leilões públicos, o contrato para pessoa a nomear34.

Tem-se por indiscutível que a figura nasceu em Itália, passando depois para França, onde se desenvolveu, difundindo-se, mais tarde, rapidamente, pelos países do sul da Europa, e por outros, p. ex. a Suíça, e a Holanda35.

3. Positivação e codificação da figura

Apesar de a figura do contrato para pessoa a nomear se ter generalizado a diversos países, nomeadamente europeus, o certo é que não são muitos aqueles em que tal figura se encontra positivada, e menos ainda os que a têm codificada.

Começando pelos segundos, direi, e, naturalmente, sem ter a certeza de ser exaustivo, que o contrato para pessoa a nomear se encontra codificado em Portugal36, em Macau37, em Itália38, na Bolívia39, no Peru40, na Etiópia41, no Brasil42 43, e no Quebec44.

34 B. Proença [2007], p. 169;C. Rosell [2000], p. 51; J. Limpens [1960], p. 331; R. Troplong [1856], pp. 72 e 73;

M. Cordeiro [2010], p. 586.

35 C. Rosell [2000], pp. 54 e 55; M. Cordeiro [2010], p. 586, e os autores aí citados: G.Scalone [1958], pp. 333 a

369, 1 e F.Carresi [1958], pp. 591 a 602.

36 CC (arts. 452.º a 456.º) e CCo. (art. 465.º).

37 CCM1999 (arts. 446.º a 450.º, cuja redação é exatamente igual à dos correspondentes arts. do CC). 38 CCI1942 (arts. 1401.º a 1405.º).

39

CCBo.1975 (art. 472.º).

40 CCP1984 (arts. 1473.º a 1476.º)

41 CCEt.1960 (arts. 1953.º e 1954.º), Código este que, ao contrário daquilo que, à primeira vista, se poderia supor,

tem bastante importância, visto que ele foi elaborado, juntamente com o CMME, o CPE e o CPPE, por iniciativa do então Imperador da Etiópia H. Selassie, por três juristas europeus (dois franceses, os Profs. R. David e J. Escarra, e um suíço, o Prof. J. Graven), todos de renome internacional, um dos quais, aliás, o Prof. Escarra, morreu durante os trabalhos, tendo sido substituído pelo igualmente renomado Prof. francês A. Jauffret, constituídos em comissão redatora, tendo tal Código, embora respeitando o direito consuetudinário das sucessões e da família da Etiópia, e os sentimentos de justiça dos étiopes, bem como a repulsa deles pela responsabilidade civil sem ilícito e sem culpa, acolhido as mais modernas soluções do direito comparado de então, e conseguido sobreviver aos anos de terror e de sangue da era M. Mengistu (1974 a 1991), mantendo-se ainda em vigor (P. Morvan [2013]).

42

CCB2002 (art. 467.º a 471.º).

43 Onde lhe é dada a designação de contrato com pessoa a declarar, que me parece mais feliz do que a de contrato

para pessoa a nomear, que se usa em Portugal e em outros países, pois que, a meu ver, traduz melhor a possibilidade alternativa resultante da nomeação poder ocorrer ou não.

44

(12)

Há também dois outros países latino-americanos onde uma figura similar àquela que estamos a estudar se encontra codificada: o Paraguai45 e a Colômbia46.

Verifica-se assim que o CC está, também nesta matéria, e tal como dizia P. Canat, a propósito do CP1982, “à la pointe même du progrès”.

Esta figura do contrato para pessoa a nomear surge também no direito europeu dos contratos, designadamente:

a) no art. 3:203, dos PECL47,

b) nos arts. 70.º e 71.º, do CEC/Antep. Gandolfi (2001)48.

É de referir que o regime para o contrato para pessoa a nomear constante destes arts. 70.º e 71.º, do CEC, é muito semelhante ao para tal contrato estabelecido nos arts. 1401.º a 1405.º, do Codice Civile, e até nos arts. 452.º a 456.º, do CC, muito embora tal regime não consagre a possibilidade, prevista no art. 455.º-2-2ª parte, mas não no CCI, de se poder convencionar que, na ausência de nomeação, dentro do prazo para isso fixado (convencional ou legalmente), o contrato não valerá para o estipulante que afinal não estipulou, ou seja, que não nomeou49.

c) no art. II-6:108, do DCFR.

Em muitos países a figura do contrato para pessoa a nomear, mesmo sem estar codificada, é utilizada, normalmente ao abrigo do princípio da liberdade contratual, que permite a utilização da figura em causa, caso não haja uma norma que a proíba expressamente.

45

CCPar.2003 (art. 734.º, que apresenta as especialidades da reserva de nomeação não depender da concordância do promitens, e da substituição poder ser feita por ato entre vivos, ou mortis causa)

46 CCCol.1873 (art. 1944.º)

47 Ou Princípios Lando, do nome do Prof. dinamarquês Ole Lando, que foi quem teve a iniciativa de iniciar os

trabalhos da CLEC, da qual saíram depois estes Princípios.

