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A teoria econômica do crime de Gary Becker e a seletividade do sistema penal

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

REINALDO DENIS VIANA BARBOSA

A TEORIA ECONÔMICA DO CRIME DE GARY BECKER E A

SELETIVIDADE DO SISTEMA PENAL

FLORIANÓPOLIS

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Reinaldo Denis Viana Barbosa

A TEORIA ECONÔMICA DO CRIME DE GARY BECKER E A SELETIVIDADE DO SISTEMA PENAL

Dissertação submetida ao Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina para a obtenção do título de Mestre em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Everton das Neves Gonçalves

Florianópolis 2019

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Reinaldo Denis Viana Barbosa

A teoria econômica do crime de Gary Becker e a seletividade do sistema penal O presente trabalho em nível de mestrado foi avaliado e aprovado por banca examinadora

composta pelos seguintes membros:

Prof. Francisco Bissoli Filho, Dr. Universidade Federal de Santa Catarina

Prof. Cláudio Macedo de Souza, Dr. Universidade Federal de Santa Catarina

Profa. Chiavelli Facenda Falavigno, Dra. Universidade Federal de Santa Catarina

Certificamos que esta é a versão original e final do trabalho de conclusão que foi julgado adequado para obtenção do título de mestre em Direito.

_________________________ Prof. Dr. José Isaac Pilati

Diretor do Centro de Ciências Jurídicas respondendo cumulativamente como Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito

_________________________________ Prof. Dr. Everton das Neves Gonçalves

Orientador

Florianópolis, 04 de dezembro de 2019.

Documento assinado digitalmente Everton das Neves Goncalves Data: 16/12/2019 22:14:22-0300 CPF: 405.067.380-00

JOSE ISAC

PILATI

Assinado de forma digital por JOSE ISAC PILATI

Dados: 2020.01.06 12:25:17 -03'00'

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À querida Francis, motivo do meu esforço; aos meus pais, Reginaldo e Cristina, pelo carinho e cuidado; ao meu irmão Ronaldo, pelas constantes tempestades de projetos; à minha irmã Rejane, por ter sido mãe quando precisou; aos amigos que fiz; a Deus, por mais uma demonstração da sua infinita Graça. S.D.G.

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AGRADECIMENTOS

Comumente escrevemos para o outro e em terceira pessoa. De todas as páginas desta Dissertação, este é o espaço da pessoalidade, e pretendo utilizá-lo como manifestação do meu “interesse próprio” (já que até as piadas se tornaram teóricas). Considerando que os agradecimentos são a oportunidade de indicar para algumas pessoas o quanto elas foram importantes para o resultado da pesquisa, numa manifestação de reconhecimento e gratidão, ainda neste momento estaria escrevendo para os outros. Todavia, a necessidade que sinto, bem como a felicidade de poder escrever em primeira pessoa, me acomete de “egoísmo” e me faz escrever, agora, para mim.

Escrevo para mim, a fim de que esta “meia página” eternize todos os sentimentos que me fazem ser grato. Cuidei de demonstrar a minha gratidão ao longo da caminhada, de modo que “os importantes” já estão convencidos disso e certamente não se esquecerão. A minha preocupação, portanto, é comigo: não posso esquecer de como essas pessoas me ajudaram nesses dois anos. É, portanto, para mim que escrevo.

Preciso lembrar de como a minha esposa foi compreensiva, tendo desenvolvido gigantesca habilidade de saber interpretar o meu “já estou indo! ”. Aos poucos os convites para estar junto foram sendo substituídos por “não vai deitar tarde! ” e “espero que hoje renda! ”. Como todas as coisas que já fiz depois que te conheci, o mestrado também foi para te impressionar.

Não posso esquecer dos meus pais, irmãos e agregados (o sentido, aqui, é o melhor existente) por terem sido capazes de demonstrar que estavam orgulhosos, por perdoarem a minha ausência mesmo com a distância encurtada e por me permitirem transformar almoços de família em idas ao restaurante.

Sempre precisarei retornar a esta página para rever o que escrevi para mim e, nesse retorno, relembrar de quem sempre foi o meu mentor. Desde que me converteu da tentativa de cursar Engenharia Civil, o meu irmão não descansou até me ver no mestrado e continua congestionando a minha mente com projetos. O pensamento ágil e multifacetado foi imprescindível para que esta dissertação tivesse começo, meio e fim e, nesse caminho, não tantos erros de escrita e coesão. Agradecimento específico por ter comandado um “toque de recolher familiar” para que eu pudesse estar focado nos últimos dias.

O meu orientador, professor Everton das Neves Gonçalves, será lembrado por ter-me apresentado a “Escola de apender a amar”, com precisas orientações acadêmicas e conselhos de sabedoria sobre como equilibrar tudo durante o curto momento da pós-graduação. Ainda,

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lembrar de que a “chama” do Direito Penal manteve-se acesa no Programa de Pós-Graduação em Direito também pelo esforço de alguém que, mesmo não se julgando penalista, oportunizou que trouxéssemos para o gigantesco “guarda-chuvas” da Análise Econômica do Direito, o Direito Penal.

Precisarei lembrar da sensibilidade e paixão pela docência características do professor Francisco Bissoli Filho, atributos que lhe custaram horas de conversa, empréstimo de livros e acesso à sua biblioteca.

Se houve um caminho menos truncado a ser seguido nesta Dissertação, isso se deveu ao direcionamento do meu orientador e às precisas ponderações feitas durante a Qualificação do Projeto pelos professores Cláudio Macedo de Souza e Francisco Bissoli Filho. Do mesmo modo, a avaliação final da pesquisa pela professora Chiavelli Facenda Falavigno acrescenta credibilidade ao que foi desenvolvido. É um orgulho imenso tê-los ocupado com a leitura desta Dissertação e poder registrar os seus nomes na ata de defesa.

Lembrarei dos amigos que coletei neste percurso, dos propósitos que nos uniram, como no GETEC, e das reclamações que compartilhamos. Tenho um carinho especial por cada um de vocês.

Propositadamente colocada no fim estará a lembrança de Deus, para quem o agradecimento é tão natural que não raro se transforma em jargão. Mas o coloco aqui para que além de agradecê-lo pela oportunidade de cursar o mestrado e me manter equilibrado, agradeça-o pela minha esposa, família, amigos e professores. E, além disso, colocado aqui embaixo, representa a base de tudo.

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À medida que as penas forem mais brandas, quando as prisões já não forem a horrível mansão do desespero e da fome, quando a piedade e a humanidade penetrarem nas masmorras, quando enfim os executores impiedosos dos rigores da justiça abrirem os corações à compaixão, as leis poderão contentar-se com indícios mais fracos para ordenar a prisão. (BECCARIA, 2001)

