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Para uma psicossociologia da máscara : sobre curativos, óculos e próteses faciais na trajetória de vida de pessoas que passaram por mutilações na face

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Academic year: 2021

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(1)Anna Katarina Barbosa da Silva. PAARRAA UUM A MÁ DA AD GIIA OG LO OL CIIO OC A PSSIIC A: MA RA OSSSSO AR CO CA ÁSSC SSO AIISS CIIA AC ESS FFA OSS, Ó VO ESSE TE TIIV ÓT AT RÓ RA UR E PPR CU EC OSS E RE LO BR UL OB CU ÓC N E UE QU ASS Q OA ESSSSO E PPE DE AD DA VIID EV DE AD RIIA ÓR TÓ ET AJJE RA TR AT NA PPA E CE AC A FFA NA ESS N ÕE ÇÕ AÇ LA TIIL UT MU RM OR M PPO AM RA AR ASSSSA.

(2) Anna Katarina Barbosa da Silva. PARA UMA PSICOSSOCIOLOGIA DA MÁSCARA: SOBRE CURATIVOS, ÓCULOS E PRÓTESES FACIAIS NA TRAJETÓRIA DE VIDA DE PESSOAS QUE PASSARAM POR MUTILAÇÕES NA FACE. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Pernambuco, como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Psicologia.. Orientador: Profº. Dr. Luís Felipe Rios. RECIFE 2008. 2.

(3) Silva, Anna Katarina Barbosa da Para uma psicossociologia da máscara : sobre curativos, óculos e próteses faciais na trajetória de vida de pessoas que passaram por mutilações na face / Anna Katarina Barbosa da Silva. – Recife: O Autor, 2008. 161 folhas : il., fig. Dissertação (mestrado) – Universidade Pernambuco. CFCH. Psicologia. Recife, 2008. Federal. de. Inclui: bibliografia e anexos. 1. Psicologia. 2. Corpo. 3. Mutilação – Facial. 4. Mutilados. 5. Identidade. 6. Estigma (Psicologia social). 7. Narrativa escrita. I. Título. 159.9 150. CDU. (2.. ed.). UFPE BCFCH2008/40. CDD (22. ed.). 3.

(4) 4.

(5) Dedico este trabalho aos meus pais, José & Marluce Barbosa. 5.

(6) AGRADECIMENTOS. Quisera conseguir agradecer ao SENHOR “por todos os benefícios que me tem feito”. Como é impossível contá-los, só posso dizer: Obrigada Deus meu, tudo o que tenho e tudo o que sou, devo a Ti! A meus pais, Marluce e Barbosa, e meu irmão, Luis, por tanto amor e colaboração! Devo a vocês o fato de estar concluindo este Curso de Mestrado. A Adiel, porque a vida me surpreendeu com o que faltava em mim desde ouvi-lo dizer “te amo”. Ao meu orientador Luis Felipe Rios, por toda paciência e atenção, especialmente pela confiança e credibilidade evidentes nas palavras que sempre me deram segurança e nas pertinentes orientações. Por ter me apresentado a Psicologia Cultural e a Antropologia, que me possibilitaram andar em solo firme diante do que eu pretendia investigar. A você, Felipe, meu respeito, admiração, enorme carinho e incomunicável gratidão. A Eliane Revorêdo, a pessoa mais extraordinária que poderia conhecer! Linda por dentro e por fora, resplandecendo amor ao próximo, talento e perseverança! Hoje, minha amiga; sempre, meu exemplo! As professoras Jaileila Menezes e Odette Vasconcelos por toda atenção, incentivos, contribuições e interesse por este trabalho. Porque sem os primeiros passos não se aprende a andar, sou grata aos antigos e sempre atuais participadores da minha história: Profªs. Marilyn Sena e Luiza Araújo (orientadoras nas monografias I e II, respectivamente), Edilair Mota (supervisora de estágios no Hospital de Câncer de 2003 a 2005) e Profº. Roberto Pacheco (supervisor de estágio na UFPE em 2005). A todos os colegas da primeira e da segunda turma do Programa de PósGraduação em Psicologia, por cada sugestão, discussão e indicações dentro e fora de sala. Azenildo, Lidiane, Ticiana, Sandra, Cristiane, Vera, Anna Renata, Ana Cláudia, Jesus, Adélvio, Cíntia e tantos outros! Mas, em especial, quero agradecer a minha amiga Gláucia, por sua amizade incondicional, respeito, confiança e vivências que compartilhou comigo. Agradeço a sua mãe, Maria de Fátima (in memorian), que me ofertou seu exemplo de vida. Aos também amigos: Ednalda, Dinha, André Rebouças, Fabiana, Márcia, Deise, Dideanne, Neidinha, Xanda, Carol Perboire, Carol VB, Rita, Manuella e Gabriella. Também, colegas dos CRAS’s em Jaboatão dos Guararapes. Também: Anderson, Cláudia, Edna e José Pedro Souza, que já fazem parte da minha família. A minha ‘família do coração’ na cidade do Rio do Janeiro: Fernanda, Marquinhos, Sra. Mª. Alice e Sr. Sérgio Carl. As amigas Evelyn e Luciana, por toda força que também me deram. A família Malta (Sr. Malta, Tia Nádia, Tia Lú e Maneco) por todo carinho, confiança e força que, de bom grado, me dão! Devo minha profunda gratidão a Manoela Malta, minha amiga, meio-anjo na minha vida, a quem admiro e amo. As Comunidades Cristãs em Piedade, Candeias e Muribeca, pelo apoio e orações. A Dra. Fátima Matos Vasconcelos (Hospital de Câncer de Pernambuco), a quem admirava desde os estágios de graduação, por sua confiança e respeito que se confirmaram no aceite deste trabalho pelo Departamento de Ensino e Pesquisa do Hospital. A Solange, que tanto cooperou com os tramites éticos necessários ao processo de 6.

(7) pesquisar e aos demais colaboradores e incentivadores deste Hospital. A Mônica Melo, coordenadora do Departamento de psicologia do HCP. A Todos que fazem o Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Pernambuco. Em especial, a Sra. Alda, Letícia e Bruno, por todos os “socorros” atendidos e respondidos com respeito e dedicação. A professora Cilene Araújo por sua disposição e interesse por este trabalho; ao professor Benedito Medrado, pela solicitude de sempre; ao professor Aécio Gomes, por sua disposição e gentileza. Agradeço e dedico este trabalho principalmente aqueles que, cordialmente, compartilharam suas vidas comigo e que tanto me ensinaram; obrigada porque não me permitiram ver apenas seus rostos mutilados, mas sim a vida por uma outra faceta: a da esperança.. 7.

(8) “Ó Pai Não deixes que façam de mim O que da pedra tu fizestes E que a fria luz da razão Não cale o azul da aura que me vestes. Dá-me leveza nas mãos Faze de mim um nobre domador Laçando acordes e versos Dispersos no tempo Pro templo do amor. Que se eu tiver que ficar nu Hei de envolver-me em pura poesia E dela farei minha casa, minha asa Loucura de cada dia. Dá-me o silêncio da noite Pra ouvir o sapo namorar a lua; Dá-me direito ao açoite Ao ócio, ao cio À vadiagem pela rua. Deixa-me perder a hora Pra ter tempo de encontrar a rima Ver o mundo de dentro pra fora E a beleza que aflora de baixo pra cima. Ó meu Pai, Dá-me o direito De dizer coisas sem sentido De não ter que ser perfeito Pretérito, sujeito, artigo definido. De me apaixonar todo dia De ser mais jovem que meu filho E ir aprendendo com ele A magia de nunca perder o brilho Virar os dados do destino De me contradizer, de não ter meta Me reinventar, ser meu próprio deus Viver menino, morrer poeta“. Alma Nua, Vander Lee.. 8.

