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O MOVIMENTO ESTUDANTIL NA UNIVERSIDADE DO CEARÁ: UMA NOVA ABORDAGEM HISTÓRICA

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Embornal, Fortaleza, V. IV, N. 8, p. 63-84, jul/dez 2013. Seção Artigos

O MOVIMENTO ESTUDANTIL NA UNIVERSIDADE DO

CEARÁ: UMA NOVA ABORDAGEM HISTÓRICA

Frederico de Andrade Pontes*

Resumo

Quando nos debruçamos mais intensamente sobre a bibliografia da história da participação política dos estudantes, geralmente percebemos que prevalecem pesquisas que enfocam o movimento nas ruas, nos confrontos, manifestações e passeatas. Raro encontrar estudos que abordem o movimento estudantil atuando internamente nas instituições universitárias, disputando e construindo espaços políticos com outros atores sociais. O objetivo do presente artigo é perceber as possibilidades de uma nova abordagem histórica sobre o movimento estudantil, relacionada à renovada história política e ao conceito de cultura política, buscando dessa forma, compreender a história do movimento estudantil na Universidade do Ceará como um microcosmo singular de disputa pelo poder e ação política.

Palavras Chaves: Movimento Estudantil, Universidade do Ceará, Cultura Política.

The Student Movement at the University of Ceara: a new

historical approach

Abstract

When looking more intently on the bibliography of the history of political participation of students generally perceive prevailing research that focus on the movement in the streets, in the clashes, demonstrations and marches. Rare to find studies that address the student movement acting internally in the universities, political jockeying and building spaces with other social actors. The aim of this paper is to realize the possibilities of a new historical approach on the student movement, related to renewed political history and the concept of political culture, thus seeking to understand the history of the student movement at the University of Ceará as a microcosm of singular power struggle and political action.

Key Words: Student Movement, University of Ceará, Political Culture.

* Mestrando do Mestrado Acadêmico em História da Universidade Estadual do Ceará (MAHIS/UECE), E-mail:

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Embornal, Fortaleza, V. IV, N. 8, p. 63-84, jul/dez 2013. Seção Artigos

A clássica ou tradicional literatura historiográfica1 e sociológica sobre o movimento estudantil geralmente tenta explicar a participação política dos estudantes universitários a partir de uma idealização de características que estariam intrinsecamente relacionadas à condição de jovem ou estudante, como por exemplo, as características de contestador, rebelde ou revolucionário.

Mesmo o movimento estudantil sendo um objeto histórico complexo, estas análises tentam construir matrizes explicativas gerais tendo por fundamento períodos e espaços específicos, no caso, o movimento estudantil do sudeste(principalmente Rio de Janeiro) e o período de 1964 à 1968. Não levando em conta que as diferentes condições de espaço(tradições, valores, comportamentos do local por exemplo) e do tempo(conjuntura sócio-histórica do período abordado) são influências fundamentais para a compreensão do fenômeno.

Nas duas últimas décadas foram realizadas diversas pesquisas acadêmicas sobre a atuação dos movimentos estudantis, em diversos Estados brasileiros. Estes estudos corroboraram a utilização de novos métodos, fontes e abordagens históricas que trazem valiosas contribuições2 para a construção de uma renovação historiográfica do movimento estudantil, revelando momentos e experiências históricas até então submersas no oceano mitológico alimentado pela tradicional historiografia.

No Ceará, Braulio Ramalho(2002) realizou ampla pesquisa sobre a história do movimento estudantil tanto secundarista quanto universitário. Apesar de sua problematização se situar no período já “padronizado” de 1964-68, época em que atuou como militante, o autor traz uma enorme quantidade de nomes e fatos acerca do movimento desde 1928 até 1968.

1 Como o termo historiografia tradicional ou clássica em relação ao estudo do movimento será algumas vezes

repetido durante o texto, faz-se necessário dizer ao que esse termo se refere: a maioria das análises sobre o movimento de alguma forma reforçou a idealização política dos estudantes e ressaltou sua “potencialidade revolucionária”, além de valorizar generalizações acerca das condicionantes de suas ações contestadoras, que seriam ou a sua condição de jovem ou sua condição de classe social. Apesar das contribuições significativas dessas pesquisas, podemos citar como estudos tradicionais: Movimento Estudantil no Brasil(ALMEIDA JR., 1981), 1968: O movimento estudantil e a passagem para a luta armada(CARDOSO), A UNE na resistência ao golpe de 64(SANFELICE, 1987), UNE: instrumento de subversão(SEGANFREDDO, 1963); O poder jovem(POERNER, 1968), entre vários outros.

2 Entre as recentes contribuições, podemos destacar os trabalhos sobre o movimento no Piauí, abordando entre

outros aspectos, a desconstrução do movimento estudantil enquanto categoria histórica(CAVALCANTE JÚNIOR, 2007) e a construção da cultura e memória política do movimento(VALE JUNIOR, 2010), considerando especificidades locais. Também de grande valia, o trabalho acerca do movimento estudantil baiano, que discute a relação entre a Instituição Universitária e a participação política do movimento(BRITO, 2008). Além destes, fazemos referência aos trabalhos sobre o movimento potiguar(SILVA, 1989) e amazonense(FRAGA, 1996) que trazem em comum com os outros, a revisão historiográfica acerca das análises generalizantes do movimento estudantil brasileiro.

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Apesar de fortalecer em certos aspectos a ideia do mito, sua obra é referência fundamental para qualquer pesquisa acerca do movimento cearense.

Os recentes trabalhos de Moreira(2006), Muniz(1997), Maia(2008) e Portugal(2008) trazem elementos inovadores para a compreensão do movimento estudantil cearense. Altemar Muniz e Afonsina Moreira lançam luzes sobre o movimento estudantil durante o período varguista, trazendo elementos de uma cultura política estudantil que divergem da percepção generalizante do estudante contestador e revolucionário.

