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Os planos diretores pós-estatuto da cidade: um estudo a partir de municípios da região funcional de planejamento 7 do estado do Rio Grande do Sul

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO

GRANDE DO SUL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM DESENVOLVIMENTO POLÍTICAS PÚBLICAS E GESTÃO SOCIAL

JONAS DIOGO DA SILVA

OS PLANOS DIRETORES PÓS-ESTATUTO DA CIDADE: UM ESTUDO A PARTIR DE MUNICÍPIOS DA REGIÃO FUNCIONAL

DE PLANEJAMENTO 7 DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

IJUÍ 2016

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JONAS DIOGO DA SILVA

OS PLANOS DIRETORES PÓS-ESTATUTO DA CIDADE: UM ESTUDO A PARTIR DE MUNICÍPIOS DA REGIÃO FUNCIONAL DE PLANEJAMENTO 7 DO ESTADO DO RIO

GRANDE DO SUL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Strico Sensu em Desenvolvimento, na linha de pesquisa Políticas Públicas e Gestão Social, da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Desenvolvimento.

Orientador: Prof. Dr. Dieter R. Siedenberg

IJUÍ 2016

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S586p Silva, Jonas Diogo da.

Os planos diretores pós-estatuto da cidade: um estudo a partir de municípios da região funcional de Planejamento 7 do Rio Grande do Sul / Jonas Diogo da Silva. – Ijuí, 2016. –

62 f. : il. ; 29 cm.

Dissertação (mestrado) – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Campus Ijuí). Desenvolvimento.

“Orientador: Dieter Rugard Siedenberg”.

1. Plano diretor. 2. Função social. 3. Sistema de gestão. 4. Estatuto da cidade. I. Siedenberg, Dieter Rugard. II. Título. III. Título: Um estudo a partir de municípios da região funcional de Planejamento 7 do Rio Grande do Sul. CDU: 34 347.192 Catalogação na Publicação

Aline Morales dos Santos Theobald CRB10/1879

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UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento – Mestrado

A Banca Examinadora, abaixo assinada, aprova a Dissertação

O OSS PPLLAANNOOSS DDIIRREETTOORREESS PPÓÓS-S-ESESTTAATTUUTTOO DDAA CCIIDDAADDEE:: UUMM EESSTTUUDDOO AA P PAARRTTIIRR DDEE MMUUNNIICCÍÍPPIIOOSS DDAA RREEGGIIÃÃOO FFUUNNCCIIOONNAALL DDEE PPLLAANNEEJJAAMMEENNTTOO 7 7 DDOO EESSTTAADDOO DDOO RRIIOO GGRRAANNDDEE DDOO SSUULL elaborada por

JONAS DIOGO DA SILVA

como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Desenvolvimento

Banca Examinadora:

Prof. Dr. Dieter Rugard Siedenberg (UNIJUÍ): _____________________________________

Prof.ª Dr.ª Heleniza Ávila Campos (UFRGS): ______________________________________

Prof. Dr. Sérgio Luís Allebrandt (UNIJUÍ): ________________________________________

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RESUMO

Esta dissertação apresenta uma pesquisa que tem como tema os planos diretores pós-Estatuto da Cidade, com o objetivo de mostrar como as diretrizes do Estatuto da Cidade estão sendo incorporadas ao planejamento urbano dos municípios. De modo mais específico, este estudo apresenta o conteúdo, a definição da função social e os sistemas de acompanhamento e controle, identificados nos planos diretores de municípios integrantes da Região de Planejamento 7, do estado do Rio Grande do Sul. Trata-se de uma pesquisa exploratória, que possibilita apresentar um diagnóstico qualitativo-descritivo inicial do tema, a partir da perspectiva interpretativista. A análise dos planos diretores dos municípios revelou que estes estão estruturados basicamente em três dimensões: a política urbana; o planejamento e a gestão urbana; e o regramento da ocupação e da expansão urbana. A primeira traz as diretrizes da política urbana dos municípios, baseados no Estatuto da Cidade. De maneira geral, os municípios atendem ao disposto no marco legal urbano. A segunda, estabelece os instrumentos de planejamento urbano, o macrozoneamento, a participação democrática e o sistema de gestão da cidade. A terceira traz as regras de ocupação e parcelamento do solo, o regime urbanístico e as zonas de uso. Quanto à função social, os municípios a definem sob dois aspectos, da cidade entendida como a oferta das condições essenciais à vida urbana, e da propriedade, destinada às atividades econômicas, moradias e preservação do patrimônio ambiental e cultural. O sistema de acompanhamento e controle é estruturado a partir do um conselho, um fundo e um sistema de informações. Do ponto de vista prático, a título de sugestão, este estudo indica a inclusão da dimensão estratégica nos planos diretores, a criação de um sistema de gestão voltado à governança e a criação de estruturas auxiliares do planejamento e gestão urbana. Além disso, recomenda novas pesquisas, para aprofundar a compreensão dos diversos aspectos envolvendo os planos diretores, bem como o seu papel na implementação de medidas capazes de promover o desenvolvimento urbano sustentável.

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RESUMEN

En este trabajo se presenta el informe de una investigación que tiene como tema la post-Estatuto de los planes maestros de la ciudad, como el objetivo de mostrar cómo las directrices del Estatuto de la Ciudad se están incorporando en la planificación urbana de las ciudades. Más específicamente este estudio presenta, el contenido, la definición de la función social y los sistemas de vigilancia y de control que figuran en los planes directores de las ciudades pertenecientes a la región de planificación 7 del estado de Rio Grande do Sul. Es una investigación exploratoria, que le permite presentar un diagnóstico descriptivo cualitativo inicial del asunto, desde el punto de vista interpretativo. El análisis de los planes directores de las ciudades reveló que éstos se estructuran básicamente en tres dimensiones: la política urbana; planificación y gestión urbana; y el establecimiento de reglas de ocupación y de la expansión urbana. La primera trae las directrices de la política urbana de las ciudades, con base en el Estatuto de la Ciudad. En general, las ciudades cumplan los requisitos del marco legal urbano. La segunda, establece básicamente los instrumentos de planificación urbanística, Macrozonificación, la participación democrática y el sistema de gestión de la ciudad. La tercera trae las reglas de ocupación y división de la tierra, el sistema urbano y el uso de las áreas. En lo que quiere decir a la función social, las ciudades definen de dos maneras, la ciudad entendida como el suministro de las condiciones esenciales a la vida urbana, y la propiedad, destinado a la actividades económicas, viviendas y la conservación del patrimonio ambiental y cultural. El sistema de monitoreo y control se estructura a partir de un consejo, un fondo y un sistema de informaciones. Desde el punto de vista práctico, como una sugerencia, este estudio indica que la inclusión de la dimensión estratégica en los planes directores, la creación de un sistema de gestión orientado a la gobernabilidad y la creación de estructuras auxiliares de planificación y gestión urbana. Además, se recomienda una mayor investigación para profundizar en la comprensión de los diversos aspectos relacionados con los planes directores, así como su papel en la aplicación de medidas para promover el desarrollo urbano sostenible.

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Sumário INTRODUÇÃO ... 8 2 REFERENCIAL TEÓRICO ... 13 2.1 Origens do urbanismo ... 13 2.1.1 Os modelos de urbanismo ... 15 2.1.2 O planejamento urbano ... 20

2.2 O planejamento urbano no Brasil ... 24

2.2.1 A questão urbana na Constituição e no Estatuto da Cidade ... 28

2.3 O Plano Diretor à luz do Estatuto da Cidade ... 31

3 METODOLOGIA ... 35

3.1 Classificação e delimitação da pesquisa ... 35

3.2 Objeto da pesquisa ... 36

3.3 Análise e interpretação dos dados ... 38

4 ANÁLISE DOS PLANOS DIRETORES ... 39

4.1 O conteúdo e as diretrizes gerais dos planos diretores ... 39

4.1.1 Os demais temas que compõem os planos diretores ... 44

4.2 A definição da função social nos planos diretores ... 47

4.3 A composição dos sistemas de acompanhamento e controle ... 52

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 55

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INTRODUÇÃO

Esta dissertação apresenta um estudo exploratório sobre os planos diretores Pós-Estatuto da Cidade. A pesquisa foi realizada em municípios integrantes da Região Funcional de Planejamento 71, do Estado do Rio Grande do Sul, formada pelos Coredes2 (Conselhos Regionais de Desenvolvimento) Celeiro, Fronteira Noroeste, Noroeste Colonial e Missões, totalizando 77 municípios. Este estudo foi realizado com base nas diretrizes estabelecidas pela Lei Federal 10.257, de 10 de julho de 2001, o Estatuto da Cidade (EC), que regulamenta os Arts. 182 e 183 da Constituição Federal de 1988, e estabelece diretrizes gerais da política urbana no Brasil.