48 Este Antep. surgiu da Accademia dei Giusprivatisti Europei, constituída em 1992, sendo conhecida como

Grupo de Pavia, que integrava cerca de 80 Profs. universitários e Presidentes de tribunais superiores dos EM da UE e da Suíça (entres os quais A. Varela), sob a direção do Prof. G. Gandolfi, não sendo um conjunto de princípios jurídicos, mas sim um corpo de normas suscetíveis de aplicação direta e imediata (T. S. Pereira [2004], ponto 1.4 e n. r. 74; A. Varela [2000], p 30 e [2002], pp. 47 a 51).

49 E isto certamente por influência do CCI, que foi um dos dois diplomas que a Comi. Gandolfi utilizou como

ponto de partida dos seus trabalhos, entendendo que era aquele que paradigmaticamente representava as codificações de raiz continental, código esse que não contempla tal possibilidade, e que aqui prevaleceu sobre o outro diploma a que a Comi. Gandolfi recorreu também, por ser representativo do direito privado anglo-saxónico, que foi o Contract Code, especialmente composto para esse fim por Mac. Gregor, Prof. das Univs. de Oxfford e de Londres, que, relativamente à representação sem poderes, prevê essa possibilidade, na sua sec. 623 (R. Guichard [2009], p. 547, e A. Varela [2000], p. 30).

(13)

Além disso, em diversos países, o contrato para pessoa a nomear, sem estar codificado, está contudo positivado em normas avulsas. É o que acontece, p. ex., em Espanha, onde o contrato para pessoa a nomear, que a doutrina espanhola designa por “contrato por sí o por persona que se designará”50, não está contemplado no CCE1889, embora tal contrato seja utilizado naquele país ao abrigo do principio da liberdade ou da autonomia contratual, constante do art. 1255.º, do CCE51 52 53, e se encontre positivado em diversas leis, quer autonómicas, quer estatais, p. ex.:

a) A Ley 5/2006 (Libro Quinto del CCC de 2002) – art. 565.º-16. b) A Ley 28/1998, de 13/07 (LVPBM).

c) A Ley 1/1973, de 01/03 (CDFCN) – Ley 514.

É de notar que esta compilação é a única lei substantiva (não processual) do ordenamento jurídico espanhol em que se regula, com carácter geral, a figura que estamos a estudar, o que é de louvar54.

d) A Ley 1/2000, de 07/01 (LEC), que é uma lei processual, que se refere, e regula parcialmente, a figura em causa (art. 647.º-3).

Também na Alemanha a figura do contrato para pessoa a nomear não está codificada, embora a doutrina e a jurisprudência alemãs admitam que se possam realizar nesse país determinados negócios jurídicos com efeitos similares àqueles que tem o contrato para pessoa a nomear55.

Há, contudo, na Alemanha uma situação em que a figura do contrato para pessoa a nomear se encontra positivada. É o caso do contrato de viagem, onde o interessado primitivo em efetuar a viagem pode indicar uma outra pessoa para o

50 Revelando esta designação, ainda mais do que a designação brasileira de contrato com pessoa a declarar, a

alternatividade subjetiva entre o estipulante e o nomeado, que é uma das idiossincrasias do contrato para pessoa a nomear.

51 P. Brutau [1978], p. 272.

52 Alguns autores, no entanto, têm o entendimento de que os arts. 1113.º e 1256.º, ambos do CCE, não permitem

a utilização, em termos gerais, da figura do contrato para pessoa a nomear. É o caso, p. ex., de L. Berdejo, S. Rebullida, L. Serrano, D. Echeverria, R. Hernández y R. Albessa [2000], p. 320.

53

Em Espanha houve já uma proposta, ainda não aprovada, formulada pela Com. Gen. de Cod., para introduzir no CCE um preceito específico relativo ao contrato para pessoa a nomear, preceito esse que constituiria o novo art. 1295.º, de tal Código (BI [Ministerio de Justicia], año LXIII, enero de 2009, p.61).

54 C. Rosell [2000], p. 69;N. Michel[2004], p. 56;L. Serrano [2011], p. 47, n. r. 60. 55

(14)

substituir, o que constitui uma consagração legal, posto que muito limitada, de uma cláusula para pessoa a nomear (art. 651.º-b), do BGB, que transpôs para o direito interno alemão a Direc. 90/314/CEE do Cons., de 13/06/1990, relativa às viagens, férias e circuitos organizados, e cujo n.º 3, do art. 4.º, estabelece a possibilidade dessa indicação).56

Em França o contrato para pessoa a nomear também não se encontra codificado, nomeadamente no Code Civil, embora tal figura possa nesse país ser utilizada, e até com especial interesse, uma vez que na França vigora uma transmissão da propriedade similar àquela que está em vigor em Portugal, ou seja, uma transmissão consensual (art. 1583.º, do CCF1804), e uma legislação fiscal que tributa cada uma das transmissões de propriedade que se efetuam, independentemente do bem ser, ou não, entregue, ao contrário do que sucede, p. ex., em Espanha ou na Alemanha.

Essa possibilidade resultou de uma utilização prática e de uma construção jurisprudencial que superaram o teor literal do art. 1119.º, do CCF, que ao estabelecer, que: “On nen peut, en général, s´engager, ni stipuler en son propre nom, que pour

soi-même”, apesar de não proibir absolutamente (pois que refere “en général”) a

estipulação a favor de terceiro, recolhe, de certa maneira, os precedentes do direito romano que, como atrás vimos já, não admitia nenhum tipo de indeterminação pessoal ou subjetiva, nas relações jurídicas57.