Edmilson Maia aborda o período logo anterior ao ano de 1968 e Portugal, o logo posterior. Apesar de não saírem da “padronização” temporal da análise tradicional, os autores conseguiram revelar a importância das especificidades do movimento cearense, pois abordam as expressões culturais e lúdicas presentes nas formas de resistência à ditadura, seja na ênfase dada às passeatas dos bichos(calouros) ou mesmo na construção de novas formatações institucionais de representatividade política dos estudantes dentro da universidade.

O ponto comum dos renovados estudos sobre a política no movimento estudantil faz referência à influência de uma nova história política, que busca compreender o imaginário político dos estudantes, enfatizando a importância dos mitos, celebrações, ritos e tradições políticas que influenciam o pensar e o fazer político no âmbito do movimento.

Fomentada por importantes historiadores franceses, como Remond e Berstein, a renovada história politica tomou corpo no final década de 1980. Este processo foi considerado um verdadeiro renascimento da história política, que instigada pelas criticas ferozes dos

annales, se remodelou e aprofundou o dialogo com outras disciplinas, tais como a Sociologia,

a Ciência Política, a Antropologia, a Linguística e a Psicanalise.

Em variados aspectos a história política foi reformulada, entre eles, destacamos dois: nos novos enfoques e nos novos objetos de estudo. Ao sair do tradicional enfoque positivista, marcado por uma dimensão factualista e elitista da história, os renovados historiadores do político penetraram em novos campos de investigação, como movimentos sociais, funcionamento de grupos de pressão, entre outros. Para Remond, “praticamente não há setor ou atividade que, em algum momento da história, não tenha tido relação com o político”(REMOND, 1996, p.444).

De outro lado, se percebeu um grande impulso na pesquisa de novos objetos de estudo, até então invisíveis para os clássicos enfoques da história política. Com o frutífero dialogo estabelecido com a Ciência Política e a Antropologia, a história política começou a enfatizar

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aspectos simbólicos e culturais do fenômeno político, aprofundando questões relacionadas às representações, aos valores, as tradições e comportamentos políticos.

Nessa perspectiva, por mais contraditório que possa parecer, um dos principais problemas que envolvem o estudo do movimento estudantil e sua historiografia encontra-se na seara da história cultural, em especial na área da mitologia política. O mito do movimento estudantil “naturalmente” contestador e revolucionário, sempre nas ruas e nas passeatas ao lado do povo brasileiro.

Apesar de ser importante para o imaginário do movimento estudantil, pois transmite mensagens que incentivam a coesão grupal e a formação de valores identitários, o mito também contribui para ocultar outras experiências do processo histórico do movimento, de certa forma enclausurando a percepção histórica acerca do objeto e engessando os enfoques historiográficos em um único padrão de análise.

Poderíamos dar um exemplo, entre muitos possíveis dentro da historiografia brasileira, para tornar clara a percepção acerca desse problema historiográfico. No caso da historiografia cearense, ao se referir sobre atuação do Diretório Central dos Estudantes/DCE da Universidade do Ceará, no período anterior ao golpe de 1964, o pesquisador Braulio Ramalho chega a afirmar que

“Em termos de atuação política, de sua fundação até o golpe de 1964, o DCE é ofuscado pela UEE. Nesse período, o DCE se direciona para oferecer serviços e propiciar atividades que desenvolvam o espírito grupal e a fraternidade entre os universitários. A entidade notabiliza-se pela realização das concorridas festas dançantes(tertúlias) no Clube dos Estudantes Universitários”(RAMALHO, 2002, p. 98).

Ao dialogarmos com as fontes referentes ao movimento estudantil universitário no período que vai da criação do DCE ao golpe de 1964, em especial memórias dos militantes e colunas jornalísticas, notamos que era necessário ao DCE realizar festas, serviços de assistência, jogos esportivos, entre outras ações de integração dos discentes das diversas faculdades que foram sendo agregadas à recém-criada Universidade do Ceará.

O problema é que se coloca uma interpretação de atuação política do movimento, onde apenas se reconhece o político enquanto forma de ação nas ruas, nas passeatas e confrontos, pois o modelo, o padrão de análise que prevalece é do movimento estudantil do pós-1964. Não se reconhece nas ações do DCE, no período anterior, seja nas festas, nos jogos

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esportivos, nas ações de assistência ou mesmo na ocupação de espaços de poder dentro da instituição universitária o aspecto político.

Percebemos a ação política excedendo o campo do político-institucional, na perspectiva de um conceito de política ampliado, se expandido, com fronteiras mais maleáveis e fluidas. Nesse sentido, o conceito de cultura política será fundamental para melhor compreender as especificidades do comportamento político do movimento estudantil na Universidade do Ceará, no período anterior ao golpe de 1964.

Ao abordarmos a cultura política3 estudantil dentro de pressupostos culturalistas4, entendemos que as tradições e valores têm importância decisiva para o funcionamento das organizações políticas. Nesta perspectiva, a relação de causalidade entre as atitudes frente ao sistema político e social e o próprio funcionamento de organizações leva-nos a esperar que elas possuam níveis mais altos de adesão afetiva e aumentem as chances de sobrevivência de um determinado sistema político e social.

As principais organizações da política estudantil cearense da década de 1940 e 50, Centro Estudantal Cearense-CEC e a União Estadual dos Estudantes-UEE, parecem refletir essa condição contraditória ao assumir um discurso defensor da democracia e ao mesmo tempo demonstrar uma adesão afetiva em relação ao sistema político autoritário vigente. Consideramos que a cultura política estudantil cearense é fruto das conexões entre as dimensões micro e macro políticas. Nesse sentido é revelador observar as expressões políticas que nascem da relação entre valores, motivações e atitudes dos estudantes frente ao poder político local.

Apesar da criação da UEE está inserida em um contexto de luta pela redemocratização política no Brasil e da luta contra o fascismo em nível mundial, onde os estudantes eram considerados os “vanguardeiros”, ela continuava a representar e reproduzir uma cultura que possuía traços de elitismo5 e conservadorismo6. Acreditamos que esta cultura será

3 No âmbito desta pesquisa, quando nos referimos à cultura política, estamos fazendo referência “ao conjunto de

atitudes, crenças e sentimentos que dão ordem e significado a um processo político, pondo em evidência as regras e pressupostos nos quais se baseia o comportamento de seus atores.”(KUSCHNIR e CARNEIRO, 1999, p. 227).