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RESUMO

A presente Dissertação aborda, criminologicamente, a Teoria Econômica do Crime (TEC) desenvolvida por Gary Becker, e objetiva verificar se a racionalidade empregada pelo autor americano, que resulta na preferência à pena de multa em detrimento da pena privativa de liberdade, reservando-a para determinados crimes e para delinquentes insolventes, reforça a seletividade do sistema penal. Diante da interação cada vez mais evidente entre Direito e Ciência Econômica, cuida-se de apontar os perigos que acompanham a busca da eficiência econômica no âmbito do Direito Penal, advertindo-se para a necessidade de considerar as consequências dessa busca, a qual sugere-se deva ser limitada pelo Princípio da Eficiência Econômico-Social. Com o propósito de verificar a hipótese, que dá resposta afirmativa ao problema de pesquisa, apresenta-se a TEC a partir dos pensamentos de Cesare Beccaria, Jeremy Bentham e Anselm von Feuerbach para, somente então, identificar os pressupostos desenvolvidos por Gary Becker no artigo Crime and punishment: an economic approach. O tratamento da variável dependente (seletividade do sistema penal) é desenvolvido a partir de reconstrução do pensamento criminológico, destacando-se a Escola Positiva, a Criminologia da Reação Social, a Criminologia do Conflito e a Criminologia Crítica até que seja possível demonstrar os processos de criminalização, notadamente com o labeling approach, resultando nas seletividades primária, secundária, quantitativa e qualitativa. Procede-se à análise de dados do sistema carcerário brasileiro, identificando-se o perfil econômico da população criminalizada. Diante da indisponibilidade de dados específicos sobre a renda dos presos, a análise é feita a partir da relação entre escolaridade e renda. Deduz-se, pela leitura das características da população encarcerada, pela identificação dos processos de criminalização e pela consideração de pressupostos teóricos da TEC, que a maior parte da população criminalizada no Brasil está contida nas situações definidas por Becker como “excepcionais” para as quais a pena de prisão deve ser aplicada. Diante de tal verificação identifica-se a existência de “novo” processo de seleção, identificado como seletividade econômica do sistema penal, vez que tem na possibilidade do pagamento de multa a fuga do Direito Penal, agravando a desigualdade com a qual já opera o sistema. Ao final, propõe-se como caminho de solução a retomada do princípio da intervenção mínima do Direito Penal. A sistematização da pesquisa por cadeia decrescente de raciocínio é possível pela utilização do método de abordagem hipotético-dedutivo. Quanto ao procedimento metodológico, trata-se de pesquisa bibliográfica e documental. Finalmente, a pesquisa, de natureza pura, aborda os problemas colocados tanto quantitativa quanto qualitativamente.

Palavras-chave: Análise Econômica do Direito. Teoria Econômica do Crime. Criminologia. Seletividade do sistema penal.

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ABSTRACT

This is a criminological approach to the Economic Theory of Crime (TEC) developed by Gary Becker, in order to verify if the rationality employed by the American author, which results in the preference to the penalty of fine over the deprivation of liberty, reserving for certain offenses and insolvent offenders, enhances the selectivity of the penal system. Faced with the increasingly evident interaction between Law and Economic Science, it is necessary to point out the dangers that accompany the pursuit of economic efficiency in the area of Criminal Law, warning of the need to consider the consequences of this quest, which suggests should be limited by the Economic-Social Efficiency Principle. In order to verify the hypothesis, which gives an affirmative answer to the research problem, the TEC is presented from the thoughts of Cesare Beccaria, Jeremy Bentham and Anselm von Feuerbach, only then to identify the assumptions developed by Gary Becker in the article. Crime and Punishment: An Economic Approach. The treatment of the dependent variable (selectivity of the penal system) is developed from the reconstruction of criminological thinking, highlighting the Positive School, Social Reaction Criminology, Conflict Criminology and Critical Criminology until it is possible to demonstrate the processes of criminalization, notably with the labeling approach, resulting in primary, secondary, quantitative and qualitative selectivities. Data are analyzed from the Brazilian prison system, identifying the economic profile of the criminalized population. Given the unavailability of specific data on prisoners' income, the analysis is based on the relationship between education and income. It is inferred from reading the characteristics of the incarcerated population, identifying criminalization processes, and considering TEC's theoretical assumptions that most of the criminalized population in Brazil is contained in “exceptional” situations for which the prison sentence should be applied, according to Becker. In view of such verification, the existence of a “new” selection process is suggested, identified as the economic selectivity of the penal system, since it has the possibility of paying the escape of criminal law, aggravating the inequality with which the system already operates. In the end, it is proposed as a way of solution the resumption of the principle of minimum intervention of the Criminal Law. The systematization of the research by descending chain of reasoning is possible by using the hypothetical-deductive approach method. As for the methodological procedure, it is a bibliographic and documentary research. Finally, research, of a pure nature, addressed the problems posed both quantitatively and qualitatively.

Keywords: Economic Analysis of Law. Economic Theory of Crime. Criminology. Selectivity of the penal system.

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Ponto ótimo de investimento em segurança pública ... 107 Gráfico 2 – Escolaridade das pessoas privadas de liberdade no Brasil ... 115 Gráfico 3 - Crimes de maior incidência no sistema penitenciário brasileiro ...116

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AED Análise Econômica do Direito

BNMP Banco Nacional de Monitoramento de Prisões BSM Benefício Social Marginal

CSM Custo Social Marginal

PEES Princípio da Eficiência Econômico-Social

PNAD Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios

PNAD-T Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios Contínua Trimestral TEC Teoria Econômica do Crime

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 15

2 A TEORIA ECONÔMICA DO CRIME ... 21

2.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS ... 21

2.2 ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO ... 21

2.3 O PENSAMENTO ECONÔMICO NOS CLÁSSICOS DO DIREITO PENAL ... 28

2.3.1 Análise Econômica do Crime em Cesare Beccaria... 31

2.3.2 Análise Econômica do Crime em Jeremy Bentham ... 36

2.3.3 Análise Econômica do Crime em Paul Johann Anselm von Feuerbach ... 43

2.4 TEORIA ECONÔMICA DO CRIME DE GARY BECKER ... 47

3 O PENSAMENTO CRIMINOLÓGICO E A SELETIVIDADE DO SISTEMA PENAL ...61

3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS ... 61

3.2 CRIMINOLOGIA POSITIVA ... 62

3.2.1 O pioneirismo de Lombroso ... 65

3.2.2 Ferri e a defesa social ... 68

3.2.3 Garofalo e o delito natural ... 71

3.2.4 Criminologia Positiva e Teoria Econômica do Crime ... 73

3.3 CRIMINOLOGIA DA REAÇÃO SOCIAL ... 75

3.3.1 Aspectos gerais ... 75

3.3.2 O enfoque do etiquetamento - labeling approach ... 76

3.4 CRIMINOLOGIA DO CONFLITO ... 83

3.5 CRIMINOLOGIA CRÍTICA ... 85

3.5.1 O ponto de partida ... 85

3.5.2 Criminologia crítica, nova ou radical? ... 86

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3.6.1 Seletividade no processo de criminalização primária ... 90

3.6.2 Seletividade no processo de criminalização secundária ... 93

3.6.3 Seletividade quantitativa e qualitativa ... 96

4 A TEORIA ECONÔMICA DO CRIME DE GARY BECKER COMO INSTRUMENTO DE SELETIVIDADE DO SISTEMA PENAL ... 98

4.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS ... 98

4.2 PRISÃO E MULTA NA TEORIA ECONÔMICA DO CRIME DE GARY BECKER. ... 99

4.2.1 Vantagens da pena de multa... 99

4.2.2 Quando prender ... 103

4.3 EFICIÊNCIA E DIREITO PENAL ... 106

4.3.1 Eficiência no Direito Penal como melhor alocação dos recursos disponíveis ... 106

4.3.2 Eficiência no Direito Penal como critério normativo ... 109

4.4 A PROPOSTA DE BECKER E A REALIDADE CARCERÁRIA BRASILEIRA...112

4.4.1 Aferindo a renda a partir da educação ... 112

4.4.2 Perfil econômico da população criminalizada ... 114

4.5 COCULPABILIDADE INVERTIDA ... 118

4.6 A SELETIVIDADE ECONÔMICA DO SISTEMA PENAL ... 121

4.7 UMA SOLUÇÃO POSSÍVEL: REDESCOBRIMENTO DA SUBSIDIARIEDADE DO DIREITO PENAL ... 127

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1 INTRODUÇÃO

A simbiose entre o Direito e outras áreas do saber já se encontra bastante consolidada, como as contribuições trazidas pela Filosofia, Sociologia, Psicologia, Medicina, entre outras. A aproximação feita neste trabalho se dá com a Ciência Econômica, cuja interação, embora com ressalvas, tem crescido destacadamente.