A designação que em França se dá a esta figura é “déclaration de commande” ou “ventes pour acheteur à designer”, se existir uma relação jurídica prévia entre o

56 É o que nos diz M. Cordeiro [2010], pp. 589 e 590, muito embora a redação de tal n.º 3, do art. 4.º, da Direc.,

me pareça apontar mais para a possibilidade de uma cessão de posição contratual do que para uma nomeação, sendo certo que o autor atrás referido também menciona poderem existir outras construções dogmáticas explicativas dessa possibilidade legal que tem aquele que contratou a viagem de poder indicar posteriormente aquele que vai na verdade viajar. Cessão de posição contratual essa que, de qualquer forma, tem contudo a especialidade que, salvo convenção nesse sentido, não existe na cessão de posição contratual prevista no CC (artigo 426.º-2), do cedente ser solidariamente responsável com o cessionário perante o operador ou a agência que sejam partes no contrato, pelo pagamento do saldo do preço, bem como pelos eventuais custos adicionais ocasionados pela cessão, o que, de certa maneira, aproxima esta cessão de posição contratual de uma nomeação num contrato para pessoa a nomear. Aproximação esta que resulta também do facto desta cessão estar prevista diretamente na lei, não necessitando pois do consentimento do outro contraente, ao contrário do que sucede no CC (artigo 424.º-1), embora a respetiva produção de efeitos dependa, tal como, quando o consentimento é anterior à cessão, sucede no CC (art. 424.º-2), da notificação dela ao cedido, ou do reconhecimento da mesma por este (art. 4.º-3, da Direc. 90/314/CEE). Situação muito similar se passa em Portugal, com o DL n.º 61/2011, de 06/03.

57

(15)

estipulante e o nomeado, ou “élection d’ami”, se tal relação jurídica prévia não existir58.

No entanto, já desde 1790, que existem em França leis fiscais, pretendendo assegurar os direitos do fisco, em caso de utilização pelos contribuintes franceses da figura do contrato para pessoa a nomear59.

No direito processual francês esta figura esteve consagrada no art. 707.º, do antigo Co.Pr.Ci., bem como no art. 686.º, do Co.Ge.Imp., que obriga a que a nomeação seja efetuada dentro de 24 horas a contar da conclusão do contrato.

4 Limitações ao uso da cláusula de contrato para pessoa a nomear

Por força do art. 452.º-2, a reserva de nomeação não é legalmente possível, nos casos em que não é admitida a representação, e naqueles em que é indispensável a determinação dos contraentes.

Das duas situações atrás previstas, em que não é possível a utilização da cláusula de contrato para pessoa a nomear, uma delas, que é aquela que se reporta aos casos em que não é admitida a representação, tem, nos nossos dias, aplicação meramente residual, ou não tem mesmo qualquer aplicação. E isto porque a representação é hoje universalmente admitida60.

Já quanto ao motivo de exclusão consistente em ser indispensável a determinação dos contraentes, há muitas situações em que isso se verifica. É o caso, p. ex., dos negócios intuitu personae61, em que as qualidades pessoais da contraparte são

essenciais, dos negócios do tipo não patrimonial, dos negócios em que os valores

58

C. Rosell [2000], pp. 73 a 78; N. Michel[2004], p. 25;C. Gonçalves [1924], p. 379, n.º 120, e [1916], vol. 3, p. 11, n.º 678.

59 Trata-se da lei de 05/12/1790 (C. Rosell [2000], pp. 73 e 74).

60 M. Cordeiro [2010], p. 593, que menciona até ser por isso que F. de Almeida [2012], p. 52, se limita a

considerar que os contratos nos quais não é possível estipular a cláusula de contrato para pessoa a nomear são apenas aqueles em que a determinação dos contraentes é indispensável, sem fazer qualquer referência, por mínima que seja, aos casos em que não é admitida a representação.

61 Como, p. ex., a doação, pelo menos relativamente ao donatário, que tem que ser logo conhecido, sob pena de,

se assim não for, não fazer sentido a liberalidade (P. Lima e A. Varela, [1987], p. 434, com. ao art. 452.º, n. r. 2; G. Telles [2010], p. 437).

(16)

subjacentes impliquem a imediata indicação de todos os contraentes62 e dos negócios familiares63.

O mesmo acontece relativamente aos negócios modificativos ou extintivos de uma determinada relação jurídica, cujas partes têm que ser naturalmente os sujeitos de tal relação64, bem como com os contratos já executados65, os contratos unilaterais e os contratos de trato sucessivo com execução imediata66.

5 Regime no direito português

5.1. No Código Civil

No direito português vigente, o regime do contrato para pessoa a nomear consta, no CC, dos arts. 452.º a 456.º, aos quais de seguida me vou referir.

Reservando-se, ao abrigo da possibilidade conferida pelo art. 452.º, uma das partes de um contrato, ao celebrá-lo67, o direito de nomear um terceiro que adquira os direitos e assuma as obrigações provenientes desse contrato, a tal reserva seguir-se-á, pelo menos em regra, a nomeação desse terceiro68.