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Nessa perspectiva, cultura política refere-se a uma variedade de atitudes, crenças e valores políticos, como orgulho nacional, participação e interesse por política, que influencia o envolvimento das pessoas com a política. Geralmente, essas orientações têm longa duração no tempo, Mas isso não quer dizer que transformações e mudanças de orientação não possam ocorrer, por conta da pressão de efeitos de transformações geracionais ou de processos de modernização econômica e social sobre os valores políticos.(MOISÉS, 2008)

5 O termo elitismo aqui empregado foge um pouco ao conceito proveniente da teoria das elites, apesar de

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transformada por conta do novo contexto sócio-político brasileiro e das novas experiências vivenciadas pelos estudantes da primeira Universidade cearense, no final da década de 1950 e início dos 60.

O processo de esquerdização7 do movimento estudantil, já apontado por vários autores, aconteceu no movimento cearense, só que de maneira lenta e gradual. Ele trouxe uma reviravolta política interna promovendo mudanças comportamentais e políticas. Algumas dessas mudanças vão além do aspecto político, inserindo-se também, em caráter mais amplo, nos habitus de consumo de uma cultura jovem relacionada às novas linguagens, novos costumes e padrões estéticos.

Em Fortaleza, também observamos um número significativo de mudanças, mesmo percebendo a persistência de variadas expressões de convivência “harmoniosa” entre as diferentes gerações nos anos finais dos 1950 e no início da década de 1960. Nessa perspectiva, ao analisarmos fontes históricas acerca da relação do DCE e a Administração Superior da Universidade, não é estranho perceber a harmonia e até mesmo certa subserviência por parte do DCE.

Vários estudos indicam que os limites de liberdade dos jovens foram se ampliando à medida que ocorreu uma maior divisão social do trabalho, uma maior complexificação das estruturas sociais. Evidentemente, isso não ocorreu na mesma velocidade em todo o território brasileiro, que é notadamente eivado de desigualdades regionais.

A realidade social cearense na década de 1940 e 50, apesar de já apresentar traços da “modernidade”, formando e solidificando suas paisagens de consumo8

, era marcada por uma presença de estruturas e costumes rurais, onde as tradições representadas pelas gerações mais velhas ainda eram consideradas o modelo a ser adotado.

Em parte, o perfil político do movimento estudantil e de suas organizações representativas no Ceará, seja secundarista ou universitário, foi marcado por um processo de incorporação de representações, imaginários, tradições e costumes que foram herdados de

interpretação indica que os estudantes se viam ainda como uma minoria(de fato era) de pessoas que representava a legitimação do poder intelectual e cientifico frente a falta de saber da grande maioria da população.

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O termo conservadorismo é empregado, a partir da nossa interpretação, no sentido de que o movimento estudantil estava fortemente integrado aos valores da sociedade fortalezense e de suas tradições, ou seja, ainda não percebemos no movimento um efetivo caráter contestador ou progressista.

7 O processo de esquerdização diz respeito à crescente politização do movimento estudantil que cada vez mais

assumia compromissos com as ações e reformas progressistas, no início da década de 1960.

8 Segundo Silva Filho(2002) percebe-se em Fortaleza do pós-guerra, uma já precária modernidade,

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gerações estudantis mais velhas. Essa condição atrelada ao sistema político autoritário vigente fomentou a valorização e permanência de uma identidade baseada na tradição.

Podemos perceber esta realidade, por exemplo, em uma nota publicada por uma chapa que disputava a eleição para presidência do CEC, órgão mais importante do movimento cearense nas décadas de 1930 e 40.

(...) Atravessamos uma época de deslealdade; o que se tem mencionado até aqui não é o que se tem posto em execução. PRATICA-SE O QUE SE PENSA E NÃO O QUE SE DIZ.

A “realidade centrista” tão exaltada pelos atuais “defensores” do Centro Estdantal Cearense, reduz-se a censuráveis privilégios pessoais e monopolização dos direitos da classe.

O “comitê pró-renascimento centrista”, seguindo as diretrizes traçadas pelo iminente presidente Getúlio Vargas, executa suas ordens, quando diz: “O ESTADO NOVO NÃO RECONHECE DIREITOS CONTRA A COLETIVIDADE. OS INDIVÍDUOS NÃO TÊM DIREITOS, TÊM DEVERES, OS DIREITOS PERTENCEM A COLETIVIDADE.”

Estamos cultivando o ideal democrático. Cerramos fileiras em torno do Governo Nacional e combatemos sem tréguas os inimigos internos e externos de Deus, da Democracia, da Pátria e da Liberdade.

(...) Lutamos apoiados nos vanguardeiros da mocidade cearense, representados na figura eminente de S. Exca, o interventor Menezes Pimentel, no pensamento sábio de concórdia do Sr. Capitão Góis Ferreira, Secretário de Segurança Pública e no apoio moral e material da quase totalidade dos Srs. Diretores e professores dos colégios(...)9

A nota acima transcrita representa a opinião de grupo político oposicionista que disputava uma eleição. É natural a parte das críticas e acusações. No entanto, o quê nos chama a atenção é a louvação às “autoridades constituídas” e também a defesa do ideário estadonovista de Vargas. Segundo Muniz, contestando a mitificação do ME, “a colaboração destacada de uma entidade estudantil numa política governamental autoritária, despolitizadora dos movimentos reivindicatórios e que torna-os instrumento de preservação desta, segundo esta mística, seria algo inverossímil.”(MUNIZ, 1997, p. 02)

Mesmo que a historiografia tradicional deixe transparecer um caráter contestador e progressista, as UEE´s, organizações criadas para representar e unificar politicamente os estudantes nos moldes da União Nacional dos Estudantes/UNE, em muitos Estados, assim como no caso do Ceará guardavam o ranço do elitismo e conservadorismo, traços

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característicos da cultura política estudantil universitária que já eram cultivados em Fortaleza, principalmente nas faculdades de Direito e Medicina.

