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O sistema prisional e os direitos humanos: a perspectiva dos agentes penitenciarios

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UNIJUI - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

GABRIELA HELLENA DAVID

O SISTEMA PRISIONAL E OS DIREITOS HUMANOS: A PERSPECTIVA DOS AGENTES PENITENCIÁRIOS

Ijuí (RS) 2015

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GABRIELA HELLENA DAVID

O SISTEMA PRISIONAL E OS DIREITOS HUMANOS: A PERSPECTIVA DOS AGENTES PENITENCIARIOS

Monografia final do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Monografia. UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. DECJS - Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientadora: MSc. Joice Graciele Nielsson

Ijuí (RS) 2015

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Este trabalho é dedicado a todos que de alguma

forma me acompanharam nesta caminhada

acadêmica, em especial aos meus pais, pois certamente esta etapa não estaria sendo realizada sem o alicerce que eles laboraram.

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AGRADECIMENTOS

A minha família pelo apoio, especialmente aos meus pais que sacrificaram seus sonhos pelos meus.

A minha professora orientadora, que sempre esteve disposta a me auxiliar para fazer o melhor trabalho possível.

A Deus que proporcionou acima de todos esta conquista!

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“Livre desenvolvimento de cada um é condição para o livre desenvolvimento de todos” (Karl Marx)

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RESUMO

O trabalho que segue destina-se a analisar a relação existente entre Direitos Humanos e o Sistema Prisional e as violações que acontecem no seu interior, sob a perspectiva dos Agentes Penitenciários. Para tanto, inicia fazendo uma análise histórica dos Direitos Humanos e sua fundamentação, buscando, posteriormente, compreender a atual situação do sistema penitenciário, enquanto espaço de violação frequente dos diretos humanos. Neste sentido, no último capítulo, analisa a situação do agente penitenciário neste processo, não apenas enquanto agente perpetuador de violações, mas sim enquanto vítimas de violações de direitos, concluindo ao final que, agentes penitenciários e apenados devem lutar conjuntamente pela efetivação dos direitos humanos universais, o que contribuiria para a melhoria das condições de vida de ambos, e de toda a sociedade.

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ABSTRACT

The work that is follows is aimed at the relationship between human rights and the prison system and the violations that take place within it, under the perspective of Correctional agents. Therefore, it starts by making a historical analysis of Human Rights and its foundation, seeking to subsequently understand the current situation of the penitentiary system, while frequent violation space of human rights. In this sense, the last chapter analyzes the situation of the prison guard in this process, not only as perpetuating agent violations, but rather as victims of rights violations, concluding at the end that correctional officers and convicts must fight jointly for the realization of human rights universal what would contribute to improving the living conditions of both, and of the whole society.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 8

1 DIREITOS HUMANOS UNIVERSAIS ... 10

1.1 Evolução histórica ... 10

1.2 Concepções e características dos direitos humanos ... 19

2 CÁRCERE: CONTROLE E PUNIÇÃO ... 23

2.1 O crime e a privatização da liberdade: análise histórica ... 23

2.2 A situação atual do cárcere no Brasil ... 27

3 O SISTEMA PRISIONAL E O AGENTE PENITENCIÁRIO ... 34

3.1 O agente penitenciário... 34

3.2 Repercussões do encarceramento no agente penitenciário ... 37

3.3 Direitos iguais sob perspectivas distintas ... 43

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 46

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INTRODUÇÃO

Diante do sistema prisional medieval que vivemos em plena era de tecnologias, avanços na ciência e efetiva luta pelos direitos humanos e liberdade de expressão é inaceitável que os direitos humanos, embora garantidos em esfera mundial, não são efetivos na prática.

O presente trabalho faz uma análise das violações dos direitos humanos dentro do Sistema Prisional, a partir do ponto de visto dos Agentes Penitenciários. As penitenciárias são tratadas como órgãos distintos, separados da vida em sociedade, e os agentes penitenciários sofrem historicamente preconceito pela função que exercem, pois culturalmente são julgados e igualados aos apenados infratores e, ainda deles se exigem que tratem os apenados, que a própria sociedade repudia de forma humana, eis, que tal humanidade é desconhecida pelos próprios agentes, pois vivem em uma condição de trabalho nada digna.

As penitenciárias perderam há muito tempo o seu papel de ressocializar o indivíduo infrator, e ainda provocaram uma divisão dramática na relação entre funcionários do sistema penal e apenados, no sentido de que embora todo e qualquer cidadão tenha direito à dignidade, e ambos tenham seus direitos violados, muitas vezes eles são colocados em polos distintos, separados e a luta de um não parece se tratar da luta do outro por dignidade.

É através deste suposto confronto entre apenados e funcionários que nos deparamos com um sistema prisional medieval, onde apenados sofrem violência, não possuem assistência médica ou psicológica adequada, funcionários sofrem ameaças, não possuem atendimento psicológico, não possuem material de trabalho, e ainda ambos são submetidos a todos os tipos de doenças imagináveis que se manifestam em um ambiente imundo e de estrutura física precária. Neste sentido, o Sistema Penitenciário atual amplia e reproduz as desigualdades

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sociais, é espaço das mais variadas violações de Direitos Humanos, e, como instituição política, vem mantendo seu caráter punitivo e pouco ressocializador.

Destarte o grande problema da inversão de valores ocorrendo no sistema atual é a não efetivação dos Direitos Humanos de forma ampla, respeitado seu princípios da universalidade e da indivisibilidade, pois esta é uma presunção estabelecida na Carta Magna que não deve ter nenhum aspecto de discriminação, sendo aplicada sobre todas as camadas sociais, sendo a dignidade peculiar a todos os seres humanos.

Neste sentido, o primeiro capítulo abordará a temática dos Direitos Humanos, sua longa trajetória histórica de efetivação, seus fundamentos e suas características, destacando-se a necessidade de serem pensados como Direitos de toda e qualquer pessoa, independente de características individuais de qualquer espécie. O segundo capítulo irá abordar o sistema carcerário, partindo de um estudo sobre a pena de privação de liberdade, seu percurso histórico de implantação e a situação atual dos presídios no Brasil, enquanto local privilegiado de violações de direitos, principalmente dos apenados. O terceiro capítulo, por sua vez, irá abordar a questão dos direitos humanos dentro do sistema carcerário, do ponto de vista dos Agentes Penitenciários, e das constantes violações de Direitos a que estes estão submetidos no cumprimento de suas funções.

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1 DIREITOS HUMANOS UNIVERSAIS

Este capítulo inicial irá abordar a temática dos direitos humanos, no sentido de retratar sua trajetória histórica de conquista até este início de século XXI, tanto do ponto de vista dos Estados, quanto no plano internacional. Desta forma, analisa o reconhecimento que estes vêm adquirindo nas legislações, buscando apontar para alguns fundamentos no sentido de garantir a sua efetivação e implementação.

1.1 Evolução histórica

A busca pela definição e conceituação do que sejam Direitos Humanos sempre foi complexa e paradoxal uma vez que, ao longo da história, de acordo com os vários contextos e culturas, vários foram os conceitos empregados, configurando-se esta em uma caminhada histórica longa e vitoriosa. Esta caminhada reforça, positivamente, o caráter histórico e variável dos mesmos, conforme aponta Bobbio (1992), uma vez que o Direito se torna inábil quando não corresponde as indigências clamadas pela população.

Neste sentido a posição de Perez-Luño (2007, p. 21) para quem, os direitos humanos surgem sempre como respostas a agressões e injustiças que ocorrem as sociedades humanas, sendo, portanto,

[...] um conjunto de faculdades e instituições que, em cada momento histórico, concretizam as exigências da dignidade, da liberdade e da igualdade humanas, as quais devem ser reconhecidas positivamente pelos ordenamentos jurídicos em nível nacional e internacional.