Trata-se, portanto, da utilização de conceitos econômicos para a leitura de questões até então eminentemente jurídicas. Se há confiança sobre as leis da demanda, largamente utilizadas nas relações consumeristas para explicar a diminuição ou aumento da procura de um bem ou serviço, propõe-se deva haver espaço para discutir o efeito causado pelo aumento de uma pena, por exemplo, concebida como o preço a ser pago pelo comportamento desconforme à lei.

Naturalmente, o objeto de avaliação neste segundo caso requer cuidado mais acentuado, de modo que problemas tão complexos como as questões ligadas à criminalidade não sejam explicados de modo simples, sem variáveis. É por essa razão que a proposta de interação entre as duas Ciências se apresenta como mais um ponto de discussão possível para compreender o “problema penal”.

Essa aproximação entre Direito e Ciência Econômica pode ser explicada a partir do realismo jurídico, efervescente nos Estados Unidos da América nos anos de 1960, o qual postulava que o Direito tem caráter indeterminado e que as decisões judiciais não são resultado de aplicação mecânica da Lei. Decorrência disso, passou-se a exigir pragmatismo na atuação judicial. Neste cenário, a Análise Econômica do Direito (AED) apresentou-se como oportuna ferramenta de trabalho.

Conceitos emprestados da Ciência Econômica, como escassez dos recursos, escolha racional, maximização de bem-estar e interesse próprio, chamaram a atenção dos juristas para o fato de que os problemas não são resolvidos simplesmente com propostas legislativas.

Especificamente quanto ao Direito Penal, a confluência teve como principal expoente Gary Stanley Becker, ganhador do prêmio Nobel de Economia em 1992 por ter ampliado a análise microeconômica a áreas pouco usais. De fato, foi quem sistematizou a Teoria Econômica do Crime, embora já tivesse sido anunciada por autores clássicos no Século XVIII.

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Evidencia-se, de pronto, a razão pela escolha de Becker para direcionamento da crítica feita nesta pesquisa. Parece razoável que se a pretensão é analisar criticamente uma teoria, deve ser direcionada a quem melhor a representa, seja pela inovação técnica ou pela visibilidade alcançada.

Assim, não se desconhece que desde a publicação do artigo Crime and punishment:

an economic approach por Becker, diversos melhoramentos foram inseridos à teoria do

professor de Chicago. Contudo, o ponto sobre o qual recairá a reflexão das próximas páginas se destina especificamente à conclusão prática da teoria, ou seja, à análise da punição eficiente e, sobre este ponto, não há considerável divergência entre os demais autores representativos.

Todo o texto da Dissertação é conduzido por uma linha criminológica. Ao apresentar Beccaria, Bentham e Feuerbach como antecessores teóricos de Becker, a intenção é, além de identificar a base da Teoria Econômica do Crime (TEC), discorrer sobre o pensamento da Criminologia Clássica.

A outra base exposta para análise refere-se à seletividade do sistema penal. Significa dizer que há processos de escolha de determinados comportamentos e pessoas para serem criminalizadas, atribuindo tratamento diferente a partir de características específicas.

A aproximação das consequências da teoria de Becker é evidente, por exemplo, nas consequências da reparação do dano nos crimes econômicos e nos crimes comuns, resultando extinção da punibilidade e causa de diminuição de pena, respectivamente. Além disso, a desconfiança de que a população carcerária brasileira é composta, na sua grande maioria, por pessoas pobres, despertou o interesse de avaliar a aplicação da teoria de Becker à realidade nacional.

A TEC de Becker tem pelo menos dois propósitos evidentes: primeiramente, concebe o potencial criminoso como sujeito racional, o qual pondera os custos e benefícios envolvidos na atividade ilícita; ademais, com abordagem voltada à tomada de decisão no âmbito da Segurança Pública, destaca as razões pelas quais a pena de multa deve ser tida como pena principal, reservando a prisão e outras penas somente diante da impossibilidade de punição com multa. Essas situações estão ligadas à insolvência do devedor, seja porque violou bem jurídico de impossível reparação, seja porque, ainda que reparável, o delinquente não tenha recursos suficientes para pagamento da multa aplicada.

O problema lançado, aqui, consiste em verificar se a consequência prática da TEC de Becker, ao identificar a forma ótima de combate à criminalidade e reservar a pena privativa de

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liberdade para casos de insolvência do agressor (seja porque o bem jurídico não pode ser reparado, seja pela impossibilidade de recursos para reparar o dano) reforça a seletividade já existente no sistema penal.

Para o atingimento do objetivo geral de verificar se há, de fato, reforço à seletividade do sistema penal na TEC de Becker, discorre-se acerca da TEC, apontando para o que foi desenvolvido pelo autor americano, e detalha-se os processos de criminalização que conduzem à seletividade do sistema penal. Essas bases, necessárias à construção do raciocínio desta investigação, são organizadas em capítulos respectivos.

O Capítulo 1 serve para a apresentação do marco teórico, destacando-se os principais pressupostos da AED, bem como a apresentação de autores e teorias abordados ao longo do texto, dentre os quais se destacam Ronald Coase (Teorema de Coase), Vilfredo Pareto (Superioridade e Ótimo de Pareto), Nicholas Kaldor e John Hicks (Critério Kaldor-Hicks) e Everton das Neves Gonçalves (Princípio da Eficiência Econômico-Social).

Aproximando o discurso da AED do Direito Penal, o Capítulo ainda apresenta os principais pensamentos de Cesare Beccaria, Jeremy Bentham e Anselm von Feuerbach, naquilo que se ligam com o objetivo geral proposto. Nesse ponto, embora o próprio Becker tenha feito referência explícita a Beccaria e Bentham como autores que já haviam tratado as ideias que desenvolveu, e talvez por isso sejam os autores utilizados quando a pretensão é reconstruir a TEC, inclui-se entre os antecessores teóricos o alemão Feuerbach.

Não se pretende estabelecer ligação direta entre Becker e Feuerbach, mas é possível identificar elementos de aproximação, os quais, embora não tenham sido referenciados por Becker, são igualmente úteis para explicar o tema, notadamente a partir da teoria da coação psicológica.

As proposições de Beccaria são apresentadas como reação à forma pela qual os delitos e as penas eram tratados no Século XVIII. A utilização simbólica das penas, como instrumento de exercício do poder de graça do soberano, bem como a discricionariedade com a qual o Direito Penal era aplicado, motivou-o a advogar a necessidade de previsibilidade das consequências dos delitos. Somente com consequências bem estabelecidas seria possível condicionar o comportamento humano.

Ademais, a noção contratualista que permeia a sua reflexão o faz conceber a pena limitada pela estrita necessidade de manter o contrato social, sendo o excesso tido como

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arbítrio, e não justiça. É ainda possível encontrar bases para teorias como a da dissuasão marginal, desenvolvida por Posner séculos depois. Por noções como essas é que o resgate de Beccaria se mostra imprescindível ao desenvolvimento desta pesquisa.

A reanálise das obras de Bentham se justifica, principalmente, pela consolidação do princípio da utilidade. A relação entre dor e prazer, que o autor inglês apontou como condicionantes do comportamento humano, corresponde aos custos e benefícios descritos na Teoria Econômica do Crime.

Se a história do pensamento criminológico apresenta explicações patológicas e sociológicas para o comportamento criminoso, Bentham anunciava-o como atitude possível de ser praticada por qualquer pessoa, bastando que o prazer obtido fosse maior do que a dor esperada. Com aportes sempre utilitaristas estava, pois, lançada a base da qual Becker se valeria. Ademais, as situações nas quais o autor inglês ressalta não se deva punir são utilizadas, no Capítulo 3, para subsidiar a aplicação do princípio da intervenção mínima do Direito Penal.