(9) LISTA DE ILUSTRAÇÕES PÁG. Figura 1 – Próteses Faciais (Arquivo Pessoal de Eliane Revorêdo) .......................... 23 Estátuas. Jardim Botânico, Rio de Janeiro ................................................................. 29 Criança e estrela do Mar. Do site http://www.fotosearch.com.br .............................. 51 Figuras 2 e 3 - Ilustrativas de Rostos Masculinos e Femininos ................................. 64 Rosa atrás de máscara. Do site http://www.google.com.br, banco de imagens ......... 66 ‘Cecília’ ...................................................................................................................... 67 ‘Clarice’ ..................................................................................................................... 67 ‘Carlos’ ...................................................................................................................... 68 ‘Mário’ ....................................................................................................................... 69 ‘Zélia’ ....................................................................................................................... 71 ‘Gregório’ .................................................................................................................. 72 ‘Graciliano’ ................................................................................................................ 72 ‘Érico’ ........................................................................................................................ 73 ‘Manoel’ .................................................................................................................... 75 ‘Rachel’ ...................................................................................................................... 75 ‘Hércules’ .................................................................................................................. 77 ‘Trophonius’ .............................................................................................................. 81 ‘Hera’ ......................................................................................................................... 88 ‘Dália’ ........................................................................................................................ 91 ‘Atenas’ ..................................................................................................................... 99 ‘Artêmis’ ................................................................................................................. 102 Máscara. Do site http://www.google.com.br, banco de imagens ............................. 108 Pessoa Caminhando. Do site http://www.fotosearch.com.br ................................... 140. 9.

(10) SUMÁRIO PÁG. DEDICATÓRIA ........................................................................................................ IV AGRADECIMENTOS ................................................................................................ V EPÍGRAFE ............................................................................................................... VII LISTA DE ILUSTRAÇÕES .................................................................................... VIII SUMÁRIO ................................................................................................................. IX RESUMO ................................................................................................................... XI ABSTRACT ............................................................................................................. XII 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 13 1.1 O ESTADO DA ARTE: REVISÃO DA LITERATURA ......................................... 19 1.2 O ESTADO DA ARTE: SOBRE A BIOTECNOLOGIA ......................................... 22 1.3 PRÓXIMOS CAPÍTULOS ............................................................................... 27 2 OS SENTIDOS DO CORPO: REFERENCIAIS TEÓRICOS 2.1 O HOMEM COMO ARTEFATO CULTURAL .................................................... 30 2.2 O ROSTO .................................................................................................... 38 2.3 ESTIGMA: SINÔNIMO DAS DIFERENÇAS ....................................................... 41 2.4 A IMPORTÂNCIA DA NARRATIVA ............................................................... 46 2.5 ANTES DE SEGUIR A DIANTE: AS PRÓTESES FACIAIS .................................. 48 3 BUSCANDO A EMERGÊNCIA DOS SENTIDOS: QUESTÕES METODOLÓGICAS 3.1 AMBIENTES DE PESQUISA: CLÍNICA E AMBULATÓRIO HOSPITALAR ............ 52 3.1.1 Da Observação em Consultório ................................................. 53 3.1.2 Da Observação em Ambiente Hospitalar .................................. 54 3.1.3 Na Clínica ou Hospital: aspectos em comum ............................ 55 3.2 DAS ENTREVISTAS ..................................................................................... 56 3.3 INTERLOCUÇÕES:. DUAS FORMAS DE ENTREVISTA; DOIS MOMENTOS DE. COLETA ....................................................................................................................... 61. 3.4 MODELOS DE ANÁLISE .............................................................................. 62 3.5 O PRÓXIMO CAPÍTULO .............................................................................. 63. 10.

(11) 4. RECONSTRUINDO HISTÓRIAS POR TRÁS DE CURATIVOS, ÓCULOS E PRÓTESES 4.1 DAS RESPOSTAS: É RUIM DEMAIS SER DEFEITUOSA. AS PESSOAS FICAM PERGUNTANDO, PERGUNTANDO, OLHANDO, ACHANDO QUE A GENTE É UM BICHO”. 4.1.1 Cecília (25 anos; casada; dona de casa) ........................................ 67 4.1.2 Clarice (49 anos; casada; costureira) ............................................ 67 4.1.3 Carlos (63 anos; viúvo; beneficiário) ............................................ 68 4.1.4 Mário (27 anos; casado; embalador de supermercado) ................. 69 4.1.5 Zélia (30 anos; separada; desempregada) ..................................... 71 4.1.6 Gregório (60 anos; casado; agricultor) .......................................... 72 4.1.7 Graciliano (47 anos; casado; comerciante) .................................. 72 4.1.8 Érico (18 anos; solteiro; estudante) ............................................... 73 4.1.9 Manoel (56 anos; casado; agricultor) ............................................ 75 4.1.10 Rachel (73 anos; viúva; professora aposentada) ......................... 75 4.2 DOS RELATOS: “O IMPORTANTE É TER AS PESSOAS QUE VOCÊ GOSTA AO LADO. SEM ISSO VOCÊ (...) NÃO CONSEGUE SUPERAR ISSO TUDO (...). A FORÇA MAIOR QUEM ME DAVA FOI MINHA FAMÍLIA; DA MINHA FAMÍLIA, NINGUÉM ME COLOCOU PARA BAIXO”. 4.2.1 Hércules ........................................................................................ 77 4.2.2 Trophonius .................................................................................... 81 4.2.3 Hera ............................................................................................... 88 4.2.4 Dália .............................................................................................. 91 4.2.5 Atenas ............................................................................................ 99 4.2.6 Artêmis ........................................................................................ 102 5 PARA UMA PSICOSSOCIOLOGIA DA MÁSCARA 5.1 CONVIVENDO COM A MUTILAÇÃO E COM OUTRAS PESSOAS ......................... 109 5.2 DOS “ACESSÓRIOS”: CURATIVOS, ÓCULOS E PRÓTESES FACIAIS .................. 114 5.3 DO REPERTÓRIO DESCRITIVO ...................................................................... 118 5.4 SOBRE IDENTIDADE E AUTONOMIA ............................................................. 120 5.5 O JULGO DO “SER” DIFERENTE ................................................................... 123 5.6 O QUE MAIS AS NARRATIVAS DE SI ME DISSERAM ........................................ 129 5.7 E O SENTIMENTO GRUPAL/COMUNITÁRIO? ................................................... 132 5.8 MINHAS ÚLTIMAS DESCRIÇÕES NESTE ESTUDO ............................................ 135 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 140 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 145 ANEXOS. 11.

