• Nenhum resultado encontrado

Sofrimento psíquico e depressão na infância: o acolhimento da criança como sujeito a ser escutado

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Sofrimento psíquico e depressão na infância: o acolhimento da criança como sujeito a ser escutado"

Copied!
41
0
0

Texto

(1)

DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUÍ

BIANCA GABRIELA SCHMIDTT

SOFRIMENTO PSÍQUICO E DEPRESSÃO NA INFÂNCIA: O ACOLHIMENTO DA CRIANÇA COMO SUJEITO A SER ESCUTADO

IJUÍ – RS 2019

(2)

BIANCA GABRIELA SCHMIDTT

SOFRIMENTO PSÍQUICO E DEPRESSÃO NA INFÂNCIA: O ACOLHIMENTO DA CRIANÇA COMO SUJEITO A SER ESCUTADO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentada ao Curso de Psicologia da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, como requisito parcial para à obtenção do título de Bacharel em Psicologia.

Orientadora: Kenia Spolti Freire

IJUÍ - RS 2019

(3)

AGRADECIMENTOS

Quero agradecer a Deus, essencial em minha vida, meu criador, meu guia, seu fôlego de vida em mim me foi sustento, me deu coragem para questionar realidades e propor novas possibilidades.

À professora Kenia Spolti Freire pela paciência, orientação e incentivo fazendo com que minha monografia tornasse possível. Obrigada pela paz e tranquilidade que me transmitia a cada orientação, esse carinho é de valor imensurável.

À professora e coordenadora Elisiane Schonardie Constantin, pelo convívio, atenção e dedicação durante esses anos de vida acadêmica. É um prazer tê-la na minha banca examinadora.

A todos os professores que me acompanharam durante minha graduação, em especial ao Professor e orientador Gustavo Hector Brun, minha formação não teria sido a mesma sem a sua pessoa.

Aos meus familiares e as pessoas que estiveram ao meu lado durante essa caminhada acadêmica, que de alguma forma ou outra me estenderam a mão. Ao meu amado Gustavo Pereira de Souza, com quem compartilho minha vida com todo meu coração, obrigado pela compreensão dos dias difíceis que passei, por ser minha força.

Aos meus colegas que se tornaram amigos, quantas alegrias e dores compartilhadas.

Muito Obrigada!

(4)

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho as minhas filhas, Rafaela e Raquel. Eu as amo com todas as minhas forças e todo meu coração!

(5)

“E estando, me faltas” Neide Archanjo

(6)

RESUMO

Este trabalho tem como objetivo investigar questões que contribuem para o entendimento da depressão como um possível sintoma de sofrimento psíquico na infância: O que se fala hoje sobre a depressão na infância? Como se apresenta na infância os obstáculos que desencadeiam esse sofrimento psíquico? Como se esboçam as dificuldades quanto ao estabelecimento de diagnóstico e tratamento? A condição depressiva na infância se estrutura e se dá a ver a partir da presença de diversos sintomas que, muitas vezes, podem mascarar a este estado psíquico. O investimento em investigações cientificas e clínicas, em intervenções com a criança, em trabalho com as famílias e com as instituições que são significativas à infância, assim como a elaboração de Políticas Públicas à Saúde Mental Infanto-Juvenil, apresentam-se como construções importantes para abordar esta problemática.

Palavras-Chave: Infância. Subjetividade. Depressão. Clínica. Políticas

(7)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 7 1 SINTOMA CLÍNICO NA CRIANÇA ... 9 1.1 O surgimento do reconhecimento da depressão enquanto sintoma de sofrimento psíquico da criança ... 12 2 A DEPRESSÃO COMO EXPRESSÃO DE SOFRIMENTO PSÍQUICO NA INFÂNCIA... 16 3 A ABORDAGEM DO SOFRIMENTO PSÍQUICO DA CRIANÇA E AS REFERÊNCIAS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE MENTAL INFANTO-JUVENIL NO BRASIL: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ... 27 CONSIDERAÇÔES FINAIS ... 36 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 38

(8)

INTRODUÇÃO

O presente Trabalho de Conclusão de Curso apresenta uma leitura diante da formação e da abordagem do sofrimento psíquico na infância, destacando, especialmente, as situações nas quais se esboçam situações de traço depressivo.

Para Miller et al., (2003, apud Calderaro & Carvalho, 2005), a depressão na infância tem sido alvo de investigações, pelo fato desta patologia trazer comprometimentos significativos nas funções emocionais, sociais e cognitivas; vindo, assim, a interferir no desenvolvimento infantil. Acrescentam que essa patologia não afeta somente a criança, mas também se constitui e é compartilhada através do laço que esta mantém com a família.

Quando estamos no convívio diário com crianças, é de fato perceptível que as crianças também têm seus medos, seus espantos, diante, das dificuldades que lhes ocorrem. A depressão coloca a criança, com frequência, em situações que lhe oferecem perigo. Ela está imersa em conflitos inconscientes que predominam e que desencadeiam uma serie de impasses à sua vida, ao seu desenvolvimento.

O sofrimento psíquico de traço depressivo porta, em si, a condição de sintoma clínico. Na infância, este sintoma clínico se associa ao engendramento de uma série de manifestações, as quais afetam diferentes aspectos do desenvolvimento, quer seja nos aspectos que acompanham a formações e manutenção de vínculos, a aprendizagem, a linguagem, o corpo, entre outros que adiante serão apresentados.

Para percorrer os estudos sobre esta temática, neste momento utilizou-se de pesquisa bibliográfica, de cunho qualitativo e exploratório. O material pesquisado constou como livros, periódicos, artigos acadêmicos, entre outras publicações cientificas e acadêmicas disponibilizadas. Sobre a estrutura deste Trabalho de Conclusão de Curso, está organizado em três capítulos, nos quais a construção textual busca abordar, essencialmente: a formação do sintoma e do sofrimento psíquico na infância; as características do sintoma clínico de traço depressivo na infância - assim como pensar a fragilidade encontrada para reconhecer este impasse e construir o diagnóstico desta formação sintomática;

(9)

e, por último - e não menos importante -, o reconhecimento das referências para o acolhimento e tratamento da criança em sofrimento psíquico, preconizadas pelas Políticas Públicas em Saúde Mental Infanto-Juvenil, no Brasil.

Diante destes aspectos abordados, segue o presente Trabalho de Conclusão de Curso, intitulado “Sofrimento psíquico e depressão na infância: o acolhimento da criança como sujeito a ser escutado”.

(10)

1 SINTOMA CLÍNICO NA CRIANÇA

Pensar o sofrimento psíquico na infância remete ao deparar-se com vários questionamentos sobre este tempo de vida pautado por diferentes e complexos processos acerca do desenvolvimento. O pequeno bebê que chega à vida precisa percorrer a construção de vínculos lhe sustentem a possibilidade de subjetivar-se e, por esta via, constituir sua humanização.

Segundo Bernardino (2008), o bebê da espécie humana nasce dotado de um organismo que lhe permite construir vínculos e „sofrer‟ os efeitos de transformação que os mesmos operam, ou seja, o seu nascimento o expõe ao encontro com um mundo simbólico.

É certo que quando nascemos, nascemos dotados de toda uma aparelhagem, temos um organismo. Mas nós humanos, há muito tempo, por toda a história de evolução do mundo e da espécie, não somos mais apenas um organismo, nós não somos mais animais propriamente. Porque o mundo que nós habitamos não é mais o mundo da natureza simplesmente. Nós habitamos um mundo transformado pela cultura e a cultura é constituída basicamente de palavras. Vivemos num mundo no qual tudo o que nos cerca, tudo o que foi construído pelo homem, se situa no registro simbólico, tem um determinado valor, uma determinada significação e uma determinada história. (BERNARDINO, 2008, p. 58).

Segundo Flesler (2012), referenciado numa história que o antecede, o bebê atravessa a experiência singular de encontro com os significantes que legitimam o seu pertencimento à rede familiar. Este movimento [que possui característica identificatória] produz inscrições inerentes ao encontro com a linguagem e com o desejo não anônimo dos pais acerca da sua existência, com efeito de subjetivação.