É fácil percebermos nas fontes jornalísticas essa condição. Na maioria das atividades desenvolvidas pela UEE, que ganhavam destaque na Imprensa local, existem momentos de homenagem às figuras políticas importantes do Ceará, que representavam posições conservadoras e de sustentação do status quo, em sua maioria personagens que futuramente iriam defender e louvar a “revolução” de 1964.

União Estadual dos Estudantes

A comissão abaixo tem a honra de convidar V.Exmo e Exma. família a comparecerem à sessão da instalação oficial da União Estadual dos Estudantes e de posse de sua primeira Diretoria. Essa sessão que será presidida pelo Sr. Cap. José Góis de Campos Barros, Secretário de Polícia e Segurança Pública, realizar-se-á no Salão Nobre da Faculdade de Direito às 16 horas de domingo próximo,13.10

O fato do evento de instalação e de posse da primeira diretoria da UEE ter como presidente da mesa o chefe da polícia e segurança pública parece ser bastante contraditório em relação ao imaginário contestador que foi criado por boa parte da historiografia brasileira em relação à atuação política dos estudantes. No entanto, ao situarmos o movimento em seu contexto histórico, percebemos que a participação do chefe de polícia no evento caracteriza uma especificidade da cultura política dos acadêmicos cearenses naquele período.

Acreditamos que essa característica diz respeito a uma visão de sociedade e do lugar que ocupa o acadêmico e da própria natureza dos conflitos e disputas pelo poder, que acaba sendo partilhada pelos integrantes da UEE. São representações e valores ligados a uma auto percepção de futuro grupo dirigente e elite intelectual, que será responsável direto pelo desenvolvimento do Estado. E nessa perspectiva, os estudantes devem estar ao lado dos sujeitos que fazem parte do então poder político dominante. Em alguns momentos até podendo contestá-los, porém sempre mantendo certo respeito, certa obediência e até certa reverência.

COMO FOI COMEMORADO O ANIVERSÁRIO DO PRESIDENTE GETÚLIO VARGAS

10 Gazetas de Notícias, 12/12/1942:5

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O Chefe do Governo Nacional receber expressivas manifestações de todo povo cearense, entre elas, (...) o “Salão de Abril”, à rua Major Facundo, no prédio onde funcionou a antiga livraria comercial, foi inaugurada, as 13 horas, a exposição pictórica promovida pela União Estadual dos Estudantes e a que foi dado o expressivo nome “Salão de Abril”(...)11

Ao buscar identificar nos jornais os acontecimentos relevantes e tentar reconstruir capítulos da história da atuação da UEE nas décadas de 1940 e 50, temos consciência que as fontes, apesar de serem válidas em parte, nunca dão conta inteiramente das percepções cuja existência constatam.

Nesse sentido, observamos que ao homenagear figuras políticas de relevância nacional, a UEE expressa também especificidades de um ambiente político “controlado”, onde valores como disciplina e respeito à hierarquia eram considerados “normais” para a condição de estudante.

Entendemos que estes comportamentos políticos por parte da UEE fazem parte de uma cultura política que se constituiu ao longo da existência das escolas superiores cearenses, influenciada por elementos de uma cultura política mais ampla e também por suas especificas experiências políticas. Já na década de 1920, existem notícias que dão conta da proximidade e aparente boa relação dos diretórios acadêmicos com as forças políticas dominantes.

A festa estudantal de amanhã ao presidente do Estado

A homenagem que amanhã as classes estudantaes do Ceará, lideradas pelo Centro Acadêmico Farias Brito, vão prestar ao Presidente Dr. Matos Peixoto será uma das mais expressivas, já pelos elementos que a promovem, já pelo vulto que a mesma tomará(...)12

Ao trazermos elementos de uma cultura política estudantil cearense que contradiz o senso comum das idealizações comumente observadas na tradicional historiografia do movimento estudantil, não queremos dizer que não existiam outras práticas e discursos que possibilitem a percepção de outras tendências dentro do movimento estudantil ligado à UEE.

Braulio(2002) e Muniz(1997) destacam a participação da UEE em ações que indicam certa atitude contestatória. Acreditamos que estas características do movimento também se encontram ligadas a uma visão utilitarista das relações com os poderes públicos constituídos.

11 Gazeta de Notícias, 21/04/1943:3 12 Diário do Ceará, 13/07/1928:4

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Nesse sentido, seria importante adotar posturas que possibilitassem atingir os objetivos específicos da classe estudantil, como por exemplo: a construção da Casa do Estudante Pobre, meia-passagem nos bondes, etc...

Não obstante, parece que as ações coletivas realizadas no âmbito do CEC e da UEE, órgãos que representavam tanto secundaristas quanto universitários, refletem especificidades de uma cultura política própria e que é constituída a partir de variados traços comportamentais, que poderiam ser também contraditórios. Estes traços apontam para um objeto de estudo complexo, onde pode se comprovar que as explicações generalizantes não possibilitam perceber de forma efetiva a natureza dessas experiências políticas.

Através das fontes, podemos constatar outro traço importante da cultura política estudantil: a auto imagem de vanguarda cultural, uma espécie de elite cultural.

As próprias denominações dos Diretórios Acadêmicos do período refletem esta realidade. Na Faculdade de Direito, o DA Clóvis Beviláqua, nome de um “imortal”, historiador e jurista, um dos principais representantes da intelectualidade cearense de sua época. Na Faculdade de Agronomia, o DA Dias da Rocha, faz referência ao professor catedrático, naturalista e escritor que além de criar um Museu de História Natural, pertencia ao Instituto Histórico do Ceará. Na Faculdade de Filosofia, o DA São Tomás de Aquino, nome de um dos principais expoentes da cultura e pensamento relacionado à filosofia cristã. Assim acontecia na maioria dos Diretórios acadêmicos da cidade naquele período.

Não é de se estranhar que uma das grandes bandeiras levantadas pela UEE nesse período diz respeito à instalação da Escola de Belas Artes, em Fortaleza. Dentro dessa auto percepção de vanguarda cultural, os estudantes acreditavam que esta Escola seria o grande centro aglutinador das variadas e importantes expressões artísticas e culturais que já vinham sendo desenvolvidas pela classe estudantil nas diversas escolas superiores e organizações representativas dos estudantes, como o CEC e a UEE.

