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A constante convivência com e tensão provocada pelo ambiente de confinamento e violações de todos os tipos de dignidade humana e a decepção enquanto cumprir a sua função profissional e realização pessoal provoca transtornos que se estendem a todos que cercam os Agentes Penitenciários, com relação a seus colegas de trabalho, aos próprios apenados, e as pessoas que fazem parte do círculo social e familiar do agente. O cárcere degrada todos os seres humanos que com ele tem contato, sendo praticamente impossível passar por uma prisão e sair sem marcas e feridas, e este processo atinge a todos, os que para lá são mandados para cumprir pena, com funcionários e visitantes,

Neste sentido, Coelho (1987) partiu da ideia de que as prisões trazem em si um paradoxo, qual seja, o de ressocializar o preso, recuperá-lo “para a vida na sociedade livre”. Em outras palavras, o indivíduo precisaria aprender a ser preso e, simultaneamente, ressocializar-se, isto é, aprender a ser livre internalizando a identidade de cativo. Durante esse período de recuperação, ele esbarraria no fato de que, para garantir sua sobrevivência em meio a um mundo de violência endêmica e estrutural, ele se torna “cativo da ‘sociedade dos cativos’” (COELHO, 1987, p. 63). Os agentes penitenciários, na visão do autor, ingressariam também nesta “sociedade”, ou, no mínimo, na fronteira entre a sociedade livre e a dos cativos.

Eles precisam aprender o quanto antes, assim como os detentos, os códigos dessa sociedade, conhecer seu papel e saber como se impor nesse meio violento. Conforme Coelho (1987, p. 75-76), trata-se de “um saber que é essencialmente prático [...]: não está codificado, é intransmissível por métodos formais e de difícil reprodução a curto prazo [...] e que só pode ser adquirido através do contato prolongado com a massa carcerária.”

Os agentes penitenciários, que são os representantes mais próximos e visíveis de tudo o que “oprime o preso”, acabam por se constituir no “alvo imediato de sua hostilidade, e a interação entre ambos será frequentemente áspera” (COELHO, 1987, p. 84). Nesse processo chama a atenção o fato de que o agente penitenciário se digladia o tempo inteiro com a identificação e a proximidade com o preso, que, para eles, aumentam os riscos de sua “contaminação” moral pela massa carcerária (MORAES, 2013, p.141).

Tudo indica, como postulou Coelho (1987, p. 88), que “guardas e internos encontram- -se aprisionados por concepções mútuas irreconciliáveis”, não havendo “como fugir à constatação de que a posição dos primeiros é mais vulnerável que a dos segundos”. Essa situação é básica para entender o posicionamento dos guardas diante dos presos e da instituição, bem como o processo de construção de sua identidade profissional e social, uma vez que os reflexos do que acontece dentro da prisão resvalam em suas vidas fora dela.

Neste sentido, a dinâmica que se estabelece no contato diário entre guardas e presos nos fornece uma aproximação do que realmente vem a ser o trabalho do Agente Penitenciário. “Segurar” uma cadeia exige do corpo de funcionários encarregados da segurança e disciplina não só a plena obediência às exigências das determinações impostas, mas também esperteza, astúcia, habilidade para estabelecer alianças e “jogo de cintura”. “A realidade é desconcertante numa prisão, o que parece certo muitas vezes está errado, e aparentes absurdos encontram lógica em função das circunstâncias.” (VARELLA, 1999, p. 106).

Segundo Foucault (1983, p. 143), há lá dentro uma “fabricação” de indivíduos: “A disciplina fabrica indivíduos; ela é a técnica específica de um poder que toma os indivíduos ao mesmo tempo como objetos e como instrumentos de seu exercício”. Para a sociedade, esse grupo de pessoas, é visto na maioria das vezes, ainda como “marginal”. Exercer esse trabalho na prisão é retratado por grande parte da sociedade de forma depreciativa e isso impacta infelizmente sua vida e nas suas interações sociais que ele tinha ou que ele possa vir a ter. No entanto, a prisão é um ambiente de trabalho, assim como qualquer outro local, mas com algumas diferenças peculiares, ou seja, eles vivem rondados por violência, corrupção, criminalidade e sempre por desconfiança. É justamente pela vivência em um ambiente tão hostil que a sociedade os vê como um sujeito em potencial para a corrupção já que estão ligados com a delinquência e marginalidade todos os dias. De acordo com Coelho (1987, p. 85), “[...] efetivamente o guarda (agente) representa e simboliza tudo o que oprime o preso, ou tudo o que o preso experimenta, como negligência, frustração, carência e opressão”.