(12) RESUMO Este estudo teve o objetivo de investigar os sentidos conferidos a mutilações faciais a partir das apercepções de pessoas que convivem com o agravo têm de si mesmas, na interface com a interação que estabelecem no meio social. Tal pesquisa foi desenvolvida a partir da interlocução entre abordagens Psicossociais, Antropológicas e da Psicologia da Cultura, as quais buscam localizar o corpo como elemento importante para constituição da pessoa e da identidade: Corpo que é, na cultura, instância a partir e/ou pela qual os sentidos são produzidos; Corpo-pessoa atravessado por agências e posições de sujeito frente ao discurso presente na sociedade. Neste contexto teórico – onde se chama atenção a centralidade da cabeça e do rosto no que tange a construção da identidade da pessoa e suas vicissitudes – localizamos o objeto desta investigação: a vivência da mutilação facial. A pesquisa foi realizada em dois locais: no Centro de Reabilitação Buco-Maxilo-Facial, que funciona no Hospital de Câncer de Pernambuco (HCP) e em um consultório particular para reabilitação facial. Utilizaram-se as técnicas de observação participante, entrevista semi-dirigida e entrevista com enfoque biográfico, perfazendo estas últimas o total de 16 (dezesseis) participantes. A análise temática e a dupla hermenêutica foram as formas de análise escolhidas para tratamento das informações e, a partir da transcrição fiel das entrevistas, procurou-se entrar em contato com as histórias narradas, que foram apresentadas como resultados em forma de síntese das falas dos sujeitos, procurando evidenciar trechos que passaram por interpretações do pesquisador, o que já significou uma pré-análise do corpo de dados obtidos. Observou-se que o acréscimo de curativos, óculos e próteses faciais parece auxiliar na afirmação pessoal diante da impossibilidade sentida para modificar sua condição de “existir como era antes”, pois que agora se tem um “buraco no rosto”. A mutilação é significada como uma espécie de “estigma da monstruosidade”, sobre o qual Frankenstein, O corcunda de Norte Dame e, em especial, O fantasma da Ópera, já nos falavam desde as paginas da ficção. Numa tentativa de adequação social por meio daqueles acessórios, estes acabariam por funcionar como aquilo que mascara, ao mesmo momento que revela tal condição. Tais acessórios, para alguns, parecem facilitar a interação social, especialmente junto àqueles com os quais existem laços afetivos, familiares ou de amizade, sendo a aceitação por estes últimos ressaltada como fundamental para que os momentos difíceis advindos com a mutilação possam ser atravessados. O fato é que, e considerando a sociedade abrangente, as pessoas se sentem demasiadamente observadas, analisadas, avaliadas negativamente por causa desta modificação na face. Ainda assim, vislumbrou-se situações em que o indivíduo teve o poder de demonstrar sua diferença e sua autonomia, mesmo onde eram conhecidas as normas estigmatizantes presentes na sociedade. Também, nos espaços visitados, a princípio pensados para dar suporte a vivência da mutilação, não foi possível perceber a existência de grupos, ou instâncias de compartilhamento de experiências. As narrativas sugerem que o atendimento individual, focado na oferta de próteses, nem sempre contribui para a busca do convívio social, sendo o afastamento resposta comum ao que chamamos de “estigma da monstruosidade”: sentir-se ser recebido como diferente, estranho e até assustador. Estigma que permanece, mesmo para aqueles que já fazem uso de curativos, óculos e prótese facial. Os dados sinalizam que o caminho para lidar com o estigma, socialmente compartilhado e incorporado pela pessoa, está menos no uso de “máscaras”, e mais no de afirmar, para os que passaram pela mutilação e para seus outros, as suas humanidades. Palavras-Chave: corpo; mutilação facial; identidade; estigma; narrativa. 12.

(13) ABSTRACT The main goal of this research was to investigate the meanings of facial mutilations in social interaction from persons living with this problem. The research was based on Psychosocial approaches, Anthropology and Cultural Psychology, which try to identify the body as a very important element at the personal and identity constitution. To Culture the body is an installment where/from the meanings are created. Body-person crossed by agencies and subjects positions to social discourse. On this theoretical context – where the head and the face are central at the personal identity construction – we locate the object of our investigation: the living with a facial mutilation. The research was conducted on two places: the Centro de Reabilitação Buco – Maxilo – Facial, at Hospital de Câncer de Pernambuco (HCP), and a private officer of facial rehabilitation. We used participant observation, semi-driven interviews and biographic interviews, in a total of sixteen persons. The thematic analyses and double hermeneutic were used to analyze the information collected by the research, and from the interviews transcriptions, we tried to understand the histories narrated. And displayed as our results, through persons discourses synthesis, but trying to show the researcher interpretations parts. This is a pre-analysis of our data. We observed that the use of aids, glasses and facial prosthesis seem to improve the personal affirmation in front of the impossibility to live the way one “was before”, because now there is a “hole in the face”. The mutilation is understood as a monstrosity stigma, related to the literature characters Frankenstein, the Notre Dame Hunchback and, specially, the Phantom of the Opera. In search of social accommodation, the use of those accessories would be a mask, because would show the condition. It is related by some of our subjects that these accessories are capable of facilitate the social interaction, specially with the loved ones, family and friends, and the acceptance by those is named as fundamental to crossing the difficult times related to the mutilation. The fact is, considering society, people fell extremely observed, analyzed, and receiving a negative evaluation because of the face modifications. Still, we were able to perceive situations were the individual had the power to demonstrate one difference and autonomy, even where the social estigmating rules were known. Also at the visited places created to give support to those living with mutilations, we didn’t see groups or sharing experiences places. The discourses suggest that the individual treatment, based on prosthesis, not always contributes to the search to social living, and the abatement is the most common answer to this situations called by us as “monstrosity stigma”: to fell as strange, different and even scary. Enduring stigma even with the use of aids, glasses and facial prosthesis. The data indicates a way to deal with this stigma, socially shared and individually incorporated, not by the use of “masks” but by showing the humanity of those mutilated.. Key Words: body; facial mutilation; identity; stigma; discourses. 13.

(14) 1 INTRODUÇÃO. Este estudo investiga os sentidos conferidos a mutilações faciais, a partir das apercepções que os indivíduos têm de si mesmos, na interface com a interação que estabelecem no meio social. De outro modo, busca pelas implicações psicossociais acarretadas por mutilações desta natureza. O contato com pessoas que passam por mutilações na face durante período de estágios extracurriculares, curriculares e realização do trabalho de monografia Implicações Psicossociais na Mutilação Facial e Reabilitação Protética em Pacientes com Câncer (SILVA, 2005), no Hospital de Câncer de Pernambuco (HCP – PE) entre os anos de 2003 e 2005, possibilitou pensar no quão difícil pode ser vivenciar a perda de uma parte de si que pode ser descoberta e/ou vista por todos ao redor. De acordo com Gilberto Velho (2003), existe uma tendência a identificar como ‘indivíduo desviante’ aquele que apresenta características consideradas ‘anormais’, tendo em vista influência da perspectiva médica de classificar como ‘normais’ ou ‘não normais’, ou em decorrência de aspectos presentes na sociedade ou cultura. Tomando o ditado que afirma que “a vida imita a arte”, no que tange a receptividade na sociedade com relação ao ‘diferente’, o escritor Victor Hugo narrou, com extrema sensibilidade, a história originalmente chamada de “Nossa Senhora de Paris” (Notre Dame de Paris, 1831) e que hoje conhecemos como O Corcunda de Notre Dame1, ambientado na cidade de Paris, século XV. O tema central é a dificuldade que o ser humano tem de conviver e aceitar diferenças estéticas, sociais, religiosas, étnicas e culturais. O enredo gira em torno de um rapaz sensível, chamado “Quasímodo” (monstrengo), porém enjeitado por ser extremamente feio, coxo e deformado por uma enorme corcunda, possuidor de apenas um olho e surdo, devido ao barulho dos sinos da bela Catedral de Notre Dame, local onde mora. Quasímodo decide deixar, pela primeira vez o local onde morava, apenas quando vê em perigo uma moça que dali observava e 1. Informações oriundas da minha interpretação, a partir da adaptação cinematográfica da obra de Vitor Hugo, O Corcunda de Notre Dame, dos estúdios de Walt Disney. Também, a partir do site: http://pt.wikipedia.org/wiki/Notre-Dame_de_Paris_(livro), em 09 de novembro de 2007.. 14.

(15) pela qual passou a sentir grande apreço. Este livro já passou por adaptações cinematográficas que retratam a festa tradicional da cidade, chamada Festa dos Loucos ou Dia dos Reis, na qual eram comuns as manifestações para expor o que era considerado diferente, como aleijados, disformes, mendigos e tudo que era contrário ao, então, considerado belo. Outra obra da literatura que trata de questões semelhantes é Frankenstein ou o Moderno Prometeu2 (Frankenstein or the Modern Prometheus, no original em inglês), obra da escritora britânica Mary Shelley, que foi publicada pela primeira vez em 1818. A história fala de uma criatura que é sempre julgada por sua aparência e agredida antes de ter uma chance de se defender. Este romance de terror relata a história de um estudante de ciências naturais que encontra o segredo da geração da vida decidindo, assim, pela criação de um ser humano gigantesco. Para tanto, sacrificou seu contato com a família e a própria saúde durante alguns anos, até começar a se sentir culpado por ter criado um monstro, e o segredo e a culpa passarem a lhe torturar. Chamada de Frankenstein por ter sido criado por Victor (de certa forma, seu “filho”), a criatura era sempre escorraçada e agredida diante de qualquer contato com seres humanos, escondendo-se e torna-se amargurada, resolvendo procurar seu criador, ao qual exige a construção de uma fêmea. Por temer gerar uma raça de monstros, o criador não cumpre a promessa a criatura, a quem ele mesmo chama de “monstro”, “demônio” e “desgraçado”. Assim, a trama trás também a temática da relação entre criatura e criador, trançando a destruição física e moral de Victor Frankenstein (criador do chamado Frankenstein) e as suas implicações religiosas. O inventor da criatura é chamado de “Prometeu”, personagem da mitologia grega que roubou o segredo do fogo (segredo este reservado apenas aos deuses para doar a humanidade), sendo severamente punido por Zeus. O livro deixa clara a idéia de que o segredo da criação da vida é de natureza divina e que Victor sofreu a vida inteira em decorrência do poder que tentou exercer. 2. Resumo do enredo feito por mim a partir da adaptação para o cinema feita em 1931, pela Universal Pictures, que difundiu a imagem do Frankeinstein como um monstro de cabeça chata e parafusos no pescoço e tornou-se um clássico do cinema. http://pt.wikipedia.org/wiki/Frankenstein, em 08 de janeiro de 2008. 15.