Inicialmente foram conhecidos e confundidos com Direitos Naturais, com contornos biológicos e religiosos entre os séculos XVII e XVIII, estando apenas reconhecidos como direitos fundamentais após a Revolução Francesa e Americana. Foi nesse momento, após o advento da Modernidade, a partir do final do século XVIII que, de acordo com Piovesan (2004), os direitos humanos adquiriram seu contorno e concepção atual.

O conceito de que todos os homens possuem direitos fundamentais, é, portanto, uma construção da era moderna. Nos primórdios na Grécia clássica, tinha-se a concepção de que o Estado era superior a todo e qualquer indivíduo, modelo conhecido como holista ou

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Aristotélico, tomando um novo conceito apenas nos séculos XVII e XVIII com as mudanças políticas, econômicas e consequentemente novas teorias. Momento este, em que as partes passam a ser o todo e não mais o Estado (BEDIN, 2002).

A primeira tese sobre Direitos Humanos foi conceituada pelos sofistas, fundamentando o assunto da igualdade natural, diferenciando os seres humanos dos animais e conceituando raças, mais tarde o conceito da igualdade natural passa a se disseminar com a teoria da igualdade divina, na ordem de Deus como ser superior à todos os homens, dando espaço ao Cristianismo através de Santo Tomás de Aquino, dessa forma a autoridade do monarca é a autoridade de Deus sobre ele, por isso todos eram submissos ao monarca, ora Deus superior a todos.

Outra fundamentação para o poder divino é que este sucede pela vontade de Deus, como resultado de algum acontecimento histórico e vem com força através da tradição de um povo.

Como terceira variante, temos a versão popular do poder, a qual sustenta que o poder somente é absoluto quando emana do indivíduo como um todo, residindo o princípio da soberania no povo, sendo uma versão moderna do conceito de poder, mas que só tomou forma nos séculos XVII e XVIII, nesta versão o poder não é derivado da tradição, nem do poder divino, mas sim de cada indivíduo de acordo com a sua pretensão. Este momento consagra uma nova percepção política, que deu espaço para a percepção de novas garantias à serem reivindicadas, destarte o individualismo é fonte moderna e organicismo remoto.

Em qualquer das hipóteses – e é isto que nos interessa neste momento – o importante é observarmos que o elemento fundamental das relações políticas passa a ser o indivíduo e não mais o Estado. Portanto, há uma profundida inversão em relação ao modelo organicista ou holista de sociedade. (BEDIN, 2002, p. 23).

Com o avanço de pensamentos e as constantes mudanças na economia, seria forçoso esperar que a sociedade não insurgisse em um novo modelo, principalmente político. Esta nova perspectiva ou novo modelo, “inaugurado com as inversões anteriormente referidas, ao contrário, se coloca, entre outros motivos, por defender que as partes são anteriores e superiores ao todo, do ponto de vista dos governados, ou seja, ex parte Populi. Daí, portanto,

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possuir como temas essenciais a questão indivíduo, da igualdade, do contrato e da soberania popular (BEDIN, 2002).

É no século XVIII, com a Declaração dos Direitos da França e a Declaração de Direito da Virgínea que os Direitos Humanos ingressam para uma nova era, o novo modelo individualista de sociedade, nos quais os direitos do homem passam a se tornar sólidos, contribuindo para a concretização no que diz respeito a normas jurídicas com direitos e deveres inerentes à todos os indivíduos. Tal época é marcada pela divisão de direitos entre a esfera pública e a esfera privada, ou seja, Estado e sociedade civil, sendo um alicerce para a democracia e embasamento dos Direitos Humanos (BEDIN, 2002).

É neste período também que, segundo o mesmo autor, nascem as escolas juristas com novos conceitos e aplicação dos direitos e garantias de cada indivíduo de forma técnica, que passaram a opor-se aos Direitos Naturais. A primeira escola jurista foi a escola da Exegese na França a qual pregava que todos os acontecimentos da vida civil devem estar previstos na lei, e a escola Histórica na Alemanha a qual subscrevia que a lei deve estar de acordo com a realidade de fato vivenciada.

Neste momento histórico, pode-se destacar três momentos marcantes de aspirações democráticas e de afirmação de direitos. A Revolução Inglesa, a Independência das Treze Colônias Norte-Americanas e por fim, a Revolução Francesa. Esta última foi o momento de maior destaque na constituição e afirmação dos direitos humanos, dando a estes um caráter mais universal a partir da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. A Declaração francesa e o Bill of rigths da Constituição Americana, de 1791, foram um marco na construção da ideia de direitos humanos na modernidade, e os instrumentos em que eles se expressaram (PIOVESAN, 2004).

Neste momento, nascem os direitos humanos em sua versão moderna, com o surgimento daquilo que Bedin (2002) denomina de primeira geração dos direitos humanos, quais sejam, direitos civis ou liberdades civis básicas, os chamados direitos negativos, estabelecidos contra o Estado, dentre os quais estão “todos aqueles direitos que tendem a limitar o poder do Estado e a reservar para o indivíduo, ou para os grupos particulares, uma esfera de liberdade em relação ao Estado” (BOBBIO, 1992, p. 32). São integrantes desta categoria de direito, segundo Bedin (2002), as liberdades físicas, as liberdades de expressão, a

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liberdade de consciência, o direito de propriedade privada, os direitos da pessoa acusada, as garantias dos direitos.

Em meados do século XIX, temos o início da geração do direito positivo, percebendo-se uma nova dimensão de direitos humanos que, de acordo com Bedin (2002), pretende percebendo-se aliar ao Estado, consistindo na busca pelo direito de autonomia na participação da formação do poder político. Dentre os direitos conquistados, vale aqui destacar o direito que após extenso período histórico possibilitou ao indivíduo participar da atividade e organização do poder Estatal, o sufrágio universal, que após três períodos de resistências se solidificou no século XX, sendo garantido em diversos textos constitucionais do mundo, além de ser materializado como podemos mencionar, na Declaração de Direitos do Homem.

Esta é a segunda geração de direitos humanos, a geração dos direitos políticos, que tem como direito essencial o direito a constituição dos partidos políticos, embora anteriormente existissem facções, e clubes, não tínhamos antes do século XIX partidos políticos de fato, apenas grupos que formavam de acordo com seus interesses em comum.

Com o reconhecimento do sufrágio universal e consolidados os partidos políticos, ainda carecia, segundo Bedin (2002), para o bom desempenho da democracia moderna, a participação popular nas decisões políticas. Como resultado das angustias pela participação direta do cidadão na formação do poder político, conquista-se a iniciativa popular, que permite a população através de assinaturas, submeter a aprovação ou rejeição da população, sob determinado projeto de lei.

Por vez, em contrasto com a iniciativa popular, tem–se o antigo plesbicito, já praticado no período do império romano e o refendo, surgido no século XV na Suíça. Os quais são utilizados em alguns países como equivalentes pela semelhança que apresentam. Todavia, tal ambiguidade não é considerada no Brasil, uma vez que, não é o caso da Carta Magna Brasileira, a qual prevê os dois institutos.

Destarte, tais institutos considerados ou não a sua ambiguidade semântica, muito contribuíram para a liberdade de participação na política das nações, contribuindo para o desenvolvimento e efetividade da democracia (BEDIN, 2002).

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A geração dos direitos econômicos e sociais ou também nomeada como terceira geração, passa a existir como consequência da Revolução Russa, e da Constituição Mexicana e de Weimar. Sendo marcada pelo fato de que o Estado garante direitos ao cidadão, assim, o Estado torna-se inadimplente com o cidadão quando não fornece para este, condições mínimas de bem estar e igualdade, em que pese a massa trabalhadora e marginalizada (BEDIN, 2002).