Tudo pela Escola de Belas Artes do Ceará!

A frente desse movimento a União Estadual dos Estudantes

A idéia de fundação de uma escola de belas artes em Fortaleza tem sido uma das maiores preocupações dos gestores da União Estadual dos Estudantes. A iniciativa foi discutida em sucessivos congressos da UEE, encontrando, em todas as oportunidades uma receptividade indicadora de uma possível concretização. Sobretudo, animava os seus idealizadores a circunstância de Fortaleza já possuir um ambiente artístico desenvolvido, capaz portanto de comportar uma escola de belas artes para atender às exigências do nosso

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movimento artístico cultural e abrigar as mais promissoras vocações do nosso meio(...)13

Supomos que essa percepção de vanguarda cultural persiste desde os antigos grêmios literários existentes em escolas e diretórios acadêmicos que tinham finalidades meramente literárias e artísticas.

Na década de 1960, a cultura política estudantil apresenta traços de renovação, já não eram tão visíveis os traços de elitismo ou conservadorismo. Percebemos uma crescente inquietação do movimento relacionado à resolução ou minoração das graves desigualdades sociais, em especial relacionadas à Educação.

MOVIMENTO DE EDUCAÇÃO POPULAR

A exemplo do que vem sendo realizado com animadores sucessos na cidade do Recife, o Centro Acadêmico Clovis Bevilaqua, da Faculdade de Direito da UC inclui como tópico importante na agenda de sua próxima reunião coletiva do dia 27 o debate que precederá a instauração do movimento de educação popular, campanha tendente a receber os melhores aplausos da nossa gente e auferir bons resultados se executada com o acerto que requer, por parte de seus promotores. O movimento de largo âmbito, se iniciará em Fortaleza com cursos de alfabetização nos bairros pobres da capital, postos de assistência jurídica em defesa dos trabalhadores e outras demarches no sentido de melhor educar nossa gente. É uma idéia louvável. Imaginem leitores os milhares que uma campanha deste jaez obrará, se efetuada em mais Estados do país de 73% de analfabetos.14

Para atingir seus intentos e se fazer reconhecido na política universitária, o movimento modificou suas estratégias de atuação. Já em 1960 se iniciará na UC a prática da greve pelos estudantes. Esse tipo de ação era considerada uma afronta, em um ambiente que valorizava a hierarquia e a autoridade. De certa forma, como indica Melucci, o movimento social possui a característica de utilizar estratégias de ação que extrapolam “os limites de compatibilidade do sistema ao qual a ação se refere”.

GREVE DA ENGENHARIA: ASSINOU O TERMO DE MATRÍCULA O ALUNO JOSÉ EVANDRO GASPAR

Em meio à revolta geral dos alunos da Escola de Engenharia(“queremos sangue, queremos sangue”, gritavam a porta), assinou ontem o têrmo de matrícula, que já tornou juridicamente normal a sua situação, o aluno José

13 O Povo, 04/01/1952:1

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Evandro Gaspar Brigido, que foi transferido do 2º. Ano da Escola de Engenharia de Campina Grande para Fortaleza, provocando protestos de todos os acadêmicos daquela unidade universitária. Os alunos como é sabido, alegavam que uma primeira vez o sr. José Evandro Gaspar Brigido já havia sido reprovado na Escola, apelando para Campina Grande, foi aprovado. No entanto, a verdade é que o rapaz foi aprovado e reconhecida ontem sua qualidade de acadêmico, nada podem fazer seus colegas e é realmente estranhável que encetem movimento tão violento. Se o transferido é incapaz, as provas do final do ano o demonstrarão e ele naturalmente será alijado. Não se pode compreender é um movimento francamente hostil e contra nossos foros de gente civilizada(...)

JUSTIFICAR A “PAREDE”

Ontem à tarde esteve em nossa redação uma comissão composta de acadêmicos Vicente de Paula Vieira, presidente do Diretório Walter Bezerra Sá, Jorge Cals Coelho, Aluízio Viana Oriá e Antônio Bunorandi, todos da Escola de Engenharia do Ceará que vieram até nós com a finalidade de justificar o movimento “paredista” que estão realizando e que será levado até o fim, embora venham a perder o ano. Afirmar, igualmente, que o movimento grevista tem como finalidade zelar pelo bom nome da Escola, não permitindo que sejam desvirtuadas suas finalidades.

Justificando o comportamento que estão tendo, esclareceram que a Escola de Engenharia, de Campina Grande permite certas liberdades, sendo o fato de que ali se encontra matriculado e já freqüentando o 4º. Ano um aluno que ainda está na dependência do exame vestibular. 15

Abril, 1960. Os estudantes da recém criada Faculdade de Engenharia da UC cruzam os braços, decidem não assistir as aulas. Iniciam uma prática até então inédita na forma do movimento atuar politicamente. Ao paralisar por completo as aulas, o movimento dos universitários da Engenharia demonstra, além de uma grande capacidade de mobilização, que os estudantes já se sentiam confiantes para extrapolar os “limites de compatibilidade do sistema”.

O movimento questionava a transferência de um aluno que anteriormente havia sido reprovado no vestibular da UC e fez novamente a prova para Engenharia na Faculdade da cidade de Campina Grande. Lá ele passou e logo depois pediu transferência para a UC. Apesar do jornalista destacar o caráter legal do ato de transferência, os alunos mantinham-se reticentes em relação à permissão dada pelo Consuni.

A greve durou mais de 30 dias e no decorrer desse período foram publicadas mais notícias sobre o acontecimento, inclusive manchetes de primeira página. As criticas foram ficando cada vez mais duras em relação ao comportamento dos estudantes.

15 Tribuna do Ceará, 05/04/1960:2

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O Jornal Tribuna do Ceará apresentou o transferido como vítima de perseguições injustas por parte dos estudantes da Engenharia, vale salientar que o aluno transferido era irmão de um jornalista. Fato que pode também explicar as ferozes críticas do Tribuna.