Para colocar-se na história, uma criança precisa reconhecer os marcos que orientam a geografia familiar, as fronteiras que delimitam a exogamia. Não é sem importância se uma criança recebe respostas claras a respeito de sua história ou passa por ocultamentos, mentiras ou silêncios. Desdobrado até seu limite ou subtraído em sua extensão, o saber ou o não saber opera nas relações presentes e futuras do sujeito. (FLESLER, 2012, p. 77).

(11)

O tecido é tão delicado... implica tempos e contratempos e também entretempos... Os tempos da infância não transcorrem mansamente e alguns fins só serão alcançados se determinados princípios forem mantidos... Os meandros do percurso se diagramam num labirinto que também inclui becos sem saída. Os trechos que o indivíduo terá que percorrer podem ser feitos com pés de chumbo, com asas nos pés, passo a passo ou afundando em areias movediças, até se afogar no travo amargo de alguma tragédia. (FLESLER, 2012, p. 48 – 49).

Neste processo de estruturação da subjetividade podem se apresentar obstáculos que desencadeiam sofrimento psíquico, de tal maneira que algumas desordens podem inclinar, inclusive, a balança para a morte, mais do que para a vida. Volnovich (1991), ao abordar a temática sobre a psicanálise de crianças, retoma a obra de Francoise Dolto e aponta que de acordo com esta psicanalista o sofrimento psíquico – ou o sintoma – na infância se articula como uma metáfora resultante da relação intersubjetiva da entre ela – a criança – e os pais. Em consonância com esta leitura, Jerusalinsky (2002) articula que o sofrimento psíquico se articula como um sintoma, ou seja, como formações psíquicas e com determinismos inconscientes. Indica que “só é possível ler o sentido de um sintoma se o tomarmos em conexão com a vida psíquica daquele que o produz...” (p.182).

A temática do sofrimento psíquico como um sintoma traz à discussão uma leitura acerca do termo sintoma e a sua conceituação para a psicanálise. Nesta linha de orientação para pensar a condição psíquica, os psicanalistas pós-freudianos, ao se dedicarem à escuta de crianças e alicerçar a clínica para o acolhimento a este tempo de vida, trazem o conceito de sintoma para o núcleo de seus estudos e trabalhos. Talvez a primeira proposição a ser destacada é de que a infância também é sintoma e sintomática. Enquanto tempo de vida reconhecido com suas especificidades, aporta elaborações referentes à amarragem discursiva de uma cultura, ou seja, a possibilidade de existência do sentimento de infância é produto [e sintoma] das articulações subjetivas e sociais que organizam a vida da civilização em diferentes épocas da história da humanidade. Assim, enquanto conceito, o termo “sintoma”, para a psicanálise, não se refere somente ao resultado de um conflito de caráter patológico.

Desde o recorte proposto pela psicanálise para pensar o sintoma na infância, abrem-se alguns apontamentos. Encontra-se, na criança, uma série

(12)

de conflitos que são constitutivos da sua subjetividade e do seu desenvolvimento (em relação aos aspectos estruturais e instrumentais, em elaboração). Jerusalinsky (2002), assinala que “a inscrição da estrutura psíquica na criança não opera de uma só vez, e encontramos ao longo da infância (...) sintomas que são efeito das sucessivas inscrições e que poderão ir encontrando resolução à medida em que a criança se constitui.” (p. 184). Assim, por exemplo, as crises identificatórias referentes à constituição de uma posição psíquica, o brincar, a aprendizagem, a socialização, as fobias transitórias, as mentiras como recurso para separar-se do saber do Outro; podem ser considerados como sintomas inerentes, constituídos e constitutivos deste tempo de vida.

Jerusalinsky (1997) resgata, diante deste contexto, a conceitualização da psicanálise lacaniana para pensar o sintoma na infância. Apresenta a leitura sobre a discriminação conceitual e clínica em torno do sintoma de estrutura – sinthome – e do sintoma clínico - symptôme. Segundo este autor, o sinthome

É uma forma estrutural de resolução da distância que separa a criança, enquanto sujeito, de seu objeto ideal... registramos nisso três variantes funcionais: a criança simboliza (...), a criança fica capturada no imaginário (...), a criança fica no real (...). Três posições do sintoma de estrutura (...) que anunciam respectivamente a neurose, a psicose e o autismo. (JERUSALINSKY, 1997, p. 8).

Já os sintomas clínicos, “manifestam a contingência de uma resolução que, embora a sua possibilidade de cronificar-se, não deixamos de ver nela seu caráter provisório” (JERUSALINSKY, 1997, p. 8). Pensar a possibilidade desta distinção, assim como o conceito de sintoma não somente a partir de uma condição patológica, permite olhar e reconhecer a criança como um sujeito em constituição que vai atravessar momentos nos quais irrompem mal-estares inerentes à sua condição humana, à sua humanização e às crises identificatórias que integram este advir psíquico. No entanto, também há que se reconhecer que neste processo que é próprio da vida humana, de encontro com a linguagem e estabelecimento de relações intersubjetivas, alguns aspectos podem se apresentar, produzindo, para além dos mal-estares inerentes ao desenvolvimento, situações de maior dificuldade de elaboração, desencadeando sintomas clínicos articulados por significativo sofrimento psíquico.

(13)

O problema que se apresenta quando os sintomas, em lugar de se articularem como respostas inconscientes que permitem a constituição psíquica da criança, se cronificam como obstáculos, e a criança fica imobilizada com um desejo de conhecimento (de palavra) que suas reivindicações ou revoltas camuflavam. É aí que uma intervenção clínica torna-se pertinente no sentido de devolver ao sintoma clínico (symptôme) o caráter de uma mensagem cifrada que se coloca em cena por um comportamento aparentemente sem sentido ou socialmente inadequado. (JERUSALINSKY, 2012, p. 184).

Articulado por conflitos psíquicos que já se inauguram desde a infância, encontram-se, neste cenário, o surgimento de sintomas com expressão de traços depressivos. Faz-se importante perceber que a condição depressiva, segundo alguns psicanalistas (tal como Melanie Klein) é uma caraterística que compõe as próprias crises que subjetivam uma criança, na medida em que ela estabelece, especialmente, os vínculos originários da sua vida mental, as relações mais precoces do ser humano. Ainda outros psicanalistas, e aqui pode-se citar Freud, Spitz, Bowlby, Lacan, Winnicott, Mahler, Dolto (entre outros), trabalham com os mal-estares que as crises subjetivantes articulam. No entanto, há situações nas quais se impõe um caráter de mal-estar que, poder-se-ia dizer, não articulável, ou seja, com insuficiência quanto às possibilidades ou recursos para elaboração e que inauguram um sofrimento psíquico que invade o desdobramento da infância, obstaculizando as produções da criança. Aqui, está se referindo ao sintoma clínico e, neste contexto, o aparecimento da depressão na infância.

1.1 O surgimento do reconhecimento da depressão enquanto sintoma de sofrimento psíquico da criança

Foi através da mudança de conceito com relação à criança e à infância, ao longo da história da humanidade, que vários estudos sobre este tempo de vida e sobre a possibilidade de haver sofrimento psíquico na infância passou a ser reconhecida. Na idade Média a criança era considerada como um pequeno adulto, sendo dispensado a elas os cuidados específicos e/ou especiais. Ainda que não vai se desenvolver esta temática neste trabalho, é importante mencionar que esta ausência de cuidados específicos decorre do conceito que

(14)

a cultura constrói acerca da infância e da criança, em diferentes épocas históricas – assim como, também à saúde e à doença mental. Costa aponta que (2010, apud Marconi, 2017) não se tinha consciência da importância dos cuidados intelectuais, comportamentais e emocionais naturais para as crianças. Para Miller (2003, apud Marconi, 2017), foi na década de 1960 que a ideia de depressão na infância passou a existir como uma condição clínica a ser abordada. Um grupo de pesquisadores acreditava que a depressão na infância seria semelhante à depressão no adulto, já outras teorias acreditavam que a criança vivenciava sintomas diferentes ao dos adultos quando acometidas pela depressão. Com o passar dos anos, foram desenvolvidos estudos onde se estabelecia critérios de diagnóstico que se diferenciavam os adultos das crianças. Segundo Bahls (2002, apud Marconi, 2017), a depressão na infância passa a ser diagnosticada, ainda que com a necessidade de investimento em investigação clínica, e traz um caráter invasivo e duradouro, trazendo graves consequências psicossociais.

