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Mudança e tradição: estudo histórico das formas de tratamento em duas versões brasileiras da bíblia

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Academic year: 2021

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Gésyka Mafra

MUDANÇA E TRADIÇÃO: estudo histórico das formas de tratamento em duas versões brasileiras da Bíblia

Florianópolis 2018

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Gésyka Mafra

MUDANÇA E TRADIÇÃO: estudo histórico das formas de tratamento em duas versões brasileiras da Bíblia

Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal de Santa Catarina, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestra em Linguística.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Izete Lehmkuhl Coelho

Florianópolis 2018

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Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor, através do Programa de Geração Automática da Biblioteca Universitária da UFSC.

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À Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), pelo apoio concedido através do afastamento parcial.

A toda a equipe do Programa de Pós-Graduação em Linguística da UFSC.

À querida Profª. Drª. Izete Lehmkuhl Coelho, pela orientação, pela amizade, pela paciência e pelo apoio contínuo.

Às professoras Drª. Christiane Maria Nunes de Souza e Drª. Edair Maria Görski e ao professor Dr. Leonardo Lennertz Marcotulio, pelas correções e contribuições valiosas na qualificação do projeto.

Às professoras Drª. Edair Maria Görski e Drª. Isabel de Oliveira e Silva Monguilhott e ao professor Dr. Leonardo Lennertz Marcotulio por me concederem a honra de compor a banca examinadora desta dissertação.

À minha mãe, Maria, pelo amor, pela cumplicidade, por me ensinar a amar os livros (e a questioná-los) e por sempre acreditar em mim.

Ao meu pai, Tércio, pelo amor, pelo carinho e por me transmitir o dom de lutar pelos sonhos, custe o que custar.

Ao meu irmão, Leonardo, por me lembrar que a vida não deve ser levada tão a sério e precisa ser aproveitada ao máximo.

À minha irmã, Letícia, luz divina e inspiração, que me ensinou que se pode (e deve) sorrir mesmo nos dias mais tenebrosos.

À cunhada-irmã, Larissa, pela garra e persistência inspiradoras, bem como pela energia maravilhosa.

Aos meus avós, Silas e Edith, que tanto auxiliaram financeiramente meus estudos.

À vó Zenaide, in memoriam, minha deusa protetora, sempre presente.

Aos demais familiares, uns mais próximos, outros distantes, mas sempre fonte de esperança e aprendizado.

Às amigas e aos amigos varsulinos: não teria conseguido sem vocês!

Às amigas e aos amigos do Gabinete: a melhor equipe de trabalho do mundo.

Ao amigo Guilherme H. May, meu ateu malvado favorito, pelo incentivo, pelas broncas, pelos livros, por não me deixar desistir antes mesmo de entrar no Programa (“Cria vergonha na cara e escreve esse anteprojeto!”) e por me fazer sentir CDF antes da prova de seleção (pelo jeito, deu certo...).

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À amiga Érica Marciano de Oliveira Zibetti, pela revisão do texto e por tantas outras coisas que dariam um livro.

À amiga Juliana Bittencourt, por tirar tantas dúvidas de inglês e também pelo abraço acalentador e acolhedor.

Ao amigo Willian, pelo socorro nas minhas (muitas) crises de choro e ansiedade, por me incentivar e por não me deixar desistir deste trabalho.

Às Mocorongas, por sempre acreditarem em mim, pela paciência infindável e pelo incentivo constante.

À Luna, à Deva e ao Círculo, pelo apoio espiritual e terapêutico nessa jornada.

À Claudia Riecken e à Tribo, por me resgatarem e me cobrirem de recursos pra que eu pudesse escrever em autoamor (eya!!!).

A todos os demais amigos e amigas, pelo carinho e pelos ouvidos pacientes quando estive ansiosa e nervosa em todo esse período (e isso foi quase todo dia!).

Aos inimigos, que, duvidando de mim, me desafiaram a ser melhor.

Por fim, mas, acima de tudo, à Divindade, Mãe e Pai, força criadora e propulsora do Universo: ahô!

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As Escrituras Sagradas são um livro cheio de cacos. Nelas se encontram poemas, estórias, mitos, pitadas de sabedoria, relatos de acontecimentos, poemas eróticos, eventos sangrentos. Ao ler as Escrituras comportamo-nos como um artista que seleciona cacos para construir um mosaico ou como um compositor a compor sua sonata.

Rubem Alves

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Pai, mãe de olhos mansos,

Sei que estás, invisível, em todas as coisas. Que o teu nome me seja doce,

A alegria do meu mundo.

Traze-me as coisas boas em que tens prazer: O jardim, As fontes, As crianças, O pão e o vinho, Os gestos ternos, As mãos desarmadas, Os corpos abraçados...

Sei que desejas dar-me o meu desejo mais fundo [desejo que esqueci... Mas tu não esqueces nunca.

Realiza, pois, o teu desejo, para que eu possa rir. Que o teu desejo se realize em nosso mundo, da

[ mesma forma como ele pulsa em ti. Concede-nos contentamento nas alegrias de hoje:

[o pão, a água, o sono... Que sejamos livres da ansiedade.

Que nossos olhos sejam tão mansos para com os [outros como os teus o são para conosco. [Porque se formos ferozes não poderemos acolher

[a tua bondade. E ajuda-nos para que não sejamos enganados pe-

[los desejos maus, e livra-nos daquele que car- [rega a Morte dentro dos próprios olhos. [Amém.

Rubem Alves

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O objetivo geral desta dissertação é descrever e analisar as formas de tratamento ao interlocutor nas funções morfossintáticas de sujeito e imperativo, bem como o uso do vocativo, presentes no discurso de personagens dos livros de Lucas e Atos em duas versões brasileiras da Bíblia publicadas pela Sociedade Bíblica do Brasil: Almeida Revista e Atualizada (RA, 1959) e Nova Tradução na Linguagem de Hoje (NTLH, 2000). Na descrição e explicação do fenômeno, adotam-se alguns pressupostos da Teoria da Variação e Mudança (WEINREICH; LABOV; HERZOG, 2006 [1968]); da abordagem do design da audiência (BELL, 1984; 2001); das relações de poder e solidariedade (BROWN; GILMAN, 2003 [1960]); dos parâmetros de oralidade versus escrituralidade (KOCH; OESTERREICHER, 2013 [1985]), bem como do conceito de tradições discursivas (KOCH, 1997; KOCH; OESTERREICHER, 2007; KABATEK, 2006; 2012). Os resultados mostram um sistema de tratamento categórico com formas de tu na RA; e um sistema de distribuição complementar na NTLH composto por tu como forma exclusiva para a divindade; o senhor para o tratamento de pessoas superiores em poder; e você em referência a interlocutores iguais ou inferiores em poder, com uso excepcional desta última forma para marcar falta de solidariedade de inferior para superior. Embora algumas estratégias de verbalização inovadoras presentes na versão mais recente permitam situá-la mais próxima ao parâmetro da oralidade, o peso da tradição e da prescrição gramatical parece frear a inovação linguística, barrando o uso de estratégias estigmatizadas tais como a mescla de tratamento.

Palavras-chave: Formas de tratamento. Versões bíblicas. Variação linguística. Poder e Solidariedade. Tradições Discursivas.

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The general objective of this thesis is to describe and analyze the forms of address in discourse of the characters in the books of Luke and Acts, according to the morphosyntactic categories of subject and imperative, as well as in the use of vocative. The corpora for such an analysis were two Brazilian versions of the Bible published by the Bible Society of Brazil (Sociedade Bíblica do Brasil): Almeida Revista e Atualizada (RA, 1959) and Nova Tradução na Linguagem de Hoje (NTLH, 2000). The framework for this analysis draws on some principles from the Theory of Language Variation and Change (Weinreich, Labov, & Herzog, 1968/2006); the Audience Design model (Bell, 1984/2001); relations of power and solidarity (Brown & Gilman, 1960/2003); parameters of orality and literacy (Koch & Oesterreicher, 1985/2013), as well the concept of discursive traditions (Koch, 1997; Koch &Oesterreicher, 2007; Kabatek, 2006, 2012). The results show a categorical use of tu in the RA version and a system of complementary distribution in the NTLH version, using tu exclusively for the deity, o senhor for addressing people of superior power, and você for those of equal or inferior power, with the latter being used exclusively to mark lack of solidarity from inferior to superior. Even though there are some innovative verbalization strategies in the most recent version, which places it closer to parameters of orality, the weight of tradition and grammatical prescriptivism seems hold linguistic innovation back, barring the use of stigmatized strategies, such as mixed forms of address.