De acordo com o autor citado, os direitos pertinentes ao homem trabalhador abrangem as relações individuas de trabalho, como pioneiro de referidos direitos, foi o poder do homem escolher o seu trabalho, sendo este o direito à liberdade do trabalho, o qual foi proclamado na declaração francesa dos direitos humanos de 1973. Como sucessor aos direitos do homem trabalhador, temos o direito ao salário mínimo, e a jornada de trabalho de oito horas, que até 1917 não era reconhecido, nem sequer separava horários de trabalho entre adultos e menores. Pode-se destacar ainda o direito ao descanso semanal remunerado, férias anuais remuneradas, e os direitos coletivos inerentes das relações de trabalho, mais complexos mencionados por Bedin (2002), como o direito sindical, e o importante direito a greve.

Já divergente dos direitos dos trabalhadores e sua relação empregatícia os direitos do consumidor, segundo Bedin (2002), protegem as relações entre bens e serviços e o homem que consome, sendo elencado três direitos essenciais, o direito a seguridade social que engloba o direito a saúde reconhecido na constituição Italiana, a previdência social reconhecida na constituição mexicana de 1917, e a assistência social as pessoas, sendo o direito mais antigo. Ainda dentre os direitos do consumidor Bedin (2002) menciona o direito a educação e o Direito a habitação.

Finalmente, a partir da metade do século passado, chegamos à “quarta geração” de direitos, aqueles à que Bedin (2002) denominou de direitos de solidariedade. Tais direitos surgiram, portanto, no final da primeira metade do século XX, tendo como marco o ano de 1948, e compreendem os direitos do homem no plano internacional, ou seja, os direitos que, como esclarece Bonavides (1993), não se destinam a uma pessoa, grupo ou Estado, mas a todo o gênero humano. Dessa forma, não são mais direitos contra o Estado, direitos de participar no Estado ou direitos por meio do Estado, mas sim, direitos sobre o Estado (BEDIN, 2002), frutos da nova dinâmica de desenvolvimento mundial gerada a partir do processo de globalização. Esta quarta geração de direitos identifica-se basicamente com

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quatro direitos que a compõe: o direito ao desenvolvimento, direito ao meio ambiente sadio, direito à paz e o direito à autodeterminação dos povos. No entanto, segundo Nielsson (2014) inclui ainda uma abordagem de uma série de novos direitos, como as reivindicações dos movimentos pacifistas e ecológicos, uso de tecnologias da ciência, como as nanotecnologias, e faz alusão também a experiências individuais, como a eutanásia, o transplante de órgãos ou a conservação artificial da vida, bem como aquelas relativos a tecnologias da informação e realidade virtual.

E há ainda os direitos de categorias sociais específicas, como os direitos de gênero (dignidade da mulher, subjetividade feminina), os direitos da criança e do adolescente, os direitos dos idosos, dos deficientes físicos e mentais, os direitos das minorias (étnicas, religiosas) à livre orientação sexual, dos indígenas e populações tradicionais, e os novos direitos ao livre desenvolvimento da personalidade (à intimidade, à honra, à imagem). Tais direitos, em sua maioria, se encontram protegidos, na legislação nacional por uma série de Estatutos (NIELSSON, 2014).

Neste sentido, é importante destacar que da origem histórica da concepção de direitos humanos iluminista até os nossos dias, a integração entre os países se tornou tal que, atualmente, a dignidade de cada indivíduo encontra, em geral, três esferas de proteção. Primeiramente, quase todos os Estados têm suas normas protetoras, que norteiam o chamado sistema local. Além disso, há os diversos sistemas regionais e o sistema global. Em cada esfera, há diferentes mecanismos de proteção, bem como diferentes declarações de direitos.

Toda esta eclosão de direitos é fruto daquilo que Bobbio (1992) chama da “era dos direitos”, que se concretiza principalmente a partir da metade do século XX, a partir da segunda guerra mundial e da experiência trágica dos campos de concentração (LAFER, 1999). A partir daí, o tema dos direitos humanos entra definitivamente na agenda das discussões internacionais com características e concepções contemporâneas.

A partir de metade do século passado, após a segunda guerra mundial pode-se observar uma ruptura com a ordem até então estabelecida, ruptura esta representada principalmente pelo evento do totalitarismo, que desconsiderou a dignidade da pessoa humana (LAFER, 1999), e fazendo com que emergisse a necessidade de reconstruir os direitos humanos, como referencial e paradigma ético que aproxime o direito da moral, ou seja, o

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direito a ter direitos, ou ainda, o direito a ser sujeito de direitos, segundo Hannah Arendt na leitura de Piovesan (1997).

O que se viu, a partir de então, foi a criação progressiva de uma série de legislações que queriam proteger os direitos humanos, tanto dentro dos Estados, quanto no plano internacional, formando um conjunto de declarações, pactos, convenções e órgãos especializados sob o comando da Organização das Nações Unidas (ONU). Este complexo de normas é composto, principalmente, pela Carta das Nações Unidas, pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, pelo Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, pelo Pacto Internacional dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais, bem como por diversas convenções internacionais assinadas a partir dos anos 60 (NIELSSON, 2014).

E a Declaração Universal dos Direitos Humanos aprovada em 10 de dezembro de 1948 tem papel fundamental neste processo, uma vez que define, pela primeira vez, um patamar mínimo e comum para todos os países, sobre garantia de direitos a seus cidadãos. A Declaração foi o primeiro passo no sentido de apresentar à comunidade internacional um corpo de princípios e diretivas concernente à proteção internacional dos direitos humanos.

Juntou assim, de acordo com Piovesan (1997), o valor da liberdade com o da igualdade, marcando a concepção contemporânea de direitos humanos, pela qual esses direitos passam a ser concebidos como uma unidade interdependente e indivisível, fazendo com que, segundo Bobbio (1992, p. 28, grifo nosso), “um sistema de valores é – pela primeira vez na história – universal, não em princípio, mas de fato”, na medida em que o consenso sobre sua validade e sua capacidade para reger os destinos da comunidade futura de todos os homens foi explicitamente declarado.

Este processo de universalização dos direitos humanos permitiu que se formassem tratados internacionais de proteção, que refletem a consciência ética contemporânea, e que instituem um consenso sobre os de temas centrais de direitos humanos, buscando garantir parâmetros mínimos de proteção, o chamado “mínimo ético irredutível” (PIOVESAN, 2006, p. 19), em face da emergência de uma cultura global que objetiva fixar padrões mínimos de proteção dos direitos humanos.

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Quase quarenta anos após a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 foi realizada em Viena, no ano de 1993, a II Conferência Mundial sobre Direitos Humanos da ONU, que reafirmou os termos universais da Declaração, consagrando e reafirmando o compromisso universal firmado em 1948, e endossando a universalidade e a indivisibilidade dos direitos humanos. Assim, estende, renova e amplia o consenso sobre a universalidade e a indivisibilidade dos direitos humanos (PIOVESAN, 2006).