No entanto, acreditamos que a natureza da ação grevista esta inserida em um contexto de formação do movimento social, onde se iniciava um processo crescente de questionamentos e conflitos contra o principal opositor do movimento, a Administração Superior da UC.

O QUE HÁ NA FACULDADE DE ENGENHARIA

Fala-se que os estudantes da Faculdade de Engenharia pleiteiam, junto ao Conselho Técnico daquela Faculdade, uma reivindicação interessante: para evitar casos como o que hora esta havendo, donde proveio a greve, em que todos estão metidos, o Conselho Técnico consultaria o Diretório, antes de realizar qualquer transferência de qualquer aluno e outra escola. Acredita-se que, concedida essa reivindicação, os alunos retornariam às aulas, findando-se, portanto, o movimento grevista, que, aliás, está sendo um grande “espinho de garganta”.16

Dentre as mudanças que se processam no movimento estudantil pode-se destacar também uma redistribuição do poder e de influência política dos cursos. Desde sua fundação, a UEE teve como presidentes, ou um aluno da Faculdade de Direito ou um da Faculdade de Medicina. É notório, nas fontes pesquisadas, o destaque dado às ações desenvolvidas pelo movimento dessas faculdades. Nas lembranças de Djacir17, esse fato estava relacionado à tradição política dessas escolas e o status dado pela própria sociedade cearense a estas categorias profissionais.

Apesar de continuar a ter importante influência, principalmente nas primeiras eleições do DCE, e ter aparente hegemonia na UEE, estes cursos dividiram o bolo do poder com outras forças presentes nas disputas eleitorais dos órgãos de representação.

Ampliando a percepção de política, percebemos ações do movimento que são quase totalmente negligenciados pela historiografia tradicional do movimento estudantil, pois não se enquadram na percepção clássica de ação política. Encontramos nas fontes, além das disputas e conflitos políticos, o lazer, a assistência e outros aspectos que revelam a relação dinâmica do movimento com o contexto sócio-cultural de Fortaleza no início da década de 1960.

16

Tribuna do Ceará, 19/04/1960:2

17 Djacir de Oliveira Martins. estudante do curso de Medicina nos anos de 1956 a 1961. Presidente do DCE em

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Acreditamos que ressaltar ou apenas revelar uma forma de atuação política do movimento é fruto de uma abordagem que está inserida dentro de um padrão de análise histórica que percebe o movimento estudantil apenas como um movimento político se ele se enquadra na ação política dos manifestos, das passeatas e da contestação.

Nessa perspectiva, deixa-se de lado outros aspectos que certamente contribuem para singularizar estas experiências em seus diversos momentos históricos, considerando que estas diferentes realidades interagem com as ações políticas do movimento estudantil, como por exemplo, a realização de concursos de miss.

SERÁ ELEITA MISS CEU

No próximo dia 26 será eleita no clube dos estudantes universitários, a Miss CEU, que, com as demais senhoritas apontadas pelos demais clubes, concorrerá ao título de Miss Ceará. Acredita-se que o certame desperte o mais vivo interesse entre os diretórios acadêmicos e que o CEU brilhe desta vez com sua candidata ao título de a mais bela cearense. Claro está que em nossas Faculdades, notadamente as de Direito, Filosofia e Serviço Social há muitas senhoritas realmente capacitadas a enfrentar o Júri.18

Se considerarmos as formas de atuação do movimento nos dias atuais, a eleição de miss parece ser um fato inusitado, no entanto, naquele período era bastante comum em Fortaleza esse tipo de concurso. A eleição da Miss Ceará19 mobilizava boa parte da imprensa cearense e todos os clubes da cidade participavam efetivamente da disputa. O movimento estudantil se insere nessa realidade através do CEU, que era o promotor do concurso no âmbito da Universidade do Ceará.

Ressaltamos que o imaginário construído em torno desses concursos é revelador de aspectos sociais relacionados aos novos valores e práticas impostos pela modernidade. Nesse caso, por traz da disputa encontra-se a valorização de um novo ideal de mulher burguesa, com novos padrões estéticos, de elegância e também de consumo.

Não podemos esquecer que as estudantes da UC faziam parte dessa realidade e tinham interesse na disputa, haja vista existir naquele momento um verdadeiro culto em relação à imagem da miss, que era qualificada como culta, discreta, sensata, educada e refinada.

18

Tribuna do Ceará, 23/05/61:5

19 Ver pesquisa desenvolvida por Lídia Noêmia Santos(2011) sobre juventude e gênero na imprensa fortalezense

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Para o movimento seria uma forma de aglutinar os estudantes em prol do incentivo à representante do CEU. Para o clube dos estudantes universitários-CEU seria uma ótima oportunidade para se promover.

Vale ressaltar que o CEU tinha a natureza de um clube social, semelhante aos vários outros clubes sociais que existiam na cidade. Ele possuía associado que pagava anuidade, possuía uma sede, realizava eventos de toda a natureza e principalmente, as famosas tertúlias.

Realizadas todas as sextas-feiras à noite, as tertúlias eram momentos de lazer para a estudantada universitária. Um encontro de estudantes, onde se dançava, escutava música, namorava, bebia e também acontecia a socialização política. Momentos importantes de lazer e divertimento que traziam a percepção de identidade e unidade aos estudantes.

TERTÚLIA NO CEU

Hoje haverá mais uma tertúlia dançante, no clube dos estudantes universitários. Acreditamos que houve uma impossibilidade na tertúlia de sexta-feira passada, no sentido de sua continuação. Realmente muitos pares ainda dançavam quando, não se sabe por que, cessou a música. As tertúlias do CEU, sempre animadas, precisam desenrolar-se normalmente e nesse sentido apelamos para dinâmica Direção daquele distinto clube.20

Percebemos que o Clube do Estudante Universitário21 foi um espaço importante para o Movimento, como disse Oswald Barroso22: “o coração do movimento estudantil na cidade

durante os anos 1960”(MAIA JÚNIOR, 2008, p.21).