Keywords: Forms of address. Biblical Versions. Linguistic Variation. Power and Solidarity. Discursive Traditions.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Meio e concepção: linguagem da imediatez e linguagem da

distância ... 33

Figura 2 – Estilo como responsivo e iniciativo: Audience Design e Referee Design ... 49

Figura 3 – Templo bíblico ... 126

LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Níveis da linguagem ... 35

Quadro 2 – Pronomes pessoais: visão tradicional ... 58

Quadro 3 – Formas de tratamento de acordo com alguns compêndios gramaticais (continua) ... 60

Quadro 4 – Pronomes pessoais: situação atual ... 65

Quadro 5 – A classificação do argumento externo segundo sua forma e referência (conteúdo) ... 68

Quadro 6 – Formação do imperativo afirmativo ... 71

Quadro 7 – Formação do imperativo negativo ... 71

Quadro 8 – Padrão de uso do vocativo na RA (1959) (continua) ... 131

Quadro 9 – Padrão de uso do vocativo na NTLH (2000) (continua) .. 136

Quadro 10 – Distribuição geral das formas de tratamento ao interlocutor nas amostras analisadas ... 141

LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 – Formas do imperativo, segundo o ano em que as cartas foram escritas ... 91

Gráfico 2 – Presença e localização dos sujeitos na RA (1959) ... 141

Gráfico 3 – Distribuição das formas de tratamento em função de sujeito na NTLH (2000) ... 142

Gráfico 4 – Presença e localização do clítico associado ao imperativo na RA (1959) ... 146 Gráfico 5 – Distribuição das formas de imperativo na NTLH (2000) 148 Gráfico 6 – Uso do clítico associado ao imperativo na NTLH (2000) 149

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Tabela 1 – Cruzamento do grupo de fatores cidade com o grupo de fatores forma de tratamento sobre a realização da forma verbal imperativa indicativa ... 85 Tabela 2 – Sujeitos pronominais de P2 na Amostra Maura de Senna ... 87 Tabela 3 – Sujeitos pronominais de P2 na Amostra Harry Laus ... 87 Tabela 4 – Sujeitos pronominais de P2 na Amostra Vale/FLN ... 88 Tabela 5 – Sujeitos pronominais de P2 nas Amostras de Sena-Medeiros/LGS ... 89 Tabela 6 – Ocorrências de vocativo, segundo a data em que as cartas foram escritas ... 89 Tabela 7 – Quantidade de ocorrências: Sujeito Nulo e Expresso (2ª p.s.) vs. Ano... 90 Tabela 8 – Presença e localização do sujeito na NTLH (2000) ... 143 Tabela 9 – Tipo de Discurso na NTLH (2000)... 145 Tabela 10 – Presença e localização do clítico associado ao imperativo na NTLH (2000) ... 148 Tabela 11 – Distribuição das formas de tratamento de acordo com o Sexo/Gênero na NTLH (2000) ... 151 Tabela 12 – Distribuição das formas de tratamento de acordo com a Idade na NTLH (2000) ... 152 Tabela 13 – Distribuição das formas de tratamento de acordo com as Relações Familiares na NTLH (2000) ... 153 Tabela 14 – Distribuição das formas de tratamento de acordo com as Relações Profissionais na NTLH (2000) ... 154 Tabela 15 – Distribuição das formas de tratamento de acordo com as Relações Religiosas na NTLH (2000) ... 154 Tabela 16 – Distribuição das formas de tratamento de acordo com o ambiente na NTLH (2000) ... 159 Tabela 17 – Distribuição das formas de tratamento de acordo com a audiência na NTLH (2000) ... 160

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INTRODUÇÃO ... 21

1 SUPORTE TEÓRICO-METODOLÓGICO ... 25

1.1 A LÍNGUA EM CONSTANTE VARIAÇÃO ... 25

1.2 ORALIDADE E ESCRITURALIDADE ... 31

1.3 O CONCEITO DE TRADIÇÕES DISCURSIVAS ... 34

1.4 UMA QUESTÃO DE ESTILO ... 43

1.4.1 DESIGN DA AUDIÊNCIA ... 45

1.4.2 AS RELAÇÕES DE PODER E SOLIDARIEDADE ... 54

2 O OBJETO DE ESTUDO ... 58

2.1 DEFINIÇÃO DO OBJETO ... 58

2.1.1 SUJEITO ... 66

2.1.2 VOCATIVO ... 69

2.1.3 IMPERATIVO ... 70

2.2 BREVE PERCURSO HISTÓRICO SOBRE AS FORMAS DE TRATAMENTO NA LÍNGUA PORTUGUESA ... 73

2.3 REVISÃO DA LITERATURA SOBRE AS FORMAS DE TRATAMENTO NO PB ... 81

2.4 OBJETIVOS, QUESTÕES E HIPÓTESESGERAIS ... 92

3 CORPUS E METODOLOGIA ... 97

3.1 A BÍBLIA NO CONTEXTO DO PROTESTANTISMO BRASILEIRO ATUAL ... 97

3.1.1 ALMEIDA REVISTA E ATUALIZADA... 100

3.1.2 NOVA TRADUÇÃO NA LINGUAGEM DE HOJE ... 102

3.1.3 TRADUÇÕES OU VERSÕES? ... 104 3.2 OS ESCRITOS DE LUCAS ... 106 3.3 ENVELOPE DE VARIAÇÃO ... 108 3.3.1 VARIÁVEL DEPENDENTE ... 112 3.3.2 VARIÁVEIS INDEPENDENTES ... 114 3.3.2.1 Variáveis linguísticas ... 114 3.3.2.2 Variáveis extralinguísticas ... 120

3.3.2.2.1 Variáveis de controle da díade ... 121

3.3.2.2.2 Variáveis contextuais ... 126

4 RESULTADOS ... 129

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4.1.1 USO DO VOCATIVO NAS DUAS VERSÕES BÍBLICAS 130 4.1.2 USO DAS FORMAS DE TRATAMENTO DE ACORDO COM AS VARIÁVEIS LINGUÍSTICAS ... 140 4.1.3 USO DAS FORMAS DE TRATAMENTO DE ACORDO COM AS VARIÁVEIS EXTRALINGUÍSTICAS DE CONTROLE DA DÍADE ... 150 4.2 RELAÇÕES DE PODER E DE SOLIDARIEDADE ... 155

4.3 O CONTÍNUO CONCEPCIONAL, AS TRADIÇÕES

DISCURSIVAS E AS DUAS VERSÕES BÍBLICAS ... 161

4.4 RETOMANDO OS PROBLEMAS EMPÍRICOS DA

MUDANÇA LINGUÍSTICA ... 165 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 169 REFERÊNCIAS ... 175

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INTRODUÇÃO

As formas de tratamento ao interlocutor no Português do Brasil (PB) têm sido foco de vasta pesquisa, sob as mais variadas perspectivas: sincrônica, diacrônica, histórica, com corpora de língua falada, escrita etc. (cf. LINDLEY CINTRA, 1986 [1972]; FARACO, C. A., 1996; MACHADO, 2006; RUMEU, 2008; LOPES, 2009; NUNES DE SOUZA, 2011, 2015; CARDOSO, 2012; GRANDO, 2016, entre tantos outros). Não é comum, no entanto, trabalhos linguísticos sobre esse objeto de estudo no discurso religioso escrito, principalmente em escritos considerados “sagrados”.

Nesta pesquisa, trabalhamos com duas versões1 brasileiras da Bíblia publicadas pela Sociedade Bíblica do Brasil (SBB), quais sejam a Almeida Revista e atualizada (RA, 1959) e a Nova Tradução na Linguagem de Hoje (NTLH, 2000). A escolha dessas duas versões se deu pelo nosso contato com elas no meio protestante.