Para Quevedo e Silva (2003, apud Marconi, 2017), o termo depressão é designado a um estado de desânimo, ou perda de interesse. Os transtornos depressivos são designados como um conjunto de patologias. No que concerne à depressão na infância, a depressão tem sido observada e reconhecida como uma manifestação com expressão de transtorno de humor. Segundo Bahls (2002), gradualmente as construções científicas e clínicas vêm reconhecendo a formação de sintomas clínicos de caráter depressivo na infância, mesmo em tempos precoces de vida.

Segundo Lee, Curatolo e Friedrich (2000, apud Marconi, 2017), a depressão na infância acontece articulada a episódios nos quais a criança encontra-se impossibilitada de elaboração sentimentos deflagradores de entristecimentos e frustrações, e que afetam a condição estrutural da sua vida psíquica. Ainda que se reconheça a depressão como uma manifestação do sofrimento psíquico na infância, os autores chamam atenção para que a confirmação de um estado patológico depressivo se constrói na medida em que forem avaliados a persistência e a intensidade dos impasses afetivos que acometem a criança, assim como, também, a presença de outros sintomas simultâneos que surgirem.

(15)

Partindo de considerações históricas acerca da possibilidade de existência do sofrimento psíquico e da depressão na infância, Quevedo (2008, apud Marconi, 2017), afirma que já nas escrituras bíblicas e na mitologia é possível encontrar relatos que referem a presença de alterações do humor. Este autor (Quevedo, 2008) aponta que a presença do humor deprimido, a perda de interesse, a auto-confiança reduzida e baixa auto-estima, como algumas problematizações articuladas à depressão, dentre várias outras - tais como a perda de apetite, a alteração no sono, as ideias pessimistas sobre o futuro e, ainda, pensamentos suicidas.

A partir do momento em que se desdobram investigações clínicas e cientificas em torno dos transtornos depressivos, o conceito de depressão infantil se apresenta no espectro da presença de um distúrbio de humor, sendo articulado a, basicamente, três aspectos, a saber: o aspecto biológico - uma disfunção dos neurotransmissores pela herança genética ou falhas nas áreas cerebrais; a perspectiva psicológica, associada ao impasses inerentes à personalidade; e o aspecto de âmbito social, no qual pode-se considerar a depressão como uma dificuldade relacionada à adaptação, ou como consequência de mecanismos culturais, da família e também da escola. Para Huttel (2011, apud Marconi, 2017), estas seriam as variáveis sociais, psicológicas e biológicas que podem ser consideradas como integrantes de um sofrimento psíquico atravessado pelo sintoma de depressão.

Ao decorrer dos estudos e trabalhos clínicos realizados, constata-se dificuldades à construção do diagnóstico. Um dos fatores associado a esta dificuldade de identificação deste sintoma se deve ao fato de que muitas vezes o sintoma se expressa de maneira “mascarada”, e também porque a criança, considerando as suas condições psíquicas e cognitivas próprias deste período do desenvolvimento, não reúne recursos simbólicos para dizer – e com clareza – sobre o mal-estar que está experienciando.

Coloca-se, pois, em questão a concepção limitada de que a depressão só seja considerada mediante expressão de desânimo ou quietude da criança. Neste contexto do sofrimento psíquico na infância, a depressão também se articula com expressões de comportamentos de agressividade, hiperatividade e outros transtornos que invadem o desenvolvimento. Os sintomas também

(16)

variam de acordo com a faixa etária, sendo que quando não se é possível a criança falar de seus sentimentos é importante estar atento às suas diferentes formas de expressão, às produções gráficas, às mudanças de comportamento. Segundo Baptista & Golfeto (2000, apud Calderaro & Carvalho, 2005), é preciso também observar suas formas de comunicação pré-verbal, assim como analisar os sinais de depressão de acordo com a durabilidade dos episódios. Segundo Miller (2003, apud Marconi, 2017), existem algumas comorbidades que acometem as crianças depressivas, tais como os Transtornos de Ansiedade, o Transtorno de Conduta, o Transtorno Desafiador Opositivo e o Transtorno de Déficit de Atenção Hiperatividade, sendo os sintomas depressivos associados a essas comorbidades e não de fato ao próprio transtorno e que acabam recebendo outros diagnósticos. Marcelli (2010) corrobora com esta leitura, apresentando, inclusive, estes últimos sintomas enquanto categorias nosográficas de fronteira, ou seja, sintomas que podem vir a se apresentar articulados a outras problematizações, tal como, por exemplo, a depressão na infância.

Segundo Ramires et al. (2009), uma revisão abrangente da literatura brasileira sobre saúde mental na infância foi realizada baseada na análise dos abstracts encontrados nas bases de dados LILACS – Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde e INDEXPSI no período de 1995 a 2006. Os descritores utilizados foram: saúde mental e infância, psicopatologia infantil, neurose e infância, psicose e infância, autismo infantil, transtorno de conduta e crianças, depressão e crianças, déficit de atenção e crianças, problemas de aprendizagem e crianças, violência doméstica e crianças, abuso sexual e crianças, e políticas públicas e crianças, buscando contemplar as principais situações clínicas e distúrbios mentais encontrados na infância e investigar a existência de publicações que se referem a questão das Políticas Públicas em Saúde. A partir desses descritores foram encontrados 1102 resumos nas duas bases de dados consultadas, LILACS e INDEXPSI. Conforme Ramires et al., (2009), a depressão na infância aparece em segundo lugar entre os mais publicados, requerendo a atenção dos pesquisadores em geral. A análise mostrou que o maior interesse dos pesquisadores no período de 1995 a 2006, foram em métodos de avaliação e diagnóstico dos problemas

(17)

de saúde mental na infância totalizando 23,17% dos estudos e a possível intervenção para essas situações com 18,37% dos estudos. Existe um interesse pela compreensão de aspectos cognitivos na depressão e por estudos e validação de testes e instrumentos. No entanto, carecem os estudos dedicados à discussão e estratégias de prevenção e também na elaboração de diretrizes políticas para o enfrentamento desses problemas.

Para Silvares (2008, apud Marconi, 2017), a realização minuciosa do diagnóstico é de total importância para constituir uma intervenção que acolha e sustente recursos de tratamento e proteção à criança, promovendo melhores condições à elaboração dos aspectos inerentes ao seu desenvolvimento, sendo que quando há fragilidade em relação ao reconhecimento do sofrimento psíquico, em relação à sua especificação diagnóstica e ao tratamento, se impõe e se expande o padecimento da criança.

2. A DEPRESSÃO COMO EXPRESSÃO DE SOFRIMENTO PSÍQUICO NA INFÂNCIA

Uma vez que o sintoma é o retorno de modo cifrado da verdade do desejo inconsciente, é preciso situar de que modo ele se produziria na primeira infância. (JERUSALINSKY, 2012, p. 184).

Para a Organização Mundial de Saúde, a depressão é a quarta doença mais comum na população. Através das experiências clínicas e de pesquisas que vem sendo realizadas, tem-se reconhecido a sua incidência na infância, resultando para a criança prejuízos significativos em diferentes aspectos do desenvolvimento e ao processo de socialização. (RAMIRES et al. 2009). Chega-se a observar que os transtornos depressivos serão a patologia mais comum nos próximos vinte anos, sendo superior a outros problemas de saúde tais como como as doenças cardíacas e o câncer; apontando-se, assim a um fenômeno que poderá se representar como uma epidemia, ainda que silenciosa (FRAGA, 2015). Kovács et al., (1993, apud Marcelli e Cohen, 2010), refere, inclusive, que o risco de suicídio que aparece na adolescência é com maior incidência em casos que derivam de crianças que apresentaram transtorno depressivo do que outros transtornos mentais.