62 M. Cordeiro [2010], p. 593.

63 A. Costa [2009] p. 355; P. Lima e A. Varela [1987], p. 434, com. ao art. 452.º, n. r. 2; F. de Almeida [2012],

pp. 30 a 33 e 52; G. Telles [2010], p. 437.

64

P. Lima e A. Varela [1987], p. 434, com. ao art. 452.º, n. r. 2.

65 Desde que a execução seja total, ou seja, desde que as duas partes do contrato tenham já cumprido as suas

prestações, porque, no caso de execução parcial, a cláusula ainda pode ter sentido.

66 N. Michel[2004], pp. 59 e 60 e 65 a 71. 67

M. Cordeiro [2010], p. 592, defende que, embora, em princípio, a cláusula para pessoa a nomear deva constar do próprio contrato a que se reporta, nada obsta a que tal cláusula se insira num texto à parte, contemporâneo, ou até mesmo subsequente, do contrato, texto este que, por força do art. 221.º-2, deverá revestir a forma exigida para o contrato em si mesmo. Esta solução, no entanto, e principalmente no que toca ao acordo subsequente, não tenho por certo que seja consentida pela letra do art. 452.º-1, que, ao referir “Ao celebrar o contrato…”, sugere, se não que a cláusula em análise tenha mesmo de constar obrigatoriamente do próprio contrato, pelo menos que tal cláusula seja contemporânea dele. C. Gonçalves [1924], p. 384 e [1916], vol. 3, p. 13, n.º 679, embora referindo-se ao art. 465.º do CCo., entende também que a cláusula de nomeação deve ser estipulada logo no próprio ato em que a compra e venda é ajustada entre o vendedor e o estipulante, e não numa época posterior, pois que, a não ser assim, haveria então dois contratos, equivalendo a nomeação a uma segunda venda. Da mesma opinião é A. Anthero [1915], p. 241, com. ao art. 465.º. Também o art. 1401.º do CCI, determina que a cláusula de contrato para pessoa a nomear deve constar do próprio contrato, o mesmo sucedendo com o art. 9.º, da Ley 6/1990, da CAC (LCC), que foi já revogada.

68 F. de Almeida [2012], p. 52, defende que a cláusula de nomeação em questão tanto pode atribuir ao nomeante

um direito de nomeação livre e arbitrário, caso em que ele, nomeante, poderá nomear qualquer pessoa que entenda, incluindo pessoas jurídicas a constituir (hipótese esta expressamente prevista no art. 25.º-1, do CIMT), como limitar tal direito do nomeante, dando, como exemplos de tal limitação, a nomeação restrita a

(17)

Tal nomeação deve ser feita mediante declaração por escrito ao outro contraente, ou seja, ao promitens, dentro do prazo que para isso tenha sido convencionado entre o promitens e o estipulante, ou, na ausência de qualquer convenção, dentro do prazo supletivo de 5 dias69 (art. 453.º-1), a contar, naturalmente, da celebração do contrato (ou da estipulação da cláusula, se isso ocorrer posteriormente ao contrato, e, vai de si, para os autores que aceitam, que não são todos

certo perfil pessoal, a nomeação condicionada a certo evento (nomeação condicional ou sujeita a condição – art. 270.º), e a nomeação parcial, aceitando até que, no limite, a cláusula possa restringir a nomeação a uma única pessoa determinada, admitindo também aquele autor a nomeação plural, i. e., de várias pessoas, seja em cumulação, seja em sucessão, neste último caso para a hipótese de ineficácia das nomeações anteriores, admitindo-se ainda, em lugar da alternatividade ou disjunção, a cumulatividade, ou seja, convencionando-se que, mesmo após a declaração de nomeação de um terceiro, o estipulante permanecerá vinculado ao contrato ao lado dele (R. Guichard [2009], p. 550e F. Galgano e G. Visintini [1993], p. 363), solução esta que aliás é a que consta, também, p. ex., dos já atrás referidos DL n.º 61/2011 (art. 22.º) e Direc. 90/314/CE (art. 4.º, n.º 3, última parte).