Inicialmente, na qualificação do projeto, apresentamos a proposta de estudar as formas de tratamento nessas versões bíblicas, trabalhando com dados das segundas pessoas do singular e do plural, em diversos contextos morfossintáticos. Àquela altura, havíamos identificado formas de tratamento em função de sujeito, objeto (direto e indireto), adjunto, imperativo e pronome possessivo, bem como no uso do vocativo, com a proposta de ampliação das funções com o decorrer da coleta de dados. À época, os membros da banca nos alertaram que os dados coletados já mostravam não haver variação nas formas plurais: a versão antiga apresenta unicamente a forma vós no tratamento à segunda pessoa do plural, e a versão nova unicamente a forma vocês nesse mesmo contexto. Os professores da banca igualmente salientaram o fato de os dados mostrarem uniformidade de tratamento em ambas as versões, o que tornava desnecessário e trabalhoso coletar e analisar os dados de tantas funções morfossintáticas. Portanto, acatando as sugestões da banca, optamos por nos concentrar apenas nos dados de tratamento à segunda pessoa do singular nas funções morfossintáticas de sujeito e imperativo, bem como no uso do vocativo associado às formas de tratamento em função de sujeito. A seguir, apresentamos alguns exemplos:

1 Sobre o tratamento desses textos como versões e não traduções, consultar Subseção 3.1.3. Não assumimos, nesta dissertação, compromisso teórico com a(s) teoria(s) da tradução.

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(1) LUCAS 1.13

RA, 1959

Disse-lhe, porém, o anjo: Zacarias [vocativo], não temas, porque a tua oração foi ouvida; e Isabel, tua mulher, te dará à luz um filho, a quem darás [sujeito] o nome de João.

NTLH, 2000

Mas o anjo lhe disse:

— Não tenha medo, Zacarias [vocativo], pois Deus ouviu a sua oração! A sua esposa vai ter um filho, e você [sujeito] porá nele o nome de João.

(2) LUCAS 3.21-22

RA, 1959

E aconteceu que, ao ser todo o povo batizado, também o foi Jesus; e, estando ele a orar, o céu se abriu, e o Espírito Santo desceu sobre ele em forma corpórea como pomba; e ouviu-se uma voz do céu: Tu [sujeito] és o meu Filho amado, em ti me comprazo.

NTLH, 2000

Depois do batismo de todo aquele povo, Jesus também foi batizado. E, quando Jesus estava orando, o céu se abriu, e o Espírito Santo desceu na forma de uma pomba sobre ele. E do céu veio uma voz, que disse:

— Tu [sujeito] és o meu Filho querido e me dás [sujeito] muita alegria.

(3) LUCAS 5.24

RA, 1959

Mas, para que saibais que o Filho do Homem tem sobre a terra autoridade para perdoar pecados — disse ao paralítico: Eu te ordeno: Levanta-te [imperativo], toma [imperativo] o teu leito e vai [imperativo] para casa.

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Pois vou mostrar a vocês que eu, o Filho do Homem, tenho poder na terra para perdoar pecados.

Então disse ao paralítico:

— Eu digo a você: levante-se [imperativo], pegue [imperativo] a sua cama e vá [imperativo] para casa.

Dessa forma, o objetivo geral desta dissertação é descrever e analisar as formas de tratamento ao interlocutor nas funções morfossintáticas de sujeito e imperativo presentes no discurso de personagens dos livros de Lucas e Atos dos Apóstolos das versões bíblicas RA (1959) e NTLH (2000). Além disso, no intuito de demarcar mais claramente a hierarquia social dos personagens bíblicos, observamos os vocativos encontrados.

Na descrição e explicação do fenômeno, adotamos alguns pressupostos da Teoria da Variação e Mudança (WEINREICH; LABOV; HERZOG, 2006 [1968]), entendendo que a língua, enquanto sistema dotado de heterogeneidade ordenada, está em constante variação condicionada por fatores linguísticos e extralinguísticos.

Por trabalharmos com um corpus escrito, nos utilizamos dos parâmetros de oralidade versus escrituralidade (linguagem da imediatez versus da distância – KOCH; OESTERREICHER, 2013 [1985]), bem como do conceito de tradições discursivas (KOCH, 1997; KOCH; OESTERREICHER, 2007; KABATEK, 2006; 2012). Acreditamos, igualmente, que o uso de diferentes estratégias de tratamento possa estar relacionado à presença ou ausência de relações de poder e solidariedade (BROWN; GILMAN, 2003 [1960]) e à audiência (BELL, A., 1984; 2001), tomada aqui em dois sentidos: 1) o público-alvo ao qual se destinou cada versão bíblica; 2) a audiência dos personagens bíblicos de cada versão.

Esta dissertação está organizada como descrito a seguir. No primeiro capítulo, apresentamos a fundamentação teórico-metodológica que norteou a pesquisa. No segundo capítulo, descrevemos nosso objeto de estudo, apresentamos os resultados de alguns trabalhos realizados sobre o tema, e, por fim, expomos nossos objetivos, questões e hipóteses gerais. No terceiro capítulo, delimitamos o corpus e a metodologia da pesquisa, apresentado as variáveis que foram controladas no estudo das formas de tratamento ao interlocutor, bem como apresentando as hipóteses específicas. O último capítulo é composto pela descrição e

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análise dos resultados, o qual é seguido pelas considerações finais desta pesquisa.

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1 SUPORTE TEÓRICO-METODOLÓGICO

Neste capítulo, apresentamos o suporte teórico-metodológico de nossa pesquisa. Inicialmente adotamos a Teoria da Variação e Mudança, entendendo que a língua, enquanto sistema dotado de heterogeneidade ordenada, está em constante variação condicionada por fatores linguísticos e extralinguísticos (WEINREICH; LABOV; HERZOG, 2006 [1968]). Como utilizamos um corpus linguístico escrito, trabalhamos, em seguida, com a relação entre oralidade e escrituralidade (KOCH; OESTERREICHER, 2013 [1985]) bem como com o conceito de Tradições Discursivas (KOCH, 1997; KOCH; OESTERREICHER, 2007; KABATEK, 2012). Considerando a especificidade de nosso corpus – os livros de Lucas e Atos nas versões bíblicas RA (1959) e NTLH (2000) – e o nosso objeto de estudo – formas de tratamento ao interlocutor – tomamos também alguns pressupostos da abordagem do design da audiência (BELL, A., 1984; 2001) e das relações de poder e solidariedade (BROWN; GILMAN, 2003 [1960]).

1.1 A LÍNGUA EM CONSTANTE VARIAÇÃO

Os postulados teóricos da sociolinguística variacionista desenvolveram-se a partir da publicação de Fundamentos empíricos para uma teoria da mudança linguística (WEINREICH; LABOV; HERZOG, 2006 [1968]). Weinreich, Labov e Herzog (doravante WLH, 2006 [1968]) marcam o estudo da mudança linguística ao romperem com o axioma da homogeneidade e neutralizarem a separação entre sincronia e diacronia, concebendo, assim, a língua como um sistema dotado de heterogeneidade ordenada.2 Para os autores, a associação

2 WLH (2006 [1968]) postulam sua concepção de mudança linguística em contraponto à perspectiva saussuriana. Saussure toma o âmbito sincrônico da língua como superior ao diacrônico, estabelecendo uma separação estanque entre sincronia e diacronia. Para o autor, o âmbito sincrônico é um fato estático, uma relação entre elementos simultâneos de uma dada língua, de forma que a estrutura da língua estaria ligada a um equilíbrio, uma homogeneidade. Já o âmbito diacrônico consiste no fato evolutivo, na substituição de um elemento por outro no tempo. A heterogeneidade, a variação e a mudança, em tal perspectiva, só teriam lugar no âmbito diacrônico, em que há, para o autor, falta de sistematicidade. WLH (2006 [1968]) não adotam essa separação taxativa entre o sincrônico e o diacrônico. Para os autores, o que mais importa não é o fato de escolhermos entre esses dois aspectos, mas sim o de observarmos a língua como constituída de heterogeneidade ordenada. Assim, WLH rompem com a identificação entre estruturalidade e homogeneidade e colocam que a heterogeneidade da língua faz parte da competência linguística do falante. Nessa perspectiva, heterogeneidade, variação e mudança não são aspectos exclusivos do âmbito diacrônico, mas sim aspectos inerentes a qualquer língua.