(18)

A abordagem conceitual e clínica acerca da depressão pode se constituir a partir de diferentes referenciais de estudos. Chabrol (1990, apud Cruvinel & Boruchovitch, 2003), propõe quatro aspectos à analise desta patologia, a saber: biológico, comportamental, cognitivo e psicanalítico. O eixo biológico apresenta o conceito de depressão enquanto doença na qual os fatores genéticos e bioquímicos seriam os responsáveis pelo aparecimento dos sintomas. Segundo Chabrol (1990, apud Cruvinel & Boruchovitch, 2003), as crianças cujos pais apresentavam quadro depressivo tinham sintoma depressivos mais cedo do que aquelas em que os pais não apresentavam depressão. O eixo que analisa a depressão desde a perspectiva comportamental, destaca a constituição deste sintoma clínico associado às dificuldades inerentes à aprendizagem (adaptação) e às interações com o ambiente - a depressão seria uma consequência da diminuição de comportamento de relação e contato com o social, aumentando a frequência de um comportamento de esquiva e fuga. O eixo de referência cognitiva aponta para a presença da distorção de pensamentos como aspecto que resultaria na deflagração da depressão – considera-se que a pessoa depressiva possui uma visão negativa de si mesmo, dos outros e do seu futuro. Já o último referencial, o psicanalítico, enfatiza a importância dos processos (intra)psíquicos no desenvolvimento da depressão, que ocorreria uma falha na evolução do processo de elaboração normal da perda.

Ao abordar a temática da depressão na infância, DRÜGG (2010), esboça uma consideração sobre estas posições. Segundo a autora:

Em relação à etiologia das depressões, destacam-se atualmente duas posições: de um lado as explicações psicodinâmicas, sustentadas pelas teorias psicanalíticas; de outro, as explicações biológicas, sustentadas pelas neurociências, para as quais as depressões estão relacionadas a desequilíbrios metabólicos no cérebro. (DRÜGG, 2010, p. 158).

Marcelli e Cohen (2010), observam os estudos acerca da depressão na infância, destacando as obras e experiências de alguns psicanalistas pós-freudianos que abordam esta temática. Neste contexto, apresentam os achados clínicos de Rene Spitz, que durante a II Guerra Mundial acompanhou bebês com idade entre seis a dezoito meses de vida e que estavam

(19)

vivenciando rompimento de vínculos com seu pais, com quem mantinham uma boa referência de amparo. “Esses bebês encontravam-se em instituições, nas quais, apesar de terem suas necessidades de alimento, agasalho e higiene atendidas, ficavam privados de amor, dado o grande número de crianças que ali vivia.” (DRÜGG, 2010, p. 155). Ocorre que estes bebês apresentaram um comportamento inicial de choramingo, com posterior expressão de retraimento e indiferença. Juntam-se a estes episódios, inúmeros sintomas somáticos e regressão no desenvolvimento, “o conjunto conduz a um estado de sofrimento próximo do marasmo.” (MARCELLI E COHEN, 2010, p. 335). Esta condição é característica de um estado de sofrimento psíquico que Spitz denomina de depressão anaclítica.

Spitz chama de depressão anaclítica porque a criança normal se apoia na mãe para se desenvolver, apoio que lhe falta subitamente na depressão anaclítica. Posteriormente, o mesmo tipo de reação será descrito sob o termo hospitalismo e depois hospitalismo intrafamiliar. (MARCELLI E COHEN, 2010, p. 335).

DRÜGG (2010), aponta que o estado de marasmo identificado por Spitz se caracterizava:

Por um aprofundamento do atraso motor, total falta de resposta a qualquer apelo, movimentos de dedos similares aos dos doentes catatônicos ou descerebrados. A mortalidade em tais casos era de 37%. Um quadro semelhante pode-se obervar em crianças que tiveram uma hospitalização prolongada, na qual perderam o contato com os pais. Nestes casos, o mesmo conjunto de sintomas passou a ser conhecido como hospitalismo. (p. 156).

Desenvolvendo as suas investigações à vida psíquica das crianças, segundo Marcelli e Cohen (2010), John Bowlby analisa os efeitos psíquicos do vínculo precoce constituído entre o bebê e a mãe. A partir das suas pesquisas com fundamentação etológica, desenvolve a “Teoria do Apego”, detalha que muitas aquisições inerentes ao desenvolvimento da criança se desdobram associadas às condições desta relação. Também, observa que as crianças reagem com manifestações de sofrimento e protesto diante das separações em idades precoces. Indica que o período correspondente à idade de cinco meses a três anos é no qual se percebe maior sensibilidade da criança às separações, relatando uma sequência comportamental da criança, descrita por uma fase de protesto, uma fase de desespero e, em seguida, uma fase de desapego. São características destas fases:

(20)

- uma fase de protesto quando da separação: a criança chora, fica agitada, tenta ir atrás dos pais, chama-os (sobretudo ao deitar). Mostra-se inconsolável, mas, passados 2 a 3 dias, as manifestações ruidosas atenuam;

- uma fase de desespero sobrevem então: a criança se recusa a comer, a se vestir, permanece fechada, inativa, não pede mais nada às pessoas à sua volta. Parece em um estado de profundo luto; - uma fase de desapego, finalmente: não recusa mais a presença de enfermeiros, aceita seus cuidados, o alimento, os brinquedos. Nessa fase, se a criança revê a sua mãe, ela pode não reconhece-la ou virar-lhe as costas. Na maioria das vezes ela grita ou chora. (MARCELLI E COHEN, 2010, p. 335).

DRÜGG (2010), propõe uma leitura sobre as teorizações de Spitz e Bowlby, a partir do referencial lacaniano, construindo a hipótese de que a depressão anaclítica e o marasmo serias sintomas resultantes da experiência de perda da pessoa que era, para a criança, sustentação ao Eu primordial em constituição e, esse mesmo circuito de relação, sustentação sobre a qual se apoia a imagem corporal neste tempo precoce da vida. Interpreta que, nos casos analisados por Bowlby, após um período de depressão, as crianças atravessavam a experiência do luto e elaboravam a perda sofrida, essa condição poderia estar atrelada ao fato de que possivelmente “...se tratavam de crianças maiores, que tiveram um tempo maior de convivência com os pais, e assim já dispunham de um Eu melhor estruturado, com maiores condições de simbolização das perdas.” (DRÜGG, 2010, p. 157). Outro fator que a autora pondera remete às condições diferentes das instituições diante das quais Spitz e Bowlby realizaram as suas observações, sendo que este último trabalhou com crianças que frequentavam instituições, segundo DRÜGG (2010), possivelmente com pessoas que de alguma forma asseguravam melhor a lógica de sustentação inerente às funções parentais, possibilitando às crianças melhores condições para realizar a reconstituição da imagem narcísica.

A partir do referencial teórico lacaniano, DRÜGG (2010), ainda salienta que os sintomas de traços depressivos se estruturam, na criança, associados à complexidade da perda ou da problematização do vínculo primordial entre ela e a mãe. Sustenta a hipótese que a criança realiza a travessia de constituição do eu e da imagem corporal apoiada e identificando-se especularmente com

(21)

referências discursivas de desejo e imaginárias que a mãe sustenta. Segundo DRÜGG (2010):

A dispersão corporal que caracteriza o recém-nascido, aos poucos se unifica em uma imagem do eu, que lhe é antecipada pela mãe, por meio do seu olhar, do seu toque e, principalmente, de suas palavras (...) A primeira imagem do eu é resultado da identificação com o que virá a ser e que lhe é antecipado pelo outro materno. (p. 156).

Se a presença antecipatória materna é desencadeadora da constituição psíquica, as características deste discurso têm fundamental importância na via de promoção do vir-a-ser da criança enquanto sujeito de desejo e/ou nos impasses que podem inaugurar a essa trajetória. A respeito desta questão, Kehl (2009) também observa que a formação da depressão como traço de sofrimento psíquico inaugurado a partir de algum impasse encontrado na relação entre a criança e Outro materno, passível, portanto, de se articular já nos primórdios da vida. Kehl (2009), no entanto, desenvolve a hipótese que a depressão se articula como uma produção resultante da prevalência do

discurso materno, não permitindo que a criança desdobre simbolicamente o

movimento de separação com o Outro primordial.

