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Prosseguindo com as análises possíveis para este trabalho de dissertação de mestrado e dentro das minhas possibilidades de aprendiz de pesquisadora, ressalto agora que foi possível investigar o surgimento de sentimento grupal/comunitário entre os portadores de mutilação facial – um dos objetivos de pesquisa anteriormente estabelecidos. Neste aspecto, em relação aos indivíduos que participaram da pesquisa,

atitude compreendida como estigmatizante no outro e incômodo diante de tais atitudes. Entretanto, apesar de relatos de incômodos que em certo ponto se assemelham entre os participantes, tais impressões nem sempre são compartilhadas entre pessoas que passam por estas experiências. Refiro-me a postura observada em consultório e Hospital, onde não notei a ocorrência de diálogos e conversas entre os que buscavam atendimento.

Questiono: se caso as pessoas que passam por mutilações na face se organizassem em grupos onde pudessem somar discursos, compartilhar alternativas vividas e respostas encontradas diante dos impasses que possam ter encontrado? Ao menos nos espaços visitados, pude perceber que não existem grupos. Quero por em paralelo a pequena comunidade observada por Elias & Scotson (2000), pesquisa já aqui ressaltada, onde um grupo estabelecia uma separação com um outro e o estigmatizava, alegando que este último tinha menor valor humano. O que estes pesquisadores viram nesta comunidade foi algo que se repete e existe em vários outros grupos no mundo. Naquele microcosmo, os pesquisadores conseguiram identificar a coesão do grupo como justificativa do poder que possuía as informações difundidas a respeito daqueles que chamavam ‘outsiders’, ao ponto de causar nestes a real sensação de inferioridade. O que compreendo é que, o grupo em questão se une em torno das opiniões compartilhadas, e estas opiniões em comum unem as pessoas do mesmo grupo e, unidas, opiniões e pessoas, pode depreciar (ou o inverso) outrem.

A expressão: “unidos, venceremos” faz, aqui, pleno sentido. Ou seja, a opinião interna do grupo influencia os seus membros e media seus sentimentos e condutas. Pondo esta pesquisa em paralelo com a dos autores acima citados, o grupo que se considerava superior apresentavam grande coesão grupal, identificação coletiva de normas comuns e estabelecimento de características que traziam os pertencentes deste o prazer de fazer parte deste grupo superior e o desprezo pelo outro grupo. Discutindo com a psicanálise diante de sua observação em campo, Elias & Scotson (2000) propõem uma maneira de lidar com a estigmatização: positivar a imagem do nós nos grupos estigmatizados. Os comentários depreciativos perpassados em forma de fofoca sobre o grupo que os autores chamaram de Outsider’s feria o Ego do grupo, enquanto apenas comentários à respeito das qualidades do grupo Estabelecido eram difundidas, tornando positiva a auto-imagem do grupo. As informações positivas só exerciam esta função sobre o grupo que se considerava superior porque este apresentava a característica da coesão, e esta mesma coesão massificava as informações negativas sobre os Outsider’s.

Aqueles chamados “Outsiders” nas comunidades observadas pelos autores, pareciam aceitar, resignados e perplexos, a idéia de fazer parte de um grupo inferior,

dotado de menos virtudes e merecedor de menos respeito. E, ao meu entender, isto acontece à medida que aquele considerado ‘inferior’ sente que realmente carece de virtudes consideradas importantes pelo outro grupo. Possivelmente, não percebem apenas carências, mas, sobretudo, sentem necessidade daquela considerada virtude. Necessidade porque, a nível subjetivo, a referida ‘falta’ atribuída, apesar da intenção de denotar algo que não existe, é experimentada, vivenciada e implica na conduta de todos os envolvidos. Existe sentido no mal estar experimentado em público e no impacto dos discursos perpassados culturalmente.

As informações reunidas na realização da atual pesquisa me permitiram refletir: e na ausência de união? Não quero com isso afirmar que as pessoas precisem se agrupar para garantirem seu bem-estar. O que considero importante é a discussão de alternativas a partir da experiência vivida, e creio que o surgimento de sentimento grupal/comunitários poderia trazer à tona algumas destas alternativas. Goffman (1975) acredita que pessoas que “compartilham” um estigma, ou seja, alguém que forneça suas próprias experiências para que sirva como exemplo ao outro, podem contribuir para que, a partir do conhecimento de que outras pessoas passam por situações semelhantes, não seja tomado pela sensação de ser ‘o único no mundo’ a vivenciar tais questões. A percepção de alguns informantes da atual pesquisa de “pessoas em situação pior” do que eles, parece já ter suscitado reflexões pessoais que os auxiliaram a positivar as próprias imagens e suportar o advento da mutilação.

Não se pode esquecer da possível ‘impossibilidade’ da reabilitação protética, seja por limites biológicos, financeiros ou pela falta de conhecimento ou acesso a este tipo de serviço. Assim sendo, corroborando com os autores acima citados, arrisco-me a pensar que a coesão poderia significar outra possibilidade de ouvir mais vozes além daquelas dos entrevistados no espaço desta pesquisa. Não percebi, portanto, contato social. DÁLIA, que participou da entrevista com enfoque biográfico, chegou a ressaltar a falta de unidade entre as pessoas que passam por situação semelhante a sua, e acreditava que a troca de experiência e contato poderia colaborar com a melhoria da qualidade de vida destas pessoas. A impossibilidade de fazer parte de um grupo melhor é a qual procura mudar diante dos outros ao utilizar uma prótese: não se deseja fazer parte de um grupo inferior. Estigmatizar torna-se possível, então, ao penetrar na auto- imagem do indivíduo a ponto de enfraquecê-lo.

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