Passadas mais de duas décadas da realização da Conferência de Viena, pode-se observar que as Nações Unidas moveram esforços para efetivar os direitos reconhecidos, avançando no seu processo de universalização no campo do direito. Os anos que se seguiram foram repletos de novas Conferências para se discutir a implementação das recomendações da Declaração e o reconhecimento de novos direitos, como os direitos de gênero - IV Conferência Mundial sobre a Mulher (1995); ao desenvolvimento - Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (1994); e Cúpula Mundial para o Desenvolvimento (1995); à proteção dos refugiados - Convenção de Ottawa (1997); ao

direito ao meio ambiente - Protocolo de Kyoto (1997); Protocolo de Cartagena sobre a

Segurança da Biotecnologia relativa ao Convênio sobre a Diversidade Biológica (2000); e a Conferencia de Johannesburgo – Rio +20 (2002); ao combate à corrupção - Convenção das Nações Unidas contra a corrupção (2003); ao combate ao terrorismo - Convenio Internacional para a repressão de atos de terrorismo (2005); e ainda a proteção às pessoas

contra toda a forma de exploração - Convenção das Nações Unidas sobre os direitos das

Pessoas Portadoras de Necessidades Especiais (2006); e Convenção Internacional para a Proteção de todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado (2006), dentre outros (NIELSSON, 2014).

Especificamente no Brasil, apesar de algumas referências esparsas nas Constituições anteriores, foi a partir da Constituição Federal de 1988 que direitos e garantias fundamentais passaram a ser garantidos, no mesmo momento em que se tornou oficial o sistema de proteção dos direitos humanos, a partir da ratificação dos diversos instrumentos de proteção internacionais, como a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, em 20.07.1989, a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes em 28.09.1989; a Convenção sobre os Direitos da Criança, em 24.09.1990, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, em 24.01.1992, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, em 24.01.1992, a Convenção Americana de

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Direitos Humanos, em 25.09.1992, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, em 27.11.1995, o Protocolo à Convenção Americana referente à Abolição da Pena de Morte, em 13.08.1996; o Protocolo de San Salvador, em 21.08.1996, o Estatuto de Roma, que cria o Tribunal Penal Internacional, em 20.06.2002, o Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher, em 28.06.2002, dentre outros (NIELSSON, 2014).

Além dos tratados internacionais, a República Federativa do Brasil, que constitui um Estado Democrático de Direito, estabelece em sua Constituição, por meio de seu artigo 1º, a dignidade da pessoa humana, sendo este um dos fundamentos do sistema constitucional, servindo para assegurar os direitos individuais e coletivos. Por ser uma norma fundamental ao Estado, a dignidade da pessoa humana integra a Constituição Federal, com força de princípio de Direito, tendo a pessoa humana como valor primordial que cabe ao direito proteger, salientando que a dignidade humana funciona como uma fonte jurídico-positiva para os direitos.

A dignidade é um valor absoluto, inalienável, inerente a cada indivíduo ele impregna toda a elaboração do Direito, porque ele é o elemento fundante da ordem constitucionalizada e posta na base do sistema. Logo, a dignidade da pessoa humana é princípio havido como superprincípio constitucional, aquele no qual se fundam todas as escolhas políticas estratificadas no modelo de Direito plasmado na formulação textual da Constituição. Segundo Piovesan (2000, p. 54),

A dignidade da pessoa humana, [...] está erigida como princípio matriz da Constituição, imprimindo-lhe unidade de sentido, condicionando a interpretação das suas normas e revelando-se, ao lado dos Direitos e Garantias Fundamentais, como cânone constitucional que incorpora as exigências de justiça e dos valores éticos, conferindo suporte axiológico a todo o sistema jurídico brasileiro.

Sendo assim, podemos dizer que os Direitos Humanos, do ponto de vista jurídico, estão amplamente protegidos no Brasil, na própria constituição e nos tratados ratificados pelo Brasil, embora, como veremos, a prática ainda demonstre uma série de violações a estes direitos.

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1.2 Concepções e características dos direitos humanos

De acordo com Pérez Luño (2002, p. 22), é possível identificar três tipos de definições sobre o que são direitos humanos. Segundo o autor, haveria a definição tautológica, a definição formal e, ainda, a definição finalística ou teleológica. De acordo com a primeira direitos humanos são aqueles que correspondem ao ser humano pelo simples fato de ser humano. Essa conceituação remete à teoria jusnaturalista e à fundamentação de que direitos humanos têm origem nos direitos naturais.

A segunda definição faz referencia ao regime jurídico e à proteção estatal, tendo sido acolhida pelos teóricos do juspositivismo. E a terceira definição fala da finalidade dos direitos humanos, conceituando-os como aqueles essenciais ao desenvolvimento digno da pessoa humana. Essa definição, feita a partir da Segunda Guerra Mundial, foi amparada pela fundamentação ética, na qual os diretos humanos são considerados, principalmente, como critérios morais norteadores de condutas e comportamentos. Enquanto tais, Dallari (1988, p. 7) os conceitua como sendo,

[...] uma forma abreviada de mencionar os direitos fundamentais da pessoa humana. Esses direitos são considerados fundamentais porque sem eles a pessoa humana não consegue existir ou não é capaz de se desenvolver e de participar plenamente da vida.

Desta forma, a terminologia direitos humanos já dá uma indicação do que possa significar, como os direitos do homem. Direitos que visam assegurar os valores mais preciosos da pessoa humana, a vida, a solidariedade, a igualdade, a fraternidade, a liberdade, a dignidade da pessoa humana.

Para Borges (2006), os direitos humanos são aqueles direitos comuns a todos os seres humanos, sem distinções de raça, sexo, classe social, religião, etnia, cidadania política ou julgamento moral. São aqueles que decorrem do reconhecimento da dignidade intrínseca a todo ser humano. Independem do reconhecimento formal dos poderes públicos – por isso são considerados naturais ou acima e antes da lei -, embora devam ser garantidos por esses mesmos poderes. Por sua vez, Moraes (2000), ressaltando a importância dos direitos humanos, relata que os direitos humanos colocam-se como previsões absolutamente

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necessárias a todas as Constituições, no sentido de consagrar o respeito à dignidade humana, garantir a limitação de poder e visar o pleno desenvolvimento da personalidade humana.

Assim, observa-se que os direitos humanos não são tidos apenas como desejáveis aos cidadãos, ao contrário, configuram um direito inalienável de qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo. Portanto, direitos humanos são os direitos fundamentais da pessoa humana, estando neles inseridos os direitos à vida, à alimentação, à saúde, à moradia, à educação, ao afeto e à livre expressão da sexualidade, todos garantidos pela Constituição Federal.

E encarando os direitos humanos desta forma, pode-se destacar algumas características que são inerentes à sua condição. Em primeiro lugar, Direitos Humanos são considerados

indivisíveis, sendo que, quando se desrespeita um direito, estaremos desrespeitando todos os

direitos inerentes ao ser humano ao mesmo tempo, por isso, não podem ser tratados de forma isolada, devendo todos eles ser respeitados da mesma forma e em conjunto com relação à pessoa humana (PIOVESAN, 2000). Além disso, da mesma forma que direitos humanos são indivisíveis, estes são vinculados uns aos outros, formando uma interdependência, que significa que,

[...] os direitos fundamentais estão vinculados uns aos outros, não podendo ser vistos como elementos isolados, mas sim como um todo, um bloco que apresenta interpenetrações; as várias previsões constitucionais, apesar de autônomas, possuem diversas intersecções para atingirem suas principais finalidades. No intuito de exemplificarmos a característica relacionada neste comando, podemos dizer que a liberdade de locomoção está relacionada à garantia do habeas corpus e ao devido processo legal (DIÓGENES JUNIOR, 2015).

Além disso, uma vez que indivisíveis e interdependentes, tais direitos humanos també são caracterizados por estarem em constante mudança, por dependerem do momento cultural em que vivem e das necessidades relativas a cada momento histórico social, por sua característica da historicidade.

Mais ainda, é ainda uma característica dos direitos humanos o fato de que, mesmo que não sejam exercidos não prescrevem, sendo seu atributo, portanto, a imprescritibilidade, uma vez que não são perdidos pelo não uso. Por sua vez, como exceção a prescrição ocorre nos direitos de caráter patrimonial, como por exemplo a usucapião (PIOVESAN, 2000).