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entre estrutura e homogeneidade é uma ilusão, pois a língua, ainda que esteja em constante mudança, não passa por períodos de menor sistematicidade. Dessa forma, eles entendem o ínterim da mudança, o processo de variação, como de extrema importância, por ser inerente à língua. Não existiria, pois, um momento estático da língua, em que ela pudesse ser descrita de forma homogênea, sem qualquer variação. Os autores colocam como bastante inútil “uma teoria de mudança que aceite como seu input descrições desnecessariamente idealizadas e inautênticas dos estados de língua.” (WLH, 2006 [1968], p. 35).

Para WLH (2006 [1968], p. 87), embora Hermann Paul, Ferdinand de Saussure e seus sucessores tenham estabelecido uma oposição entre variabilidade e sistematicidade, “a maioria dos linguistas reconhece a evidência que demonstra que a mudança linguística é um processo contínuo e o subproduto inevitável da interação linguística.” Hockett (1958 apud WLH, 2006 [1968]) sugere que a mudança – seja lenta e gradual, seja instantânea – é inobservável em seus efeitos e, por isso, a língua funcionaria mesmo enquanto muda. Todavia, “poucos linguistas podem ficar satisfeitos com uma explicação da mudança que depende da inobservabilidade conjunta de todos os processos envolvidos.” Portanto, os autores propõem “romper com a identificação da estruturalidade com a homogeneidade”, através do estabelecimento da diferenciação ordenada dentro da língua. (WLH, 2006 [1968], p. 87-88).

A partir desses postulados teóricos, os autores propõem princípios empíricos para a teoria da mudança linguística, organizando-os em termorganizando-os de problemas a serem resolvidorganizando-os: 1) restrição/fatores condicionadores; 2) encaixamento; 3) transição; 4) avaliação; e 5) implementação.

O problema da restrição consiste na investigação do conjunto de mudanças possíveis e de condições para que essas mudanças ocorram em uma determinada estrutura. Já o do encaixamento preocupa-se com a relação do fenômeno linguístico em variação/mudança com outros fenômenos em variação/mudança, bem como com a relação entre esses fenômenos e seus fatores condicionadores internos/linguísticos e externos/extralinguísticos. Esses dois primeiros problemas estão interligados. No caso das formas de tratamento no corpus que analisamos, é possível que o texto bíblico, voltado a um ambiente religioso e formal, seja um dos contextos a pesar como restrição às formas inovadoras. O controle das variáveis independentes, que serão apresentadas no Capítulo 3, mostrará a relação do uso das formas de tratamento tanto com outros fenômenos linguísticos (como o

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preenchimento do sujeito), quanto com fatores externos à língua (as relações entre os interlocutores, por exemplo).

O problema da transição refere-se ao estudo de como as formas em variação/mudança se propagam, passando de um estágio a outro, de uma comunidade a outra. As versões bíblicas analisadas foram publicadas em dois momentos diferentes do século XX (1959 e 2000). O controle das formas de tratamento em discurso religioso nessas duas sincronias poderá somar-se aos resultados de trabalhos anteriores sobre os estágios por que passou o você no PB.

O problema da avaliação diz respeito à atitude subjetiva do falante em relação às formas linguísticas em variação/mudança, que pode se concentrar tanto no nível linguístico quanto no social. A identificação ou rejeição dos falantes com uma forma linguística pode acelerar, retardar ou mesmo impedir a mudança linguística. Acreditamos que a versão bíblica mais recente (NTLH, 2000) apresenta formas linguísticas diversas da versão mais antiga (RA, 1959) em virtude da necessidade de tornar a linguagem do texto bíblico mais próxima da fala do público-alvo, um público menos escolarizado. Essa hipótese geral está melhor explicada na Seção 2.4 e se baseia em afirmações da própria equipe de tradução3, que objetivava alcançar “simplicidade e clareza”, através de uma linguagem que pudesse ser entendida “por uma pessoa com pouca educação formal” (SCHOLZ, 2013, p. 38).

Por fim, o problema da implementação se refere ao esclarecimento de quais fatores podem ser atribuídos à implementação das mudanças e a por que uma mudança ocorre em uma língua em uma época e não em outra língua e em outra época. Na verdade, a resolução desse problema envolve todo o percurso da mudança: origem, propagação e completação. Assim, para tratar da implementação, é necessário, antes, resolver os problemas anteriormente apresentados.

Pagotto coloca que a Teoria da Variação e Mudança busca discutir de que forma “o sistema linguístico, no seu núcleo gramatical, é afetado pelas relações com a sociedade, pensando dessa maneira, não somente as relações no plano da cena enunciativa como também a organização da sociedade em classes e outros grupos sociais.” (PAGOTTO, 2006, p. 53). Para tratar dessa influência da sociedade sobre o sistema linguístico, há duas grandes dimensões de trabalho dentro da sociolinguística: a linguística e a extralinguística. Na dimensão linguística, costumam-se isolar fenômenos sociolinguísticos

3 Características de cada versão serão melhor detalhadas na Seção 3.1, em que delimitamos nosso corpus.

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fonéticos, morfológicos, sintáticos, lexicais, semânticos etc. Já na extralinguística, costumam-se isolar três planos de correlação para o funcionamento linguístico: espacial, social e contextual, agregando-se a esses um plano temporal ou histórico.

O plano espacial diz respeito à correlação entre as formas linguísticas e o espaço geográfico. A variação regional, geográfica ou diatópica é aquela que decorre da localização geográfica dos falantes. Por meio da delimitação de variedades regionais, podemos identificar, às vezes com bastante precisão, a origem de uma pessoa, indicando se o falante é gaúcho, mineiro ou baiano, por exemplo. Essa distinção é possível por causa das marcas linguísticas que caracterizam a fala de uma região em relação a outra. Em geral, itens lexicais particulares, certos padrões entoacionais e certos traços fonológicos são as características que diferenciam os dialetos de diferentes regiões. (COELHO et al., 2015).

Já no plano social, “procura-se investigar até que ponto o funcionamento da estrutura social reflete-se ou interfere na estrutura linguística.” (PAGOTTO, 2006, p. 53). Coelho et al. (2015) também chamam esse tipo de variação de diastrática, conceituando-a como aquela que decorre de diferentes características sociais dos falantes. Os autores colocam que os principais condicionadores sociais geralmente associados à variação linguística são o grau de escolaridade, o nível socioeconômico, o sexo/gênero e a faixa etária. Falantes com mais anos de escolarização costumam produzir em maior número variantes consideradas padrão. Falantes de nível socioeconômico mais alto costumam utilizar variantes de maior prestígio, ao passo que falantes de nível socioeconômico mais baixo costumam usar variantes de menor prestígio ou até mesmo estigmatizadas. (COELHO et al., 2015).

O plano contextual refere-se ao contexto de enunciação, em que se busca “correlacionar o funcionamento linguístico ao funcionamento do processo de comunicação.” Sendo a estrutura da língua, sob essa perspectiva, prévia ao momento da enunciação,

interessam as maneiras pelas quais os falantes se delimitam, se identificam ou se excluem no processo comunicativo, por meio do uso de determinadas marcas linguísticas. Nesse sentido, o contexto de comunicação é na verdade o lugar em que as dimensões social e geográfica se atualizam, definindo quem é quem. (PAGOTTO, 2006, p. 53, grifo do autor).

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No caso das versões bíblicas de nossa amostra, considerando nossa hipótese geral, a que fizemos alusão acima, é possível que as marcas linguísticas presentes na versão RA (1959), de certa forma, tenham excluído os fiéis menos escolarizados do processo comunicativo. Os tradutores afirmam que a NTLH (2000) deveria ser adequada “ao nível educacional médio da população” e que, para tanto, “produziu-se uma tradução com linguagem de fácil compreensão”, que “vem se afirmando como a tradução bíblica para a evangelização” (PREFÁCIO..., 2000). O projeto da nova versão parece ter surgido, portanto, dessa necessidade de identificar o novo fiel com o texto bíblico, possibilitando sua inclusão no processo comunicativo.