Ainda na esteira do “pensamento clássico”, apresenta-se a teoria da coação psicológica de Feuerbach, a qual propõe deva haver harmonia entre a ameaça e a punição efetiva para que a promessa legislativa não se torne um vazio, sendo evidenciada por representar duas das variáveis utilizadas por Becker: probabilidade de condenação e pena legalmente esperada.

O Capítulo 2 ocupa-se de apresentar a variável dependente da pesquisa: a seletividade do sistema penal. Para tanto, envereda-se pelo pensamento criminológico desde a Escola Positiva, passando pela Criminologia da Reação Social, Criminologia do Conflito e Criminologia Crítica.

O pensamento criminológico da Escola Positiva é apresentado pelos autores mais representativos: Lombroso, Ferri e Garófalo, destacando-se, em relação ao primeiro, a construção do “homem delinquente”, quanto ao segundo, a noção de defesa social e, finalmente, no que se refere a Garófalo, dá-se ênfase à construção do conceito de delito natural.

Assevera-se como, para a Escola Positiva, o comportamento criminoso é naturalmente distinto do comportamento não criminoso, esteja a explicação no determinismo biológico de Lombroso, nos fatores sociais de Ferri ou na ausência do senso moral de Garófalo. Ainda no Capítulo 2 é feita comparação entre os principais postulados da

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Criminologia Positiva e da Teoria Econômica do Crime. A relação é importante por se tratarem de teorias etiológicas com pretensão de explicar o comportamento criminoso.

A mudança de paradigma no estudo das questões relacionadas ao crime somente foi proporcionada na década de 60 do Século XX, pela construção da Criminologia da Reação Social, especificamente pelas bases lançadas com o labeling approach. A partir de tal momento houve deslocamento do objeto de estudo, alterando-se o paradigma etiológico vigente.

Evidencia-se como o interacionismo simbólico teve repercussão no campo da criminologia através das teorias da reação social. Contudo, se por um lado destacou-se a relevância do controle social para definição do comportamento desviante ao desconsiderar o consenso, por outro, deixou-se de destacar a estrutura social em que ocorre o controle e o desvio.

É a partir dessa limitação que se destaca a Criminologia Crítica, última etapa da reconstrução do pensamento criminológico nesta Dissertação. Se o labeling approach teve como ponto de chegada a denúncia acerca da construção do desvio, desabilitando o paradigma etiológico dominante, a Criminologia Crítica transformou referido ponto de chegada em novo ponto de partida.

Somente a partir dessa base criminológica apresenta-se a seletividade do sistema penal, evidente tanto no momento de criminalização primária quanto no momento de criminalização secundária. E, além desta classificação, apresenta-se a seletividade quantitativa e qualitativa, tal como definido por Vera Regina Pereira de Andrade.

O Capítulo 3 é reservado à consolidação das discussões esboçadas nos Capítulos 1 e 2. Neste momento, tendo sido apresentados aspectos acerca da Teoria Econômica do Crime e da seletividade do sistema penal, é possível passar a identificar resposta ao problema de pesquisa formulado: a Teoria Econômica do Crime de Becker reforça a seletividade do sistema penal?

Demonstra-se neste Capítulo as razões pelas quais Becker propõe a utilização da pena de multa como pena principal, reservando-se a pena privativa de liberdade para os casos de impossibilidade de composição do dano causado, incluídos tanto os relacionados à vítima quanto ao Estado.

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Aprofundam-se as discussões que envolvem a busca da eficiência no âmbito do Direito Penal, demonstrando-se a importância da imposição de limites à empreitada. Estes limites podem ser definidos com a consideração do Princípio da Eficiência Econômico-Social (PEES). A inclusão de reflexos sociais nas tomadas de decisão, ou mesmo a consideração de garantias individuais, faz com que, em alguns casos, a intervenção penal seja ineficiente diante do alto preço das garantias possivelmente violadas.

O terceiro e último Capítulo problematiza, com abordagem própria da TEC, o princípio da coculpabilidade. Neste ponto, adverte-se que reservar a pena privativa de liberdade para os casos de insolvência revela uma coculpabilidade invertida, posto que em lugar de mitigar a incidência punitiva pelo compartilhamento de responsabilidade do Estado com os criminalizados, impõe-se medida mais gravosa, que é a prisão.

A partir de análise dos dados referentes ao sistema prisional brasileiro, verifica-se que a maior parte dos presos pertencem à classe economicamente baixa, evidência que colocaria, para a realidade nacional, como pena principal, a prisão, já que a grande maioria desses presos não teria condições de pagar as multas impostas. Assim, denuncia-se a existência de “novo” processo de seletividade, ao qual se chama seletividade econômica do sistema penal, evidenciando-se as desigualdades que já são características do Direito Penal.

Como proposta de solução advoga-se a retomada do princípio subsidiariedade do Direito Penal. A partir de pressupostos próprios da TEC, sustenta-se que se um fato tem reprovabilidade suficiente para ser compensado exclusivamente com o pagamento de multa, não cumpre o nível de especialidade necessário para exigir a intervenção do Direito Penal.

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2 A TEORIA ECONÔMICA DO CRIME 2.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Este capítulo terá natureza marcadamente descritiva. Isso porque para a verificação da hipótese da investigação é necessário compreender as duas variáveis inerentes à delimitação do tema: Teoria Econômica do Crime (TEC) de Gary Becker e seletividade do sistema penal. Exatamente sobre a primeira versará o Capítulo 1.

Nas linhas que se seguem serão expostos os principais pressupostos inerentes à Análise Econômica do Direito, por ser gênero da espécie aqui abordada. Nesse caminho, o raciocínio será construído a partir de autores clássicos como Ronald Coase, Richard Posner, Vilfredo Pareto, Nicholas Kaldor e John Hicks. Cada um desses autores teve contribuição marcante para a consolidação do pensamento a ser exposto.

Acerca do pensamento clássico do Direito Penal que serviu de base para a teorização de Becker, a presente pesquisa, excedendo a expressa referência que o autor americano faz a Beccaria e Bentham, encontrou em Feuerbach elementos com potencial de fundamentar o desenvolvimento do pensamento econômico do crime. Assim, embora a maior parte dos textos refiram-se exclusivamente a Beccaria e Bentham como antecessores teóricos de Becker, a apresentação da teoria da coação psicológica de Feuerbach é colocada como avanço do que tem sido desenvolvido nas pesquisas sobre o tema.

Especificamente sobre a Teoria Econômica do Crime de Gary Becker, além de desenvolver os principais pressupostos, serão apresentadas algumas críticas e limitações. Quanto à conclusão da teoria acerca da preferência à pena de multa, o tema será tratado somente no Capítulo 3.

2.2 ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO

As mudanças legislativas não têm o poder de modificar, por si só, o comportamento humano. A imposição de uma proibição, por exemplo, leva o sujeito à indagação se deve adaptar o seu comportamento e, em caso afirmativo, em qual direção. Para esta reflexão são consideradas as consequências das suas ações, se conformes ou disformes os comandos

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legislativos (MECKAAY; ROUSSEAU, 2015, p. 5). Esta é, grosso modo, a proposta da Análise Econômica do Direito (AED): proporcionar ferramental suficiente a identificar as consequências e as motivações das leis.1

Não se trata, absolutamente, de Direito Econômico. O estudo não se dá sobre a regulação das atividades econômicas, como concorrência e moeda - embora seja possível empregar a Análise Econômica do Direito para reflexão sobre tais temas. A eventual confusão pode ser suprimida com a concepção da AED como método, ao invés de objeto. Trata-se, portanto, da proposta de aplicação de conceitos econômicos na análise de questões concebidas como tipicamente jurídicas.