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Ao não possuírem caráter patrimonial não podem ser negociados, pois são inerentes a condição de ser humano, fazendo cognição no sentido de que o homem não pode deixar de ser homem, por isso seus direitos são inalienáveis, o que significa que,

[...] tais direitos, por não possuírem conteúdo econômico-patrimonial, são intransferíveis, inegociáveis e indisponíveis, estando fora do comércio, limitando o princípio da autonomia privada. Tal inalienabilidade resulta da dignidade da pessoa humana, sendo que o homem jamais poderá deixar de ser homem, tendo sempre os direitos fundamentais como alicerce para garantia de tal condição. (DIÓGENES JUNIOR, 2015).

Os direitos fundamentais são também, segundo Diógenes Junior (2015),

irrenunciáveis, não podendo o ser humano se desfazer da sua natureza, por ser titular de um

direito não é possível renunciá-lo, pois está interligado com a dignidade da pessoa humana, importando toda a coletividade. No entanto, o Supremo Tribunal Federal tem aceitado a renúncia temporária da privacidade e da intimidade em casos dos nomeados reality shows, segundo os autores citados. No entanto, para efetivar a eficácia dos direitos fundamentais, estes devem ser respeitados por atos públicos e nas disposições infraconstitucionais, resguardada a inviolabilidade dos direitos fundamentais, sob pena de responsabilização civil, penal ou administrativa.

Apesar de alguns direitos fundamentais estarem ligados a apenas alguns indivíduos, como por exemplo, os direitos fundamentais dos trabalhadores, outros direitos são inerentes aos indivíduos pelo simples fato da condição de ser humano, como por exemplo o direito a vida, caracterizando assim a universalidade dos direitos humanos, por serem disponíveis a todos os homens, pela qualidade de ser humano.

Destarte, os direitos fundamentais não podem fazer distinção de cultura, credo, nacionalidade, convicção política, não podendo haver qualquer espécie de preconceito, devendo todos os indivíduos serem respeitados, sendo o sujeito ativo o indivíduo espécie de são interligados com o princípio liberdade e da dignidade humana.

Nesse sentido, a universalidade se constitui em uma das principais características dos direitos humanos, uma vez que estes não são e nem podem vir a ser considerados “direitos e alguns”, nem muito menos, pode-se considerar que “alguns” não merecem a garantia e a

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proteção dos direitos humanos, o que seria incoerente com a sua formulação e fundamentação (PIOVESAN, 2006).

Por tudo o que se pode verificar, podemos concluir que as propagações dos direitos humanos, ao lado das experiências aglomeradas historicamente demonstram que o desenvolvimento contínuo de distintas maneiras de atuação não pode mais andar independentemente das necessidades sociais, devendo estar de acordo com a realidade dos indivíduos como um todo.

As experiências acumuladas entre os vários doutrinadores, referente aos diversos períodos da história demonstram que o desenvolvimento contínuo de distintas formas de atuação dos direitos humanos não pode mais se dissociar do levantamento das variáveis abrangidas em cada esfera social de acordo com a realidade de fato.

É a partir das necessidades e lutas reais por direitos que surgem os direitos humanos, enquanto direitos elementares de toda a pessoa humana, independente de qualquer condicionamento social ou de diferenças que possam existir.

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2 CÁRCERE: CONTROLE E PUNIÇÃO

O primeiro capítulo deste estudo se dedicou a analisar a questão dos direitos humanos, suas características, evolução histórica e fundamentos. Neste segundo capítulo, serão analisados o sistema carcerário brasileiro, seus objetivos, prática cotidiana, e a situação em que atualmente se encontram aqueles que vivem dentro deste sistema. Neste sentido, considera-se que o Sistema Penitenciário Brasileiro amplia e reproduz as desigualdades sociais, é espaço das mais variadas violações de direitos humanos, e, como instituição política, vem ampliando seu caráter punitivo e pouco ressocializador, tratando-se de um fenômeno que não apenas cumpre um papel repressivo e punitivo, mas que é utilizado como forma de suprir e neutralizar a falência das políticas públicas não aplicadas ou efetivadas de forma concreta pelo Estado.

2.1 O crime e a privatização da liberdade: análise histórica

Inúmeras são as reflexões que são feitas sobre o Sistema Penitenciário, tema que ocupa os noticiários e o interesse das pessoas comuns, bem como o olhar do meio acadêmico, uma vez que está vinculado às preocupações com a segurança. E a primeira vista, quanto maior a escalada da violência, maior o debate sobre o papel do Sistema Penitenciário na recuperação ou na marginalização de alguns indivíduos no âmbito da sociedade.

O modelo de sistema carcerário sofreu transformações de acordo com os contextos sociais vivenciados. Passou e vem passando por contínuas mudanças e adaptações diante das necessidades da sociedade em que estava inserido, conforme as classificações de crime de cada época e de seus costumes e valores, fazendo do crime e do cárcere um processo social resultante das particularidades culturais, políticas e econômicas características de cada regionalidade de acordo com cada período de tempo inserido na história (WACHELESKI, 2015). Portanto, uma tentativa de analisar o Sistema Carcerário a partir do modo como é visto atualmente, requer antes um olhar histórico, resgatando o surgimento da instituição prisão, entre o final do século XVIII e princípio do século XIX na Europa. Como explicita Foucault (1983), foi durante a transição do século XVIII e no final do século XIX, que houve uma significativa mudança nas formas das táticas punitivas, as quais passaram de retenção e custódia à pena propriamente dita, com um caráter mais “humanizador”.

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Diferentemente das primeiras táticas que infligiam marcas no corpo dos condenados como punição, em que punir rigorosamente os criminosos em praças públicas ou nas torturas nas prisões era considerado um ritual “normal”, aceito pela sociedade, a pena de prisão utiliza o que Foucault (1983) denomina de sinais, ou melhor, conjuntos codificados de representações, cuja punição é dada por um processo de treinamento do corpo através do enclausuramento. Uma nova legislação transforma nessa época a prisão na principal maneira de punir os homens, com novos mecanismos de dominação que definem um tipo particular de poder, uma técnica disciplinar, uma “racionalidade” penitenciária que,

[...] elabora por todo o corpo social, os processos para repartir os indivíduos, fixá-los e distribuí-los espacialmente, classificá-los, tirar deles o máximo de tempo, e o máximo de forças, treinar seus corpos, codificar seu comportamento contínuo, mantê-los numa visibilidade sem lacuna, formar em torno deles um aparelho completo de observação, registro e notações, constituir sobre eles um saber que se acumula e se centraliza. (FOUCAULT, 1983, p. 207).

Foucault (1983, p. 207) aponta essa mudança no contexto das punições quando marca o momento em que a prisão se “humaniza” e define-se o,

[...] poder de punir como uma função geral da sociedade que é exercida da mesma maneira sobre todos os seus membros, e na qual cada um deles é igualmente representado [...] Uma justiça que se diz igual, um aparelho judiciário que se pretende ‘autônomo’, mas que é investido pelas assimetrias das sujeições disciplinares, tal é a conjunção do nascimento da prisão, ‘pena das sociedades civilizadas’.

Portanto, esta humanização das penas é um processo que se dá a partir de dois pontos principais: através da privatização da liberdade, pensada como castigo igualitário, e que ao mesmo tempo pudesse promover a transformação dos indivíduos. Punir e recuperar, ambiguidade que passa todo o processo, buscando punir o infrator e promover sua reeducação, e ao mesmo tempo a proteção da comunidade, ou seja, ações de natureza punitiva, pedagógica e protetora, que naturalmente são antagônicas e conflitivas entre si, como aponta Foucault (1983), justificando o fato de que ao querer ser corretiva ela perde sua força de punição e que a verdadeira técnica penitenciária é o rigor.