Esta dissertação está estruturada basicamente em cinco capítulos. Neste primeiro, a introdução traz um apanhado geral do estudo e uma contextualização do tema da pesquisa e da questão urbana no Brasil. No segundo capítulo, é apresentada a construção do referencial teórico que busca resgatar brevemente a construção do urbanismo, o planejamento urbano, a questão urbana brasileira na Constituição Federal e o plano diretor à luz do Estatuto da Cidade. No terceiro capítulo, são apresentados os procedimentos metodológicos aplicados, a classificação e o objeto da pesquisa e forma com que os dados foram analisados e interpretados. Já no quarto capítulo, é apresentada a análise dos planos diretores estudados, abordando as diretrizes, o conteúdo, a função social e o sistema de acompanhamento e controle. Por fim, no quinto e último capítulo, são apresentadas as considerações finais, com conclusões e sugestões a respeito do tema.

Para contextualizar o tema é preciso pontuar alguns aspectos importantes. Primeiro, quanto à responsabilidade pelas questões urbanas no Brasil, é necessário observar que, por delegação constitucional, está a cargo dos municípios. Esta afirmação dos municípios como responsáveis pelo ordenamento dos seus próprios territórios vem se consolidando há quase 60 anos. A Constituição Federal de 1946, no art. 28, já determinava aos municípios brasileiros funções como eleições de prefeitos e vereadores, a administração própria e autônoma, a instituição de sistemas de cobrança de impostos, a instituição de sistemas de planejamento e de gestão, a instituição de legislações específicas, entre outras. Esta autonomia foi ratificada e ampliada pela Constituição Federal de 1988, que vigora atualmente.

1 As Regiões Funcionais de Planejamento são subdivisões territoriais do estado que servem de base para a elaboração do orçamento estadual pela Secretaria Estadual de Planejamento e Desenvolvimento Regional. 2 Os Coredes são fóruns de discussão e decisão a respeito de políticas e ações que visam o desenvolvimento regional, criados no inicio da década de 1990.

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Segundo, foi a partir da segunda metade do século XX, que o processo de urbanização levou à rápida transformação das cidades, determinada pelo crescimento vegetativo, conjugado com a migração (êxodo) populacional rural e intraurbana, dando origem às novas demandas, próprias da urbanização. Passaram à pauta municipal questões como infraestrutura, de localização de novas áreas para a expansão das cidades, oferta de serviços públicos de atendimento básico à população como saúde e educação, moradia, entre outros. Esta nova realidade trouxe desafios à administração pública, que precisou incluir em suas pautas as demandas sociais, advindas do processo de urbanização.

Terceiro, no caso do Brasil, embora os núcleos urbanos já existissem desde o processo de colonização portuguesa, foi no final da terceira década do século XX que as cidades passaram a sedes municipais no Brasil, com o Decreto-Lei 311 de 1938, se constituiu no primeiro marco legal urbano (VEIGA, 2008). Com isso, a cidade passou a ser o espaço para a instituição do núcleo municipal, sendo critérios para a autonomia dos municípios a existência de um “núcleo urbano”, ou uma “vila” como espaço apropriado à instalação da administração local, assegurando a condição de autonomia aos municípios.

Por fim, um quarto ponto a se considerar, é o fato de a evolução urbana ser “ao mesmo tempo espacial e temporal” (LEFEBVRE, 2002). Ela é espacial porque o processo de urbanização acontece num espaço, que é modificado por este, e é temporal porque se desenvolve ao longo do tempo. A dinâmica desta evolução, espacial e temporal, depende de uma série de fatores que, no caso do Brasil, levaram a formação de uma rede urbana concentrada em poucas cidades de grande e médio porte, e, muitas cidades de pequeno porte, como pode ser observado no Censo Demográfico de 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010).

Na presente pesquisa, a definição de porte de cidades está baseada nos critérios do IBGE, que considera como pequena cidade as que têm até 100 mil habitantes, médias com população acima de 100 mil e iguais a 500 mil habitantes e grandes as que têm acima de 500 mil moradores. Esta classificação também é definida por autores como Santos (1994), Braga (2005), Maricato (2001), Amorim Filho e Serra (2001), Brito, Horta e Amaral (2001), Andrade e Serra (2001a) e Lima (1998). Por esta classificação, todas as cidades integrantes da Região Funcional de Planejamento 7, são consideradas pequenas, pois a mais populosa é Ijuí com população de pouco mais 82,5 mil habitantes.

Cabe registrar que, além da população, existem outros critérios para a definição do porte de cidade, que ao contrário deste que é quantitativo (número de habitantes), são qualitativos, como por exemplo, função que desempenha na rede urbana, importância

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regional, características socioeconômicas e demográficas da área de influência. Estes aspectos são ressaltados por autores como Santos e Silveira (2001) e Corrêa (2007).

É importante lembrar que há uma discussão sobre a definição de urbano e rural, pautada por autores como Graziano da Silva (1999), Veiga (2002), Marques (2002) e Grammont (2005), entre outros. Neste debate, há basicamente duas grandes abordagens sobre as definições de urbano e rural, sendo a dicotômica e o continuum. Na dicotômica, o campo se opõe a cidade; e na continuum, a industrialização é o elemento de aproximação entre o campo e a cidade. Embora esta discussão seja importante, do ponto de vista acadêmico e prático, este trabalho não aprofunda a discussão entrono dele. Neste estudo, a cidade (urbano) é entendida como a sede municipal, e os espaços assim definidos pela legislação dos próprios municípios, se opondo ao rural por suas características.

Isto posto, cabe registrar que a urbanização é um processo de transformação de uma população predominantemente rural em uma população majoritariamente urbana, resultante da migração, sobretudo da população pobre do meio rural (SAMPAIO JR. 1999). Este processo de urbanização leva, inevitavelmente, ao aparecimento de inúmeros desafios ligados ao crescimento das cidades, e a necessidade de disciplinar e estabelecer técnicas de intervenção no processo de ocupação dos espaços. “O fenômeno da industrialização, auxiliado pelo desenvolvimento dos meios de transportes, provoca violentas modificações nas antigas e equilibradas relações entre o meio rural e o meio urbano” (TOSHIO MUKAI, apud BASTOS, 1990, p. 200).

Este crescimento, bem como as transformações das cidades e os desafios impostos em razão disso, de maneira geral, não foram acompanhados pela ótica do planejamento urbano, tendo seguido a lógica da industrialização concentrada, a necessidade de mobilidade de pessoas do espaço rural e grande crescimento vegetativo. Essa combinação resultou na diversificação das atividades econômicas, ampliação dos serviços públicos e do sistema educacional voltados às cidades, muito mais como resposta ao crescimento, do que pelo planejamento da expansão urbana. É da necessidade de organizar o crescimento e reduzir os impactos negativos da urbanização que o planejamento urbano entra em pauta.