Conforme Gico (2016, p. 19):

[...] quando se fala em análise econômica não estamos nos referindo a um objeto de estudo específico (e.g. mercado, dinheiro, lucro), mas ao método de investigação aplicado ao problema, o método econômico, cujo objeto pode ser qualquer questão que envolva escolhas humanas.

O discurso de aproximação entre Direito e Ciência Econômica foi propiciado, em grande medida, pelo contexto intelectual do Século XX, que proporcionou nova visão do Direito denominada Realismo Jurídico.

Para Gico (2011, p. 7), o Realismo Jurídico tinha por principais funções demonstrar que: i) o direito é de caráter indeterminado, ou seja, não é possível oferecer a mesma resposta para casos análogos; ii) as decisões judiciais não resultam da aplicação mecânica da lei, sobretudo quando consideradas as externalidades que influenciam os juízes; iii) a partir deste reconhecimento, o juiz deveria ser mais pragmático na aplicação do direito, a fim de alcançar a plena eficácia social da norma jurídica.

Nesse caminho de surgimento até a consolidação da AED, Mackaay e Rousseau (2015, p. 9) destacam que há quatro fases no desenvolvimento da AED nos Estados Unidos da América (EUA): lançamento (1957-1972), aceitação do paradigma (1972-1980), debate sobre os fundamentos (1980-1982) e o movimento ampliado (a partir de 1982).

No primeiro momento notou-se movimento de economistas no sentido de aplicar conceitos e métodos próprios da Ciência Econômica a questões até então fora da sua área de

1 Mais precisamente, Queiroz e Gonçalves (2019, p. 62) destacam que “[...] a Ciência Econômica oferece, ao

operador do Direito, padrão útil (teoria comportamental) que permite avaliar se as leis e as políticas públicas estão servindo ao objetivo social a que se destinam e prever os efeitos que as normas jurídicas geram sobre o comportamento humano a partir de critérios científicos e de método amparado na eficiência.”

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concentração. Destacaram-se autores como Gary S. Becker (1958), escrevendo sobre a economia da discriminação, Buchanan e Tullock (1962), sobre a tomada de decisão política.

Em 1958 foi publicada a revista Journal of Law and Economics, da Universidade de Chicago. O destaque é dado para o economista Ronald H. Coase (1960), o qual, partindo da análise de The Economics of Welfare, escrito por Arthur Cecil Pigou em 1920, apresentou o que ficou conhecido como “Teorema de Coase” no The problem of social cost.

O segundo momento, de aceitação do paradigma, é caracterizado pelo surgimento de juristas estudando, ensinando e publicando sobre o tema. Em 1970 Calabresi escreveu sobre os “custos dos acidentes” e em 1972 Richard Allen Posner publicou o Economic analysis of

law, abordando diversas áreas do Direito com o paradigma da análise econômica.

Entre 1980 e 1982 tiveram espaço discussões sobre o paradigma proposto. A questão central era identificar qual a real contribuição da Análise Econômica para o Direito. É saber se ela efetivamente constituía uma teoria do direito. Duas correntes inevitavelmente se instalaram: i) a atribuição de direitos pode ser deduzida de considerações de eficácia; ii) para a definição de eficácia é necessário primeiramente fixar certos direitos fundamentais. Como observam Mackaay e Rousseau (2015, p. 12), é impossível dizer quem ganhou o debate.

A partir de 1982 o movimento ganhou cada vez mais espaço, atraindo diversos pesquisadores. Neste período, diversas Escolas se desenvolveram: os Institucionalistas, Neoinstitucionalistas, Escola Austríaca, Behavioral Law and Economics, Public Choice, entre outras.

Retomando a influência de Coase, o que estava posto até então era que se a ação de um sujeito gera efeitos indesejáveis a outro haverá uma externalidade negativa, ou seja, uma diferença entre o custo privado e o custo social. Identificado tal fenômeno, caberia ao Governo corrigir essa má alocação de recursos. (MACKAAY; ROUSSEAU, 2015, p. 10).

Coase, diferentemente, entendia que não havia, necessariamente, má alocação dos recursos, uma vez que as partes envolvidas poderiam ajustar os seus interesses e dispor sobre os ônus envolvidos. A parte sobre quem recaiam as externalidades negativas poderia estar disposta a aceitar o ônus de tal transação, desde que fosse compensada suficientemente. Do mesmo modo, a parte ativa, que impunha o ônus à outra, poderia estar disposta a pagar compensação, desde que pudesse exercer a sua atividade.

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Assim, quando as transações ocorrem sem custo, tanto faz para quem o Direito vai ser adjudicado, uma vez que as decisões judiciais não terão efeito na alocação dos recursos. Contudo, quando os custos das transações forem altos, é importante que os direitos das partes estejam bem definidos, tornando as decisões judiciais essenciais (COASE, 1960, p. 15).

Pelo Teorema proposto, a absorção das externalidades será eficiente se realizada por quem possui melhores condições de arcar com os ônus, ao invés de imputá-las simplesmente a quem deu causa.

A análise do Direito a partir da Ciência Econômica, como proposta por Coase, considera a necessidade de se tomar decisões analisando os custos envolvidos por considerar que estas terão consequências. A análise é necessária devido à finitude dos recursos dos quais depende a satisfação dos interesses das pessoas, ou, no dizer dos economistas, devido à sua escassez.2

A Ciência Econômica3 é definida como a “ciência da eleição racional em um mundo

onde os recursos são limitados em relação às necessidades humanas.” (POSNER, 2010, p. 25). Ou, na leitura de Petter (2005, p. 30), referida ciência estuda a melhor alocação possível dos recursos escassos entre usos alternativos e fins competitivos. De forma objetiva, Nusdeo (2001, p. 28) a define como a administração da escassez.

A partir de Coase é possível inferir que para a tomada de decisão é necessário que haja barganha entre os envolvidos, que considere o valor do que é obtido e o valor daquilo que é sacrificado para obtê-lo (trade-off). Isso porque há casos em que os custos para a satisfação de uma necessidade são tão elevados que desestimulam a sua persecução; em outros, os benefícios gerados pela satisfação são tão altos que compensam os sacrifícios realizados para a sua concretização.

2 Conforme observa Nishi (2019, p. 11), “[...]se os recursos não fossem escassos, não haveria necessidade de

estudar economia, uma vez que tudo o que desejássemos estaria a nossa disposição, e não haveria motivo para pagar pelos bens e serviços.”

3 Aqui se faz uma advertência que, embora conceitual, é importante para o posicionamento do tema no correto

campo do conhecimento. Adverte-se para o fato de que, para fins didáticos, a Ciência Econômica costuma ser dividida em Microeconomia e Macroeconomia. A Microeconomia é a parte da Ciência Econômica destinada a investigar a tomada de decisão entre os indivíduos, firmas e setores específicos, sendo seu método o de interesse no estudo da Análise Econômica do Direito. A Macroeconomia, por sua vez, diz respeito ao estudo dos fatores que acarretam crescimento econômico, geração de emprego e estabilidade de preços. Ademais, comumente tem-se na expressão “Economia” a (errônea) vinculação exclusiva ao dinheiro. Os postulados da Economia são aplicáveis a diversos tipos de recursos, dentre os quais o dinheiro é apenas um exemplo. A decisão de casar, ter um filho, tratar bem as pessoas, não ultrapassar o sinal vermelho, enfim, são, em alguma medida, econômicas, uma vez que envolvem escolhas racionais, a partir da escassez dos recursos envolvidos. Essa advertência é mais bem formulada por Gico (2011, p. 12).