Kehl (2009), considera que quando se trata da constituição psíquica, a criança, ao transitar pela separação do Outro materno, produz a perda de um objeto. Esse objeto é denominado pela teoria lacaniana de “objeto a”, sendo impossível de ser reencontrado, passando - o objeto a - a exercer a função de causa do desejo. O desejo é puro impulso em busca desse objeto perdido – que, por sua vez, como já citado, aponta a um reencontro impossível. Todos os objetos sobre os quais deslizam o desejo podem produzir uma satisfação parcial com relação a esse (re)encontro, porém nenhum alcança o estatuto da condição primeira – a ilusão de completude.

Ocorre que o sujeito não suportando enfrentar essa falta e por desejar o que não irá encontrar, constrói - o que Lacan denominou como fantasma – uma maneira de tentar negociar o objeto a (em sua função de causa de desejo) pela demanda do Outro. Neste contexto „resolutivo‟, já não seria o neurótico que deseja, mas sim o Outro que o demanda – aqui o sujeito se colocaria como objeto para o gozo do Outro. Assim, esse sujeito ficaria anulado em suas ações ditas transformadoras, pois se coloca em posição de submissão frente

(22)

ao desejo e ao gozo do Outro. Opera como se o seu valor fosse atribuído ao valor que o Outro pode lhe outorgar. Encontram-se, aí, episódios depressivos nos neuróticos, os quais trocam sua via desejante pela demanda de gozo do Outro. Há nesta posição um vazio subjetivo, resultado dessa negociação, um sentimento de insuficiência narcísica; pois se inscreve a prevalência da posição do Outro nesta relação primordial. Segundo Kehl (2019):

É como se, no momento precoce da constituição do psiquismo, o futuro depressivo fosse atendido por uma mãe exageradamente solícita, que se antecipasse às demandas do infans, não permitindo que ele criasse condições de responder, por meio do trabalho psíquico (desde logo criativo) de representação de objeto de satisfação, à angustia diante do vazio deixado pela ausência do Outro. Tal excesso de zelo materno não determina necessariamente a formação de uma estrutura psicótica... Na origem da predisposição à depressão – que ocorre com frequência, a meu ver, nas estruturas neuróticas – não está uma mãe que não deseja nada além do que seu bebê representa para ela. Mas pode estar uma mãe ansiosa, insegura, hiperativa, amorosa demais – uma que atropela com sua pressa e solicitude, ou seja, com sua própria demanda, a delicada constituição do tempo psíquico do seu bebê. (KEHL, 2009, p. 141).

Ainda que possam se apresentar leituras e situações diferentes, há que se reconhecer a presença da maneira como a criança é sustentada no tempo de constituição da sua subjetividade, como elemento desencadeador do sofrimento psíquico. Há algum excesso (seja na articulação da ausência precoce, do rompimento precoce ou de uma demanda que atropela) que se impõe e que dificulta que a criança se esboce como sujeito reconhecido em suas necessidades, em suas demandas, em seu tempo de articulação de sua condição de desejante e que, diante das crises que sustentam a sua constituição psíquica, problematizam os movimentos de elaboração simbólica diante de uma experiência de perda e de separação.

Para Maria Rita Kehl (2009, p.233):

As fantasias infantis são tributarias da rivalidade fálica. A criança atinge sua máxima capacidade de fantasiar no momento em que tenta reverter a perda narcísica sofrida com a entrada do pai no Édipo. A partir desse momento, as fantasias participam dos mecanismos de defesa contra a angústia de castração, sustentam a posição do sujeito no fantasma, representam objetos para o desejo, dão forma aos ideais. Disso tudo o depressivo abriu mão. Daí que, para defender-se da voracidade urgente do Outro, ele não dispõe de

(23)

nada além de formas de resistência passiva exercida numa tal lentidão que instala o sujeito em um tempo que parece estagnado. O tempo não passa quando a perspectiva do devir é vazia, não se apoia em moções de desejo nem em fantasias a respeito do futuro.

O vazio depressivo pode-se se fazer entender não como um buraco ou ausência do Outro materno, mesmo sendo de forma igual prejudicial ele é um excesso de presença do que o Outro à criança. Assim, esse vazio seria observado como correspondente à presença de um discurso materno que não esperaria o tempo do bebê; uma relação na qual há recusa com relação ao tempo de elaboração da demanda - o bebê carece de um tempo para elaborar a sua posição diante de uma possível demanda. Assim, o depressivo, segundo Kehl (2009), acaba sofrendo pela „pressa‟ – e sua demanda também assim acaba se estabelecendo - do Outro. O que se observa é que se coloca um impasse justamente na inscrição e sustentação das operações psíquicas que permitem produzir a partir da falta inerente à relação de objeto.

A falta em presença: talvez essa seja a natureza do espaço-entre a criança e a mãe, que Donald Winnicott considera essencial para o desenvolvimento da criatividade infantil. Que a mãe esteja presente, mas não ocupe todo o espaço; que se interesse pelas pequenas evidências da vida psíquica de seu bebê, mas não faça delas um assunto todo seu. Acida de tudo, que a mãe, mesmo presente, possibilite à criança a experiência da duração temporal que, nessa fase da vida, traduz-se sempre como tempo de espera. Que a mãe possibilite a seu bebê o desenvolvimento da capacidade de esperar (pela satisfação) e de inventar o que fazer desse tempo vazio. (MARIA RITA KEHL, 2010, p. 238).

Assim sendo, essa espera da satisfação na criança, esse momento de ausência do Outro teria acontecido em intervalos de tempo insuficientes de maneira que o infans pudesse perceber que mesmo a mãe demorando, o atenderia. Nesse ponto é importante destacar que essa espera tem uma medida razoável de tempo, sendo que curto demais é insuficiente para que desenvolva sua capacidade de suportar esse vazio e sua potência em convocar o Outro, e, num período longo demais, produz um corte no tecido psíquico, apontando para a experiência de um descrédito à vida, o que inaugura uma situação complicada a reparar.

Segundo Kehl (2009), o depressivo se apresenta como sendo objeto indefeso e inofensivo, que o remete à lógica da relação primordial, de dependência da mãe e de uma espécie de recusa aos enfrentamentos

(24)

inerentes à operação da castração simbólica. Como consequência de gozo dessa posição protegida, o sujeito passa a ser impotente diante dos desafios que a vida num futuro lhe apresentar. Não reconhece o valor de sua castração como um motor de seu desejo, experienciando-a como uma ferida aberta que lhe apresenta vergonha e dor, não sendo possível simbolizá-la. E o que lhe faz sofrer não é o vazio, e sim, em não saber o que causa seu desejo.

Segundo Jerusalinsky (2012):

O sintoma é uma manifestação que fica no lugar de atuar, de dar a ver de modo enigmático, um conflito inconsciente que não pôde ser representado. O sintoma não é sem sentido, ele produz este efeito de „sem sentido‟ na medida em que se apresenta de modo cifrado – por isso só pode ser lido a partir da rede de representações psíquicas do paciente. (JERUSALINSKY, 2012, p. 182).

Na depressão também se podem incluir importantes transtornos existenciais, os quais podem ser manifestados através de alguns dizeres, tais como: que a vida não faz sentido, que o tempo está estagnado, que não passa - não havendo fantasia a respeito do futuro. Esses transtornos de desesperança se colocam como graves efeitos quando o sujeito vive a certeza de que sua existência não tem importância. Nas crianças, se apresentam falas de desvalorização, segundo Marcelli e Cohen (2010). Algumas expressões - tais como: “não sei”, “não consigo”, “não posso”, “meu desenho nunca é bom”, “meus pais não gostam de mim”, “meus colegas não gostam de mim”, ou, ainda, auto atribuição de culpa, com dizeres de “eu sou malvado”, “não sou gentil com meus pais”, “a culpa é minha” – são encontradas em crianças que estão situadas neste embaraço produzido pelo conflito psíquico inaugurado diante do impasse constitutivo que remete à relação com a perda, à separação e ao Outro materno. O que se apresenta é um sentimento de incapacidade e fracasso antecipado diante de demandas de realizações de produções que seriam próprias da infância, tais como jogar, desenhar, brincar, criar, socializar, etc; estas e outras produções que são consideradas sintomas de infância.