Conde Silvestre também aborda os fundamentos empíricos originalmente propostos por WLH, os quais, para o autor, serviram de base para a sociolinguística histórica. Tais fundamentos levaram essa disciplina a ocupar-se originalmente com o problema da mudança linguística, com os objetivos de: a) identificar a dinâmica histórico-social que conduz à covariação de dois ou mais subsistemas no repertório linguístico da comunidade de fala; b) incorporar os fatores linguísticos e sociais dentro de algumas gramáticas sociais que expliquem a variação e caracterizem a competência sociolinguística. (WLH, 1968 apud CONDE SILVESTRE, 2007). Parece-nos que a dinâmica histórico-social, no caso das versões bíblicas aqui analisadas, está relacionada com o processo evangelístico, a partir do qual as igrejas protestantes receberam novos fiéis, com um repertório linguístico diverso dos antigos fiéis.

Ancorando-se na sociolinguística laboviana, o autor toma a sociolinguística como uma disciplina teórica e descritiva que parte da observação de fatos linguísticos e se fundamenta na variação a eles inerente, buscando estabelecer correlações probabilísticas (covariação) entre esses fatos e outras variáveis ou fatores independentes, de tipo linguístico, estilístico e/ou social, incluindo a estrutura das comunidades em que as variáveis linguísticas são usadas. (CONDE SILVESTRE, 2007). Com a inclusão dos novos convertidos, parecem ter ocorrido mudanças na estrutura das comunidades religiosas que utilizavam a RA (1959), motivando a SBB a empreender um novo projeto que culminou com a publicação da NTLH (2000).

Ao abordar os princípios da mudança linguística, Labov (1994) coloca que o pesquisador, ao trabalhar com dados históricos para procurar determinar o que ocorreu na história de uma língua, depara-se com várias contradições e paradoxos. O autor apresenta, então, alguns

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problemas advindos da interpretação de dados históricos, bem como os métodos que podem ser empregados para lidar com tais dados.

Labov (1994, p. 45) afirma que se pode conceber a linguística histórica “como a arte de fazer o melhor uso possível de dados deficientes”4

, referindo-se à dificuldade enfrentada pelo pesquisador em situar os dados social e contextualmente. Um grande desafio encontrado na interpretação de dados históricos refere-se, então, à própria natureza desses dados: trata-se de documentos que, em sua maioria, sobreviveram por sorte ou por acidente. Além disso, as formas linguísticas encontradas nesses documentos não reproduzem aquelas utilizadas, no cotidiano, pelos seus escritores, consistindo apenas num reflexo dos “esforços para reproduzir um dialeto normativo que nunca foi a língua nativa de qualquer falante.” (LABOV, 1994, p. 44).5

Considerando tais dificuldades, a proposta de aplicar a metodologia sociolinguística aos dados do passado (LABOV, 1975) é, então, retomada e aprofundada pelo autor. Para ele, o uso do presente para explicar o passado depende “não apenas de novos métodos e novos dados, mas também de localizar pontos de contato e semelhança entre o presente e o passado que justifiquem a aplicação de novos dados.” (LABOV, 1994, p. 59).6 Obviamente não se trata de uma tarefa simples.

O passado foi – e sempre será – diferente do presente, donde podemos contemplar a existência da mudança linguística e a necessidade da pesquisa histórica. Isso envolve os desafios supramencionados e permite a postulação – à semelhança do paradoxo do observador na pesquisa sincrônica – de um paradoxo histórico, assim conceituado pelo autor: “A tarefa da linguística histórica é explicar as diferenças entre o passado e o presente; mas não há como saber em que grau o passado era diferente do presente.” (LABOV, 1994, p. 60).7

Assim como não existe uma forma determinada de lidar com o paradoxo do observador, não há uma solução específica e pré-estabelecida para eliminar por completo o paradoxo histórico. Cabe ao pesquisador observar a natureza e particularidade de sua pesquisa adotando métodos variados.

4 “[…] como el arte de hacer el mejor uso posible de datos deficientes.”

5 “[…] esfuerzos por reproducir un dialecto normativo que nunca fue la lengua nativa de ningún hablante.”

6 “[...] no sólo de nuevos métodos y nuevos datos, sino también de localizar puntos de contacto y similitud entre el presente y el pasado que justifiquen la aplicación de los nuevos datos.” 7 “La tarea de La lingüística histórica es explicar las diferencias entre el pasado y el presente; pero no hay modo de saber en qué grado el pasado era diferente del presente.”

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A especificidade de nosso corpus – discurso religioso em meio escrito – exige uma discussão sobre a relação entre a fala e a escrita, a qual apresentamos a seguir, a partir da perspectiva de Koch e Oesterreicher (2013 [1985]).

1.2 ORALIDADE E ESCRITURALIDADE

Uma questão primordial para lidar com a variação linguística a partir de um corpus escrito trata-se da relação entre oralidade e escrituralidade. Koch e Oesterreicher (2013 [1985]), a partir de discussões de Söll (1985), abordam essa relação dentro das pesquisas linguísticas, apresentando uma dupla distinção conceitual. Existe, de um lado, a noção de “meio”, que engloba as duas formas de realização para as expressões linguísticas: o código gráfico e o código fônico. E há, de outro lado, a noção de “concepção”, que abarca diferentes estratégias comunicativas de expressão linguística que podem se aproximar do modo oral ou do modo escrito. Para os autores, “a relação entre os códigos fônico e gráfico deve ser entendida no sentido de uma dicotomia estrita, enquanto a diferenciação entre ‘oral’ e ‘escrito’ estabelece um contínuo de possibilidades de concepção com gradação numerosa.” (KOCH; OESTERREICHER, 2013 [1985], p. 156).

O posicionamento de uma dada forma de expressão no contínuo concepcional depende de diversos parâmetros comunicativos:

relação social, número e situação espaço-temporal dos parceiros de comunicação; troca entre os locutores; fixação ao tema; grau de privacidade do ato comunicativo; espontaneidade e cooperação; o papel dos contextos linguísticos, situacionais e socioculturais (conhecimento compartilhado, valores e normas sociais etc.). (KOCH; OESTERREICHER, 2013 [1985], p. 158). A forma de comunicação do polo oral pode ser chamada de linguagem da imediatez, a qual combina fatores como “‘diálogo’, ‘troca livre entre os participantes’, ‘familiaridade com o parceiro’, ‘interação face-to-face’, ‘desenvolvimento livre dos temas’, ‘caráter privado de familiaridade’, ‘espontaneidade’, ‘caráter participativo mais intenso’, ‘entrelaçamento com a situação’”, entre outros. Já a forma de comunicação do polo escrito pode ser denominada linguagem da

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distância, a qual combina fatores como “‘monólogo’, ‘inexistência de câmbio entre os locutores’, ‘desconhecimento do parceiro’, ‘distância espacial e temporal’, ‘tema fixo’, ‘caráter público’, ‘reflexibilidade’, ‘caráter participativo pouco intenso’, ‘não entrelaçamento com a situação’”, entre outros. (KOCH; OESTERREICHER, 2013 [1985], p. 160).

O contínuo concepcional seria definido, dessa forma, “como o espaço dentro do qual os componentes linguísticos da imediatez e da distância, servindo como parâmetros específicos, misturam-se e constituem, desse modo, formas de expressão específicas.” (KOCH; OESTERREICHER, 2013 [1985], p. 160).

Sendo assim, há estratégias comunicativas diferenciadas, derivadas das condições comunicativas, que caracterizam cada polo. A dialogicidade e o pouco planejamento dão origem à processualidade e à efemeridade da linguagem da imediatez, enquanto o caráter monolítico e o maior grau de planejamento conduzem à reificação e à tendência à perenidade da linguagem da distância. Podemos tomar, dessa forma, o termo “discurso” como expressão da linguagem da imediatez e o termo “texto” como expressão da linguagem da distância. (KOCH; OESTERREICHER, 2013 [1985]).