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Considerando a existência de externalidades negativas que dificultam as trocas econômicas em mercado perfeito, estas podem ser resolvidas a partir das ponderações acima referidas, desde que os custos da transação sejam inexistentes ou irrisórios.4

Coase, de forma didática, expõe as suas premissas e conclusão a partir da análise do caso Sturges v Bridgman pelo qual um confeiteiro, ao utilizar o seu maquinário, impedia que um médico ocupante do prédio vizinho utilizasse uma de suas salas de consulta. O Tribunal garantiu ao médico o direito de impedir o confeiteiro de utilizar o seu maquinário.

Contudo, o caso poderia ter sido resolvido por meio de barganha entre as partes: o médico estaria satisfeito se o confeiteiro pagasse para ele valor maior do que a perda de renda pela não utilização da sala, pela mudança para outro local ou pela construção de outra parede que abafasse os ruídos e vibrações dos equipamentos. O confeiteiro estaria disposto a pagar desde que o valor fosse menor do que a queda na renda que ele sofreria pela mudança no modo de operação ou por se mudar para outro local. A solução, desta forma, estaria em saber se a utilização do maquinário acrescentaria mais renda ao confeiteiro do que diminuiria a do médico.

É possível ligar a situação de equilíbrio de Coase (quando os custos de transação sejam zero ou desconsideráveis) com o que Pareto desenvolveu nas teorias que ficaram conhecidas como Superioridade e Ótimo de Pareto.

Em 1906 Vilfredo Pareto escreveu Manuale di economia politica con una

introduzione alla scienza sociale, de onde é possível extrair duas críticas à Teoria da Utilidade

tradicional5, dada a impossibilidade de comparação entre sentimentos e sensações diferentes.

A primeira delas estava no fato de que tal comparação ignorava a existência de diferenças e conflitos na sociedade. Há situações em que é irracional colocar o bem-estar de pessoas em conflito em uma mesma equação. Para exemplificar essa dificuldade de comparação, Pareto (1996, p. 73-74) assevera que “a felicidade dos romanos encontrava-se na destruição de Cartago; a dos cartagineses talvez na destruição de Roma, em todo caso, na conservação da cidade. Como realizar a felicidade dos romanos e dos cartagineses?”

4 Para Pigou ocorreria falha de mercado sempre que os custos privados e sociais e benefícios privados e sociais

não estivessem em equilíbrio, o que resultaria em uma incorreta alocação de recursos.

5 A função da Utilidade para a Ciência Econômica tradicional era apresentada pela mensuração da quantidade de

utilidade em uma escala numérica. Sendo assim, seria possível a comparação de bem-estar entre dois ou mais indivíduos, bem como a agregação de utilidades individuais. Para aprofundar o estudo, ver Walras (1996).

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A segunda crítica residia no fato de a equação permitir comparações de conteúdo moral duvidoso em casos nos quais a satisfação de alguém dependa do sofrimento de outro. Pareto então questiona se a escravidão é moral ou não. Se considerar uma sociedade na qual os senhores são numerosos e os escravos são poucos, é possível que o bem-estar dos senhores forme uma soma maior do que as sensações de sofrimento dos escravos. Contudo, se os escravos são muitos e poucos os senhores, ocorreria o inverso. No primeiro caso, o fim da escravidão importaria uma diminuição do bem-estar da sociedade. (PARETO, 1996, p. 74).

Questionando a possibilidade tradicional de comparações interpessoais de utilidade, Pareto introduz o conceito ordinal de bem-estar social, segundo o qual somente seriam possíveis as comparações entre situações cuja mudança de uma para outra não resultasse em transferência de utilidade.6

A partir do conceito ordinal de bem-estar social, dois outros conceitos foram desenvolvidos pelo autor: a Superioridade de Pareto e o Ótimo de Pareto. Pelo primeiro, o bem-estar associado a uma situação X é maior do que o bem-estar associado a uma situação Y se em X há pelo menos um indivíduo com bem-estar maior do que os de Y e não há outro indivíduo que tenha um nível de bem-estar inferior. Disso resulta o Ótimo de Pareto: situação na qual o bem-estar será máximo quando não for mais possível aumentar o bem-estar de um indivíduo sem diminuir o dos demais (equilíbrio).

Criticando a pouca utilidade prática desta teoria, dada a dificuldade de se encontrar o ponto de equilíbrio em que as partes deixarão de fazer trocas devido ao atingimento da melhor situação para todos, Nicholas Kaldor (1939) e John Hicks (1939) desenvolveram, separadamente, o que depois ficou conhecido como critério Kaldor-Hicks, partindo da ideia de que nas transações sempre haverá ganhadores e perdedores.

Assim, atingido o Ótimo de Pareto, é possível ainda fazer trocas, desde que a parte cujo bem-estar sofreu redução possa ser compensada (pelo menos potencialmente). Pelo

6 Paraaprofundar a pesquisa sobre a crítica à utilização do conceito de bem-estar pelos clássicos, ver Scitovszky

(1941, p. 77-88). O autor esclarece a diferenciação que há na Teoria Econômica entre a economia positiva, preocupada com o funcionamento do sistema econômico, e a economia do bem-estar social, servindo de prescrição à política. Este segundo viés, cujo objetivo é testar a eficiência das instituições econômicas em fazer uso dos recursos produtivos em comunidade foi deixado em segundo plano pela impossibilidade de comparação interpessoal. Os recursos produtivos eram vistos pelos clássicos como de quantidade fixa, sendo a eficiência verificada a partir da capacidade de alocar recursos numa comunidade fechada de pleno emprego, de concorrência perfeita e livre comércio. Desta forma, para verificar a eficiência, as taxas de substituição dos produtos eram consideradas iguais em todos os lugares e para todas as pessoas. Somente assim seria possível identificar o ponto máximo de elevação da satisfação de uma pessoa sem que importasse em diminuição da de outra pessoa.

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critério Kaldor-Hicks, um estado de coisas é eficiente em relação a outro se no final das transações a valorização da nova posição de um for maior do que o prejuízo da outra.

Tem-se neste ponto uma das diferenças entre os dois critérios de eficiência: enquanto para Pareto a compensação deveria ser efetiva, pelo critério Kaldor-Hicks exige-se a potencialidade de compensação. (COOTER; ULEN, 2010, p. 65).

Contudo, os critérios até aqui expostos não consideraram, necessariamente, nos cálculos, as externalidades sociais envolvidas nas transações, o que permitiu que Gonçalves e Stelzer desenvolvessem o Princípio da Eficiência Econômico-Social (PEES).

Defendendo a utilização de um olhar multi e interdisciplinar ao Direito enquanto disciplinador das relações sociais, os autores identificaram a contribuição da Economia – como ciência analítica por natureza – na persecução desse objetivo na medida em que “proporciona a metodologia necessária para quantificar interesses, analisar procedimentos e indicar soluções com tendências probabilísticas que levem à dissipação de conflitos e à satisfação das necessidades, bem como à elaboração legislativa.” (GONÇALVES; STELZER, 2014, p. 269).

O trabalho dos autores propõe exatamente a possibilidade de leitura do Direito de forma multidisciplinar, considerando as contribuições dos fundamentos da Microeconomia para a tomada de decisão individual, bem como para as decisões do Estado na gestão dos recursos públicos, escassos por natureza.

A proposta compartilhada pelos autores da Análise Econômica do Direito é a de apresentar novo critério de Justiça que não seja aleatório ou sujeito a injunções político-ideológicas além das estritas regras maximizadoras de resultado em mercado que, para eles, é antes de tudo espaço social de inclusão.