Diante disso, urbanistas, pesquisadores e planejadores, passaram a propor e executar intervenções, buscando construir um modelo de planejamento urbano capaz de dar conta das demandas das cidades. Assim, nos últimos 100 anos, o urbanismo passa a se afirmar como a ciência dedicada à busca de soluções para uma nova realidade, transformada pelo intenso processo de urbanização (CHOAY, 1965). Com isso, ao longo do tempo, algumas técnicas e

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instrumentos passaram a se consolidar na tentativa de organizar o espaço urbano e de minimizar os seus problemas.

Ainda que, no processo de planejamento urbano, deva-se tomar cuidado para não ignorar as características próprias de cada cidade, evitando a reprodução de uma realidade onde “as cidades estão cada dia mais padronizadas e uniformizadas” (JEUDY, 2005, p. 12), os instrumentos de planejamento são basicamente os mesmos para todas. Para evitar esta padronização excessiva, o que deve ser diferente para cada caso, é a forma como serão definidas as estratégias e as regulações, visando respeitar as características próprias de cada cidade e seus aspectos econômicos, ambientais e socioculturais.

No caso do Brasil, além das técnicas e dos instrumentos construídos pelo urbanismo ao longo dos anos, há uma regulamentação legal, tendo como principais referências, a própria Constituição Federal e uma Lei Complementar. A Constituição Federal de 1988, nos arts. 182 e 183, trata da política urbana, e dentre outras definições, estabelece o plano diretor como instrumento básico do planejamento urbano. É pelo plano diretor que os municípios devem planejar o crescimento urbano, o desenvolvimento econômico, as redes de infraestrutura e a oferta de serviços públicos como saúde e educação.

Neste sentido, os planos diretores devem tratar de temas fundamentais, como as limitações urbanísticas para as edificações, a sustentabilidade ambiental, a habitação e a regularização fundiária, a distribuição espacial das atividades econômicas, a partir de uma gestão democrática e participativa, (BERNARDY; ZUANAZZI; MONTEIRO, 2008; SILVA, 2008). Ademais, ao instituir os regramentos do planejamento urbano, deve-se considerar alguns elementos básicos: a) reflexão orientada para o futuro; b) escolha entre alternativas otimizadas de desenvolvimento; c) considerações de limites, restrições e potencialidades; d) possibilidades de diferentes cursos de ações; e) preocupação com a resolução de conflitos de interesses (CULLINGWORTH, 1997 apud SOUZA, 2004, p.34).

Entretanto, a entrada em vigor, em 2001, do Estatuto da Cidade, lançou aos municípios brasileiros o desafio de instituir ou aperfeiçoar os mecanismos de planejamento urbano, incorporando aos seus planos diretores novas diretrizes. Além da exigência legal, outras questões com os pré-requisitos estabelecidos pelo Ministério das Cidades, – muitos deles resultantes das conferências nacionais das cidades, – como a elaboração dos Planos Locais de Habitação de Interesse Social (PLHIS), de Gestão de Resíduos Sólidos, de Saneamento Básico, por exemplo, tem forçado os municípios a aperfeiçoarem seus instrumentos de planejamento e gestão urbana.

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No entanto, muitos municípios brasileiros estão encontrando dificuldades para se adequarem às novas exigências. Um indicativo disso, para exemplificar, é o fato de o Governo Federal ter prorrogado o prazo de desativação dos “lixões” para 2018, inicialmente previsto para 2014, porque cerca de 60% dos municípios não conseguiram se adaptar a essa exigência legal, dentro do prazo estabelecido, de acordo com a Confederação Nacional dos Municípios (CNM).

Diante deste cenário, ressalta-se a importância de estudar o planejamento urbano, sobretudo os planos diretores, como instrumentos básicos de organização do espaço urbano e do território municipal como um todo. Isso por que é necessário compreender como ele pode ser utilizado para melhorar as condições de habitabilidade, de trabalho, de lazer, enfim, como a vida das pessoas pode ser melhorada nos centros urbanos, por meio da melhor organização da cidade. É só pelo melhor conhecimento das questões urbanas, que se é possível aperfeiçoar os instrumentos já utilizados e encontrar novas alternativas para superar os problemas decorrentes do crescimento das cidades. O aumento da concentração de população nas cidades torna indispensável desenvolver estratégias que garantam um melhor planejamento e a correta ocupação do solo urbano.

Diante disso, este estudo buscou encontrar respostas para a seguinte pergunta de pesquisa: Como as diretrizes definidas pelo Estatuto da Cidade estão sendo incorporadas ao planejamento urbano dos municípios integrantes da Região Funcional de Planejamento 7 (RF7), no Estado do Rio Grande do Sul? A partir daí, constituiu-se em objetivo geral, identificar como os municípios estão incorporando aos seus planos diretores as diretrizes definidas pelo Estatuto da Cidade.

Para responder a esta à pergunta de pesquisa e atender ao objetivo geral, formam definidos, os objetivos específicos, que são: a) analisar os conteúdos e as diretrizes gerais dos planos diretores; b) analisar a definição de função social da cidade e da propriedade nos planos diretores; c) analisar os sistemas de acompanhamento e controle dos planos diretores; e e) apresentar contribuições para os planos diretores e o planejamento dos municípios.

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2 REFERENCIAL TEÓRICO 2.1 Origens do urbanismo

Para CHOAY (1965), o termo urbanismo remonta ao ano de 1910, como a ciência e teoria da localização humana, ligado ao surgimento de uma nova realidade no fim do século XIX. Esta passagem marca o surgimento do que também pode ser chamado de “urbanismo moderno”, já que para o mesmo autor até então as ideias acerca do tema eram qualificadas como “pré-urbanistas”.

É no chamado pré-urbanismo que surgem as primeiras análises, reflexões e estudos de como lidar com os sérios problemas urbanos ligados diretamente ao processo acelerado de industrialização e crescimento dos principais núcleos urbanos. Dentre os problemas das cidades europeias do século XIX estão os congestionamentos, a insuficiência de infraestrutura básica e de saneamento, proliferação de moradias em precário estado de segurança e higiene; deterioração das regiões centrais, poluição do ar, sonora e visual, e segregação espacial, econômica e social. Estas primeiras reflexões sobre o tema podem ser classificadas, na maioria dos casos, sob dois pontos de vista:

Descritivo: os fatos eram observados isoladamente e ordenados de modo

quantitativo; procurava-se entender o fenômeno da urbanização situando-o numa rede de causas e efeitos; a estatística foi incorporada pela Sociologia: tentou-se até formular Leis de crescimento da cidade; Polêmico: a informação era destinada a integrar-se num quadro de uma polêmica; a observação só poderia ser crítica e normativa; a grande cidade era sentida como um processo patológico e criavam, para designá-la, as metáforas do ‘câncer’ e do ‘tumor’ (CHOAY, 1992, p. 5-6).

Estes estudos, embora incipientes, foram fundamentais na adoção de iniciativas que objetivavam a melhoria da qualidade de vida, na medida em que “forneceram uma soma insubstituível de informações sobre as grandes cidades dessa época e ainda contribuíram para a criação da legislação inglesa do trabalho e da habitação” (CHOAY, 1992, p. 5). É a partir destes estudos que surgem na Inglaterra, por exemplo, as primeiras leis urbanísticas, inicialmente voltadas a questões de segurança e incêndio, visando fiscalizar as novas práticas construtivas e melhorar a qualidade das edificações. Mas estas iniciativas definidas por RELPH (1990, p. 52), de “planejamento regulado”, revelaram-se insuficientes frente à amplitude da problemática urbana e geraram o surgimento de bairros desprovidos de atividades e espaços públicos.

Ao mesmo tempo em que alguns países optavam por regulamentos que tornavam mais rígidas as normas para novas construções, visando um crescimento mais ordenado e seguro das cidades, outros adotaram medidas mais radicais. Esta reconstrução de cidades baseada na renovação urbana baseou-se na utilização de “programas saneadores e de remoção do

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proletariado das áreas centrais com a demolição das áreas insalubres” (MARQUES, 1994, p. 21). O exemplo mais marcante deste tipo de iniciativa foi à reconstrução de Paris, realizada por Haussmann (1809-1891) em meados do século XIX, que acabou servindo de ‘escola’ seguida por outros países e cidades.