(16) sobre a mesma. Esta é outra discussão central no livro, que antecipa temas bastante atuais em nossas discussões éticas sobre os avanços da genética e da medicina (modificação genética, clones, transplantes faciais, etc) e o poder exercido pela humanidade sobre a natureza através da ciência e da tecnologia, que já era visível no período quando o romance foi escrito, no início da Revolução Industrial. Abrindo parênteses para comentários pertinentes a esta aparente tendência humana de modificar seu corpo, alegando benefícios nisto, lembro que, de acordo com Vilaça e Góes (1998), o filósofo e poeta italiano chamado Giovanni Pico Della Mirandola já afirmava, em 1494, que o ser humano tinha vantagens em relação aos anjos, já que eram imperfeitos e, por isto, poderiam se aperfeiçoar infinitamente. Le Breton (2003) afirma que, ainda hoje, o corpo é entendido como objeto dotado de imperfeição, servindo apenas como suporte do ser humano. Para ele, o sucesso das cirurgias estéticas decorre do desejo humano de “mudar seu corpo para mudar sua vida” (p. 10), sendo este corpo vivido como “rascunho a ser corrido”, formado por peças isoladas, que podem ser substituídas por conveniência ou para perseguir a perfeição pelo homem. Este autor enxerga ai o que chama de certa ‘aversão ao corpo’, ou seja, essa aparente atenção a ele devotada, não passaria da banalização do mesmo. O corpo e a carne humana parecem percebidos, desde sempre, como perenes, modificáveis, sujeitos a morte, a doenças e ao envelhecimento. Na contemporaneidade, faz-se uso de transplantes, próteses, modificações genéticas, inseminações artificiais, dentre outros procedimentos, que deixaram o corpo com valor de objeto, aparentemente decomposto em peças. Neste ponto, fazem-se presentes as anteriormente ressaltadas questões éticas e morais sobre as conseqüências humanas destes procedimentos onde o homem é a própria matéria prima. Ainda, em outra obra, o supracitado autor afirma que atitudes como estas são decorrentes do fato de olharmos o corpo como uma máquina, composto por peças que podem ser criadas, retiradas e recolocadas (LE BRETON, 2006). Já retomando a discussão a respeito da mutilação na face, é perceptível que este também é um tema já discutido na literatura, que nos sugere aspectos referentes questões psicossociais nesta discussão. O Fantasma da Ópera3 (The Phantom of the Opera), história passada na Paris do século XVIII e levada ao cinema por Joel Schumacher a partir da história contada por Andrew Lloyd Webber, traz à tona a história de um homem possuidor de uma deformidade facial, que vivia escondido e 3. Musical produzido pela Universal Filmes, com três indicações para o prêmio Oscar.. 16.

(17) recluso de todo e qualquer contato social, em um sombrio esconderijo no Teatro da cidade. Tal homem fazia uso de máscaras para esconder do próprio espelho sua deformidade e, apesar de extremamente talentoso para diversas áreas – dentre elas, a música – escolheu, por objetivo de vida e de projeção de seu talento, uma linda jovem, dotada de uma bela voz, pela qual se apaixonou e instruiu anos e anos, sem a ela nunca se mostrar. Para aquele a quem todos temiam e chamavam de ‘fantasma’, por causa da sua deformidade na face e da hostilidade percebida pelas pessoas, apenas através dessa jovem, suas canções poderiam ganhar voz e vida no teatro da antiga Paris, já que não poderia se mostrar. Só desta forma ele conseguiria ser aplaudido, já que a sua aparição seria, na sua percepção, horrenda e não conseguia esquecer as inúmeras vezes que foi alvo de zombaria perante as pessoas, mesmo ainda enquanto criança. Em suas raras aparições diante de outras pessoas, o ‘fantasma’ faz uso de artifícios de mágica que colaboram para que estas o percebam como irreal ou como sendo um espírito, utilizando-se de diferentes máscaras4, com as quais esconde a parte de seu rosto que possui deformação. Neste ponto, vale apontar, junto com Elias (1994), a centralidade da cabeça e do rosto no que tange informações a respeito da identidade da pessoa. Este autor acredita, ainda, que o rosto serve como ‘cartão de visitas’ para o indivíduo, desempenhando, assim, um papel importante na identidade, que remete a uma representação de si frente aos outros - ainda que outras partes do corpo também sejam importantes na identificação. Rios (2004) ressalta que o trabalho de constituição da identidade passará, inevitavelmente, pelo sentido que se confere ao corpo, ainda que não desconheça o caráter sócio-cultural da identidade, já que o corpo é atravessado por agências e posições de sujeito frente ao discurso presente na cultura e sociedade. Sublinhando, é dentro do discurso, e nos usos do corpo que as identidades são construídas (cf. HALL, 2003; ELIAS & SCOTSON, 2000; RIOS, 2004).. 4. Pensando a respeito deste artifício de utilização de máscaras usado pelo personagem da história acima citada, sabe-se que o teatro antigo utilizava-se de máscaras para expressar os sentimentos dos personagens, alegria ou tristeza. Augras (1986) ressalta que nas sociedades mais antigas, uma figura que usa máscaras representava entidades míticas, movida pelas forças sagradas que regem o mundo ou por espíritos. Refletindo junto com Jung (1981) sobre o uso de máscaras, a autora indica que a máscara tem papel na vida social atual, revelando, de certa maneira, uma forma de aproximação e participação no grupo social. Acrescenta que na civilização contemporânea, as pessoas fazem uso de ‘máscaras’, ou na teoria Jungiana ‘Persona’, para mostrar conformações diante de certos costumes, ou seja, para se assemelharem a dado modelo posto culturalmente, passando a demonstrar condutas que lhes aproximem do mesmo.. 17.