De fato, de acordo com Zaffaroni e Pierangeli (2002), a pena privativa de liberdade quer banir o castigo corporal, sendo utilizada como sanção penal, sob a premissa de que é possível amenizar o mau provocado e ainda prevenir outros crimes, constituindo-se a pena

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privativa de liberdade como o centro dos sistemas punitivos contemporâneos. Neste momento a prisão como instituição de pena, transpassa da dor do corpo para a dor do tempo, onde a liberdade inerente a todos os homens é tida como forma de castigo, e ainda, é possível estimar de forma quantitativa o mal causado pela quantidade de tempo que o indivíduo perde de liberdade:

Retirando o tempo do condenado, a prisão parece traduzir concretamente a ideia de que a infração lesou, mais além da vítima, a sociedade inteira. Obviamente econômico-moral de uma penalidade que contabiliza os castigos em dias, em meses, em anos e estabelece equivalências quantitativas delitos-duração. Daí a expressão tão frequente, e que contraria à teoria estrita do direito penal, de que a pessoa está na prisão para ‘pagar a sua dívida’. A prisão é ‘natural’ na nossa sociedade o uso do tempo para medir as trocas. (FOUCAULT, 1983, p. 32).

Desse modo, acorre, de acordo com Capez (2012, p. 383), que a sanção penal de caráter aflitivo, imposta pelo Estado, em execução de uma sentença ao culpado pela prática de uma infração penal, consiste na restrição ou privação de um bem jurídico, cuja finalidade é aplicar a retribuição punitiva ao delinquente, promover a sua readaptação social e prevenir novas transgressões pela intimidação dirigida a coletividade.

Esta tentativa de dar as prisões uma feição regeneradora, ou a dita readaptação ou reabilitação social foi alvo de muitas reformas e projetos e tentativas de implementação. Há 150 anos a resposta a essas tentativas de mudança se baseia nos princípios fundamentais para obtenção de condições favoráveis à pena de reclusão. Ainda hoje são esperados efeitos transformadores baseados nesses princípios, que constituem as sete máximas universais da boa ‘condição penitenciária (FOUCAULT, 1983), listadas a seguir:

1. Princípio da Correção - Transformar o comportamento dos indivíduos;

2. Princípio da Classificação - Utilizar disposições e técnicas corretivas para isolar e repartir os indivíduos de acordo com a pena e a idade;

3. Princípio da Modulação das Penas – Modificar as penas, se for o caso, de acordo com a individualidade dos presos e com os resultados obtidos;

4. Princípio do Trabalho como obrigação e como direito - transformar e ressocializar o detento tendo o trabalho penal como fator essencial;

5. Princípio da Educação Penitenciária - Proporcionar condições de aprendizagem escolar e profissional aos detentos;

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6. Princípio do Controle Técnico da Detenção – Controlar os detentos com pessoal especializado que possua capacidades morais e técnicas;

7. Princípio das Instituições Anexas - Acompanhar e assistir o egresso até a sua total readaptação.

Pode-se considerar, a partir do exposto, que a pena privativa de liberdade no âmbito teórico, tem a premissa de unir e ressocializar o apenado à sociedade. A proposição do sistema carcerário é ser utilizado como ferramenta do Estado na solução das mazelas da sociedade, é um aliado, no sentido de punir os indivíduos que cometem atitudes consideradas ilícitas e desrespeitam os bens jurídicos da sociedade, instigando ao mesmo tempo a ressocialização do indivíduo, para possibilitar a sua melhor vivência na sociedade, como indivíduos melhores depois do cárcere,

[...] servindo a pena exclusivamente a fins racionais e devendo possibilitar a vida humana em comum e sem perigos, a execução da pena apenas se justifica se prosseguir esta meta na medida do possível, isto é, tendo como conteúdo a reintegração do delinquente na comunidade. Assim, apenas se tem em conta uma execução ressocializadora. O facto da idéia de educação social através da execução da pena ser de imediato tão convincente, deve-se a que nela coincidem prévia e amplamente os direitos e deveres da colectividade e do particular, enquanto na cominação e aplicação da pena eles apenas se podem harmonizar através de um complicado sistema de recíprocas limitações. (ROXIN, 1986, p. 40).

No Brasil, o alicerce do Direito teve uma procedência medieval, devido às influências de Portugal, correspondendo a sua legalização através das ordenações Filipinas. Sendo o direito Brasileiro acondicionado por essa influência mesmo em processo de independência até 1916 com a promulgação do primeiro Código Civil Brasileiro. Os conflitos da sociedade eram em suma religiosos, assim todo e qualquer indivíduo que praticasse ações que atentassem contra as regras do Cristianismo eram punidos, pois estavam praticando crime contra os bons costumes e a moral (JARDIM, 2010).

Em 1830 foi sancionado no Brasil, após a promulgação da independência em 1822 o Código Criminal do Império, o qual possuía respaldado como concepção principal de punição a sanção penal de prisão, sendo a pena de prisão agravada conforme o delito cometido. Neste período, por sua vez, segundo Jardim (2010), a Igreja influenciava de forma contundente os ordenamentos que regulamentavam as penas, pois os crimes estavam diretamente ligados a

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atitudes que ofendiam a moral, sendo a moral, interligada com o que a Igreja acreditava ser certo ou errado.

O Código Penal da República, instituído em 1890, comina que a partir da pena de prisão, sejam banidas a pena corporal e coletiva, assim como, suprime a pena perpétua e fixas modalidades temporais para o cumprimento da pena de prisão (JARDIM, 2010). Com a constituição do Código Penal da República as modalidades para o cumprimento de pena de prisão foram indicadas, organizando assim as orientações para o cumprimento da pena de prisão, sendo banidos corporais e de caráter perpétuo, e ainda, estabelecendo os devidos lugares para o seu cumprimento. No entanto, apesar dessa realização o referido Código não teve aplicação imediata, dependendo de reformas, passando despontar o Código Penal, apenas em 1940 através do Decreto Lei 7.209, sendo este cumprimentado como uma inovação para o sistema brasileiro e ao mesmo tempo, considerado atrasado em relação a outros países, (JARDIM, 2010).

O Estado, portanto, segundo o autor, utiliza esse instrumento da punição, buscando diminuir o mal provocado pelo crime realizado pelo indivíduo à sociedade que ele está inserido, quando não se tem mais alternativas suficientes para fazer com que o indivíduo pare de delinquir, utiliza-se pena privativa de liberdade por meio do cárcere. Com a punição sobrevém a responsabilização do autor pelo fato criminoso e ainda, utilizando a ferramenta do cárcere para a busca de uma solução para que o indivíduo infrator não volte a delinquir, se tornando uma pessoa melhor, diante dos parâmetros impostos pela sociedade. Este seria o modelo ideal de um sistema punitivo baseado na pena de privação de liberdade, lembrando que, frente a sua função de punir, responsabilizar e readequar o indivíduo na sociedade, o Estado precisa, inicialmente, garantir condições mínimas de dignidade humana dentro do cárcere para que isto possa realmente se efetivar.

2.2 A situação atual do cárcere no Brasil

Apesar da existência de um modelo ideal, como aponta Foucault (1983), a extinção teórica dos castigos corporais entre os fins do século XVIII e início do século XIX, continua sendo uma utopia, principalmente no Sistema Penitenciário Brasileiro, que, em decorrência de inúmeros problemas, como superpopulação carcerária, escassez de recursos, das péssimas condições em que se encontram as cadeias, do descaso do Estado em implementar políticas

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públicas capazes de proporcionar melhores condições de vida para os detentos, da falta de pessoal especializado, privilegia questões ligadas à segurança e disciplina, muitas vezes infligindo inclusive, castigos sobre o corpo dos presos.