A partir da definição de meio e concepção, os autores nos apresentam o seguinte esquema global, “no qual os dois triângulos marcam a afinidade do meio com cada uma das concepções” e a posição de cada uma das formas de a a k marca o grau de imediatez ou distância:

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Figura 1 – Meio e concepção: linguagem da imediatez e linguagem da distância

Fonte: Koch e Oesterreicher (2013 [1985], p. 162).

Considerando, assim, a dicotomia estrita supramencionada quanto ao meio, podemos classificar os textos objetos de nossa análise como pertencentes ao código gráfico, independentemente da versão bíblica. Quanto ao contínuo concepcional, a partir dos inúmeros elementos

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apresentados na Figura 1, cada versão apresenta características que a aproximam de um ou outro polo, conforme percebemos ao longo da análise.

Conde Silvestre (2007) coloca que o uso de cada um desses meios (escrito/gráfico e oral/fônico) serve a propósitos diferentes em situações comunicativas distintas. Assim, o material escrito pode ser analisado independentemente do oral, sendo importante assinalar que as diferenças entre os dois meios não resultam, de forma alguma, em que o material linguístico escrito seja isento de variabilidade. Material escrito e oral encontram-se, para o autor, em relação de distribuição complementar, estando a heterogeneidade ordenada presente nos dois meios. O tratamento da variabilidade em meio gráfico exige que se considere a existência de uma história própria aos textos, o que envolve o conceito de Tradições Discursivas, que será discutido a seguir.

1.3 O CONCEITO DE TRADIÇÕES DISCURSIVAS

Segundo Eugenio Coseriu, a língua deve ser entendida primeiramente como função e depois como sistema. Para o autor, “a língua não funciona porque é sistema, mas, ao contrário, é sistema para cumprir uma função, para corresponder a uma finalidade”. Dessa forma, para continuar funcionando como tal, a língua muda, estando em constante transformação. “A língua muda justamente porque não está feita, mas, sim, faz-se continuamente pela atividade linguística.” Para o autor, a mudança linguística consiste na “manifestação da criatividade da linguagem na história das línguas”, e estudar as mudanças significa “estudar a consolidação de tradições linguísticas, ou seja, o próprio fazimento das línguas.” (COSERIU, 1979, p. 31, 63, 93-94, grifo do autor).

Dessa forma, para Coseriu (1980), a linguagem é uma atividade humana universal que se realiza individualmente de acordo com técnicas historicamente determinadas. O autor postula três níveis a partir dos quais se pode considerar a atividade linguística: 1) o nível universal, que consiste no falar em geral; 2) o nível histórico, que engloba as línguas enquanto sistemas; e 3) o nível individual, que consiste no discurso ou no texto.

Partindo dessas perspectivas, Koch (1997) propõe a duplicação do nível histórico, considerando a existência de formas comunicativas tradicionais que se repetem e se diferenciam das línguas históricas, ou seja, “formas e fórmulas tradicionais de textos que vão além da fronteira das línguas históricas” (KOCH, 1997, p. 1). Sendo assim, o nível

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histórico abarca, de um lado, as línguas históricas – alemão, inglês, francês, português etc. – e, de outro, as tradições de textos ou tradições discursivas – gêneros discursivos, gêneros literários, estilos8, gêneros retóricos, formas conversacionais, atos de fala etc. Considerando a duplicação mencionada, o seguinte quadro de diferenciação dos níveis da linguagem é sugerido pelo autor:

Quadro 1 – Níveis da linguagem

Nível Campo ou

área Tipo de norma Tipo de regras Universal Atividade de

falar

Normas do

falar Regras do falar Histórico Línguas históricas Normas da língua Regras da língua histórica Histórico Tradições discursivas Normas discursivas Regras discursivas Individual Discurso ou texto Fonte: Koch (1997, p. 1-2).

Para diferenciar as regras discursivas das regras da língua histórica, Koch utiliza como exemplo cantigas de amor de quatro línguas medievais (occitano, francês, médio-alemão e alto-italiano). “As quatro canções pertencem à tradição do trovadorismo e apresentam algumas semelhanças: estão organizadas em estrofes que vêm de canções ou de poemas semelhantes a canções e o tema é o amor na perspectiva do trovador.” (KOCH, 1997, p. 2).

As canções foram escritas em línguas diferentes, mas apresentam semelhanças quanto à tradição discursiva: em todas elas encontram-se palavras que servem de metáfora para o conceito de amor no trovadorismo. Por exemplo, a amada é chamada de “dona” ou “senhora”, e seu admirador é chamado de “servidor”. Podemos perceber que tais metáforas não encontram explicação no plano da língua histórica, mas sim na lírica do trovadorismo, o que liga tal conceito de amor não às regras da língua, mas a uma prática discursiva tradicional.

A diferença entre regras do discurso e regras da língua não provém do formato das unidades linguísticas por elas organizadas (discurso vs.

8 Conferir, mais adiante, discussão sobre o termo estilo.

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oração/palavra), mas do seu campo de validade e grupos transportadores. Regras do discurso são transportadas por grupos culturais (agrupamento que vai além das comunidades linguísticas: grupos de profissões, correntes literárias, movimentos políticos, etc.). Regras da língua são carregadas por comunidades linguísticas. (KOCH, 1997, p. 2).

Enquanto as regras da língua se referem a fatos exclusivamente linguísticos – no âmbito da fonologia, morfologia, sintaxe, léxico etc. –, as regras do falar regulam, além da escolha de determinados elementos linguísticos, gestos, inferências e conhecimento de mundo. As regras discursivas, por sua vez, dizem respeito a elementos linguísticos, mas também tratam de métrica, modalidades de execução, plots (ação na narrativa), referências culturais implícitas. Os três tipos de regras são atualizados no texto/discurso. “Somente as regras da língua são puramente linguísticas. As regras do falar e do discurso como também o próprio texto/discurso está condicionado a aspectos linguísticos e extralinguísticos.” (KOCH, 1997, p. 3). Essa mescla entre aspectos linguísticos e extralinguísticos torna difícil traçar com precisão as fronteiras entre o falar, a língua histórica, a tradição discursiva e o discurso.

Uma questão levantada por Koch é onde iniciam e terminam tradições discursivas e variedades linguísticas. “Parece especialmente difícil determinar as fronteiras entre tradições discursivas e variedades diafásicas.” (KOCH, 1997, p. 3). Segundo o autor, para compreender tais delimitações, é preciso tratar criticamente o termo estilo.

Quando se entende estilo como um determinado duto histórico do falar e escrever, é possível traduzir os estilos de uma língua para outra e estamos dentro do campo das tradições discursivas. Nesse entendimento, gêneros literários seriam tradições discursivas de natureza especial, enquanto estilos seriam “tradições discursivas mais gerais que se transpõem aos gêneros literários e neles penetram.” (KOCH, 1997, p. 3).

Todavia o termo estilo também pode ser usado em outro sentido, não relacionado a tradições discursivas, mas sim a variedades linguísticas, “que claramente são grandezas da língua histórica (também denominadas de registro).” (KOCH, 1997, p. 4). Nessa acepção, estilos são intraduzíveis, pois cada língua possui sua escala de registros, de forma que a tradução representa apenas uma aproximação.

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Outra questão importante, dentro da diferenciação entre as regras do falar e as do discurso, refere-se ao significado da expressão gênero textual. Por um lado, há várias classificações tomadas de conjuntos de traços distintivos reunidas sob o termo gênero, as quais partem de constantes universais e são fundamentais para as regras do falar: oral versus escrito; dialógico versus monológico; simétrico versus assimétrico; pessoal versus impessoal; referencial versus apelativo versus expressivo; descritivo versus narrativo versus expositivo versus argumentativo.