(18) Ainda no que se refere à simbólica da cabeça e do rosto, Queiroz (2000), exemplifica diferentes formas de apreensão de tal parte do corpo humano em diversas culturas. Até os cabelos da cabeça têm simbologias e sentidos (cf. LEACH, 1983)5. Em determinadas sociedades, a raspagem dos cabelos da cabeça são normais em ritos de passagem (como a aprovação no vestibular, em nossa cultura), enquanto em outras, o cabelo é tido como extremamente importante, por exemplo, para mulheres de algumas regiões do oriente onde é proibido o seu corte (RODRIGUES, 1983). Queiroz (2000) esclarece que os discos labiais e auriculares que ornamentam as faces dos índios do Xingu estão ligados a valorização que tais índios conferem a funções da fala e da audição. Ainda, nas tribos Kwarup, existem ritos e cerimônias que incluem mutilações, como a perfuração coletiva dos lóbulos das orelhas dos meninos. Quanto ao padrão de beleza, nestas tribos são bonitos os jovens gordos, assim preparados após uma longa vida de reclusão social e alimentação especial. Inclusive, eventuais mutilações corporais são vistas como necessárias para o desenvolvimento de qualidades sociais e controle sobre as emoções nas tribos indígenas. Estas são, portanto, formas diferentes de ser considerado humano, de tornar-se humano, onde mutilações significam modalidades diferentes de enraizamento, sendo, muitas vezes, concebidas como inerentes ao processo de humanização, mesmo acarretando riscos para saúde, como o uso de grandes ornamentos implantados nos lábios e/ou orelhas em algumas tribos indígenas brasileiras e a circuncisão feminina em algumas regiões da África. Torna-se mais interessante o olhar sobre outras culturas quando observamos que o mundo indígena possui imensa variedade de padrões estéticos adquiridos através de pintura, tatuagens, ornamentação, postura do corpo, mutilações e expressões faciais. Para alguns grupos indígenas brasileiros, a beleza corporal do homem não decorre do que é visível, mas, sim, fruto da integração entre saúde, imagem corporal, virtudes sociais e espirituais. Conforme Queiroz (2000), em geral, a filosofia indígena brasileira preconiza que: O mundo tangível, ou o mundo transitório dos sentidos, é mera aparência, e não deve ser confundido com o mundo estável e verdadeiro representado pelas essências das coisas. Enquanto o primeiro é alcançado por meio do tato, do olfato, da visão, do gosto e da audição dos fenômenos do mundo, o segundo emerge da busca de estados alternados da consciência humana atingidas por diversas técnicas: ingestão de fumos ou substâncias inebriantes, respirações 5. LEACH, E. Cabelo Mágico. São Paulo: Atina, 1983.. 18.

(19) rítmicas, movimentos corporais repetitivos e restrições no consumo alimentar e na sociabilidade (p. 156).. Outro exemplo é a tristeza expressa no rosto e no corpo como sinônimo de feiúra, sendo esta tristeza, para os índios do Alto Xingu, aquilo que deixa o índio na marginalidade, sofrendo desprezo ou visto como alguém que quer desafiar a sociedade em que vive. Assim, desde bebê, o índio é alvo de esforços coletivos para que aprenda a valorizar tais atributos em si e nos outros. Diferentemente da visão do homem tido como “civilizado”, os índios brasileiros não vêem o homem como dotado de um corpo biológico desvinculado dos contextos sociais e espirituais. A beleza (ou a ausência dela) tange características físicas, mas especialmente a atributos morais e comportamento. Dentro desta perspectiva, o corpo não é um suporte, mas sim o único suporte de tudo para o homem. Retomando a posição de Rios (2004), podemos pensar que o termo corpo (grifo meu) trás consigo sinais do sentido da sociedade em que foi forjado. No contexto da sociedade ocidental, este está situado dentro de uma forma de pensar através de binarismos, antítese da mente-razão. O corpo é percebido como dotado de forças (“inclinações carnais” ou “instintos”) que necessitam do controle do espírito/razão para o estabelecimento da chamada ‘ordem natural’ e/ou sagrada. A partir desta forma de pensar, o corpo é mais um instrumento de trabalho, mais um local de investigação para ciências médicas, que buscam, incessantemente, formas de mantê-lo saudável e funcionando. Como em outras sociedades também a sua forma é apreendida pelos padrões culturais, onde é pensado como possível de ser moldado para adequar-se a modelos estéticos, para também servir como demarcador de status na sociedade (cf.ARIÈS, 1985a; TURNER, 1989; LE BRETON, 1992; VILLAÇA E GÓES, 1998; FOUGERAY, 1998; RIOS, OLIVEIRA, CRUZ, 2007; entre outros). Vale ressaltar que as mudanças e continuidades do desenvolvimento ocorrem, durante toda a vida da pessoa, em todo o corpo, e também na face estas se mostram. Nela que se percebem transformações da infância até a velhice. O rosto é a marca referencial, individualizada, que enuncia traços biológicos que singularizam o homem. Pesquisas de Ades (1993) afirmam que as emoções que compreende como básicas (as quais exemplifica: alegria, surpresa, tristeza, raiva, nojo, desprezo, medo, vergonha e culpa) se tornam evidentes nas expressões faciais, o que o permite afirmar a tenra importância da face para regulação da interação social. Bruner (1997) ressalta estudos que afirmam que, desde o primeiro ano de vida, a criança já pode utilizar o olhar para atrair a atenção de outras pessoas. Estudos da 19.

(20) psicologia do desenvolvimento precoce indicam que a interação mãe-bebê é deveras importante no processo de socialização. Winnicott (1975) informa que no desenvolvimento emocional da criança, o rosto da mãe exerce função de espelho, onde a criança identifica a si mesma, o seu próprio self, funcionando o rosto como um dos primeiros caracterizadores individuais. À medida que se desenvolve, demais familiares e pessoas com as quais se relaciona de forma fraternal, também participam do desenvolvimento da personalidade da criança, e também esta da personalidade das outras pessoas com as quais interage6. O que quero sinalizar é que, de acordo com Augras (1986), os ‘outros’ funcionam como espelhos para o rosto em formação, suporte para a formação do si mesmo corporal. Para a autora, os outros funcionam como um espelho para este rosto que exerce, portanto, uma função social, pois é capaz de transmitir sentidos específicos entre as pessoas, caracterizando-as como individuais, diferentes e marcando suas existências no contexto social e esta identificação com o outro é que permite reflexões sobre o próprio eu. E se a identidade remete a uma representação de si frente aos outros, talvez seja o rosto um dos elementos que, apesar das mudanças que o tempo biológico e social se lhe imponha, possibilite uma certa estabilidade frente ao que foi e ao que virá. Assim sendo, sublinho: a questão da mutilação de face estaria inteiramente ligada a identidade individual e modificações/mutilações nesta parte do corpo podem repercutir em importantes aspectos psicossociais. 1.1 O ESTADO DA ARTE: REVISÃO DA LITERATURA. Em que pese tais considerações, fundamentais para uma psicossociologia da face, ou das pessoas portadoras de mutilações faciais, é a medicina e a odontologia que têm se apressado em apresentar “soluções” para a questão da mutilação de face. No que se refere à produção científica sobre mutilações faciais e reabilitação protética dentro da psicologia, não foi possível constatar a existência de muitos estudos visando abranger aspectos sociais e psicológicos em decorrência da mutilação facial. Tal busca foi realizada em bancos de artigos e revistas em bibliotecas e internet, em arquivos setoriais situadas em universidades (como a Universidade Federal de Pernambuco e Universidade Católica de Pernambuco) e sites como o Scielo 6. Winicott (1975) indica que crianças cegas precisam ver-se por outros sentidos, que não a visão.. 20.

(21) (http://www.scielo.br, pesquisando nos ícones periódicos e artigos) e o Google Acadêmico (http://scholar.google.com.br), pesquisando, em ambos, as páginas em português, a partir das palavras-chave: mutilação, imagem do corpo, identidade e estigma. Na Tabela a seguir estão apresentados, em números, os resultados obtidos a partir da citada pesquisa7:. Tabela 1: Artigos relacionados às palavras-chave mutilação, imagem do corpo, identidade e estigma, encontrados em pesquisas em sites acadêmicos. Mutilação. Imagem do corpo. Identidade. Estigma. Scielo. 06. 03. 240. 28. Google. 22. 20. 650. 81. Acadêmico. Desta forma, aponto que Gustimosin & Bento (1993) escreveram a respeito de questões relacionadas com a reabilitação de pacientes laringectomizados. Tal estudo procurou observar a reintegração do paciente na família, no emprego e no assistente social, tendo em vista as mutilações físicas e psico-emocionais temporárias e definitivas que podem ocorrer em decorrência do seu tratamento de câncer. Já Hallage (1981), publicou um artigo que também trás questões pertinentes ao tema ao tratar do papel do psicólogo em relação à reabilitação física e psicossocial de tais pacientes. Percebeu-se que, nestes casos, a presença das seqüelas era encarada de forma depreciativa e que esta percepção comprometeu fundamentalmente a identidade do paciente como ser humano, trazendo uma série de respostas emocionais desadaptadas e impossibibilitando a convivência satisfatória consigo e com o próximo. Os resultados analisados, em seu. 7. Considere-se que tais correspondem a estudos que se interessam por questões ligadas as palavras-chave pesquisadas (seja na área da odontologia, antropologia, medicina, dentre outros), o que não significa dizer que oferecem atenção a questão da mutilação facial, já que os estudos ligados a esta temática estão apresentados, resumidamente, no decorrer deste tópico. Vale ressaltar que estes trabalhos que decidi ressaltar foram escolhidos também de acordo com a similaridade que me pareceram ter com nossos interesses, o que não significa que eu não reconheça a validade de demais pesquisas. Mas, para o espaço desta dissertação de mestrado, achei melhor proceder desta maneira. Tais pesquisas foram realizadas nos anos de 2006 e 2007.. 21.