A reconstrução adotada por Haussmann, de certa forma radicalizou a transformação da cidade, adotando como preceitos básicos a abertura de largas avenidas, demolição das precárias habitações do proletariado, construção de novos bairros suburbanos, especialização de setores urbanos, criação de grandes lojas, hotéis e cafés, implantação de redes de água e esgoto, criação de parques e instituição de rígidas normas construtivas (HAROUEL, 1990; CHOAY, 1992; LAMAS, 1992; BENEVOLO, 1994). Mesmo diante de uma reconstrução quase que total da cidade, os empreendimentos buscaram valorizar os edifícios e monumentos históricos, “reforçando sua função de marcos perspectivos e simbólicos, com esplanadas diante deles” (BARTOLOZZI, 1998, p. 14).

Além de novas práticas, surgem teorias e modelos de comunidades urbanas alternativas, de certa forma utópicas e de pouco sucesso prático. A maioria representava a imaginação na busca por superar as condições subumanas do proletariado e eram inspiradas em concepções políticas e sociais de seus idealizadores. Um dos pioneiros foi o industrial Robert Owen (1771-1858) que, em 1825, idealizou em Harmony, Indiana “uma cidade de tipo coletivo onde se combinava a atividade industrial com a agricultura” (GOITIA, 1996, p. 162). Para Owen, a qualidade de vida baseava-se no desenvolvimento autossustentável, na relação de harmonia e cooperação entre os membros do grupo e a educação. O número ideal de habitantes era de 1.200 pessoas. Estas ideias marcaram “o início da nova linha de pensamento da qual advirá, pouco a pouco, a experiência urbanística moderna” (BENEVOLO, 1994, p. 62).

Na França, o filósofo Charles Fourier (1772-1832) também desenvolveu uma proposta de cidade ideal denominada por ele de Falanstério. Era baseado num “modelo de habitação coletiva, de oficinas-modelo e de construções rurais-tipo” (CHOAY, 1992, p. 9), criada para aproximadamente 1.600 habitantes. A característica mais destacada era a disposição sistemática de lugares e atividades e o Falanstério, um edifício de dimensões monumentais onde as pessoas viveriam de forma comunitária. A insuficiência de capital levou ao fracasso a maioria das tentativas de colocar em prática a ideia, sendo o único caso de sucesso o liderado por Jean-Baptiste Godin (1817-1889), o industrial fundador de uma oficina metalúrgica em Guise. Mesmo assim, o Familistério de Godin se apresenta como “uma redução do modelo de Fourier, sendo o edifício igualmente decomposto em três blocos fechados, mas os pátios de

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tamanho modesto são cobertos por vidros e desempenham as funções das ‘rues intérieures’ de Fourier” (BENEVOLO (1994, p. 76).

Outra proposta de cidade ideal precursoras do urbanismo é a chamada Cidade Linear, idealizada entre 1882 e 1920 pelo engenheiro espanhol Artur Soria y Mata (1844-1920). A proposta de Soria buscava resolver aquilo que na visão dele era a maior causa dos problemas urbanos: a configuração “circular” das aglomerações. Deste modo, o princípio básico de sua proposta era a adoção do formato linear como mecanismo para a resolução de problemas como especulação imobiliária, congestionamentos e marginalização da população periférica. Neste formato, eliminava-se a distinção entre centro e periferia com a construção de único e “contínuo cinturão urbano, paralelo às linhas de transporte, para ligar os centros históricos mais antigos” (MUMFORD, 1991, p. 460). Com a Cidade Linear, a rua ao longo da qual se constitui a cidade, teria uma largura média de 500 metros, podendo ser prolongada de acordo com a necessidade e “podia chegar de Cádis a São Petersburgo, entre a cidade de Madrid e outras povoações, com uma linha central elétrica, para ligar serviços e edificações de casas familiares” (BARTOLOZZI, 1998, p. 20).

Estas ideias propostas pelos pioneiros do urbanismo precisaram sofrer expressivas reformulações para serem colocadas em prática. Isso se deve ao fato de estarem pouco conectadas com os aspectos mais relevantes do contexto social, político e econômico da sociedade, já que surgiram fundamentalmente do imaginário de quem as idealizou. De acordo com Choay (1992. p. 18) “os primeiros urbanistas tem poder reduzido sobre o real: ora tem que enfrentar as condições econômicas desfavoráveis, ora se chocam com todo o poder de estruturas econômicas e administrativas herdadas do século XIX”. Mesmo sem grande aplicação prática, essas ideias serviram de advento para os modelos urbanísticos que se consolidam posteriormente como conceito e prática.

2.1.1 Os modelos de urbanismo

As imaginações e tentativas práticas dos chamados “utopistas”, que marcaram o período que CHOAY (1992, p. 18) define como “pré-urbanismo”, não seriam capazes de apresentar soluções efetivas para os problemas que transformavam as cidades do século XIX em lugares cada vez mais caóticos. É neste cenário que nascem as primeiras teorias do urbanismo, também chamado de urbanismo moderno. Estas correntes de pensamento bastante distintas entre si, marcam os estudos e as práticas até hoje e podem ser definidas da seguinte forma, conforme apresentado no quadro a seguir:

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Quadro 1: Os modelos de urbanismo, abordagens e principais autores.

MODELO ABORDAGEM PRINCIPAIS AUTORES

Progressista A racionalidade da ciência e da técnica como forma de resolver os problemas;

Tony Garnier, Walter Gropius, Le Corbusier.

Culturalista

A totalidade da cidade (aglomeração urbana) deve prevalecer sobre as partes (os

indivíduos), e o conceito cultural de cidade sobre a noção material de cidade;

Camillo Sitte, Ebenezer Haward e Raymond Unwin.

Naturalista A busca por subordinar a arquitetura à

natureza; Frank Lloyd Wright

Antrópolis (Planejamento Humanista)

Apóia-se na crítica ao movimento progressista através da Antropologia, Sociologia,

Psicologia e História;

Patrick Gueddes, Lewis Mumford, Jane Jacobs e Kevin Lynch.

Fonte: o autor (adaptado de CHOAY, apud MARQUES, 1994, p. 23-25)

O primeiro modelo urbanista concebido como teoria é o progressista. Este modelo é marcado por suas plantas de características lineares e pela segregação em zonas, geralmente separadas por um cinturão verde, distinguindo a zona residencial da comercial. Este mesmo princípio de separação ordena as atividades em áreas distintas, e para ligar uma zona à outra, utiliza-se de um sistema de transportes baseado em eixos de ligação por meio de avenidas. Os arquitetos progressistas, também chamados de racionalistas, foram influenciados fortemente pelo plano da Cidade Industrial, desenvolvido entre 1901 e 1904 e editado em 1917, pelo arquiteto francês Tony Garnier (1869/1948). Para Harouel (1990, p. 119) houve “significativa influência sobre os arquitetos ‘racionalistas’ da primeira metade do século, que criaram o ‘estilo internacional’ e elaboraram o modelo de urbanismo progressista”.

O segundo modelo urbanista é o culturalismo. Diferentemente dos arquitetos progressistas, que apreciavam as facilidades dos avanços científicos, os culturalistas propõem a reconquista da qualidade ambiental da cidade. Isto seria feito especialmente por meio dos locais públicos com a valorização das suas características culturais, de seu caráter humano, da harmonia entre os espaços ocupados e vazios e preservando as formas já consolidadas (SITTE, 1992). O culturalismo coloca em “segundo plano questões como o zoneamento, as infraestruturas, densidades, índices urbanísticos ou o funcionamento da cidade” (LAMAS, 1992, p. 252). É no culturalismo, por meio dos seus principais autores, que acontece a grande renovação na forma urbana. Para Bardet (1990, p. 21), “o grande renovador da forma urbana

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foi o arquiteto vienense Camillo Sitte (1843-1903), a quem devemos a nova busca de uma estrutura orgânica, uma reação contra a geometria e o haussmanismo3”.