Deste modo, atualmente princípios de uma boa “condição penitenciária (FOUCAULT, 1983), como a regeneração através do trabalho penal ou educação como instrumento de ressocialização, não são tidos como objetivos do nosso Sistema Penitenciário, sendo que o que interessa às autoridades é muito mais questões da segurança máxima do que de ressocialização e cuidados com os apenados. Isto porque, o cenário atual, em que se verificam índices de aumento da criminalidade violenta, do crime organizado, de ações de terrorismo no mundo, provocou internacionalmente um movimento na defesa do endurecimento das penas. A sociedade assustada com o crescimento da violência, e mais ainda pela dimensão dada pela mídia à este fenômeno, espera que a prisão se constitua em um espaço de punição e expiação para o criminoso, e a manutenção deste sentimento de expiação, comum nas sociedades antigas e atuais se agrava pelo sentimento de insegurança coletiva.

Nesse contexto autoritário, políticas de segurança de caráter repressivo tem maior aceitação. Assim, pensar a prisão como espaço político da recuperação e da retomada da vida comum para um criminoso chega a ofender o cidadão comum, que espera mais que uma pena, mas aguarda vingança e retribuição (WACQUAN|T, 2001). Colocando sob o criminoso a responsabilidade pela desagregação social e a instabilidade da vida em sociedade, o encarceramento se transforma na forma fundamental de controle da criminalidade. Deste modo, considera-se, com base na análise de Wacquant (2001), que a expansão do sistema carcerário ou, em suas palavras, a emergência do Estado penal, ocorre paralelamente à redução do Estado social.

De acordo com o autor, com a falência do Estado e suas políticas públicas mal aplicadas ou ainda não existentes, o Estado enfatiza o cárcere como a resposta ao controle social da criminalidade, como remédio para as mazelas da sociedade, punindo e criando estereótipos do crime, nomeando-os como responsáveis pela crise da criminalidade. E com isso, o Estado se desresponsabiliza pelas suas falências e responsabiliza os pobres e marginalizados pelas moléstias do crime, da mesma maneira que ilude a sociedade e concerne ao cárcere a ilusão de recuperar os indivíduos que o próprio Estado e sociedade marginalizou e encarcerou. Os estereótipos marginalizados, excluídos e esquecidos pelo Estado, os quais

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não apresentam benefícios ao capitalismo, são obrigados a sobreviver a sua maneira, sendo os principais alvos da criminalização.

A massa carcerária é resultado das parcelas marginalizadas da sociedade e excluídas pela economia, sendo o cárcere uma ferramenta ideal de ilusão ao controle social, pois separa os indesejados indivíduos das outras classes sociais, fazendo da prisão uma forma de controle de sujeitos indesejados no meio da população.

O encarceramento [...] é capaz de desempenhar um papel essencial no funcionamento das sociedades pós-modernas, neoliberais: a de instrumento ‘civilizado’ e ‘constitucional’ de segregação das populações problemáticas criadas pela economia e pelos arranjos sociais atuais. [...] A prisão reinventada da atualidade é uma solução pronta e acabada para um novo problema de exclusão social e econômica. (GARLAND, 2008, p. 422).

A falência de controle e principalmente prevenção do crime pelo Estado, faz-se resultante do Estado penal, onde de forma infeliz não se alcança os objetivos de controle social e como resposta, encarcera os indivíduos como forma de poder e controle, violentando das mais diversas maneiras os Direitos Humanos. O lugar para que os marginalizados são enviados, o nomeado cárcere, é um ambiente desprivilegiado de condições humanas e pelo contrário “turbulenta e inquietante da qual emanam riscos e ameaças constantes aos Direitos Humanos” (WACHELESKI, 2015).

Em função disso, conforme, Garland (2008), o sistema penitenciário brasileiro vive uma crise que reflete a incapacidade dos governos em assumir o compromisso de gerenciar as unidades prisionais como ambientes de reeducação e recuperação social, onde se permite e se convivem com o autoritarismo, a tortura e o desrespeito aos direitos humanos. Disso, Santos (2003), destaca que entre os discursos cotidianos de violência e criminalidade no nosso país, abordados nas manchetes dos jornais, não é ressaltado “o outro lado da violência”, a qual é cometida pelo Estado e pela sociedade, quando estes também desrespeitam constantemente os direitos daqueles que se encontram privados de liberdade e assim todos são cooptados pelo clamor público de vingança: prisão ou morte.

Foucault (1983) destaca que este tratamento destinado aos reclusos cria uma rede de violações e de situações de conflito que ampliam a situação de marginalidade do prisioneiro, desumanizando-o, tornando-o marcado pelo passado de crimes, e a prisão passa a ser vista,

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como um lugar de criminosos, de pessoas inferiorizadas, sendo o prisioneiro o exemplo no qual o cidadão comum não deve se inspirar. Deste modo, sendo um local típico de ‘bandidos’,

o debate em torno das mudanças ou rupturas políticas com o seu modelo de gestão não seja atrativo à opinião pública, nem à sociedade civil organizada. No entanto, se a criminalidade é uma questão de segurança pública, a administração dos presídios e o tratamento destinado aos presos também é questão de segurança, e de interesse público. Por isso, é necessário termos a compreensão de que o problema de gestão de uma unidade prisional é um problema político (WACQUANT, 2001), e a crise do Sistema Penitenciário do Brasil reflete a incapacidade dos governos em assumir o gerenciamento das unidades prisionais, constituindo-se estes, em espaços da desumanização dos indivíduos forçados a conviver com as condições insalubres: espaço físico limitado, ausência de higiene, inúmeras doenças, e a precariedade de acesso à Justiça e aos direitos fundamentais, previstos nos tratados internacionais, na Constituição Brasileira de 1988 e na Lei de Execução Penal.

Em relação ao Sistema Penitenciário no Brasil, o desrespeito à cidadania dos presos se relaciona com muitos aspectos que envolvem o cotidiano do cárcere, como a permanência da tortura em muitas unidades prisionais, superpopulação carcerária, autoritarismo, ausência de projetos educativos e esportivos, e o desrespeito aos direito humanos, à Constituição de 1988 e à “Lei de Execução Penal”. Deste modo, os encarcerados no Brasil estão distribuídos em 512 prisões, mais milhares deles estão em delegacias de Polícia. A violação dos direitos humanos dos presos é uma constante e vincula-se a um conjunto de causas, sendo um das mais importantes a ideia de que o abuso sobre as vítimas, presos e, por isso, criminosos, não merece a atenção “pública” (ROLIM, 2015).

Em nosso país, o número de apenados no sistema carcerário cresce de forma desenfreada, no ano de 2013 este número cresceu em 403,5% desde janeiro de 1992. Ainda, enquanto no Brasil o número de presos para cada 100 mil habitantes é de 300, sendo que a média mundial para cada 100 mil habitantes é de 144 presos. Esses dados coletados em 2013 classificam o Brasil em quarto lugar no ranking dos países que mais encarceram, ficando para trás apenas de Estados Unidos, Canadá e Rússia (BRANDÃO, 2015).