(22) aspecto psicossociológico, revelaram que as dificuldades psíquicas observadas eram originárias da maneira como a deficiência física é encarada no meio social. No que se referem às mutilações do tipo oculares, alguns estudos também foram desenvolvidos. Pode-se citar o interesse dos pesquisadores Botelho, Volpini & Moura (2004) sobre os aspectos psicológicos relacionados ao uso de prótese ocular, enfocando aspectos sócio-emocionais desencadeadas com o uso de tal tipo de prótese para a recuperação estética e reintegração social. Para tanto, participaram da amostra 30 (trinta) sujeitos, submetidos a uma avaliação oftalmológica de rotina e outra psicológica através de um questionário padronizado e semi-dirigido. Nesta pesquisa, os fatores pessoais que facilitaram a aceitação da prótese foram os sentimentos de valia, crenças e valores positivos acerca da situação e de si mesmos, determinação e coragem, enquanto os fatores pessoais dificultadores foram principalmente os sentimentos de auto-piedade, sensação de desvalia ou inutilidade, idéias de aniquilamento e imagens distorcidas dessa nova realidade. Observou-se, também, que 70% da amostra revela contentamento estético, embora 30%, mostraram-se insatisfeitos esteticamente com a mesma. Verificou-se, também, que 70% da amostra acredita ter o comportamento alterado em relação a atitudes frente à vida, crenças, valores e moral após a doença, enquanto 30% permaneceram agindo do mesmo modo que agiam antes. Outro estudo relevante foi realizado por Amaro & Belfort (2002), intitulado de “Estudo psicológico de pacientes enucleados por trauma ou tumor ocular em uso de prótese”. O intuito deste foi traçar um perfil psicológico do usuário de prótese ocular em relação a sua integração biopsicossocial através de uma entrevista com amostra não revelada, visando obter dados do comportamento do indivíduo e do Teste de Machover, baseado no desenho da figura humana para investigar a imagem corporal que o sujeito tem de si. Os resultados revelaram que 100% dos pacientes apresentavam-se inferiorizados fisicamente, auto-estima baixa e dependência em relação aos outros. Oitenta por cento da amostra apresentou dificuldades em relacionamentos com o sexo oposto e dificuldades de relacionar-se com o próprio corpo após a perda física. Os pesquisadores observaram que os pacientes com trauma ocular necessitavam da reorganização da própria vida pós-trauma, o que se configurou como difícil tarefa para eles, pois o adoecer causa uma descontinuidade em sua história de vida e a readaptação é facilitada a partir da aquisição de confiança em si mesmo. Para tanto, observou-se que os pacientes necessitavam ser encorajados a partir de um atendimento. 22.

(23) profissional personalizado, onde a partir deste o indivíduo possa se sentir encorajado a pensar em si como uma pessoa por inteiro e descentralizar-se daquela parte perdida. Ao que parece, pesquisas qualitativas são escassas na temática da mutilação facial dentro das Ciências Humanas. Todavia, vale ressaltar os resultados obtidos no estudo anterior, Implicações Psicossociais na Mutilação Facial e Reabilitação Protética em Pacientes com Câncer (SILVA, 2005), no Hospital de Câncer de Pernambuco onde, percebi que os pacientes com mutilações de face apresentavam sentimentos de vergonha, auto-imagem depreciada, dificuldades a respeito da identidade social, temor pelo não acolhimento na sociedade, comportamento de isolamento, dentre outros. Entretanto, foi possível inferir que, a partir do auxílio protético, diminuíram, significativamente, referências que pudessem sugerir sentimentos desta natureza8. 1.2 O ESTADO DA ARTE: SOBRE A BIOTECNOLOGIA No Hospital de Câncer de Pernambuco (HCP – PE), onde realizei o supracitado estudo monográfico (SILVA, 2005) e desenvolvi parte do estudo de campo que possibilitou dados para a atual discussão, por exemplo, uma melhoria na qualidade de vida de pacientes que passam por mutilações de face é pensada como a oferta de serviços realizados no Centro de Reabilitação Buco-Maxilo-Facial. A responsável pelo serviço, Dra. Eliane Revorêdo, vem fabricando próteses faciais em trabalho extremamente artístico, utilizando resina e silicone como material e, na maioria das vezes, adaptação tipo mecânica, com óculos. A profissional esmera-se na caracterização das próteses com pigmentação de pele, das íris dos olhos, sinais e rugas de expressão, dentre outros aspectos, buscando diminuir o “mal-estar” vivenciado por alguém nesta situação. Além de procurar melhorias funcionais e físicas, como a eliminação da realização de curativos diários, o objetivo é fazer com que, ao menos visivelmente, os pacientes não se percebam tão diferentes dos outros pelo fato de ter uma mutilação facial, através da produção de próteses faciais tipo oculares, óculopalpebrais, auriculares e nasais móveis. No espaço de um ano (entre 2004 e 2005), o 8. Para obtenção de dados, utilizei roteiro de entrevista semi-dirigida, roteiro este desenvolvido a partir de perguntas que enunciavam o interesse a respeito do impacto da mutilação, sentimento frente aos outros, frente ao espelho, planos e projetos de vida, dentre outros aspectos. Esta mesma entrevista foi aplicada após produção e adaptação de prótese facial pelo entrevistado, o que nos permitiu tentar compreender o papel da prótese facial para os pacientes que participaram da pesquisa. A seguir, no capítulo referente a metodologia, apresento mais detalhes a respeito desta metodologia, já que os dados obtidos nesta pesquisa fazem parte do corpus do presente estudo.. 23.

(24) Centro de Reabilitação produziu quase mil próteses, como as apresentadas na foto a seguir: Foto 1: Próteses Faciais. Arquivo Pessoal de Eliane Revorêdo.. Sobre o progresso das tecnologias de maneira geral, Elias (1994) pergunta: “mas será que as pessoas estão mais felizes por causa desse progresso?” (p. 145). Procurando resposta a tal pergunta, olhamos as formas já encontradas na contemporaneidade para reparar uma mutilação de face. A mídia se encarrega de mostrar procedimentos muito mais modernos do que os oferecidos no Hospital de Câncer de Pernambuco. A título de exemplo relembro que, há aproximadamente dois anos, a imprensa mostrou os resultados do primeiro transplante facial realizado no mundo. Uma mulher francesa, Isabelle Dinoire, 38 anos, que havia sido atacada na face por um cão, declarou que esperava “ter uma vida normal” a partir do transplante ao qual se submeteu. Depois de reabilitada do procedimento cirúrgico, tal mulher aceitou participar de uma entrevista coletiva para aproximadamente cem jornalistas e fotógrafos, alegando não mais ter “medo dos outros” ao se expor e sair às ruas. Uma grande cicatriz ainda podia ser vista em seu rosto após quase três meses da realização da cirurgia. Esta consistiu em receber, por meio de doação, lábios, queixo e nariz novos. Nesta mesma entrevista, o médico que empreendeu tal feito declarou seus planos de repetir cirurgias desta natureza. 9 Depois de quase dois anos sem aparecer em público, Isabelle Dinoire mostrou seu novo rosto e seu médico afirma que a mesma está “muito satisfeita com o 9. Notícia veiculada no Site Terra (www.terra.com.br), em 31 de janeiro de 2006, através do noticiado no jornal inglês The Sunday Times, onde estão disponibilizadas entrevistas e fotografias. O transplante ocorreu após doação permitida por uma família diante do diagnóstico de morte cerebral de um parente.. 24.