Por outro, o termo gênero também se refere a classificações tais como: a) hardnews, softnews, notícia de jornal, comentário de jornal etc.; b) entrevista, talkshow etc.; c) canção, soneto, tenzone etc.; d) prédica, palestra científica, discurso eleitoral etc. Percebemos que, nesse caso, estamos diante de tradições históricas transportadas por um dado grupo cultural. Logo, esse segundo sentido está relacionado às tradições discursivas. Para evitar a confusão terminológica, Koch sugere evitar a utilização indiscriminada da expressão gênero textual tanto para as regras do falar quanto para as do discurso. Para estas, o autor sugere que se utilize a expressão tradição discursiva.

Kabatek (2012) também aborda essa relação entre a noção de gênero e a de tradições discursivas. Partindo da proposta bakhtiniana para o conceito de gênero,9 o autor argumenta que devemos evitar a confusão entre os dois termos e propõe uma combinação produtiva deles, segundo a qual as tradições discursivas englobam os gêneros.

Kabatek coloca que a duplicação do nível histórico coseriano resulta em duas historicidades. A primeira historicidade se refere aos sistemas linguísticos, “objetos históricos adquiridos pelos falantes como técnicas e mediante os quais os indivíduos produzem enunciados individuais” (KABATEK, 2012, p. 581). Esses sistemas, as línguas, não são estáticos, mas, pelo contrário, sofrem transformações. A segunda historicidade refere-se ao fato de que, apesar de os enunciados individuais serem historicamente únicos, estando situados no tempo e no espaço, “podem referir-se a outros enunciados individuais, repetindo-os ou alternando-os.” Para o autor, talvez o termo tradição seja mais adequado à segunda historicidade, que

não se limita a uma forma particular dessa tradição ou a uma preferência cultural

9 Para Bakhtin, gêneros do discurso são “tipos relativamente estáveis de enunciados” (BAKHTIN, 1997 [1979], p. 279).

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determinada; sua manifestação atesta apenas que existe uma relação temporal-espacial entre enunciados, podendo ser esta relação implícita ou explícita e dada tanto pela intenção do falante, como aquela do ouvinte. (KABATEK, 2012, p. 581-582).

Dessa forma, o termo tradições discursivas (TD) inclui todas as formas concretas de tradição, as tradições particulares de grupos ou instituições bem como “fenômenos que se referem às formas além das formas tradicionais da gramática de uma língua identificadas como tais pela linguística repetidamente: formas textuais, tipos textuais, gêneros textuais.” (KABATEK, 2012, p. 582).

Numa proposta de classificação mais abrangente, Kabatek, retomando Raymund Wilhelm, distingue três áreas de TD, dispostas hierarquicamente: fórmulas, formas textuais e universos do discurso. Por exemplo, uma saudação como caro amigo (fórmula) pode ser parte de uma carta (forma textual), e essa carta pode estar inserida em um universo do cotidiano (universo do discurso). (WILHELM, 2001; 2003 apud KABATEK, 2012).

Cada universo discursivo é uma espécie de mundo culturalmente adquirido, definido na relação entre falante, signo e mundo. Tais universos podem ser divididos em universo do cotidiano; universo da ficção; universo da religião e universo da ciência. Eles se manifestam em discursos ou textos, que correspondem a tradições.

Os universos de discurso são os contornos mais gerais nos quais se situam os discursos ou textos, são como uma moldura na qual as outras tradições estão localizadas, sem que os universos de

discurso mesmos manifestem a sua

tradicionalidade além desse sentido geral-cultural-histórico praticamente encoberto pelas tradições concretas. (KABATEK, 2012, p. 584-585). Kabatek (2012) defende que os textos ou discursos são fruto não apenas de uma gramática e um léxico particulares, mas também de sua relação com textos já ditos ou escritos. Essa relação com textos anteriores pode ser de repetição, variação ou, até mesmo, de ausência de repetição. Por exemplo, temos, por um lado, uma TD muito simples, como a repetição de uma saudação cotidiana como oi; e, por outro, a TD do romance, que não exige exatamente a repetição de um elemento

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concreto: expressões, conteúdos e fórmulas variam de um romance para outro, ocorrendo apenas uma coincidência formal.

O conceito de TD é, portanto, bastante abrangente, recobrindo a gama complexa de elementos tradicionais presentes nos textos e a necessidade de levar em conta essa tradicionalidade na descrição linguística. Compreendendo, portanto, gênero aos moldes bakhtinianos, o autor conclui que “todos os gêneros são tradições discursivas, mas nem todas as tradições discursivas são gêneros.” (KABATEK, 2012, 587).

Os três níveis linguísticos propostos por Coseriu, com a reduplicação do nível histórico, de que falamos acima, aplicam-se ao contínuo concepcional apresentado em 2.1:

[...] paralelamente ao contínuo entre FALAR IMEDIATO e FALAR DISTANTE, o contínuo ORAL / ESCRITO pode ser designado, no nível histórico das línguas particulares (idiomas), como

contínuo entre TRADIÇÃO DISCURSIVA

IMEDIATA e TRADIÇÃO DISCURSIVA

DISTANTE; e, finalmente, no nível atual [ou individual], como contínuo entre DISCURSO IMEDIATO e DISCURSO DISTANTE. (KOCH; OESTERREICHER, 2007, p. 35).10

Os autores partem do fato de que o linguístico sempre se manifesta na forma de línguas históricas, “o que – juntamente com o fenômeno da mudança linguística – pode ser considerado como a expressão mais clara da historicidade da linguagem humana”11

. A historicidade da linguagem apresenta dois aspectos intimamente relacionados: a diversidade linguística existente entre as línguas históricas (perspectiva externa) e a variação linguística dentro de uma dada língua (perspectiva interna). Esta segunda perspectiva apresenta três dimensões: a diatópica (diferenças do ponto de vista geográfico); a diastrática (diferenças relacionadas a grupos e estratos sociais); e a

10 “[...] paralelamente al continuo entre HABLAR INMEDIATO y HABLAR DISTANTE, el continuo HABLADO / ESCRITO se puede designar, en el nivel histórico de las lenguas particulares (idiomas), como continuo entre LENGUA INMEDIATA y LENGUA DISTANTE; en el nivel histórico de las tradiciones discursivas, como continuo entre TRADICIÓN DISCURSIVA INMEDIATA y TRADICIÓN DISCURSIVA DISTANTE; y, finalmente, en el nivel actual, como continuo entre DISCURSO INMEDIATO y DISCURSO DISTANTE”.

11 “[...] lo cual —junto al fenómeno del cambio lingüístico— puede ser considerado como la expresión más clara de la historicidad del lenguaje humano”.

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diafásica (diferenças relacionadas ao estilo linguístico). (KOCH; OESTERREICHER, 2007, p. 36).

“A soma das variedades diatópicas, diastráticas e diafásicas de uma língua histórica dá lugar a um sistema estruturado de tradições e normas linguísticas, um DIASSISTEMA”12

, dentro do qual13 se deve incluir, segundo os autores, a diferenciação entre oralidade e escrituralidade, que “é fundamental para uma modelagem adequada do espaço variacional idiomático de uma língua histórica.”14 De fato, o contínuo concepcional entre imediatez e distância comunicativa constitui o centro do diassistema variacional, a dimensão central da variação, uma vez que admite elementos de qualquer outra das três dimensões supramencionadas. (KOCH; OESTERREICHER, 2007, p. 37).

O tema das variedades linguísticas acaba por se relacionar também com o conceito de norma linguística e, consequentemente, com a diferenciação entre norma descritiva e norma prescritiva. Kock e Oesterreicher (2007, p. 41) atribuem cada uma das variedades das quatro dimensões da variação apresentadas acima a uma norma descritiva e afirmam que “cada língua constitui um sistema de normas complexo e historicamente variável, com uma vigência limitada.”15

Já a norma prescritiva (ou padrão) tem um caráter conservador, exclusivista e de alta estabilidade.16 De certa forma, o peso da prescrição, por meio da intervenção e preservação institucional, detém/atrasa a mudança linguística.