Seja na condição de episódio depressivo, seja na condição de patologia depressiva, essa formação clínica, na infância, se apresenta em decorrência de situações cotidianas experienciadas e/ou como conflitos de condição estrutural da subjetividade. Marcelli e Cohen (2010) descrevem o episódio depressivo

(25)

como um sintoma constituído a partir de uma perda ou experiência de luto vivenciada quando a criança é exposta a situações de separações, tais como a descontinuidade do laço conjugal dos pais, separação que vivencia em relação aos pais, falecimento de pessoas que lhes são significativas; assim como, também, diante de situações que, aos olhos do adulto, podem parecer de fácil elaboração, tais como a mudança de casa, a mudança de escola, a morte de um animal de estimação, o afastamento de um colega e, ainda, outras situações que evoquem a necessidade de simbolização de um rompimento de vínculo.

Segundo Marcelli e Cohen (2010), nos episódios depressivos é possível observar na criança uma desaceleração psicomotora e a inibição motriz - notadas por uma certa lentidão, um rosto pouco expressivo. A criança é descrita como comportada, submissa a tudo que lhe propõem. Contudo, de um modo geral, constata-se certa agitação, trazendo os pais à queixa de que a criança não consegue ficar quieta. Esses momentos de agitação são divididos com momentos de retraimento, com instabilidade que costuma assumir a forma de cólera. A desvalorização também é observada diante de alguma tarefa proposta, expressões que carregam um sentimento de perda de amor e de culpa. Os autores (MARCELLI e COHEN, 2010), ainda propõem que subsiste a dificuldade da criança em se concentrar, o que a leva a um comportamento de fuga, evitação e até uma recusa do trabalho na escola - o que por vezes é visto pelos pais, e até pelos professores, como preguiça. Os transtornos de apetite na primeira infância podem ser observados, o sono também é difícil de conciliar, dores de cabeça e dores de barriga com frequência estão na junção da problemática ansiosa e da problemática depressiva na infância.

Chama-se, no entanto, a atenção ao fato de que estas manifestações não devem ser imediatamente remetidas ao diagnóstico de depressão ou episódio depressivo. Porém, há que ser tecida investigação clínica para que a criança seja escutada, a fim de discriminar esses sintomas e lhe sustentar acolhimento psicoterapêutico sempre que o sofrimento psíquico se esboçar. Segundo MARCELLI e COHEN (2010):

É evidente que esses sinais tomados isoladamente não são necessariamente significativos do episódio depressivo, mas sua conjunção (cinco a seis desses sintomas), sua permanência no tempo e a nítida mudança comportamental que eles induzem são muito

(26)

características... Além disso, esses sintomas se complicam geralmente com novas manifestações, sejam elas manifestações ansiosas, transtornos do comportamento exacerbados, condutas de caráter oposicional ou delinquente (fuga, roubo, etc.). Essas manifestações podem instalar a criança pouco a pouco na „doença depressiva‟, que se assemelha muitas vezes a um rearranjo em forma de denegação da depressão. (p. 338 – 339).

Como é possível interpretar a expressão cunhada por MARCELLI e COHEN (2010), de a doença depressiva se assemelhar “a um rearranjo em forma de denegação da depressão” (idem)? Ao abordar a doença depressiva, os atores citados apresentam a ideia de que sintomas tais como patologias de tipo caracterial ou comportamental, Transtornos de Conduta, Transtornos de Ansiedade, Transtornos do Déficit de Atenção e Hiperatividade se apresentam como sintomas associados à condição de depressão na infância, o que leva os pesquisadores a pensar nas incidências de comorbidades entre estas formações clínicas. A estes fatores, ainda se destacam a presença: do fracasso escolar, as condutas fóbicas (especialmente escolar), “que podem traduzir o temor do afastamento do convívio familiar ou do abandono e encobrir um estado depressivo” (MARCELLI e COHEN, 2010, p. 339), do desleixo corporal, das perdas excessivas de objetos, da agressividade com necessidade de (auto) punição, além de possíveis articulações psicossomáticas (tais como o eczema, a asma), de sintomas de problematização esfincteriana (enurese), e sintomas relacionados à oralidade (obesidade e anorexia). A nomeação destes possíveis quadros sintomáticos não pretende encerrar a descrição e, tampouco, atribuir diagnóstico em condição precipitada. No entanto, chama-se atenção ao fato de que na infância o episódio depressivo e/ou a depressão se apresenta sob forma de sintomas que, muitas vezes, quando de sua ocorrência, não são reconhecidos como possivelmente associados a esta estrutura de patologia.

Outra situação que acontece em crianças com sofrimento psíquico de traço depressivo são os perigos à própria integridade física e também daqueles com os quais ela convive. Mesmo tendo consciência do perigo, há conflitos inconscientes que prevalecem, e estes a expõem a comportamentos de risco, sendo que os mesmos podem se apresentar como uma tentativa de a criança convocar o olhar do Outro, convocar a atenção ao seu sofrimento. Para

(27)

Angerami-Camun (2002, apud Calderaro & Carvalho, 2005), a criança também se desespera diante de suas dificuldades e frustrações, sentindo desejo de morrer; sendo importante levar em consideração que a existência desse sofrimento pode desencadear ideação e/ou tentativa de suicídio ainda neste tempo que é da infância.

Marcelli e Cohen (2010), propõem uma observação sobre a disposição do sofrimento psíquico com traço depressivo a partir de agrupamentos por idade, em tempos diferentes da vida. Apresentam a ideia de que no bebê e na criança pequena (até 24 a 30 meses de vida), a sintomatologia mais manifesta é a abordada por Spitz, ou seja, as depressões anaclíticas. Nestas se observam reações que o bebê apresenta, de profunda aflição, diante do objeto de apego - esses quadros ainda apresentam quando se esboçam situações graves de carência familiar ou caos educativo. Pode-se observar nesses casos, crianças pequenas abatidas, isoladas, percebendo-se a ausência de brincadeiras próprias, de curiosidades exploratória. Há a manifestação de ritmias solitárias noturna, gemidos, balanços em posição genupectoral, e até a condutas auto agressivas. As aquisições psicomotoras e a expressão fonética depois linguística são atrasadas, sendo que quanto menor for a criança mais a sintomatologia se inscreve em condutas de transtornos psicossomáticos. No período de 3 a 6 anos os sintomas aparecem de várias formas na criança depressiva, ainda que esses sintomas estão ligados a depressão eles se apresentam como uma conduta de luta contra esses afetos depressivos, a criança passa a se isolar, uma calma excessiva uma instabilidade que apresenta também uma agitação. A criança busca a afetividade alternando com atitudes de arrogância, de raiva, oscilações de humor sendo estados de agitação depois choros silenciosos. Geralmente não brincam com outras crianças, apresentam dificuldades no sono, transtornos de apetite, e aparece neste período também, em se tratando da relação com o adulto, uma sensibilidade forte às separações, dificultando suas atividades individuais.

Dietz et al., (2008, apud Marcelli e Cohen, 2010), aponta ao ambiente familiar como um fator integrante do sintoma depressivo da criança. Cita antecedentes de depressão nos pais (principalmente na mãe), destacando que possivelmente a criança identifica o pai ou a mãe deprimidos - logo, a criança

(28)

se depara com um sentimento de frustação e culpa, assim a agressividade não encontra lugar para se expressar. Outros fatores do ambiente que são considerados pelo autor são: a rejeição de um dos pais, a pobreza de contato e afetividade com a criança, a educação com característica severa e impiedosa em excesso - sendo que se receber alguma punição dos pais a criança vai se atribuir culpa e sentir-se um objeto mau. Diante deste contexto, a prevenção quanto as problematizações na relação mãe-filho, nos lugares e nos ambientes onde a criança convive, sempre será uma abordagem essencial, sendo que os pais tem um papel fundamental acerca do reconhecimento a ser construído quanto ao sofrimento psíquico do filho, assim como para o encaminhamento e desdobramento do tratamento psicoterapêutico.