Outro defensor do modelo culturalista a prestar valiosa contribuição ao processo de estruturação do Urbanismo foi o estenógrafo inglês Ebenezer Haward (1850-1928). A proposta dele era combinar as vantagens da vida na cidade com as do campo, e, ao mesmo tempo resolver alguns de seus principais problemas como “o congestionamento das cidades e o isolamento da vida rural” (RELP, 1990, p. 57). Suas ideias foram publicadas pela primeira vez em 1898 e reeditadas em 1902 e tinham como principais características: malha de anéis concêntricos, recortados por vias radiais; demarcações precisas de setores e limites por meio de cinturões verdes; e a eliminação da especulação através do arrendamento dos terrenos. Para Haward a população máxima da sua “Cidade Jardim” seria de 32.000 pessoas, sendo esta ligada em forma de satélite a um centro maior (HAROUEL, 1990; RELP, 1990; FERRARI, 1991; CHOAY, 1992).

O arquiteto francês Charles-Édouard Jeanneret (1887-1965), conhecido como Le Corbusier, causou polêmica ao expor seus conceitos sobre urbanismo em 1922, no Salão de Outono de Paris. De certo modo Le Corbusier fizera uma sintetização das teorias até então conhecidas apresentando contribuições inéditas, como uma proposta de planejamento de abrangência regional. O objetivo da Cidade Contemporânea apresentada por ele “não foi vencer estados de coisas preexistentes, e sim conseguir, ao construir um edifício teórico rigoroso, formular princípios fundamentais de urbanismo moderno” (LE CORBUSIER, 1992, p. 156). Ele entendia que princípios verdadeiros e sólidos poderiam “constituir a estrutura de todo o sistema de urbanização contemporânea; seriam as regras segundo a qual o jogo poderia ser jogado” (LE CORBUSIER, 1992, p. 156). A proposta ideal contemplava erguer uma cidade com 3.000.000 habitantes, distribuídos em três setores distintos:

Urbano: (a cidade: centro de negócios e residências urbanas) – para aqueles que têm

aí seus negócios e residem na cidade; Suburbano: (a cidade industrial e as cidades-jardins) – para aqueles que trabalham na periferia, na zona fabril, e não vêm à cidade; residem na cidade-jardim; Misto: (cidades-jardins e transportes cotidianos) – para os que fornecem seu trabalho no centro de negócios, mas vivem nas cidades-jardins (LE CORBUSIER, 1992, p. 157).

A Cidade Contemporânea foi muito criticada especialmente por colocar o setor industrial e os subúrbios o mais distante possível do centro, divididos por cinturões verdes. Mesmo propondo que os três setores fossem interligados por uma eficiente rede de

3 Modo de intervenção urbana implantado por George-Eugène, o barão de Haussmann, enquanto prefeito de Paris, reproduzido no resto do mundo, baseado na destruição da paisagem existente e reconstrução de uma nova cidade.

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transportes, a distância era vista como um problema às cidades. Por outro lado, RELP (1990, p. 69) lembra que as ideias de Le Corbusier foram amplamente difundidas, especialmente por: descongestionar os centros das cidades; aumentar a densidade populacional dos centros das cidades, construindo em altura; melhorar a circulação de tráfego, substituindo as estradas estreitas por largas vias; aumentar os espaços abertos; oferecer uma variedade de vistas e perspectivas; e beneficiar as unidades de edifícios produzidos em massa.

O terceiro modelo urbanista é o naturalista, que tem como principal teórico o arquiteto americano Frank Lloyd Weight (1869-1959). Pela concepção naturalista pensava-se que a solução dos problemas da cidade se daria através da dispersão dos ambientes, de forma que este modelo foi qualificado “como a fonte conceptual dos desenvolvimentos suburbanos de fraca densidade populacional da América” (RELPH, 1990, p. 72). Wright propunha uma “total dissolução das funções urbanas na natureza” (HAROUEL, 1990, p. 126), apresentada na Broadacre-City, um plano de cidade ideal que desenvolvido por ele entre 1931 e 1935. Esta dissolução baseava-se no respeito integral a natureza e se traduzia especialmente no predomínio da horizontalidade das edificações e na baixa densidade urbana. Outra característica era a não previsão de domicílios coletivos, sendo que todas as moradias eram particulares, construídas em grandes lotes e permitindo a realização de atividades profissionais em suas dependências. Outra característica era a presença de pequenas unidades isoladas, ligadas por vias rápidas, onde ocorriam as atividades culturais, as de saúde e algumas atividades profissionais. O modelo naturalista tem como princípios básicos: o acesso ao mundo natural e os materiais naturais os mais usados; a democracia através da propriedade privada da terra; a descentralização baseada na energia elétrica e nos novos meios de mobilidade; ausência de atividade comercial; e, se desejassem, todos podiam herdar propriedades.

Dentre as ideias de urbanismo que mais se destacaram como doutrina e prática, as defendidas por Le Corbusier foram as que ganham mais notoriedade e uma aceitação quase unanime entre o final da década de 1920 e início dos anos 1930.Um movimento iniciado num evento realizado em 1928 no castelo de La Sarraz, na Suíça, se caracterizou como um dos principais impulsos para a aceitação mundial dos conceitos defendidos por Le Corbusier. Neste evento denominado Congresso Internacional de Arquitetura Moderna (CIAM), os arquitetos racionalistas definiram sua concepção de Urbanismo, suas funções e seus objetivos:

O Urbanismo é: a administração dos lugares e dos locais diversos que devem

abrigar o desenvolvimento da vida material, sentimental e espiritual em todas as suas manifestações, individuais ou coletivas; As três funções do Urbanismo são: 1º habitar; 2º trabalhar e; 3º recrear-se; Seus objetivos são: a) a ocupação do solo; b) a organização da circulação e; c) a legislação (CIAM apud LE CORBUSIER, 1993).

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Em 1933, com a “Carta de Atenas”, elaborada pelos arquitetos do CIAM, se constituiu num documento de força doutrinal estabelecendo fundamentos balizadores do urbanismo progressista, inspirado na “Declaração de La Sarraz” (1928). Estes fundamentos pregavam a “adequação do crescimento das cidades às universais necessidades do homem” (LE CORBUSIER, 1993, p. 77), isto é, as cidades deveriam ser planejadas levando-se em conta quatro aspectos:

Habitar: assegurar aos homens moradias saudáveis, isto é, locais onde o espaço, o

ar puro e o sol, essas três condições essenciais da natureza, lhe sejam largamente asseguradas; Trabalhar: organizar os locais de trabalho para que não sejam uma sujeição penosa; Recrear-se: prever as instalações necessárias ao bom uso das horas livres; Circular: estabelecer o contato entre essas diversas organizações mediante uma rede circulatória que assegure as trocas (LE CORBUSIER, 1993, 77).

A “Carta de Atenas” influenciou as decisões e ações dos urbanistas, especialmente a partir da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) baseado no ideário progressista dos arquitetos racionalistas. Sua influência foi tão forte a ponto de contribuir muito para concretizar um “International Style”, onde os planos e projetos passaram a ser “desenvolvidos conforme os novos paradigmas e preceitos dos Congressos de Arquitetura Moderna e da Carta de Atenas” (DEL RIO, 1997, p. 20). Estes princípios racionalistas passaram a ser usados de forma que configuração urbana e o espaço fossem entendidos como objetos distintos. A configuração urbana era vista como um cenário das relações humanas, e o espaço como resultados das relações sociais. Esta concepção se traduz de maneira que “as propostas físico-espaciais são formuladas a partir de diretrizes ou planos socioeconômicos e institucionais. Portanto, o espaço urbano é pré-figurado através de outros campos disciplinares – quando não é totalmente omitido” (KOHLSDORF, 1985, p. 41).