69 Prazo supletivo este que alguns entendem ser demasiado curto, sendo certo que, em outros países, onde a

figura do contrato para pessoa a nomear está também codificada nos respetivos Códigos Civis, há, em regra, igualmente prazos de nomeação, que são, normalmente, curtos, por vezes até mais curtos do que em Portugal, prazos esses que, em alguns casos, são supletivos, pois que só funcionam na ausência de convenção do prazo de nomeação, e, em outros casos, são imperativos, não sendo admitida qualquer convenção que os contrarie. Assim, p. ex.: em Macau, a situação é exatamente igual à que se passa em Portugal, i. e., prazo supletivo de 5 dias (art. 447.º-1 CCM); em Itália, o prazo é supletivo, e de 3 dias (art. 1402 CCI); na Bolívia, há um prazo de 3 dias, que é imperativo (art. 472.º CCB); no Peru, prazo imperativo de 20 dias (art. 1477.º, CCP); na Etiópia, o prazo é imperativo, e de 3 dias (art. 1954.º-1 e 2 CCEt.); no Brasil, o prazo é supletivo e de 5 dias (art. 468.º CCB); na Colômbia, o prazo é imperativo, e de um ano (art. 1944.º CCCol.); no Québec e no Paraguai, não há, fixado na lei, nomeadamente nos respetivos Códigos Civis, qualquer prazo para a nomeação do terceiro (arts. 2159.º CCQ e 734.º CCPar.). O facto de o prazo supletivo de nomeação ser, em Portugal, curto, tem, e ao contrário do que parece pretender G. Telles [2010], p. 437, que, talvez com algum exagero, mimoseia tal prazo de 5 dias com os epítetos de “escassíssimo” e “irrisório”, considerando a sua consagração legal como fortemente criticável e injustificada, pouca, ou mesmo nenhuma importância. E isto porque as partes, cá (art. 453.º-1), como aliás também em todos os países em que o prazo de nomeação é supletivo, mas não naqueles em que esse prazo é imperativo, podem sempre convencionar um prazo superior, ou mesmo muito superior, pois que, pelo menos diretamente, não há, entre nós, qualquer limitação legal à duração desse prazo convencional de nomeação, e, desta maneira ultrapassar o prazo de 5 dias, sem necessidade de recorrer, como preconiza G. Telles [2010], p. 437, “a elementos de facto que permitam imputar às partes a vontade tácita de afastar esse prazo irrisório”. Recurso esse que, de qualquer forma, poderá sempre ser útil, se as partes, por qualquer motivo, inclusivamente por esquecimento, não tiverem convencionado, para a nomeação, um prazo superior a tais 5 dias. R. Bastos e A. Varela consideram também, embora sem a acutilância e a posição muito crítica de G. Telles, ser curto o prazo de 5 dias em análise, encontrando, contudo, para isso uma justificação. Justificação essa que, no caso de R. Bastos ([1988], p. 248, com. ao art. 453.º, n. r. 2), é a de não ser conveniente os negócios jurídicos ficarem suspensos durante muito tempo, referindo também tal autor a possibilidade que as partes têm de, pela via convencional, ultrapassar tal prazo de 5 dias, e, no de A. Varela ([2000], pp. 431 e 432, n. r. 3), a incerteza que a cláusula criaria para o contraente firme e interesses de natureza fiscal. C. Gonçalves, e em relação sempre ao art. 465.º do CCo., que não estabelece qualquer prazo para a nomeação, entende que, na falta de convenção, a nomeação deverá ser feita dentro do prazo que ao estipulante for concedido pelo contraente firme, em interpelação que para isso lhe faça, sob pena de, se assim não acontecer, o contrato se consolidar no estipulante, interpelação essa que poderia efetuar-se por meio de citação cominatória ou de simples notificação, nos termos dos arts. 711.º-2 e §1 1967 e 645.º, do CPC então em vigor ([1924], p. 384 n.º 122, e [1916], vol. 3, p. 13, n.º 679). A. Anthero ([1915], p. 241), é de opinião, também no domínio do art. 465.ºCCo., que o prazo da nomeação poderá ser acordado, devendo, na falta de acordo, ser fixado pelo juiz, nos termos do art. 638.º-1, do CPC, então, i. e., em 1915, vigente.

(18)

- vide a n. r. n.º 67 – ser essa ocorrência posterior admissível), e de acordo com as regras da contagem dos prazos, constantes dos arts. 279.º e 296.º, do CC. Trata-se de uma declaração que tem um destinatário, sendo pois uma declaração receptícia, a que se aplicam as regras dos arts. 219.º, 220.º, 221.º e 224.º, do CC70, sendo certo que os prazos atrás referidos se reportam à receção da declaração pelo nomeado, e têm de ser respeitados, ainda que haja procuração anterior ao contrato71.

A exigência de forma escrita para esta declaração de nomeação, que se verifica qualquer que tenha sido a forma do contrato, inclusivamente se a forma tiver sido verbal, visa razões de segurança e de certeza jurídicas72.

A declaração de nomeação, para ser eficaz, deve ser acompanhada do instrumento de ratificação do contrato por parte do nomeado, ou então de procuração anterior, passada pelo nomeado ao estipulante, conferindo a este poderes para, em nome e em representação dele nomeado, intervir no contrato em causa (art. 453.º-2, que constitui um afloramento das regras gerais do direito privado, segundo as quais ninguém poderá encabeçar um contrato se não quiser73).

Como atrás se disse já (n. r. 6), esta exigência legal de ratificação, não tem, na visão de M. Leitão74, justificação, pois que aquele autor entende que nada há a ratificar, já que, ao celebrar o contrato para pessoa a nomear, o contraente originário intervém em tal contrato em nome próprio, não exercendo pois, por falta da

contemplatio domini, exigida para o representante pelo art. 258.º, quaisquer poderes

representativos que tenham de ser ratificados posteriormente, exercício esse que só ocorre quando o terceiro é nomeado75, devendo por isso, na opinião de tal autor, ser

70 R.Sousa e J. Pitão ([1978], p. 418, com. ao art. 453.º), autores estes que referem também que a nomeação pode

ser feita através da notificação judicial avulsa prevista no art. 261.º, do CPC; P. Lima e A. Varela [1987], p. 436, com. ao art. 453.º, n. r. 2); R. Bastos [1988], p. 248, com. ao art. 453.º, n. r. 2).