(25) resultado”, mesmo que seu organismo tenha manifestado fortes rejeições as partes enxertadas e que os medicamentos para controlá-las tenham acarretado infecções e mal funcionamento dos rins. Re-aprender a falar, fumar e comer tem sido as tarefas de Isabelle, que expressou alegria em voltar a beijar, já que tem recuperado, gradativamente, o controle dos músculos faciais. Com maquiagens, seu rosto pode ser visto sem marcas, e o cirurgião Cubernand acrescenta: "É um sucesso que dá esperança a outros pacientes que sofreram uma desfiguração total" 10. No cinema, há mais de uma década, o cineasta John Woo prenunciou, em seu filme A Outra Face (Face Off), tecnologia para modificação e alteração de face mediante transplante facial. Contudo, na ficção tal procedimento foi secreto e utilizado para uso específico da polícia norte americana para obtenção de informações na busca por evitar atentados terroristas e era um procedimento possivelmente reversível após conclusão da missão policial11. Em 2002, médico inglês Peter Butler já havia dito que transplantes totais de rosto não faziam mais parte apenas do mundo da ficção científica. Segundo ele, tecnicamente tais procedimentos já eram possíveis, mas debates precisavam ser suscitados sobre a temática, especialmente por razões éticas. “O debate ético e moral obviamente terá de acontecer antes do primeiro transplante facial. A questão não é podemos fazer isso? Mas devemos fazer isso?”, disse ele em entrevista a BBC, neste período. Entretanto, apesar destas preocupações éticas, Christine Piff (fundadora da organização Let’s Face It em 1973, quando sofreu mutilação facial por câncer), declarou, otimista: “Há tantas pessoas sem rostos. Eu tenho metade do rosto. Mas somos muito mais do que só um rosto. Não se pode tirar a personalidade", disse ela à Reuters. "Se você pode doar outros órgãos do corpo, por que não o rosto? Não vejo nada de errado com isso12”. Como já ressaltado, em 2006 já aconteceu o primeiro transplante de face. Tais ocorrências não indicam que cessemos as discussões sobre o. 10. Notícia veiculada no Site Globo.com, http://g1.globo.com/Noticias/Ciencia/0,,MUL216923-5603,00FRANCESA+QUE+RECEBEU+ROSTO+NOVO+RECUPERA+CONTROLE+DOS+MUSCULOS+FA CIAIS.html, em 13 de dezembro de 2007.. 11. Face Off, título original em inglês.O protagonista adquiriu, por meio de transplante facial, o aspecto de seu pior inimigo. Com este aspecto, foi preso em presídio de segurança máxima sem esperar que seu inimigo se recuperaria de um coma e assumiria a sua vida, fora do presídio. Com a “transposição” dos rostos, entre os dois, o “mocinho” virou o vilão e o “vilão” o mocinho. O rosto era o que identificava cada um, mesmo com perceptíveis diferenças de comportamento. 12 Notícia veiculada no Site UOL: UOL últimas notícias (wwwuol.com.br), em 27 de novembro de 2002, Por Ben Harding.. 25.

(26) tema. Ao contrário. Tal fato precisa incitar-nos para que, cada vez mais, haja atenção (“um olhar”) voltada à temática agora em evidência, como nunca antes esteve. Bem mais próximo de nós, no município de Jaboatão dos Guararapes, em Pernambuco, há poucos meses, uma universitária de 22 anos também foi atacada no rosto por um cão. Tendo perdido 70% do seu rosto em decorrência do acidente em que tentou salvar o irmão mais novo de ser morto pelo animal, a moça teve orelha, maxilar e rosto dilacerados. Após vários dias de internamento e diversas cirurgias plásticas, a estudante obteve alta hospitalar sob a declaração médica de que, alta hospitalar, a adolescente pode voltar a ter ‘uma vida normal’13. Portanto, mesmo que meu interesse pela temática tenha surgido em Hospital para tratamento de câncer, as mutilações de face não se restringem a pacientes oncológicos; consequentemente, além daqueles acometidos por câncer, outras pessoas sofrem mutilações dentro da nossa sociedade. No entanto, no cotidiano, estas não aparecem. Verdade seja dita, a temática da mutilação me chegou, primeiramente, via mutilados por câncer, por me situar, a princípio (entre nos anos de 2003 e 2005), em espaço de diagnóstico e tratamento desta patologia em estágios extra-curriculares e curriculares com atuação clínica na citada Instituição. Só depois comecei a pensar naqueles mutilados em decorrência de traumas crânios-faciais a partir de acidentes (sejam automobilísticos, quedas, ou outros), por resultado de ato de violência (como mulheres espancadas por seus companheiros, por exemplo) e, até mesmo por livre e espontânea vontade! É de conhecimento e visibilidade de todos, em suas raras aparições, o que as sucessivas plásticas fizeram com o nariz do pop star Michael Jackson: hoje, o cantor exibe uma quase inexistente cartilagem nasal para quem quiser ver. Desta maneira, tendo em vista os já ressaltados avanços da biotecnologia, entender as próteses faciais produzidas no Hospital de Câncer de Pernambuco como apenas uma das inúmeras possibilidades conhecidas na contemporaneidade para a questão, se faz essencial para que nossa discussão não esteja fadada a ser chamada de “ultrapassada” antes mesmo de iniciada. Destaco que meu interesse não se dirige para a biotecnologia, mas para o que as pessoas fazem dela, o que fazem com ou sem ela. Não pretendo focalizar minhas discussões na qualidade de vida ou bem-estar que a. 13. Notícia veiculada no Site Pernambuco.com, http://www.pernambuco.com/ultimas/nota.asp?materia=20071213121005&assunto=124&onde=1, em 13 de dezembro de 2007.. 26.

(27) biotecnologia pode, a priori, proporcionar (ou não), mas pensar em como as pessoas conferem sentido a experiência corporal da mutilação facial, seja com ou sem prótese, com ou sem transplante. No Hospital de Câncer de Pernambuco chegam, diariamente, inúmeras pessoas com mutilação na face em decorrência do câncer, oriundas, em sua maioria, de famílias de baixa renda, geralmente da zona rural de estados nordestinos, que nem sempre têm conhecimentos dos avanços da medicina para melhoria de suas vidas. O trabalho de produção de próteses faciais é ali oferecido gratuitamente, serviço quase ímpar na região nordeste (SILVA, 2005). Entretanto, não é difícil imaginar que pessoas de diferentes níveis de escolaridade e vivendo em condições sócio-econômicas estáveis, também passem por situações semelhantes e também procurem serviços desta natureza ou busquem tecnologias mais avançadas. Não apenas pessoas de baixa renda familiar, mas podem existir pessoas também surpreendidas por uma mutilação de face em todas as classes sociais e todas as raças e etnias. Uma das perguntas que suscitou meu interesse por esta pesquisa foi: “Onde estão estas pessoas?” “Por que não encontramos mutilados de face pelas ruas”? Certamente, questões referentes a mutilações faciais ainda carecem de discussão, não apenas em meio acadêmico e científico, assim como também pela sociedade em geral, e não só ao que diz respeito a questões éticas. É visível, ainda, a “invisibilidade” dos mutilados faciais por onde quer que andemos. Para nós, pesquisadores, como ponto de partida, é possível encontrar pessoas acometidas por mutilações na face em ambientes hospitalares, o que não pode significar que o interesse a respeito destas precise ser de competência exclusiva médica. Até porque acredito ser necessária a consciência de que estudos neste âmbito estão em desenvolvimento, mas que não se garante, ainda, a reversibilidade total da mutilação facial sofrida por qualquer motivo. O fato de não vermos mutilados de face nas ruas não significa que não existam. Mas, por que não se “comove” a sociedade para contribuir com serviços como este? Por que não vemos estas pessoas? Será que “queremos ver” estas pessoas? Os reabilitados por prótese, todavia, estão em convívio social? Quando a sociedade terá real “noção” de suas existências? Antes, é preciso reconhecer que a discussão não se esgota ali, pois advinda alta hospitalar é preciso atentar para o que vem depois. Qual o sentido daquela mutilação para aquela pessoa? Como estará ou ficará sua vida? Suas relações familiares e amorosas? Suas relações profissionais e sociais? Questões como são, sim, da alçada das Ciências Humanas, dentre elas, a Psicologia. 27.