Neste sentido, o que se pode perceber é que a situação atual do sistema carcerário acaba por violar os Direitos Humanos mais básicos e elementares de todos os que estão confinados lá dentro, independentemente se são presidiários ou trabalhadores. Como afirma o senso comum, o que diferencia o preso do guarda é apenas o colete, e neste caso, isto é real, de modo que, ambos são vítimas de violações de direitos e dignidade. Por isso, ao contrário

da segregação e do confronto que costumeiramente se coloca entre aprisionados e agente, que pensam se encontrar em campos opostos, do ponto de vista dos Direitos Humanos, a luta deve ser comum ou seja, garantir direitos humanos e melhores condições de encarceramento, e o mínimo de dignidade para os que lá estão, será também garantir maior dignidade de vida e condições de trabalho para os próprios Agentes Penitenciários, e enfim, para toda a sociedade.

CONCLUSÃO

O presente trabalho analisou o sistema carcerário frente a perplexidade Universal dos Direitos Humanos, sobretudo, relacionando as vulnerabilidades envolvidas quando ocorre a falência da aplicação das garantias consideradas fundamentais para todo e qualquer indivíduo. A ideia dos Direitos Humanos é relacionada a uma noção de universalidade, que por conseguinte deve ser imputada a todos os cidadãos. Devendo todos os cidadãos ter valoração igual perante a lei, tendo assim os mesmos direitos, de acordo com as suas vulnerabilidades.

É possível observar que os Direitos Humanos são frutos de uma extensa caminhada, e se solidificaram assumindo importância de esfera global, ainda que nem todas as civilizações observem sua grande importância, podemos ressaltar que as sociedades mais desenvolvidas e modernas são aquelas adaptadas e estudiosas dos direitos humanos tendo como prioridade a definição ou melhor ainda, a aplicação efetiva dos direitos humanos na sociedade como algo de grande relevância para cada indivíduo como cidadão, sem fazer disparidade a classe social econômica ou casta e assim efetuando a concretização de cidadania e consequentemente de um estado democrático de direito.

Observa-se que os Direitos Humanos principalmente na esfera do cárcere devem ser trabalhados sem falências, pois a vulnerabilidade de uma classe envolvida no sistema carcerário, afeta a esfera do outro como um círculo vicioso gerador de iniquidades. Apesar da forte distinção entre funcionários e apenados, ambos têm o direito e o dever de receber e emitir o que se enquadra na esfera de Direitos Humanos. Assim este deve andar lado a lado com o processo penal, no sentindo de extinguir e pacificar esta diferença, fazendo dos Direitos Humanos um itinerário único, indivisível e universal. Dessa forma, é evidente que o sistema carcerário não deve ser utilizado como forma de remédio para as políticas públicas ineficientes, mas sim ter a consciência de que antes do encarceramento deve-se haver uma

razão com fundamento convincente para a restrição da liberdade, de tal modo, os direitos humanos não decorrem apenas do positivismo, possuindo em sua essência o poder de garantir direitos e exigir deveres muito além da legislação de cada nação e sim, os direitos humanos conseguem envolver de forma global a proteção aos indivíduos.

Destarte os Direitos Humanos são conexos com todos os seres humanos, sendo hoje após lutas históricas garantia perpétua, assim nenhum indivíduo pode deixar de usufruir ou privar alguém de uma vida com segurança, saúde, liberdade, enfim, todo e qualquer ser humano deve desfrutar de uma vida digna.

A função social do Agente Penitenciário apenas conseguirá ser cumprida, quando este não carecer dos seus direitos enquanto pessoa humana, eis que as tensões sofridas diante das falências do Estado perante o cárcere provocam um círculo cujas mazelas acabam afetando até mesmo aqueles que estariam lá para zelar pela integridade dos apenados, questão que conforme demonstrado neste trabalho, se torna ineficaz, diante das condições de trabalho a que estes se submetem, por estado de vulnerabilidade.

No sistema carcerário é necessário conscientizar a todos os envolvidos de que os Direitos Humanos devem permanecer unidos, pois apesar de todas as evoluções e mudanças teóricas referentes aos fundamentos, uma certeza é necessária, os Direitos Humanos são unos e devem atender as necessidades tidas como fundamentais precisas para uma vida com dignidade, sem distinção entre apenados e funcionários da segurança pública. Deve-se ter claro e perceber que, a violação dos direitos ou a falta de dignidade para um, estará sendo diretamente transferida a todos que o rodeiam dentro e fora do cárcere, de modo que a violação dos direitos dos apenados refletem diretamente na piora das condições de trabalho e de vida dos Agentes, que por sua vez, refletem na sua convivência social e familiar, e em toda a sociedade. Portanto, a luta pela efetivação dos Direitos é uma luta de todos. Agentes Penitenciários e Presos são ambos vítimas de violações e devem estar unidos na luta pela defesa dos direitos humanos, que são atributos de toda a humanidade.

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