Segundo Gonçalves e Stelzer (2014, p. 268), o modelo jurídico-legal, sob o prisma da Análise Econômica do Direito, “volta-se para o futuro de forma a influir a ação dos indivíduos através de conjunto de incentivos e obstáculos.” Nesse sentido, Posner (2007, p. 25) afirma que o homem procura sempre de forma racional aumentar ao máximo aquilo que chama de “interés propio”.

O PEES propõe nova interação entre Direito e Ciência Econômica para persecução da eficiência. Contudo, devem necessariamente ser consideradas no cálculo econométrico as externalidades sociais. Segundo os autores:

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Trata-se da elaboração e aplicação da norma de forma economicamente eficiente, maximizando-se resultados esperados quando da adjudicação de direitos ou da determinação de obrigações, conforme caráter recíproco das ações e interesses, porém, considerando o reflexo social e o custo externo imposto à sociedade presente; ou mesmo, futura, de forma a serem compensadas, na totalidade, os prejuízos impostos pelo ganho presente das partes envolvidas. (GONÇALVES; STELZER, 2013, p. 141).

Pelo PEES, a distributividade, a justiça social, a defesa do meio ambiente, a erradicação do desemprego, dentre outros fatores com reflexos sociais, devem ser internalizados e equacionados na análise econômica a ser feita pelo legislador e pelo operador do Direito.

Assim, agregavam-se à AED elementos que minimizam a crítica da busca de uma desenfreada eficiência. Agora, a partir do PEES, a eficiência não é mais simplesmente numérica. Diferentemente, é indispensável que se leve em consideração as consequências das decisões tomadas, avaliando o seu potencial de benefício à sociedade presente e futura.

Embora a Análise Econômica do Direito, enquanto pensamento organizado, tenha sido evidenciada a partir da década de 1960, no que se refere ao Direito Penal há discussões anteriores que servem de base para a construção do pensamento. Por isso é relevante para o presente trabalho a identificação de pensamento econômico nos chamados autores Clássicos, conforme apontado adiante.

2.3 O PENSAMENTO ECONÔMICO NOS CLÁSSICOS DO DIREITO PENAL

A história do Direito Penal pode ser vista como uma longa fuga da vingança (SBRICCOLI, 2011, p. 459). A substantivação do termo “penal” feita por Mario Sbriccoli demonstra que não se trata de um problema resolvido. Diferentemente, está em constante evolução, refletindo os diversos pontos de tensão do momento político e social no qual está inserido.

Os campos de tensão que se apresentavam no período da Idade Média, por exemplo, do ponto de vista da finalidade da justiça, eram a dialética entre justiça negociada e hegemônica; da perspectiva da estrutura do procedimento, a dialética entre acusatório e inquisitório; e do ponto de vista da natureza das regras, a dialética entre ordinário e extraordinário. (MECCARELLI, 2009, p. 309).

(29)

Ainda nesse período, importante destacar a posição central ocupada pelo juiz na ius

commune. Meccarelli (2009, p. 319) adverte que embora se associe a atuação destacada do

juiz ao modo inquisitório, na verdade ele está em todas as dialéticas apontadas acima, uma vez que é responsável por coordenar todos estes dualismos estruturantes.

Foi nesse estágio que o Direito Penal deixou a função exclusiva de vingança para assumir função de civilização, sendo o restabelecimento da harmonia social o bem comum pretendido. No Século XVI, a Europa, principalmente Itália e Espanha, conheceu nova concepção do penal, assumindo novo paradigma de infração política, o que resultou na sua expansão. Houve deslocamento da relevância “do penal” do plano do dano para o plano da desobediência. A simples violação de uma obrigação ou desobediência de uma regra era vista como perigosa forma de indisciplina.

O Processo Penal, para apuração de tais violações, era um processo pensado para o inimigo, para a perseguição da heterodoxia religiosa e da oposição política. A repressão e o combate ao crime representavam o fazer Justiça. Sbriccoli (2011, p. 468-469) destaca alguns efeitos dessa mudança.

Primeiro, a mudança de paradigma reflete no próprio Direito Penal substancial com a tendência de transformação de princípios em leis gerais, como ocorreu com o Constitutio

Criminalis Carolina, promulgada por Carlos V em 1532, para os territórios do Império e a Ordennance Criminelle, na França, em 1670. Esta mudança afasta ainda mais a justiça

negociada, característica da Idade Média.

Em segundo lugar, a finalidade de harmonização social reforçou uma postura orientada à prevenção geral com função pedagógico-moralista. Contribuiu para esse posicionamento a concepção de infração política e o fato de a divergência religiosa e o desvio moral passarem a ser objeto de atenção do penal.

Sobre esse período Hespanha (2015, p. 606) esclarece que os delitos representavam ofensa à paz pública, sendo função do Direito Penal o seu restabelecimento. Os delitos eram considerados atos maus, praticados por homens maus. A questão era colocada desta forma para afastar a crítica de que era o próprio ato do príncipe que definia os criminosos.

Para cumprir a sua função, o Direito Penal precisava ser conhecido, o que seria possível com a elaboração de normas, tendência do período. Ressalte-se que este momento não se confunde com o surgimento do princípio da legalidade, o que vai ocorrer apenas no

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Século XIX. A finalidade aqui não era proteger os sujeitos de arbitrariedades. Diferentemente, servia para destacar a gravidade do desrespeito do criminoso pelo direito da sociedade, justificativa necessária para o exercício do poder punitivo.

O Direito Penal, comumente, ameaçava com dureza, mas o processo o desativava, desempenhando uma função muito mais simbólica do que disciplinar. As penas tinham a função de exercitar o perdão do soberano. Com a graça, o Rei afirmava-se como pastor e pai. Assim, havia a finalidade do temor pela promessa de punição e da clemência, pela graça.

No pensamento de “evolução” do Direito Penal, precisava-se abandonar o papel simbólico na sociedade para assumir papel concreto, de modelamento do comportamento social, o que seria proporcionado pelo uso racional dos institutos.

O humanitarismo, proporcionalismo e utilitarismo, princípios do Iluminismo Penal, estavam associados diretamente a essa necessidade de atribuir efetividade e razão para o problema penal: a previsão de penas brutais, a utilização do sistema penal para o exercício da graça do soberano, além de outros fatores, eram determinantes para a pouca efetividade no exercício do poder punitivo.

A existência de penas draconianas abria espaço para o exercício da clemência tanto ao soberano quanto ao juiz na sua aplicação. Exatamente contra isso pregavam os reformadores; não contra o uso humanitário da pena, mas quanto ao meio pelo qual a pena seria humanizada: se pela reflexão individual do aplicador ou de forma geral, pelo legislador.

Nesse contexto de atribuição de efetividade à pena, o caráter preventivo passa a ser o norteador do sistema penal. Somente por meio de uma previsão clara das consequências do comportamento o sujeito poderia ponderar as suas decisões. Nascia, assim, a base do pensamento econômico acerca do crime.

Algumas dessas discussões hoje parecem óbvias e amplamente aceitas, outras ainda são tratadas com reticência. De todo modo, embora façam parte dos debates atuais sobre o

penal, foram concebidas em momento social e cultural absolutamente distinto do presente, o

que reveste os autores de brilho ainda maior. Dentre tantos autores de destaque, nos quais se poderia encontrar elementos úteis à construção da Teoria Econômica do Crime, serão apresentados três, destacados pela originalidade das suas ponderações e pela proximidade à teoria de Gary Becker7: Beccaria, Bentham e Feuerbach8.