O urbanismo Antrópolis, o Planejamento Humanista constitui um novo modelo de urbanismo, mais recente na prática e na literatura, que surge como uma resposta às limitações do ideal racionalista que embora predominante, não dá conta de alguns aspectos da vida urbana, como as questões antropológicas, psicológicas, sociais e culturais. As maiores preocupações do modelo Antrópolis, Planejamento Humanista são a qualidade dos ambientes, as relações de sociabilidade e a falta de identidade entre o homem e o espaço em que vive. Busca-se então, o resgate e a reintegração dos valores socioculturais e afetivos da população à cidade, de modo que futuras intervenções promovam harmonia entre o homem e o espaço.

Este modelo fica evidente a partir da década de 60 com o surgimento do Desenho Urbano como campo disciplinar fundamental do processo de Planejamento, com o objetivo de dar conta da complexidade das cidades e contemplar particularidades das diferentes situações

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que compõem o espaço urbano. Busca-se isso por meio de categorias de análise de diferentes disciplinas como psicologia, história, antropologia, sociologia e geografia, utilizando “cada uma conforme a especificidade do problema, e podendo fazer uso de diversas visando sua complementaridade” (DEL RIO, 1997, p. 67).

2.1.2 O planejamento urbano

O planejamento, como forma de estabelecer critérios de organização do espaço urbano é relativamente recente, já que tomou forma e caminhou para consolidação depois da Segunda Guerra Mundial. É a partir deste período que surge uma “legislação eficaz para tornar possível a concretização de planos oficiais” (RELPH, 1990, p. 62). Isto se tornou possível a partir da viabilidade de se estabelecer uma administração centralizada e em larga escala, aliado a necessidade de reconstrução dos tecidos urbanos danificados ou deteriorados. Outro fator que contribuiu para isso, é o fato que no período de 1910 a 1945 surgiram “medidas que se tornaram parte dos padrões de repertório de planejamento do pós-guerra e que tem tido um efeito considerável na aparência das cidades” (RELPH, 1990, p. 62).

Das medidas surgidas neste período a mais difundia foi a Unidade de Vizinhança, idealizada pelo americano Clarence Artur Perry (1872-1944), durante a década de 1920. Por esta proposta, as cidades priorizam a preocupação central e o resgate das relações sociais entre vizinhos, já que na visão do seu idealizador as relações estavam cada vez mais distantes. Perry partia de dois princípios: primeiro, que era irreversível o aumento da circulação de veículos e a fragmentação da cidade em setores distintos; e segundo, que a escola poderia desempenhar a função de elemento centralizador da vida comunitária. A Unidade de Vizinhança tinha como base seis preceitos:

O seu tamanho deveria ser determinado em conformidade com o número de habitações necessárias para suportar uma única escola. A população seria de 5.000 habitantes; As fronteiras seriam artérias que permitissem que todo o tráfego contornasse a vizinhança; Espaços livres deveriam constituir 10% da área; A escola e outras instituições deveriam estar no centro; O comércio deveria estar situado na periferia da unidade, nos cruzamentos de artérias; As ruas internas deveriam ter um traçado variado e largura suficiente para o tráfego local. PERRY (apud RELPH, 1990, p. 63)

Como todo modelo altamente difundido e aplicado, a Unidade de Vizinhança sofreu inúmeras críticas quanto à sua eficácia. Dentre as críticas destacam-se como principais aspectos a “própria desagregação dos conceitos utilizados, ficando clara a impossibilidade de impor a constituição de grupos sociais através do planeamento” (LAMAS, 1992, p. 322), e a grande dificuldade em aplicar seus princípios básicos aos diversos tipos de configurações

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urbanas. Outro problema do modelo de Perry é o estimulo a formação de “ilhas urbanas, isoladas por artérias movimentadas” (RELP, 1990, p. 64).

O plano da cidade de Radburn, Nova Jersey, desenvolvido entre 1928 e 1929 por Clarence Stein (1882-1975) e Henry Wrigth (1878-1936), foi outra experiência que marcou a afirmação do planejamento urbano. Inspirado na Cidade-Jardim e incorporando conceitos da Unidade de Vizinhança, a cidade de Radburn apresenta preceitos, como maior separação sistemática da circulação de veículos e pedestres e a superquadra suburbana. Os preceitos básicos do modelo de Stein são:

A substituição dos quarteirões por blocos habitacionais, não cortados por vias; a hierarquização das ruas; separação da circulação de peões da circulação de automóvel por meio de desníveis; orientação dos espaços principais das casas para jardins; criação de faixas de verdura formando um parque ramificado a toda a cidade. A superfície dos jardins individuais é reduzida em proveito de áreas livres para uso público. (LAMAS, 1992, p. 312)

A construção de Radburn foi interrompida em 1929 em decorrência da grande depressão econômica, ficando restrita a “dois superblocos, um edifício de apartamentos e um pequeno centro comercial” (RELP, 1990, p. 66), para uma população aproximada de 1.500 pessoas. Mesmo assim, seus conceitos urbanísticos foram exaustivamente adotados no planejamento do pós-guerra e, segundo HALL (1995, p. 147-148), estes se caracterizam “inquestionavelmente nas mais importantes contribuições norte-americanas para a tradição cidade-jardim”. O mesmo autor afirma que como “subúrbiojardim, marcam talvez, em matéria de projeto, o mais significativo avanço até então alcançado além dos padrões fixados por Unwin e Parker”.

Contudo, nenhuma outra medida urbanística desenvolvida no inicio do século XX se afirmou tanto como em zonas, que é a disposição dos setores da cidade conforme as atividades. Sua consolidação como um dos instrumentos básicos do planejamento é tão forte a ponto de permanecer até os dias atuais como influência marcante na estruturação, na aparência e na forma das cidades. Esta utilização incondicional já dura um século, desde 1916 com a implantação do Plano de Zoneamento de Nova York. Este, por sua vez, buscava compatibilizar restrições ao uso e ocupação do solo com uma série de medidas pertinentes a normas construtivas, relacionadas à altura dos edifícios e à melhoria da salubridade por meio do aumento da iluminação natural e da circulação de ar.

Entretanto, abriu-se espaço para o surgimento da especulação imobiliária criando mecanismos restritivos à ocupação de determinadas áreas, segregação nas suas mais diversas formas e como meio de proteção dos interesses imobiliários das camadas dominantes. Sua primeira aplicação ainda no século XIX, na Alemanha, teve como finalidade “afastar os

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matadouros das áreas residenciais, e na Califórnia, com o objetivo discriminatório de limitar a localização das lavanderias chinesas” (RELPH, 1990, p. 66). Posteriormente o zoneamento assumiu “linguagem e objetivos urbanísticos, ao incorporar, por exemplo, a noção de função a partir das propostas de organização espacial de Le Corbusier” (RIBEIRO & CARDOSO, 1989, p. 22), e, ainda a partir deste conceito, nas últimas décadas têm-se buscado criar mecanismos capazes de inibir os abusos especulativos.

Cabe registrar o movimento City Beautiful, que também exerceu significativa influência na consolidação do processo de planejamento, mesmo não se afirmando como responsável por alterações significativas na estrutura das cidades do início do século XX. Este movimento foi influenciado pelas ideias de Haussmann, e tinha o arquiteto americano Daniel Hudson Burnham (1846-1912), como seu idealizador e maior representante. O preceito básico era “devolver à cidade sua perdida harmonia visual e estética, criando, assim, o pré-requisito físico para o surgimento de uma ordem social harmoniosa” (BOYER apud HALL, 1995, p. 212). Burnham afirmava que isso era possível “através do realinhamento das ruas, transformando-as em avenidas largas e arborizadas, destinadas a serviços de utilidade pública” (RELP, 1990, p. 54).

Ainda neste movimento, o Plano de Chicago, publicado em 1909 foi a obra mais importante e se destacou como um dos primeiros modelos de planejamento e gestão urbana integrada. As críticas ao plano devem-se, em síntese à pouca atenção dada a temas como habitação, educação e saneamento. Mesmo assim, este “foi o primeiro ‘plano director’ à escala da cidade a definir como seria a cidade num determinado ponto do futuro, estabelecendo um objetivo para o qual o desenvolvimento podia caminhar” (RELP, 1990, p. 54-55). Foi esse ponto em especial que fez o City Beautiful entrar para a história do planejamento urbano.