O encarceramento em massa acaba ocasionando total desordem no sistema carcerário, assim como a organização e o erário público são insuficientes para aplicar políticas públicas de prevenção aos problemas sociais, estes por vez também se tornam insuficientes para

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fornecer as instituições prisionais o mínimo de estrutura física, em termos quantitativos, tão pouco apresentará erário que forneça condições mínimas de dignidade humana. O cárcere é a exteriorização de todas as formas de violência, conforme expõe Guidani (2002, p. 122-123), em entrevista coletada no Presídio Central de Porto Alegre:

[...] ali dentro não há separação individual dos presos, as regras que governam essa convivência são regras violentas. Impostas pelo predomínio do mais forte, na base da ameaça, etc. Então a relação interna entre os próprios presos é também uma relação muito atravessada pela violência. A prisão em si mesma é a instituição estruturalmente comprometida com a violência. O presídio Central de Porto Alegre, a realidade do Central ela consegue combinar uma série de perversões do próprio sistema. Então nós temos de um lado superlotação dentro do presídio, as pessoas empilhadas, sem terem condição de serem tratadas individualmente como seres humanos [...]. No Brasil a rigor não há pena individualizada, como manda a Lei. Os presos são tratados como se fosse uma massa uniforme. Então no Central isso é muito evidente, isso implica a mistura de presos com pertencias totalmente distintos entre si, contradições diferenciadas, com riscos diferenciados que acabam [...] convivendo no mesmo espaço; isso é horrível pra realidade de recuperação prisional. Um presídio onde via de regra os presos não trabalham quando trabalham em tarefas de manutenção, o que significa que não se profissionalizam. Onde os presos não estudam via de regra [...], não há oportunidade de estudo, então as pessoas são presas pelo Estado, passam anos dentro de uma cadeia e saem de lá piores do que quando entraram, sem terem aprendido nada, a não ser o que há de pior na relação com os demais, submetidos a toda a sorte de ameaças, de violência, de riscos a sua integridade física e a sua própria saúde. A situação de convivência nessa massa carcerária onde os presos com tuberculose estão em convívio com os demais, onde presos soro positivos convivem com os demais, quer dizer, a um risco permanente de contaminação; grande parte dos presos do Rio Grande do Sul e do Central especialmente são portadores da maior parte de doenças de pele e bronco-pulmonares que se imagina. Então, toda situação, [...] interna do Central é uma situação muito comprometida, enfim.

Ainda, vale aqui ressaltar o relatado em outra entrevista de Guidani (2002, p. 302):

Não estou de acordo com a metodologia dos exames para progressão de regime, pois os mesmos são tendenciosos e não estão de acordo com a LEP. Não há acompanhamento psicológico e social. Tu só vê a cara da psicóloga no dia do exame que é no máximo de 20 minutos. Tudo não passa de uma farsa para garantir e inchar esse cabide de emprego que é a SUSEPE.

As instituições carcerárias no Brasil diante do abarrotamento das suas estruturas através de um problema histórico de má administração social, segundo Guidani (2002), acabaram se tornando ambientes que transbordam insalubridade, falta de assistência médica, social, psicológica, verdadeiros cemitérios de pessoas que não vivem e sim sobrevivem, e devem se adequar a sociedade prisional que se cria no cárcere, que além de lhe privar da saúde, educação, alimentação, lazer, convivência familiar, e lhes privar da liberdade lhes

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submete a condições miseráveis de acesso aos seus Direitos enquanto pessoa humana, em condições de submissão a guerra do cárcere.

Na mídia ressaltam-se as rebeliões e fugas com alto teor de sensacionalismo, mas concede-se pouca relevância ao permanente índice de reincidência, fator incontestável do fracasso das instituições prisionais em devolver à sociedade um indivíduo capaz de reintegrar-se.

De fato, como pode pretender a prisão ressocializar o criminoso quando ela o isola do convívio com a sociedade e o incapacita, por esta forma, para as práticas da sociabilidade? Como pode pretender reintegrá-lo ao convívio social quando é a própria prisão que o impele para a “sociedade dos cativos” onde a prática do crime valoriza o indivíduo e o torna respeitável para a massa carcerária? [...]. Como conciliar as exigências da disciplina e da segurança com o mandato dos direitos dos presos? (COELHO, 1987, p. 13).

Insere-se nesse contexto não só a violência que vem dos conflitos entre presos ou entre guardas e presos, mas a permanente condição de violência potencial a que é submetida a população carcerária. As penas são cumpridas, na maioria das vezes, em regime de ociosidade, pela escassez de oportunidades de trabalho e atividades educativas oferecidas. Nas condições em que vivem e o tratamento que recebem, os presos exacerbam a tensão constante existente no dia-a-dia das unidades prisionais. Deste modo, as rebeliões e fugas de presos a que assistimos diariamente são uma resposta e ao mesmo tempo um alerta às autoridades para as condições desumanas a que são submetidos, apesar da legislação protetiva existente. E além da violação de direitos dentro do cárcere, chama a atenção para a ineficácia do sistema de ressocialização do egresso prisional já que, em média, 90% dos ex detentos voltam a de-linqüir e acabam retornando à prisão (ASSIS, 2007).

Deste modo, no Brasil, o problema relativo às violações dos direitos dos presidiários está plenamente vinculado à fragilidade do nosso Estado de Direito, o que permite a prática da violência contra os direitos humanos ocorra com tanta frequência e naturalidade, contrariando as garantias legais previstas durante a execução da pena, assim como os direitos humanos do preso, que estão previstos em diversos estatutos legais. No plano internacional, existem várias convenções, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem e a Resolução da ONU que prevê as Regras Mínimas para o Tratamento do Preso.

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No Brasil, a Constituição, em 32 incisos do art. 5º, se refere às garantias fundamentais do cidadão, e dentre elas, a proteção das garantias do homem preso. Existem ainda em legislação específica – a Lei de Execução Penal – os incisos de I a XV do art. 41, que dispõem sobre os direitos infraconstitucionais garantidos ao sentenciado no decorrer da execução penal. Neste sentido, no campo legislativo, nosso estatuto de execução penal é considerado um dos mais avançados e democráticos existentes, uma vez que considera que a execução da pena privativa de liberdade deve ter por base o princípio da humanidade, e qualquer modalidade de punição desnecessária, cruel ou degradante será de natureza desumana e contrária ao princípio da legalidade. No entanto, a prática cotidiana informa a constante violação de direitos e a total inobservância das garantias legais e nos princípios de Direitos Humanos previstos na execução das penas privativas de liberdade. A partir do momento em que o preso passa à tutela do Estado, ele não perde apenas o seu direito de liberdade, mas também todos os outros direitos fundamentais que não foram atingidos pela sentença, passando a ter um tratamento execrável e a sofrer os mais variados tipos de castigos, que acarretam a degradação de sua personalidade e a perda de sua dignidade, num processo que não oferece quaisquer condições de preparar o seu retorno útil à sociedade.

Destarte, o Espaço do cárcere diante de duas condições acaba criando um círculo vicioso onde entram apenados, saem e acabam voltando, e ainda conseguindo influenciar as pessoas que estão fora dele às mazelas sociais através dos mecanismos punitivos que não resolvem o problema, muito menos previnem e apenas conseguem reproduzir vulnerabilidade social e violação aos Direitos Humanos (JARDIM, 2010).

Deste modo, quando se defende que os presos usufruam as garantias previstas em lei e sejam considerados sujeitos de direitos, ou seja, pessoas a quem os Direitos Humanos universais devem proteger, durante o cumprimento de sua pena privativa de liberdade, a intenção não é tornar a prisão um ambiente agradável e cômodo ao seu convívio, tirando dessa forma até mesmo o caráter retributivo da pena de prisão, mas sim, respeitar as premissas mais elementares da dignidade humana. No entanto, enquanto o Estado e a própria sociedade continuarem negligenciando a situação do preso e tratando as prisões como um depósito de lixo humano e de seres inservíveis para o convívio em sociedade, não apenas a situação carcerária, mas o problema da segurança pública e da criminalidade como um todo tende apenas a agravar-se (ASSIS, 2007).

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