Os autores até este momento citados apresentam a sua preocupação quanto à responsabilidade clínica diante do sofrimento psíquico na infância. Partindo dos pressupostos elencados, pode-se apontar a importância do acolhimento clínico, abordando cada sujeito em sua singularidade, assim como, o compromisso de estender este olhar à família, à escola e aos demais espaços significativos à criança, pois neste tempo de vida os vínculos que estabelecem, produzem efeitos de constituição subjetiva. Diante destas considerações, levantam-se os questionamentos: como estão se desdobrando, no Brasil, as referências ao acolhimento clínico às crianças que apresentam sofrimento psíquico? Quais as referências institucionais de Políticas Públicas acerca da Saúde Mental na infância? Estas são algumas questões sobre as quais pretende-se discorrer no seguimento deste momento de escrita.

3. A ABORDAGEM DO SOFRIMENTO PSÍQUICO DA CRIANÇA E AS REFERÊNCIAS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE MENTAL INFANTO-JUVENIL NO BRASIL: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Pensar o reconhecimento e abordagem do sofrimento psíquico na infância requer o encontro com os questionamentos que se colocam culturalmente acerca destes dois conceitos – ou seja, criança e sofrimento psíquico. Considerando o ser humano como um ser biopsicossocial, a sua

(29)

existência será atravessada pelas elaborações tecidas pela linguagem, sendo estas elaborações sustentadoras e deflagradoras de acolhimentos possíveis à criança, ao reconhecimento de sua condição psíquica, ao olhar para possíveis impasses subjetivos que podem se fazer presentes na sua existência, assim como à construção de possibilidades de inclusão em perspectivas de tratamento clínico e/ou outras medidas terapêuticas que se apresentem necessárias.

Se, por um lado, a criança desde o seu nascimento vai percorrer momentos constitutivos de seu psiquismo através da relação com o simbólico, com a cultura, por outro lado, a cultura já conta com uma série de significações que pautam os reconhecimentos atribuídos à vida e ao humano. Segundo BERNARDINO (2008):

Quando um bebezinho nascer, ele vai se encontrar com essa estrutura de linguagem, quer dizer, com esse mundo que já está começado. Como nos acontece quando chegamos ao cinema e o filme já começou: temos que nos esforçar para entender em que ponto está esse filme, para podermos entender qual é o papel de cada um na história. Algo análogo acontece com esse bebezinho. Ele nasce e já encontra toda essa organização cultural pronta, à espera dele, e essa organização que já está pronta à sua espera. (p. 59).

Assim, a inclusão da criança em abordagens que possam acolher possíveis mal-estares que lhe acometem também depende das amarragens e ordenadores culturais que produzem significados às suas produções. Diante deste contexto, busca-se elementos para pensar a questão: como tem-se desdobrado a abordagem da criança que apresenta sofrimento psíquico? Por que encontramos a atenção ao sofrimento psíquico da criança como uma construção elaborada mais tardiamente no contexto diante das abordagens em Saúde Mental?

Brasil (2005), ao realizar algumas reflexões que vão de encontro a este questionamento, analisa aspectos inerentes aos movimentos de construção da atenção à Saúde Mental Infanto-Juvenil, dedicando sua leitura às iniciativas acerca das práticas em Políticas Públicas inerentes a esta população, no Brasil.

Refere que os trabalhos voltados para a criança e para o adolescente no Brasil se constituíram partindo de um modelo de assistência e com tendência à

(30)

institucionalização. No início do século XX formou-se um conjunto de medidas na lógica higienista e normativo-jurídica, expandindo a oferta de instituições fechadas para o cuidado de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade. Esse processo que visava assistir as crianças e adolescentes referiu a institucionalização do cuidado, mas, também, à criminalização da infância „pobre‟ (termo utilizado à criança cuja família tinha limitações econômico-sociais), resultando na desassistência, no abandono e na exclusão. Com um movimento a partir da década de 1970 se deu um amplo processo de debate na sociedade brasileira, resultando na promulgação de Lei n° 8.069, de 13/07/1990, sendo conhecida como o Estatuto da Criança e do Adolescente e a promulgação da Carta Constitucional de 1988, marcando a Democracia e os Direitos às Crianças e aos Adolescentes, conforme descrito no artigo 227 da Carta Magna, assegurando-lhes:

O direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade a convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 2005, p. 8).

No entanto, a promulgação de um texto não era suficiente para a realização das mudanças. Era preciso que o quadro da história mudasse, sendo de grande importância um novo modelo de assistência, que tivesse suporte comunitário e não institucionalizante para os novos cidadãos - estes, sujeitos de direitos e responsabilidades.

Neste movimento constituiu-se no Brasil a Rede de Atenção à Saúde Mental - junto ao Sistema Único de Saúde (SUS) -, sendo que a sua principal responsabilidade condiz com a promoção da substituição do modelo asilar por uma rede de cuidados de sustentação territorial e comunitária. Emerge o grande desafio de construir uma política que esteja voltada a população de crianças e adolescentes, e que siga os princípios estabelecidos pelo Sistema Único de Saúde.

Brasil (2005), reconhece a condição de sujeito à criança e ao adolescente, sendo aos mesmos atribuída legitimidade diante do sofrimento psíquico, do seu sintoma. Por esta via, as crianças e os adolescentes são também considerados sujeitos de direitos, dentre os quais se estabelece o

(31)

direito ao cuidado. De acordo com Pitta et al., (2005), os Serviços Públicos de Saúde Mental endereçados ao cidadão infanto-juvenil devem seguir diretrizes operacionais em suas ações de cuidado, de modo que reconheça como sujeito e cidadão aquele que necessita e procura o serviço, com ação de acolhimento e tomando sob sua responsabilidade o agenciamento do cuidado. Deve-se conduzir a ação do cuidado sustentando a condição da criança e adolescente como sujeitos de direitos e singularidade, abordando o compromisso dos responsáveis (família e/ou rede que tutela a sua existência) com os mesmos, buscando, desta forma, fomentar iniciativas em direção às garantias de acesso às abordagens de recursos teórico-técnicos, operando sempre na lógica da Rede ampliada de Atenção à Saúde (física e psicológica) e promoção social.

É preciso respeitar a subjetividade desse sujeito, buscando identificar o que caracteriza e quais os elementos deflagradores do seu sofrimento, assim como a implicação nos seus eventos psíquicos ao qual se queixa. Toda demanda dirigida ao Serviço de Saúde deve ser acolhida como uma forma de cuidado e atenção, dando lugar a diferentes encaminhamentos. Aos Serviços de Saúde Mental Infanto-Juvenil, dentro da perspectiva que hoje rege as Políticas Públicas de Saúde Mental, cabe assumirem a função de acolher, escutar, cuidar, possibilitar ações emancipatórias e de alteridade, vislumbrando a construção de melhor qualidade à vida daquele que sofre - levando em conta sua singularidade e tendo participação e inclusão em sua comunidade.

Para que se tenha fortalecimento das diferentes iniciativas no campo da Atenção em Saúde Mental Infanto-Juvenil e otimizar as ações propostas, o Ministério da Saúde institui o Fórum Nacional de Saúde Mental Infanto-Juvenil. Propõe-se que este Fórum esteja trabalhando como um importante instrumento de gestão nesta área, com diretrizes gerais norteadoras tais que possa se constituir um espaço de debate coletivo para fortalecer as Políticas de Atenção em Saúde Mental, respondendo com a construção de trabalhos que abordem a grave situação de vulnerabilidade e levando a realização de ações que tenham como objetivo a inclusão social. Este Fórum é composto por representantes de instituições governamentais, setores da sociedade civil e entidades filantrópicas. Atua de forma relevante na área de atenção à população referida, convocando e/ou convidando outros seguimentos representativos quando for

(32)

necessário e adequado. Para Pitta et al., (2005), o Fórum tem atribuições a serem seguidas, devendo funcionar como um espaço de articulação intersetorial e de discussão permanente sobre as Políticas para esta área. Cabe-lhe, também, a fundamental incumbência de estabelecer Diretrizes Políticas Nacionais, promover a integração, a articulação e a interlocução entre as instituições que atuam nesse campo de Atenção à Saúde Mental, produzindo conhecimento e levando informação nos diversos âmbitos da gestão, assim como elaborar recomendações e deliberações que possam ser referência aos gestores públicos da área da Saúde Mental da Criança e do Adolescente – e de maneira a serem transmitidas e implementadas na Rede Intersetorial de assistência.