O início do século XX, além de marcar a consolidação do planejamento urbano local, também significou a origem do planejamento regional, tendo como precursor o britânico Patrick Gueddes (1854-1932). Em seu livro “Cities in Evolution”, publicado pela primeira vez em 1915 justificou a importância da prática de um estudo prévio do local como condição básica para o sucesso na implantação de medidas. Para Gueddes, “o planejamento deveria começar [...] com o levantamento dos recursos de uma região natural, das respostas que o homem dá a ela e das complexidades resultantes da paisagem cultural” (MAIRET apud HALL, 1995, p. 165). Esta afirmação estava baseada na ideia de que cada uma das ocupações naturais era característica de determinado ambiente, sendo cada região o produto da

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combinação “povo-trabalho-lugar em perfeita harmonia e, no centro de tudo, a cidade” (HALL, 1995, p. 172).

As ideias de Gueddes foram aperfeiçoadas e difundidas por seu discípulo Lewis Mumford (1895-1990), historiador, planejador urbano e crítico arquitetônico americano. Além dele, um pequeno grupo de cientistas urbanos, os membros da Regional Planning Association of American (RPAA), fundada em 1923, também se encarregaram de difundir suas ideias que até hoje marcam o conceito e a prática do planejamento local e regional.

A produção de planos, projetos, políticas e programas ocorreu de formar indiscriminada no período conhecido como segundo Pós-Guerra, marcado pela ampla e total hegemonia das ideias Le Corbusier e dos arquitetos racionalistas do CIAM, estabelecidas na Carta de Atenas. Durante este período, nos “países de primeiro mundo, este tipo de ideologia e de modo de atuação se aplicaria às políticas públicas para com as áreas centrais, tanto habitacionais, quanto comerciais, que se encontrassem em situação de esvaziamento populacional e econômico” (DEL RIO, 1997, p. 20).

Além das regiões centrais das grandes cidades, a aplicação das teorias urbanísticas do CIAM foram amplamente aplicadas nos projetos de cidades novas, como as capitais Chandigard em 1951 e Brasília em 1957. Construída para ser a nova capital do Punjab após a divisão da Índia, Chandigard foi planejada para uma população de 150.000 pessoas podendo chegar a 500.000. A crítica a esta cidade está relacionada, sobretudo, à ausência de adequação do projeto às características culturais da região, pela rígida distribuição de atividades a contribuir para a segregação e, ainda, pela pouca propensão ao desenvolvimento da integração social.

Por esta razão, na década de 60 os métodos de análise e intervenção urbana passaram a sofrer fortes críticas e protestos (DEL RIO, 1997; RELPH, 1990; LACAZE, 1993). Os principais alvos de críticas são o desapego pelas características físicas e históricas pré-existentes, literalmente colocadas abaixo por “políticas e programas do tipo ‘arrasa quarteirão’” (DEL RIO, 1997, p. 21), implementados pelo mundo todo, inclusive no Brasil. Esta prática é conhecida como “planeamento radical”, já que se baseia na “a ideia que pouco, ou possivelmente nada do que era antigo merecia ser preservado ou reproduzido” (RELPH, 1990, p. 130). Criticava-se também o forte “impacto dos empreendimentos sobre o meio ambiente e a vida das comunidades, quanto da própria qualidade dos espaços urbanos e da arquitetura” (DEL RIO, 1997, p. 19). Outro ponto criticado era o seu caráter “curativo” e nada “preventivo”.

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Durante quase toda a trajetória do planejamento urbano até meados do século XX, o foco da prática e da teoria eram as questões físicas da cidade. Deste modo eram privilegiadas as regiões centrais, atendendo à interesses e pressões econômicos das áreas mais valorizadas. A atenção e a infraestrutura eram dispersas da região central quando esta não suportava mais a expansão das atividades, seja pelos aspectos de trânsito, seja pelo elevado custo do espaço. Por outro lado, era cada vez mais perceptível que todas as atividades humanas impactavam sobre as questões físicas urbanas, de modo que apenas olhar para as questões físico-espaciais não traria efetivamente soluções para os crescentes problemas urbanos.

Diante deste contexto, em 1969 o X Congresso da União Internacional dos Arquitetos aponta para a necessidade de:

O planejamento físico deve ser compreendido como uma missão particular do planejamento integral, e não como um sistema independente, na medida em que toda ação concreta dos homens e da sociedade modifica o espaço habitado (X CONGRESSO UIA apud LOEB, 2003, p. 141).

Por essa visão, o planejamento físico deve estar integrado às demais questões locais, regionais e nacionais, compreendendo que cada cidade compõe um sistema complexo de variáveis interdependentes que precisam ser trabalhadas nas suas dimensões técnicas, política e jurídicas. Sem esta compreensão global e de interdisciplinaridade de atuação, a esfera pública estatal perde o poder de atuação por meio do planejamento urbano e territorial.

2.2 O planejamento urbano no Brasil

Desde 1500, quando da ocupação do Brasil pelos portugueses, o país está em um processo de urbanização, mas evidentemente de forma muito mais acelerado a partir do final do século XIX e durante do século XX. Desde então, a formação das cidades é marcada pela influência europeia, e mais marcantemente, a portuguesa, que ditou o ritmo de quase tudo o que se construiu por aqui durante o período colonial.

Os portugueses estabeleceram no Brasil, quase intato, o mundo que haviam criado na Europa. A melhor comprovação oferece a cidade da Bahia em si mesma. Em quase 215 anos de 1549 a 1763, durante os quais gozou o privilégio de ser a primeira metrópole lusitana no Novo Mundo, tornou-se a Bahia uma réplica fidelíssima de Lisboa e do Porto, as duas maiores cidades de Portugal (ROBERT C. SMITH apud LEOB, 2003, p. 144).

Com o surgimento do planejamento urbano no Brasil, surgem também as primeiras tentativas de deixar para traz as características coloniais, não somente pela construção de um modelo nacional, mas pela adoção de outros padrões inspirados na Europa. No entanto, somente com a construção de Brasília na década de 1950, e especialmente o concurso

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nacional para o Plano Piloto da nova Capital do Brasil, é que mereceu “repercussão internacional” (LEOB, 2003, p. 152) e mobilizou arquitetos de todo o Brasil.

Tendo como fator predominante por boa parte do tempo a ‘importação’ de modelos e padrões, o planejamento urbano no Brasil pode ser dividido em três períodos históricos: o primeiro inicia no final do século XIX, por volta de 1875 e vai até o ano de 1930; o segundo vai de 1930 até por volta de 1992; e neste ano inicia o terceiro período que perdura até o fim do século XX (VILLAÇA,1999). Pode-se acrescentar ao proposto por Villaça, um quarto período que se inicia em 2001, com a aprovação do Estatuto da Cidade, legislação que regulamenta o capítulo da política urbana contidos na Constituição de 1988.

O primeiro período que marca o nascimento do planejamento urbano no Brasil se dá em 1875, quando são apresentados os primeiros relatórios da “Comissão de Melhoramentos da Cidade do Rio de Janeiro”, criada em 1874 pelo Ministro do Império João Alfredo Correa de Oliveira. O relatório traz pela primeira vez “dois conceitos-chave: o de plano e o de conjunto geral ou global, associados ao espaço urbano” (VILLAÇA, 1999: 194-195).

Este processo de planejamento urbano inicial no Brasil é baseado na ideia dos planos de melhoramentos e embelezamentos. São inspirados nas intervenções urbanas com pretensões científicas, que se iniciaram ao final do século XIX nas grandes metrópoles europeias, com o de Barcelona e Paris. De certo modo, é uma proposta que serve para a nova classe dominante impor a sua ideologia e rejeitar o passado colonial, por meio da transformação das cidades por meio de grandes avenidas, praças e monumentos. A concepção da época era que o Brasil precisava se modernizar, e isso significava adotar padrões europeus para suas cidades.