Contudo, cada norma prescritiva não deixa de ser, até o momento de sua fixação e imposição, o resultado de determinados processos históricos

12 La suma de las variedades diatópicas, diastráticas y di afásicas de una lengua histórica da lugar a un sistema estructurado de tradiciones y normas lingüísticas, un DIASISTEMA.” 13

Para Coseriu (1980), uma língua histórica é constituída não de um sistema linguístico – com estrutura unitária e homogênea –, mas sim de um diassistema, que consiste em vários sistemas linguísticos bastante diferenciados, um sistema de sistemas, ou um conjunto de sistemas. 14 “[…] es fundamental para una modelación adecuada del espacio variacional idiomático de una lengua histórica.”

15“[…] cada lengua constituye un sistema de normas complejo e históricamente variable, con una vigencia limitada.”

16 O termo norma, nesta pesquisa, é adotado no sentido das regras preconizadas pelos compêndios gramaticais, a muitos dos quais fazemos alusão no Capitulo 2. Assim, ao falarmos de norma, estamos nos referindo ao caráter normativo/prescritivo/dogmático de tais compêndios. Para uma discussão pormenorizada sobre as diversas nuances da norma

linguística, remetemos o leitor à obra “Norma culta brasileira: desatando alguns nós”, de

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– que obedecem, sobretudo, a causas externas – e transformações no interior do sistema de

normas descritivas.17 (KOCH;

OESTERREICHER, 2007, p. 41).

Kabatek (2006, p. 505) trabalha o conceito de tradições discursivas (TD) e sua relação com o processo de mudança linguística, “partindo da hipótese de que o estudo das TD é relevante para o estudo histórico da língua e que pode ser até fundamental.” Segundo o autor, o conceito de TD, dentro do estudo da linguagem, parte da classificação coseriana de três níveis da atividade linguística, ampliando tal classificação e especificando alguns de seus aspectos. O autor coloca que foi ao longo dos anos 80 do século XX que se estudava, a partir de diferentes perspectivas, a importância da distinção entre linguagem oral e linguagem escrita tanto para a linguística empírica quanto para a teórica. Uma das ideias fundamentais para o conceito de TD seria, assim, “a observação de que existe uma história dos textos independente da história das línguas e que o estudo histórico das línguas deve tê-la em conta.” (KABATEK, 2006, p. 507).

Partindo da supracitada reduplicação do nível histórico coseriano, Kabatek (2006, p. 510, grifo do autor) coloca, então, como traço definidor das TD, “a relação de um texto em um momento determinado da história com outro texto anterior: uma relação temporal com repetição de algo.” Com tais pressupostos, o autor entende TD como

a repetição de um texto ou de uma forma textual ou de uma maneira particular de escrever ou falar que adquire valor de signo próprio (portanto é significável). Pode-se formar em relação a qualquer finalidade de expressão ou qualquer elemento de conteúdo, cuja repetição estabelece uma relação de união entre atualização e tradição; qualquer relação que se pode estabelecer semioticamente entre dois elementos de tradição (atos de enunciação ou elementos referenciais) que evocam uma determinada forma textual ou determinados elementos linguísticos empregados. (KABATEK, 2006, p. 512).

17

“Con todo, cada norma prescriptiva no deja de ser, hasta el momento de su fijación e imposición, el resultado de determinados procesos históricos -que obedecen sobre todo a causas extemas- y transformaciones en el interior del sistema de normas descriptivas.”

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Essa relação entre atualização e tradição permite estabelecer também uma relação entre TD e variedades linguísticas: frequentemente o saber quanto às variedades é transmitido pelas TD, assim como “o emprego situacional de elementos de variedades pode ser condicionado precisamente pelas TD” (KABATEK, 2006, p. 513).

Uma das aplicações do estudo das TD trata-se da relação desta com a gramática histórica, no intuito de chegar “a uma gramática histórica mais diferenciada que deixe ver com mais rigor as evoluções da língua e os processos de mudança linguística.” (KABATEK, 2006, p. 515). Como existem diferentes TD influenciando diferentes momentos históricos, é necessário trabalhar com uma história da língua que permita “saber em quais TD uma inovação é criada, como se difunde ao longo das TD, e também onde há TD resistentes às inovações, TD que preservam elementos que em outras TD não se usam mais.” (KABATEK, 2006, p. 516).

Não se trata de tomar o conceito de TD como um paradigma diferente para substituir outras perspectivas teóricas sobre o estudo da história da língua, mas de observar a história da língua também sob esta perspectiva diferenciada das TD, o que pode resultar, em alguns casos, na “solução de alguma questão concreta ainda aberta.” (KABATEK, 2006, p. 525).

Tomamos, então, o conceito de TD em nossa análise, considerando a relação dos textos que analisamos com textos que os precederam, objetivando verificar qual tipo de relação se estabelece: repetição, variação e/ou ausência de repetição – caso em que se verifica a mudança. De acordo com Coelho et al. (2015), os processos de mudança, na área da sociolinguística variacionista, podem ser estudados com foco em vários tipos de variação, resultantes da influência de diferentes condicionadores extralinguísticos. Já abordamos alguns desses tipos de variação na Seção 1.1, ao tratarmos da correlação entre as dimensões linguística e extralinguística, bem como nesta Seção 1.3, ao abordarmos o diassistema das línguas históricas.

Considerando os pressupostos até aqui apresentados – a língua em constante variação, a oralidade versus a escrituralidade e o conceito de TD –, ao observar o posicionamento das equipes responsáveis por cada versão bíblica, percebemos indícios de preocupação com o estilo utilizado na versão nova (NTLH), no sentido de adaptar o texto a um público-alvo diverso do da versão antiga (RA). Essa foi, inclusive, uma reivindicação dos fiéis à SBB: a necessidade de uma tradução adequada aos novos convertidos, a qual, para os tradutores, “deveria ser adequada ao nível educacional médio da população.” (PREFÁCIO..., 2000).

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Essa busca por adequar o texto bíblico ao público-alvo nos aproxima de um tipo específico de variação, chamada estilística ou diafásica, a qual, segundo Coelho et al. (2015), é resultante dos diferentes papéis sociais que os falantes desempenham nas diferentes situações comunicativas, sendo que esses papéis estão ligados às relações estabelecidas entre os interlocutores, ao contexto em que ocorre a interação e até mesmo ao assunto da conversa. Esse tipo de variação “decorre, em suma, da adequação que os interlocutores fazem da sua fala ao contexto geral em que ocorre a comunicação.” (COELHO et al., 2015, p. 46, grifo dos autores).18 A Seção 1.4 trata especificamente desse tipo de variação.

1.4 UMA QUESTÃO DE ESTILO

Existem vários modelos teóricos voltados à variação estilística, os quais, segundo Eckert e Rickford (2001), não devem ser considerados contraditórios ou mutuamente exclusivos, já que a divisão tradicionalmente feita entre as restrições sociais e estilísticas tem se mostrado, ao longo dos anos, fina e permeável. Assim, segundo os autores, enquanto os modelos pioneiros tomavam as categorias sociais e identitárias como dadas, com a língua simplesmente refletindo essas categorias, a visão contemporânea entende a língua também como criadora do aspecto social.

Judith T. Irvine (2001) toma o estilo numa concepção ampla, entendendo-o como uma semiose social de distintividade. Considerando como exemplo as diferenças estilísticas do mundo da moda, a autora afirma que “o estilo na linguagem não deve ser assumido a priori como uma questão totalmente diferente do estilo em outros domínios da vida” (IRVINE, 2001, p. 21).19 Para Irvine (2001, p. 22), seja no âmbito linguístico ou em qualquer outro, os estilos fazem parte de um sistema de distinção, segundo o qual “um estilo contrasta com outros estilos possíveis, e o significado social representado pelo estilo contrasta com

18 Conforme fomos alertados pela Prof. Edair Maria Görski por ocasião da defesa desta dissertação, a perspectiva da variação estilística restrita à adequação do falante ao interlocutor, ao contexto, ao tópico etc. restringe tal tipo de variação à dimensão responsiva da proposta de Allan Bell, afastando a possibilidade de o falante tomar a iniciativa da variação estilística. Na Seção 1.4.1, apresentamos a proposta de Bell, que recobre as duas dimensões (responsiva e iniciativa), considerando, assim, a agentividade e intencionalidade do falante na variação estilística.

19 “[…] style in language should not be assumed a priori to be an utterly different matter from style in other realms of life.”

Referências

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