Aponta-se conforme Couto et al., (2008), que no Brasil os pilares da Atenção das Políticas Públicas de Saúde Mental para crianças e adolescentes devem estar articulados aos serviços de variados setores, com diferentes graus de complexidade, com diferentes níveis de intervenção e capacitados a construir intervenções que abordem, com recursos e tratamentos adequados, os problemas que envolvem a saúde psíquica deste tempo de vida. Trata-se de uma “Rede Intersetorial Potencial” que tem como objetivo central operacionalizar e intensificar a discussão sobre intersetorialidade como um plano para o cuidado da saúde mental das crianças e dos adolescentes. Assim, pode-se considerar que no Brasil as Políticas Públicas de Saúde Mental e ações institucionais endereçadas às crianças e aos adolescentes aponta, aos trabalhos de “Serviço de Saúde Mental e Específicos”, estando reunidos em quatro setores de cuidados: Saúde Geral, Educação, Assistência Social e Justiça/Direitos.

Neste contexto de cuidados, citam-se os Centros de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil (CAPSi), os quais são constituídos como estratégias para articulação intersetorial acerca destas ações, com o objetivo integrar uma Rede de cuidados sustentados a esta população. Elia (2005), descreve o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), como uma Unidade de base da Reforma Psiquiátrica Brasileira, sendo estruturado como um Serviço de Atenção diária, diurna e intensiva, territorial, onde chegam encaminhamentos de demandas psicossociais, com vistas a acolher sujeitos

(33)

em sofrimento psíquico e a construir estratégias de trabalho que promovam a saúde mental. O CAPS é reconhecido como referência nos serviços substitutivos que, nos últimos 15 anos, consolidou o trabalho com a Saúde Mental diante da disposição hospitalocêntrica que caracterizava o tratamento de sujeitos com sofrimento psíquico de maior complexidade. O CAPS seria, segundo Elia (2005), um ordenador da Rede Pública de Saúde, a instituição primeira de acolhimento a esta população que deveria ser escutada e receber encaminhamentos e abordagem terapêutica conforme a singularidade de cada caso.

O processo de implantação dos CAPSi transcorreu entre 2002-2007, sendo que a estrutura institucional e preconizada naquele período ainda opera como referência originária ao trabalho desenvolvido atualmente. Segundo Couto et al., (2008), há vários fatores que foram responsáveis pela inclusão da temática e da causa da Saúde Mental infantil e Juvenil nas Políticas de Saúde Mental Nacional e Internacional de maneira considerada tardia. Primeiro, são mencionados questionamentos e estudos acerca da extensa e variada gama de problemáticas relacionadas à Saúde Mental da infância e adolescência, incluindo os Transtornos Globais do Desenvolvimento, até outros aspectos, tais como os relacionados a fenômenos de externalização (dentre eles, os Transtornos de Conduta e Transtorno do Deficit de Atenção e Hiperatividade) e de internalização (cabe aqui citar, como exemplo, a Depressão e os Transtornos de Ansiedade). Destes Transtornos, alguns eclodem na infância, enquanto outros foram reconhecidos somente enquanto manifestos na adolescência. Esta questão se adiciona à especificidade da construção do diagnóstico, sendo de suma importância observar que a formulação do diagnóstico exige procedimentos de avaliação que incluem, além da criança e adolescente, o reconhecimento das características da família, dos professores e/ou demais responsáveis.

Outro fator que tem produzido questionamentos e estudos – e que se colocou como uma dificuldade para iniciar a atenção institucional específica à Saúde mental Infanto-Juvenil - é a construção de um conhecimento sistematizado, relacionando a frequência e a persistência do transtorno psíquico, assim como o prejuízo funcional do transtorno vivido na infância e na

(34)

adolescência à vida adulta. Mesmo já obtendo vários avanços relacionados às estratégias de avaliação da gravidade das patologias mentais infantis e juvenis, ainda existem, segundo Couto et al., (2008), países que carecem de estudos que permitam maior assertividade para esta temática. Couto et al., (2008), analisa que a existência destes estudos permitiriam ter mais recursos para revelar a extensão dos possíveis danos associados a estes transtornos para outro tempo da vida, assim como tornariam mais presentes as possibilidades de propor urgência às ações de enfrentamento a estas problemáticas de saúde mental, já que muitos dos transtornos psiquiátricos diagnosticados em adultos apontam à vida pregressa, com um histórico de origem na infância ou adolescência.

Um terceiro fator citado por Couto et al., (2008), aponta ao fato de que até pouco tempo atrás, não existiam evidências empíricas e de qualidade relacionadas à eficácia e com efetividade para tratamentos dos transtornos mentais – a esse respeito, vale observar a história dos tratamentos designados ao sujeito em sofrimento psíquico. No que se refere, por exemplo, ao cenário brasileiro, entre outras obras, apresenta-se o registro articulado por Arbex (2016), quando discorre sobre o “Holocausto Brasileiro”. Trata-se de uma abordagem destinada aos sujeitos com sofrimento psíquico, na qual os pacientes que apresentavam sintomas de doenças mentais e psicológicas eram institucionalizados e submetidos a tratamentos cruéis, sob condições sub-humanas. Segundo dados coletados pela jornalista, por conta deste tratamento milhares de pessoas morreram, sendo os recursos de abordagem equivocados e distantes de um tratamento clínico que produzisse o (re) estabelecimento da saúde psíquica aos sujeitos.

Segue-se a estes fatores já abordados, um quarto fator, o qual aponta à particularidade do sistema de cuidado. No caso de crianças e adolescentes, as atividades são realizadas por vários setores que trabalham isolados uns dos outros. Muitas vezes, o cuidado de problemas relacionados à Saúde Mental ocorre somente em um setor, sendo formado ou não para exercer este trabalho específico. Um exemplo a respeito desta situação corresponde às crianças e aos adolescentes com problemas e/ou Transtornos de Conduta que são atendidos pelo setor de Justiça sem a participação da abordagem pelas áreas

Referências

Documentos relacionados

Após a colheita, normalmente é necessário aguar- dar alguns dias, cerca de 10 a 15 dias dependendo da cultivar e das condições meteorológicas, para que a pele dos tubérculos continue

Para preparar a pimenta branca, as espigas são colhidas quando os frutos apresentam a coloração amarelada ou vermelha. As espigas são colocadas em sacos de plástico trançado sem

segunda guerra, que ficou marcada pela exigência de um posicionamento político e social diante de dois contextos: a permanência de regimes totalitários, no mundo, e o

Com base no trabalho desenvolvido, o Laboratório Antidoping do Jockey Club Brasileiro (LAD/JCB) passou a ter acesso a um método validado para detecção da substância cafeína, à

A democratização do acesso às tecnologias digitais permitiu uma significativa expansão na educação no Brasil, acontecimento decisivo no percurso de uma nação em

No entanto, maiores lucros com publicidade e um crescimento no uso da plataforma em smartphones e tablets não serão suficientes para o mercado se a maior rede social do mundo

Declaro meu voto contrário ao Parecer referente à Base Nacional Comum Curricular (BNCC) apresentado pelos Conselheiros Relatores da Comissão Bicameral da BNCC,

libras ou pedagogia com especialização e proficiência em libras 40h 3 Imediato 0821FLET03 FLET Curso de Letras - Língua e Literatura Portuguesa. Estudos literários