71 M. Cordeiro [2010], p. 594, n. r. 2138; Acs. do TRL [04/05/1973] e do STJ [23/01/1986]. 72 A. Varela [2000], pp. 431 e 432, n. r. 3.

73 M. Cordeiro [2010], p. 593. 74 [2013], p. 246, n. r. 589. 75

Salvo o devido respeito, que é aliás, diga-se em abono da melhor verdade, muito elevado, no caso vertente, parece-me que, mesmo na nomeação, o nomeante não exerce quaisquer poderes representativos do nomeado, limitando-se a fazer uma nomeação que o nomeado depois aceitará, ou não, similarmente ao que sucede, p. ex., na nomeação de um gerente pela AG de uma s.c.p.q., nos termos previstos no CSC, nomeação esta que o gerente nomeado não tem depois que ratificar, mas sim, e apenas, que aceitar (ou não).

(19)

suficiente uma procuração, ainda que posterior ao contrato76. Desta opinião discorda expressamente R. Guichard, que entende que, para haver retroatividade, a procuração terá que ser anterior ao negócio celebrado77. Quanto a mim propendo a seguir a opinião de R. Guichard, não só porque foi meu professor, e, a meu ver, o aluno deve sempre seguir o Mestre78, mas também porque se me afigura que uma procuração, que é o ato pelo qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes representativos (art. 262.º), terá de ser sempre anterior ao exercício por esse outrem de tais poderes. Na espécie em análise, o estipulante, quer tenha, quer não, procuração, intervém sempre no contrato em nome próprio, e, também a existência de procuração anterior não dispensa a nomeação do terceiro. Terceiro este que, no caso de já ter passado, antes de celebrado o contrato, procuração ao estipulante, nada mais tem a fazer, tendo, caso não haja ainda tal procuração, de aceitar, e não de ratificar, essa nomeação. Entendo pois que não se deveria tratar de uma verdadeira ratificação, pelo menos no sentido que esse termo tem no art. 268.º (e aqui acompanho M. Leitão), pois que ratificar significa concordar e chamar à esfera jurídica do ratificante algo que alguém fez em nome dele (que não é o que aqui sucede), mas sim de uma aceitação, o que, a meu ver, tem repercussões até no próprio conteúdo do documento, necessariamente escrito (art. 454.º-1), a elaborar pelo nomeado, do qual deverá constar a expressão “…aceito ser a pessoa nomeada para ocupar o lugar de A (estipulante), no contrato X”, ou outra equivalente, e não “…ratifico o contrato X”. Aliás o artigo 1402.º, do CCI refere “accettazione”.

Também a ratificação do nomeado deve constar, como exigência mínima, ainda que o contrato tenha sido verbal, similarmente ao que sucede com a declaração de nomeação, e igualmente por razões de segurança jurídica, de documento escrito, não podendo nunca haver ratificações meramente verbais (art. 454.º-1). Se, porém, o contrato tiver sido celebrado por meio de documento de maior força probatória do que aquela que tem o simples documento escrito (força probatória esta que é a prevista no

76

Naturalmente apenas de lege ferenda, na medida em que, de iure constituto, o art. 453.º-2, exige, expressa e explicitamente, uma ratificação do contrato ou então uma procuração anterior à celebração do mesmo contrato.

77 [2009], p. 551.

78 O que não lhe retira a criatividade, na medida em que isso, tal como as normas programáticas da Co.RP, é

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art. 376.º), terá a ratificação (mas não a declaração de nomeação) de revestir igual forma (art. 452.º-2). Ou seja, a ratificação terá, nesse caso, de ter uma forma igual àquela que, seja por força da lei (forma legal), seja por vontade das partes (forma convencional), tem o contrato79 80, não cumprindo, na minha opinião, esta exigência legal, a ratificação que tenha uma forma diferente, e menos solene, do que a forma que tem o contrato, ainda que tal forma diferente da ratificação tenha a mesma força probatória que tem o contrato81.

Embora a declaração de nomeação, a emitir pelo estipulante, e a dirigir à sua contraparte, i. e., ao contraente firme, deva ser, normalmente, acompanhada da ratificação do contrato pelo nomeado, ou de procuração, passada por este ao estipulante, anteriormente à celebração do contrato, a doutrina admite que estes dois documentos, ou seja, a declaração de nomeação, e a ratificação, ou procuração anterior, possam chegar ao seu destinatário, que é o promitens, em separado, desde que ambas dentro do prazo fixado (legal ou convencionalmente) para a nomeação, uma vez que não se vê qualquer razão válida para que essa separação não possa ocorrer82.

Feita a nomeação, nos termos atrás explicitados, e que são os prescritos na lei, os efeitos do contrato processam-se como se a pessoa nomeada fosse o contraente originário, adquirindo pois ela, e com eficácia retroativa, i. e., ab initio, ou seja, desde a celebração do contrato, todos os direitos e todas as obrigações que do contrato

79

R. Bastos ([1988], p. 248, ns. ao art. 454.º), diz-nos que essa equiparação de formas entre o contrato e a ratificação, resulta da ratificação integrar, na parte subjetiva, um contrato já concluído, tendo pois a ratificação que ter a mesma forma do contrato, o que já não sucede com a declaração de nomeação.