Na Fortaleza dos anos 1950 e 60, um dos principais espaços de socialização e lazer era o Clube23, uma das razões para explicar essa realidade era o fato de que em um espaço urbano onde a pobreza estava estampada por todos os lados, a noção de lazer pode ser caracterizada apenas pelas atividades desfrutadas pelas classes dominantes.

20 Tribuna do Ceará, 29/04/1960:6

21 A primeira sede do CEU foi o mesmo prédio alugado que serviu de sede para a Reitoria, nas proximidades da

Faculdade de Direito onde passou a funcionar, em 1957, com o restaurante universitário instalado no térreo e o DCE no pavimento superior. Em 1959, com a construção da sede da Divisão de Assistência ao Estudante na Av. Visconde de Cauípe, vizinho à Escola de Engenharia, foi transferido para as proximidades da Reitoria(...) O Edifício projetado, de vãos completamente livres, abrigava no pavimento térreo o Restaurante Universitário concebido, no trecho que corresponde ao refeitório, como inteiramente aberto, funcionando com que um pórtico emoldurando a visão da quadra esportiva construída imediatamente atrás. O segundo pavimento era destinado ao funcionamento do Clube dos Estudantes Universitários(CEU) e ao Diretório Central dos Estudantes(DCE). O terceiro pavimento, por sua vez, foi destinado para a residência de estudantes.(OLIVEIRA, 2005, p. 89 – 90)

22 Militante da Ação Popular(AP), em Fortaleza, na década de 1960.

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Os clubes se destacam com uma maneira de demonstração de distinção social e poder. Locais onde só poderiam acessar quem fizesse parte dos seus quadros de associados, onde se devia manter certo decoro e os comportamentos socialmente determinados e controlados.

Nessa perspectiva, os clubes, entre eles o CEU, representavam um tipo de lazer condizente com o progresso, com a modernidade. E se por um lado, o CEU atuava como espaço aglutinador dos estudantes e fomentador de uma unidade e de uma identidade, também possuía a função de diferenciar, delimitar e demarcar o espaço de um grupo social. Se as portas fossem abertas para outros, logo o conservadorismo se expressaria em alguns segmentos estudantis,

ENGENHARIA PROMOVE CAMPANHA DE MORALIZAÇÃO

Em varias ocasiões tivemos oportunidade de nos reportar aqui sobre irregularidades que vêm se repetindo no clube dos estudantes universitários. O CEU, organização originalmente universitária deixou há muito de ser uma entidade privativa do corpo discente da UC para se tornar um clube de acesso fácil a quaisquer indivíduos estranhos a classe acadêmica do Ceará. Essas facilidades anti-estatutárias e arbitrárias vêm sendo mantidas pela camaradagem ou “comment-dirais-je” pelo companheirismo excessivo e até certo ponto abusivo por parte dos membros diretores da associação. Seria ocioso citar pormenores pois os leitores freqüentadores do CEU(e é irrisório o número de universitários sócios daquela entidade) conhecem de perto as falhas que discorrem com freqüência mercêr da distribuição indevida e indiscriminada de convites e da ausência total de vigilância por parte dos diretores da agremiação. Os leitores não ignoram igualmente os agravantes acarretados por esse relaxamento administrativo. E para por um freio “em tudo que ali está” o D.A. Walter Bezerra de Sá,(Jorge Cals Coelho), da Escola de Engenharia, vai dar início a uma campanha de moralização do CEU. A iniciativa merece o apoio da nova diretoria da entidade(Hercílio Matos Moreira), do presidente(Régis Juca) DCE, e naturalmente das demais faculdades da UC interessadas em preservar o bom nome de seu clube perante si mesmas e a sociedade local.24

A nota encaminhada pelo Diretório da Engenharia reflete um CEU diferente do imaginário relacionado ao movimento das manifestações, passeatas e greves. Na realidade, o Clube dos Estudantes Universitários apesar de ser um espaço que está diretamente relacionado à luta política estudantil, como no período da campanha da legalidade, também é um espaço que se insere no contexto da cidade, como um clube que reforça comportamentos sociais excludentes.

24 Correio do Ceará, 18/04/1961:6

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A partir de 1958, o CEU começava a funcionar no mesmo prédio onde estava localizado o DCE, lá também existiam dormitórios, sala de assistência odontológica e o restaurante. Vale destacar que essa estrutura foi financiada pela Reitoria, porém a administração era feita pelos próprios estudantes.

Os gestores do CEU ou do restaurante eram indicados pelo movimento estudantil, fato que pode indicar uma maior proximidade das lideranças com as bases estudantis. Apesar da gerência dos estudantes, estes deveriam seguir as normas estipuladas pela Administração Superior.

RESTAURANTE UNIVERSITÁRIO

Poucos colegas querem ter a grande responsabilidade da direção do restaurante universitário. É um cargo espinhoso, onde surgem vários problemas: a organização do serviço, a fim de que não falte alimentação diária para quase 370 comensais: desprendimento e disposição, para dedicar várias horas a essa incumbência. Merece, portanto, elogios de nossa parte o ex-diretor do RU, colega Carlos Alberto(Agronomia), que tão bem desempenhou seu cargo, em sua gestão houve um serviço mais ou menos bem realizado. Se melhor não foi é porque nada se faz, principalmente no Ceará, com uma perfeição absoluta.25

A escolha dos estudantes que teriam direito de freqüentar o RU era realizada no âmbito do movimento. Percebemos outro aspecto da atuação do movimento, seu caráter assistencial, que de certa forma fortalecia sua importância política na base estudantil. Em reuniões que aconteciam nos diretórios de cada curso, as lideranças do movimento em conjunto com as lideranças de cada turma definia quem seriam os estudantes que seriam incluídos no quadro de comensais, cada curso possuía um número determinado de vagas.

Apesar de ser um assunto aparentemente corriqueiro este aspecto assistencial do movimento pode também ajudar a explicar sua grande capacidade política de mobilização que teve como maior expressão de mobilização a greve do 1/3.

Geralmente a historiografia tradicional relaciona a grande capacidade de mobilização durante a greve somente ao fato de que a maioria dos estudantes estarem mais “politizados” nesse momento histórico. Acreditamos que existem outras razões para explicar esta situação, entre elas, o controle de atividades assistência estudantil nas mãos do movimento.