(28) 1.3 PRÓXIMOS CAPÍTULOS No presente estudo, decidi dar atenção ao sentido da mutilação e suas implicações. Apesar de, separadamente serem discutidas pela odontologia e medicina, pela fonoaudiologia, psicologia, serviço social, e por outros profissionais que se engajam nos cuidados à saúde da pessoa portadora de mutilação, questões como estas continuam a ser tratadas sobre o viés bio-médico e prescritivo. Desta maneira, a prótese se apresenta – ao menos para os pacientes do hospital que me acolheu na pesquisa anterior – como a melhor, e talvez a única, resposta para o evento da mutilação. Ainda, são escassos os investimentos no sentido de compreender os significados do agravo, alternativas coletivamente dialogadas e compartilhadas entre a equipe técnica, o paciente e sua família, diante da nova situação que se apresenta. No capítulo a seguir, apresento os marcos teóricos que balizam esta pesquisa, tendo em vista que esta pesquisa se apresenta como um exercício de olhar para o corpo enquanto artefato cultural o que confere ao corpo o status de ser dotado de diversos sentidos – seja na ordem individual ou coletiva – o que podemos perceber a partir estudos e escritos realizados nas “Ciências Humanas do corpo”. Neste contexto, algumas categorias permeiam as discussões teóricas, funcionando como fios condutores, como o estigma, que transforma as diferenças em desigualdades sociais, onde tais diferenças podem retirar – tanto por quem olha quanto por quem é olhado – o sentido de humanidade, o caráter do ser humano (GOFFMAN, 1975; ELIAS & SCOTSON, 2000). Também o aspecto da carreira moral, importante dentro do nosso interesse em observar, de perto, se e como as pessoas se fazem, se refazem, se descrevem e se redescrevem frente à mutilação facial. Neste processo, então, fica justificada a pretensão deste estudo de interpretar trajetórias de vida, no intuito de observar como se estabelece as relações consigo mesmo, com suas famílias, com a sociedade ou comunidade em que vivem, diante de mutilação na face (GOFFMAN, 1975). Tal empreitada exige, também, teorias voltadas para as estruturas sócio-culturais são atualizadas no evento da mutilação facial, no processo dos sujeitos narrarem a si mesmos. Para Bruner (1999) autor, assim como para nós, esse processo é essencial para que o indivíduo possa caminhar pelo mundo de significados presentes nas sociedades, constituindo e dando sentido aos acontecimentos da vida humana.. 28.

(29) No Capítulo III descrevo o percurso no campo da pesquisa e aspectos referentes às metodologias que compuseram o quadro metodológico desta pesquisa na prática, além de informações concernentes a observação participante. No Capítulo IV apresento fragmentos das histórias de vida dos meus interlocutores, um primeiro olhar analítico de suas carreiras morais, acompanhadas de figuras-padrão desenvolvidas para pessoas que sexo feminino e masculino e que situam ao leitor o local da mutilação na face em cada uma, para que se possa compreender o que é salientado pelos entrevistados. O Capítulo V trás algumas análises referentes às informações concedidas pelos participantes após o já referido olhar analítico, configurando-se como um diálogo com as perspectivas teóricas já ressaltadas no qual, a partir do meu olhar de pesquisadora, procurei intermediar de maneira crítica e pessoal. Por fim, estão as considerações finais da pesquisa, onde procurei fazer uma sucinta revisão de todo o trabalho aqui apresentado, acrescida de reflexões feitas por mim enquanto pesquisadora e profissional de psicologia.. 29.

(30) 2 OS SENTIDOS DO CORPO: REFERENCIAIS TEÓRICOS. Foto do meu acervo pessoal. Jardim Botânico, Rio de Janeiro. 1º de Novembro de 2007.. Metade* Que a força do medo que tenho Não me impeça de ver o que anseio Que a morte de tudo em que acredito Não me tape os ouvidos e a boca Porque metade de mim é o que eu grito Mas a outra metade é silêncio (...) Que as palavras que falo Não sejam ouvidas como prece e nem repetidas com fervor Apenas respeitadas Como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimento Porque metade de mim é o que ouço Mas a outra metade é o que calo. Que essa minha vontade de ir embora Se transforme na calma e na paz que eu mereço E que essa tensão que me corrói por dentro Seja um dia recompensada. Porque metade de mim é o que penso E a outra metade um vulcão. Que o medo da solidão se afaste E que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável Que o espelho reflita em meu rosto um doce sorriso que eu me lembro ter dado na infância Porque metade de mim é a lembrança do que fui E a outra metade não sei (...) Que a arte nos aponte uma resposta Mesmo que ela não saiba E que ninguém a tente complicar Porque é preciso simplicidade pra fazêla florescer Porque metade de mim é platéia E a outra metade é a canção E que a minha loucura seja perdoada Porque metade de mim é amor E a outra metade também.*Composição:Oswaldo Montenegro 30.

(31) 2.1 O HOMEM COMO ARTEFATO CULTURAL. Pensar no corpo forjado pela cultura não significa que, em algum momento, eu tenha esquecido de sua consistência material, carnal, biológica, ou como queiram denominar. Sem querer parecer empirista, compreendo que o corpo é a prova cabal de que estamos falando de algo concreto – mesmo que não apenas concreto. Já dizia o filósofo René Descartes (cf. LE BRETON, 2003), no século XV: “Não sou este agregado de membros que é chamado corpo humano” (p. 13). Estamos falando de corpo e é nele, a partir dele e em torno dele que giram todas as discussões tecidas aqui. No entanto, reafirmo que meu interesse neste trabalho não esteve sobre a natureza ou extensão da modificação física advinda com a mutilação facial (se por câncer, acidente, ou outros motivos) nem sobre termos e explicações biomédicas. Quero entender um pouco do “por que não encontramos mutilados de face pelas ruas?” e, para isto, decidi caminhar no espaço de significação social chamado cultura em sua interlocução com o corpo. Não pretendi, portanto, separar corpo e cultura, mas, expressar aqui, semelhantemente ao que faz Da Matta (1985) ao explicar as terminologias por ele usadas como casa e rua, que meu foco esteve sobre visões de mundo particulares, “(...) esferas de sentido que constituem a própria realidade e que permitem normalizar e moralizar o comportamento por meio de perspectivas próprias”(p. 41). Para Elias (1994), a sociedade não consiste em instâncias visíveis ou palpáveis como as pessoas, mas tais pessoas fazem parte dela, são a própria sociedade. Neste sentido, a atual proposta se inscreveu no âmbito de um esforço apreendido com a ciência antropológica de formar um “olhar de fora”, estranhar o familiar, consensual e prescritivo (RIOS, 2004) sobre as discussões, explicações e possíveis soluções que são conferidas à questão da mutilação facial e sua reabilitação – protética ou via transplante; pretendeu-se isto através do deslocamento do saber das ciências biomédicas rumo aos próprios sujeitos, na lida com o evento da mutilação. Dentro dessa perspectiva e de acordo com Helman (1994), compreende-se que o corpo humano significa bem mais do que um simples organismo físico que oscila entre a saúde e a doença; o corpo também é foco de um conjunto de crenças sobre seu significado social e psicológico, sua estrutura e funcionamento, seja qual for a localização espacial e o padrão cultural do indivíduo. Por isto, o autor fala que todo ser humano, no sentido antropológico, possui dois corpos: um corpo individual com o qual. 31.

Referências

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