80 É claro que, a fortiori, a ratificação poderá ter uma forma mais solene do que a forma que tem o contrato. 81

Nem sempre vai neste sentido, no entanto, a interpretação do preceito (art. 452.º-2), pois que, se alguns autores assim o interpretam na verdade, como é, p. ex., o caso de M. Leitão ([2013], p. 246, n. r. 590), que defende que a ratificação (que, como vimos já, tal autor considera aliás desnecessária - [2013], p. 246, n. r. 589), deveria ser sujeita à mesma forma a que o é a ratificação da representação sem poderes, ou seja, e nos termos do artigo 268.º-3, à forma da procuração, e de R. Bastos ([1988], p. 248, com. ao art. 454.º), outros autores, no entanto, entendem que não é necessário que a ratificação tenha a mesma forma que tem o contrato, bastando que ela tenha uma forma cuja força probatória seja a mesma que tem o contrato, como é o caso de M. Cordeiro ([2010], p. 594). Nas mesmas águas navega também, pois que vai nesse mesmo sentido, o IRN, cujo CT, na sessão de 12/07/1996, deliberou, por unanimidade, que, no contrato para pessoa a nomear, que tenha revestido a forma de escritura pública, a respetiva ratificação deve constar de documento de igual força probatória à do contratoratificando [não necessitando de ter a mesma forma de tal contrato], pelo que é bastante, nesse caso, o instrumento público avulso, que, embora tenha, por força do artigo 371.º, a mesma força probatória que tem a escritura pública, pois que ambos são documentos autênticos (artigos 363.º-2 e 35.º, do CN), tem contudo uma forma menos solene do que esta ([1996] Pareceres IRN). Este entendimento de M. Cordeiro e do IRN, não obedece, no entanto, na minha opinião, ao estabelecido no art. 455.º-2, sendo pois, a meu ver, e muito embora

data venia, contra legem.

82

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emergem para o lado da relação em que tal pessoa nomeada fica investida (art. 455.º-1), relação esta da qual desaparece o nomeante, como se nunca nela tivesse estado, sendo esta solução aquela que corresponde à vontade normal dos contraentes, quer haja procuração anterior à celebração do contrato, quer haja apenas ratificação deste83.

Na falta de declaração de nomeação, ou na existência dela, mas sem obedecer aos ditames legais, nomeadamente no que toca à forma, aos prazos, e/ou ao documento que tem que obrigatoriamente a acompanhar (ratificação ou procuração anterior ao contrato)84, os efeitos do negócio consolidam-se definitivamente na titularidade do contraente originário (art. 455.º-2-1ª parte), embora seja admitida estipulação em contrário (art. 455.º-2-2.ª parte)85, i. e., estipulação de que, em caso algum, o contrato irá produzir efeitos em relação ao contraente originário86. Nesta situação, o contrato, segundo alguns autores, não chega a ter sequer existência legal87, ao passo que, de acordo com outros autores, ele contrato, embora existindo, é ineficaz88.

83 A. Varela [2000], p. 432, n. r. 2;V. Serra [1958]; p.193 e R. Bastos [1988], p. 249, nota 2 ao art. 455.º, onde

este autor faz notar que se adotou aqui um critério diferente daquele que foi usado no caso da representação sem poderes, prevista no art. 268.º, onde a ausência de ratificação não origina que o contrato se convalide no representante sem poderes que nele interveio, e que tal diferença se tem por justificada, porque, nesse caso, o representante sem poderes contratou em nome de outrem, enquanto que, no contrato para pessoa a nomear, o estipulante contratou em nome próprio, muito embora reservando-se a faculdade de nomear outrem para ocupar a posição contratual dele estipulante no contrato em causa.

84

Equiparando a declaração inválida à falta de declaração, vide, no direito italiano, F. Galgano e G. Visintini [1993], p. 363.

85 A possibilidade desta estipulação em contrário não existe em todos os ordenamentos jurídicos onde a figura se

encontra codificada. É o que sucede, p. ex., em Itália, em que o art. 1405.º, do CCIt., que corresponde ao art. 455.º, a não prevê. Em tais ordenamentos, não havendo nomeação, o contrato consolida-se inexoravelmente no nomeante que não nomeou, o que, contraria o enquadramento da figura do contrato para pessoa a nomear no fenómeno representativo, que, paradoxalmente, é aquele que é, maioritariamente, aceite pela doutrina e pela jurisprudência italianas.

86

M. Leitão [2013], p. 245, o que é favorável à tese do contrato para pessoa a nomear ser um contrato representativo, a qual, também paradoxalmente, é pouco seguida em Portugal.

87 Realmente M. Cordeiro [2010], p. 595, diz-nos que, na falta de nomeação, e se houver a estipulação em

contrário, prevista no art. 455º-2-2.º parte “…o contrato ficará sem efeito”. Ora, na leitura que faço desta afirmação, e porque considero que um contrato ficar sem efeito não é a mesma coisa que um contrato não produzir efeitos, afigura-se-me que aquele autor entende que, na hipótese colocada, o contrato será tido como inexistente, e não apenas como meramente ineficaz.