25 Tribuna do Ceará, 07/08/1961:5

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Embornal, Fortaleza, V. IV, N. 8, p. 63-84, jul/dez 2013. Seção Artigos

RESTAURANTE UNIVERSITÁRIO: ESCOLHA DE COMENSAIS

O clube dos estudantes universitários, atualmente já funcionando com seu restaurante na nova sede do Benfica, está selecionando os comensais para este ano de acordo com a indicação dos diretórios e centros acadêmicos da EU. Em virtude da grande demanda que se vem registrando o D.A XXII de maio, da Faculdade de Medicina promoverá hoje uma reunião do Conselho de Representantes da turma para selecionar os alunos que integrarão este ano o quadro de comensais do RU.26

O caráter assistencial do movimento não se desenvolve apenas no espaço da Universidade. No final dos 50 e início dos anos 1960, muitas notícias são publicadas fazendo referência às campanhas assistenciais desenvolvidas por diversos diretórios.

Geralmente as ações estavam relacionadas com as áreas do curso, como a assistência jurídica, realizada por estudantes da Faculdade de Direito, às pessoas de comunidades pobres. Também poderia ser campanhas em benefício de instituições relacionadas à atividade fim da Escola.

CEM PROMOVE S.JOÃO DOS ALIENADOS

O clube dos estudantes de Medicina(CEM) no intuito louvável de proporcionar alguns momentos de conforto aos doentes internados no Hospital da Parangaba e chamar a atenção das autoridades responsáveis pela penúria e pelo abandono injustificáveis em que se encontram, promoverá naquele nosocômio um almoço para alienados no dia consagrado a São João(...) O fato de incontestável significado social e humano mostra o interesse crescente dos universitários do Ceará na solução dos problemas crônicos desta terra(...)27

Os problemas sociais se agravaram bastante nas décadas de 50 e 60. O número de habitantes de Fortaleza aumentou 90,5%28 e o espaço urbano cresceu desordenadamente. Sem possuir estruturas e serviços públicos que dessem conta das demandas crescentes de uma população, em sua maioria expulsa da terra pela seca, a cidade expressava cada vez mais as contradições da modernidade.

Os estudantes universitários cearenses começavam a se envolver com essa realidade, reconhecendo a necessidade de uma transformação política mais profunda. Apesar da ação claramente assistencial, ela envolvia também a idéia de denúncia das mazelas sociais na área da Saúde pública.

26

Correio do Ceará, 05/05/1960:6

27 Correio do Ceará, 20/04/1961:6

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Entre os vários problemas sociais e estruturais que afligiam os fortalezenses, alguns atingiam mais diretamente os estudantes. Os problemas relacionados aos deficientes serviços de transporte coletivo29 e de fornecimento de energia elétrica faziam com que os estudantes universitários se envolvessem em protestos exigindo melhorias.

PASSEATA DOS MIL CÍRIOS

A operação vela, que preferimos chamar “Passeata dos Mil Círios” (...) é sim uma manifestação que se impõe, e plenamente justicável como movimento estudantil, por serem os estudantes os mais diretamente sacrificados com mais este “pisca-pisca”, em má hora decretado pelo Serviluz.”30

No caso da “passeata dos mil círios”, realizada no final de 1959, os estudantes protestavam contra os constantes apagões e racionamentos. Vale salientar que, segundo o mesmo cronista que narra esse evento, a maioria dos estudantes universitários cearenses tinha que aliar o trabalho ao estudo, sendo a noite um importante período que os estudantes tinham para estudar.

AULAS PRÁTICAS DE DIREITO

No fórum Clovis Beviláqua realizam-se aulas práticas de Direito Judiciário, a que tem comparecido um número regular de alunos. Entretanto, como o estudante e principalmente o cearense é sempre ocupado com outros afazeres, máxime com o trabalho que tem a desempenhar, para viver, muita gente não pode assistir às aulas em apreço(...)31

Ao empregarmos uma abordagem histórica dentro da perspectiva da cultura política, percebemos, nesse breve resumo de algumas experiências políticas do movimento estudantil na Universidade do Ceará, nas décadas de 1940-60, que é possível falarmos em variadas e plurais culturas políticas atuando com maior ou menor amplitude, em um mesmo momento e espaço histórico.

Ao tentarmos revelar, através das fontes, o universo político plural e complexo do movimento estudantil, percebemos a riqueza de experiências e de possibilidades históricas envolvidas no processo de construção do movimento. Nesse sentido, vale destacar as

29 Ver pesquisa realizada por Patricia Menezes(2009) sobre a construção do serviço de transporte coletivo de

passageiros entre 1945 e 1960, em Fortaleza.

30 Correio do Ceará, 06/11/1959: 31 Tribuna do Ceará, 14/10/61:4

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Embornal, Fortaleza, V. IV, N. 8, p. 63-84, jul/dez 2013. Seção Artigos

especificidades tanto do contexto quanto da atividade dessas experiências podem ser definidos como

(...)lugares e momentos do mundo da vida cotidiana dos atores, onde esses dão sentidos ao que dizem e ao que fazem; onde eles se acomodam aos ambientes naturais, institucionais; onde eles entram em relação de coordenação, de cooperação e de conflito e onde eles produzem novas formas de compreensão, de interpretação e de representação do mundo.”(CEFAÏ apud DUTRA, 2002, p. 18)

Não obstante, é necessário constantemente refletir sobre a utilização do conceito de cultura política em determinadas formas de compreensão de uma realidade histórica. Acreditamos ser possível buscar compreender a experiência do movimento estudantil a partir deste conceito, mesmo considerando certas peculiaridades desse fenômeno, como por exemplo, a constante renovação dos quadros e a diversidade de grupos e ideias políticas.

Por fim, acreditamos que a cultura política possui seu dinamismo próprio e tentar compreender esta cultura em determinado espaço e período, contribui para melhor compreendermos a história política de determinada época, afinal de contas, “(...)a esfera do político é o lugar de articulação do social e de sua representação”.(ROSANVALLON, 1995, p. 16)

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