Este processo pauta a "criação" de novas cidades mais modernas e progressistas, que atendessem aos interesses das classes dominantes, sem preocupação com todos os habitantes das cidades. Estas medidas eram pautadas pelo higienismo4 que, surgido com o liberalismo5, visava construir ambientes mais salubres que evitassem doenças consideradas um mal que afetava toda a vida social. De forma excludente, aqueles que não podiam fazer melhoramentos nos seus imóveis eram forçados a se colocar à margem da cidade bela, moderna e sadia.

Marcam este período, as reformas de Pereira Passos (1903 – 1906), realizadas no Rio de Janeiro. Estas reformas foram desenvolvidas em duas fases: a primeira, a fase higienista, no

4 O higienismo é um pensamento do final do século XIX, que prevalece até os anos de 1950, pregando o equilíbrio das dimensões do individuo, tanto físico, intelectual e moral.

5 O liberalismo é a teoria que defende as livres iniciativas individuais, com a mínima intervenção do Estado nos aspectos econômico, social e cultural das pessoas e da sociedade.

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qual predominavam os médicos sanitaristas; e a segunda, na qual os engenheiros e técnicos buscavam soluções para o saneamento e a circulação na cidade, além da preocupação com o padrão construtivo. Este processo de intervenção do poder público resultou na remoção da população mais pobre do centro, o que forçou a ocupação desordenada dos morros e a supervalorização dos terrenos no centro da cidade.

O segundo período no planejamento urbano no Brasil inicia em 1930 e vai até 1992. Pode se dizer que, a partir dos anos 30, o planejamento de fato passa a integrar a pauta oficial dos governos, inspirado fundamentalmente no modernismo progressista. É nesse período que “os governos locais e estaduais, bem como a União, adotaram o modernismo progressista como seu estilo oficial” (SANTOS, 1993, p. 43), quando as áreas centrais das principais cidades brasileiras têm implantados projetos de renovação urbana.

O fato marcante no Brasil no seu contexto histórico e político é a Revolução de 1930, que traz como consequências mudanças econômicas e sociais que são refletidas no planejamento urbano. Isso ocorre na medida em que surge a necessidade de reprodução do capital imobiliário na cidade e passa a ser vista como força de produção. Muda-se o foco da construção de uma cidade bela, para a viabilidade de uma cidade eficiente. A crescente força de mobilização e conscientização da classe operária, fez com que fossem freadas as derrubadas de bairros inteiros para a construção de novos bairros, que só atendiam aos interesses do capital imobiliário e desconsideravam os anseios das classes populares urbanas.

Dentro do segundo período definido por Villaça de 1930 a 1992 são identificado três subperíodos:

a) O Urbanismo e o Plano Diretor (1930-1965): é o período marcado pela

divulgação dos planos das duas maiores cidades do Brasil, os Planos Agache, para o Rio de Janeiro, e o de Prestes Maia, para São Paulo. Estes planos trazem como novidade o destaque para infraestrutura e o transporte sem abrir mão do “interesse pelas oportunidades imobiliárias que as remodelações urbanas oferecem” (VILLAÇA, 1999: 206). Mantém-se o centro da cidade como o grande foco de atenção e das ações propostas pelos planos, entretanto no discurso pretenda-se abordar a cidade inteira, ainda que na prática isso não seja observado.

b) O Planejamento Integrado e os Superplanos (1965-1971): é o período em

que a concepção de planejamento da cidade extrapola seus aspectos físicos e passa a enfocar também os problemas urbanos de forma mais ampla. Para

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além das questões da engenharia e da arquitetura, a cidade é vista também como um organismo econômico e social que precisa ser gerido por um aparato político institucional. Por esta razão, além das obras de remodelação urbana os planos devem abranger “tanto do ponto de vista interdisciplinar como do ponto de vista espacial, integrando a cidade em sua região” (VILLAÇA, 1999: 211-212). De certo modo este período também foi marcado por planos pouco exequíveis.

c) Os Planos Sem Mapas (1971-1992): neste período os planos passam a ser

elaborados sem diagnóstico consistente e basicamente contém um conjunto de ‘boas intenções’, geralmente pelos próprios técnicos municipais. Essa fase, de certo modo, é uma nova forma da ideologia dominante passar a ideia de que está cuidando do planejamento e, ao mesmo tempo, ocultar os conflitos existentes nas questões urbanas. É neste período que o planejamento urbano no Brasil passa a ser identificado com “a atividade intelectual de elaborar planos. Uma atividade fechada dentro de si própria, ‘desvinculada das políticas públicas e da ação concreta do Estado’, mesmo que, procure justificá-las. Na maioria dos casos, entretanto, na verdade, ocultá-las” (VILLAÇA, 1999: 221).

No início da década de 1990, já com a nova Constituição Federal (1988), inicia o terceiro período do planejamento urbano no Brasil, que se estende até 2001, quando entra em vigor a Lei Federal 10.257 de 10 de julho de 2001, o Estatuto da Cidade. Fruto dos vários movimentos pela reforma urbana, iniciados em 1963, quando da realização do Seminário de Habitação e Reforma Urbana, em Petrópolis-RJ, vem para regulamentar os artigos 182 e 183 da Constituição Federal de 1988 inaugurando uma nova fase para a questão urbana no Brasil.

Antes mesmo da regulamentação dos artigos, várias cidades, dentre as quais Recife e Porto Alegre, tentaram pôr em prática os princípios estabelecidos pela nova ordem urbanística da Carta Magna. Este período foi marcado pela insegurança jurídica das operações e pela mentalidade dos operadores do direito e dos governantes, ainda vinculada aos aspectos da propriedade urbana contidos no Código Civil de 1916. Este contexto fez com que poucos casos práticos tivessem sucesso, ainda que as iniciativas neste sentido tenham ajudado a manter vivo o debate pela regulamentação do tema no Brasil. Conforme VILLAÇA (1999) foi neste período que os planos deixaram de ser tecnocráticos e passaram para os planos políticos

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buscando extrapolar, transpor as barreiras dos escritórios técnicos e colocar em discussão nos aspectos técnicos e políticos da cidade real, com seus anseios e vários atores envolvidos.

A partir de 2001, com o Estatuto da Cidade, surge um novo período do planejamento urbano brasileiro, tendo no Plano Diretor seu instrumento básico, o que dá início à construção de uma nova geração de planos, com vistas a atender as diretrizes estabelecidas pela nova regulamentação.

2.2.1 A questão urbana na Constituição e no Estatuto da Cidade

Fruto de um processo de luta pela reforma urbana iniciado na década de 1960, surge em 1987, o Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU) formado por entidades representativas de movimentos sociais e defendia três princípios: direito à cidade, onde todos os cidadãos tenham direito à moradia digna e a usufruir dos serviços urbanos; gestão democrática, com implantação de processos e instrumentos que propiciem à sociedade civil condições de participação no planejamento e no controle social; função social da propriedade, onde o interesse coletivo está acima do interesse individual.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, mais precisamente com a inclusão do capítulo sobre política urbana, nos artigos 182 e 183, consagram-se dispositivos de democracia participativa, rompendo com a soberania tecnocrata de formulação da legislação urbana. Para PINTO (2010), a Constituição de 1988 foi a primeira no Brasil, e talvez uma das únicas no mundo, a tratar diretamente sobre a política urbana e definindo os planos diretores como seu instrumento fundamental.

O capítulo da política urbana na Constituição Federal abrigou parcialmente o proposto pela Emenda Popular da Reforma Urbana dentro de um acordo possível e postergou a maior parte dos aspectos para regulamentação em lei complementar.

CONSTITUIÇÃO FEDERAL

“Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fiadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.

§ 1º - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.

§ 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.

§ 3º - As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro.

§ 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específia para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:

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