88

M. Leitão [2013], p. 245, referindo este autor que tal situação se aproxima da representação sem poderes, prevista no art. 268.º (aplicável também à gestão de negócios, ex vi do art. 471.º), dela se distinguindo, no entanto, pelo facto do contrato para pessoa a nomear ser celebrado em nome próprio, e não em nome alheio, como sucede na representação sem poderes. Trata-se aí de uma ineficácia relativa, na medida em que o contrato celebrado por um representante sem poderes é eficaz em relação a todas as pessoas, com exceção do representado, perante o qual tal contrato, enquanto não for por ele representado ratificado, é ineficaz (artigo 268.º-1). Foi certamente isto que levou C. da M. Pinto, na 3ª ed. do seu livro Teoria Geral do Direito Civil, colocada à venda nas livrarias de Coimbra, no dia 07/05/1985, que foi justamente aquele em que o seu autor, súbita e inesperadamente, faleceu, com apenas 48 anos de idade (“morrem cedo aqueles que os Deuses amam”), quando tanto havia ainda a esperar das suas qualidades de jurista e de político (recordemos que C. da

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Como nota direi que, embora esta figura do contrato para pessoa a nomear seja uma modalidade contratual no interesse de terceiro, que está bastante próxima de representar um desvio ao princípio da eficácia relativa dos contratos, o certo é que esse desvio, em bom rigor, não se verifica89. Realmente, o contrato com a cláusula para pessoa a nomear (quer seja o pro amico electo, em que há procuração anterior, quer seja o pro amico eligendo, em que não há procuração anterior), produz todos os seus efeitos apenas e unicamente entre os contratantes, mas com a especialidade de um dos contraentes sofrer, ou, melhor dito até, poder sofrer, pois que a nomeação de um terceiro pode ocorrer, ou não90, uma alteração

Outros autores no entanto defendem que o contrato para pessoa a nomear constitui uma exceção ao atrás referido princípio da eficácia relativa dos contratos, pois que tal contrato produz também efeitos em relação ao terceiro nomeado, o qual

M. Pinto exerceu diversos cargos políticos, tendo chegado até, em 1978-1979, a ser Primeiro-Ministro num governo de iniciativa presidencial do Gen. R. Eanes – O IV Governo Constitucional), levou C. da M. Pinto, dizia, a chamar a tais negócios “negócios bifrontes” ou “negócos com cabeça de Jano”, pois que, tal como aquela divindade de mitologia latina, têm duas cabeças, ou frontes: uma dirigida ao representado, perante o qual são, enquanto não forem por ele representado ratificados, ineficazes, e, a outra, voltada para todas as pessoas, relativamente às quais tais negócios são eficazes ([1985], p. 607). Esta prosopopeia aplica-se também ao contrato para pessoa a nomear, traduzindo a possibilidade “de o contrato valer em relação ao contraente originário, ou relativamente à pessoa nomeada, por via direta e imediata, como se desde o início essa fosse a sua única direção pessoal (A. Varela [2000], pp. 434 e 435, n. r. 1; L. Gomes [1994], pp. 215 e 216, que usa a denominação de “contrato bimembre”). Adaptando esta ideia (que foi mantida por P. da M. Pinto, e por P. Monteiro, na 4ª ed. do livro atrás referido, publicada 20 anos depois, i. e., em maio de 2005, e que constitui uma atualização da ed. anterior, levada a cabo por tais dois autores – [2005], p. 616), ao contrato para pessoa a nomear, em que não houve afinal nomeação, e em que se havia estipulado, ao abrigo da possibilidade conferida no art. 455.º-2.ª parte, que, no caso de não nomeação, o contrato não produziria efeitos em relação ao estipulante, chega-se à conclusão que tal contrato será ineficaz, embora tratando-se aqui, a meu ver, de uma ineficácia absoluta, e não de uma ineficácia relativa, pois que tal ineficácia se verifica então perante todas as pessoas, sem qualquer exceção, i. e., se verifica erga omnes (é por certo esta a ideia de M. Leitão). Outra hipótese será considerar tal contrato para pessoa a nomear, em que não houve nomeação, e em que se havia estipulado, que, no caso de não nomeação, o contrato não produziria efeitos em relação ao nomeante, como sendo um contrato inexistente, o que se pode justificar partindo da ideia de que o contrato em causa é um contrato sujeito à condição suspensiva de haver nomeação, num determinado prazo – vide p. 31 do texto e n. r. 124 – pelo que, não se tendo verificado essa condição, não chega sequer a haver contrato (será esta a visão de M. Cordeiro). As duas soluções conduzem, no fundo, ao mesmo resultado prático, pois que sendo um contrato inexistente equivalente a um contrato nulo sem efeitos laterais, também o contrato inexistente, tal como um contrato com ineficácia absoluta, não produz quaisquer efeitos em relação a ninguém. Pode pois dizer-se que o contrato para pessoa a nomear na situação descrita, ou não existe, ou então existe, mas tem uma ineficácia absoluta, pelo que fica isolado, não produzindo quaisquer efeitos, tudo se passando como se ele não existisse. A minha preferência entre estas duas construções vai para a da ineficácia, pois que se me afigura forçado dizer que um contrato, que afinal foi celebrado, e que, portanto, existiu, deixa de existir, assim sem mais.

89 A. Costa [2009], p. 355. 90

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