7 O próprio Becker faz referência a Beccaria e Bentham: “Para que o leitor não seja repelido pela aparente

novidade na aplicação de uma moldura “econômica” à análise de comportamentos ilegais, deixe-o recordar que dois importantes artífices da criminologia durante os séculos XVIII e XIX, Beccaria e Bentham, explicitamente aplicaram um cálculo econômico. Infelizmente, essa abordagem perdeu prestígio nos últimos cem anos, e meus

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2.3.1 Análise Econômica do Crime em Cesare Beccaria

A reação contra os arbítrios dos soberanos, amplamente denunciados pelos iluministas e rapidamente pontuada acima, ganhou maior destaque com a obra de Cesare Bonesana, conhecido como marquês de Beccaria (1738-1794). O autor italiano precisou de apenas uma obra para firmar as bases de um Direito Penal revolucionário: o tratado “Dos delitos e das penas”, publicado em 1764 pela primeira vez.

Anitua (2008, p. 161) pontua a rejeição que os juristas das universidades e da magistratura tiverem em relação ao livro do marquês, por considerá-lo perigoso e revolucionário, sujeito ao pecado do socialismo. Um dos resultados dessa crítica foi a sua manutenção, pela Igreja Católica, no Índice de proibição inquisitorial pelo período de 200 anos.

Assim, o jovem milanês, que tinha 25 anos de idade quando escreveu a sua obra, acendia discussões absolutamente tecnológicas para a sua época (e igualmente relevantes contemporaneamente), as quais seriam resgatadas por Gary Becker séculos depois. Vale destacar, contudo, a advertência feita por Bruno (1967, p. 81), no sentido de que o tratado “Dos delitos e das penas” nasceu em contexto filosófico. De fato, as preocupações eram muito mais filosóficas do que de dogmática penal.

É notória a base contratualista de partida de Cesare Beccaria. As primeiras linhas do texto são dedicadas à definição dos limites (no sentido de medida) do poder punitivo. Para o autor, a origem das penas está no contrato social e na necessidade de defendê-lo dos ataques dos particulares. Este novo Direito Penal é, portanto, concebido como o conjunto das porções de liberdade cedidas por todos para proteção da parte maior da liberdade de cada um.

Exatamente por isso o novo significado que se procurava atribuir ao Direito Penal estava ligado intimamente à descoberta de uma finalidade. Portanto, todo exercício de poder que se afastasse dessa base era tido como abuso e não justiça. (BECCARIA, 2001, p. 28). Não

esforços podem ser vistos como uma ressurreição, modernização e, portanto – eu espero –, uma melhora desses

estudos pioneiros. “ (BECKER, 1974, p. 45).

8 A escolha de Feuerbach justifica-se por representar discurso alinhado às bases encontradas por Becker em

Beccaria e Bentham. Ademais, considerando que a maior parte dos textos que apresentam os clássicos como prenúncio daquilo que Becker sistematizou refere-se apenas a Beccaria e Bentham, tem-se como avanço das pesquisas, e ampliação do comum recorte epistemológico, a inclusão do autor alemão na gênese do pensamento que resultou na teoria econômica do crime.

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há, pois, fundamento místico, moral ou divino para a pena e para a justiça. Para ser justa, a pena deverá ser útil.

A compreensão da necessidade e utilidade condiciona o fim pretendido com a pena. Se utilizada com o objetivo de manutenção do pacto social, a pena não pode se travestir de vingança. Deste modo, para Beccaria, a pena deve ter a medida mínima necessária para impedir o réu de praticar novos delitos e convencer os outros a abster-se da mesma prática. O critério para medir a extensão da pena não é, portanto, a intenção do agente ou a gravidade da lesão, mas a extensão do dano resultante do crime.

Cesare Beccaria reclamava fossem as leis claras e precisas, de modo a excluir a atuação interpretativa do juiz, devendo aplicá-la nos seus termos específicos, combatendo-se o arbítrio da justiça penal da época. Esta limitação pretendida alcançava tanto a atuação judicial (limitados pela lei), quanto o legislador (limitado pela necessidade social). Tudo isso constitui a base da certeza da qual depende o Direito Penal. A certeza da punição é uma das variáveis utilizadas por Becker para construir a sua equação matemática sobre a quantidade de crimes, a qual será apresentada adiante.

A racionalidade do criminoso ou potencial criminoso é notória no decorrer do texto de Beccaria. A própria previsibilidade das punições, livre dos arbítrios judiciais, o que depois ficaria conhecido como princípio da legalidade, tinha a finalidade de permitir ao sujeito determinar-se pelas consequências do seu comportamento. Não é outra a razão de o autor sugerir que os crimes tentados fossem punidos com menor rigor do que os crimes consumados, de modo que sempre houvesse estímulo à desistência do agente em praticar o delito.

Uma vez que o crime já foi cometido, afirmava Beccaria (2001, p. 24), nada poderá mudar isso. O empenho deverá ser no sentido prevenir novos crimes, tanto pelo criminoso quanto pelos potenciais criminosos. Por isso, “os castigos têm por fim único impedir o culpado de ser nocivo futuramente à sociedade e desviar seus concidadãos da senda do crime”. (BECCARIA, 2001, p. 85).

Nesta pequena citação ficam evidentes os objetivos de prevenção geral e específica a serem alcançados com a pena. É essa a finalidade pretendida. A submissão do delinquente a sofrimento puro é inútil. Precisa-se, com a pena, desestimular o homem, que age subordinado à dor e ao prazer, de cometer crimes. Tem-se aqui, portanto, a medida da pena para Beccaria. Dentre todas as penas possíveis, deve-se escolher aquelas que causem maior efeito no espírito público e menor sofrimento no corpo do culpado.

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É nesse caminho que demonstra desaprovação acerca da pena de morte. Conforme evidencia, quanto mais rigorosos forem os castigos, tanto mais ardiloso será o delinquente para ocultá-los dos olhos da Justiça, não se furtando de cometer novos crimes para dissimular os anteriores.

Nesse percurso de condução de teorias clássicas até o desenvolvimento da moderna Teoria Econômica do Crime é relevante destacar a afirmação de Beccaria (2001, p. 87) de que “para que o castigo produza o efeito que dele se deve esperar, basta que o mal que causa ultrapasse o bem que o culpado retirou do crime”. O pensamento, repetido por Bentham, corresponde à máxima hodierna de que “o crime não deve compensar”9. No fim, é isso que

procura a Teoria Econômica do Crime com as suas elaborações econômicas e matemáticas. Outro ponto que precisa ser evidenciado é o que se refere à certeza da punição. É característica de autores iluministas a crítica à utilização simbólica do poder punitivo. Beccaria escreve em um momento de manifesto exercício da graça do soberano por meio da promessa de rigorosas penas. Conforme define, “os males que os homens conhecem por funesta experiência regularão melhor a sua conduta do que aqueles que eles ignoram”. (BECCARIA, 2001, p. 87).

A partir de Gary Becker a probabilidade de detecção e condenação é variável a ser ponderada pelo potencial criminoso. Aqui fica evidente a base do insight de Becker. Ora,

ceteris paribus, se há previsão de uma pena rigorosa, mas com pouca probabilidade de

aplicação, esta exercerá menor influência sobre o sujeito do que outra menos rigorosa, mas com maior probabilidade de ser aplicada.

Outra preocupação de Beccaria foi reverberada na moderna construção da Teoria Econômica do Crime, desta vez com referência a Posner. O autor italiano, discutindo a proporcionalidade entre os delitos e as penas, destaca que deve haver um limite para a intensidade do castigo, se não pela própria sensibilidade humana, pela necessidade de punir crimes mais graves com penas mais graves, de modo a desestimular o cometimento destes. A isso Posner (2007, p. 354) dá o nome de dissuasão marginal: o incentivo para substituir os delitos mais graves pelos menos graves.

9 Posner (2007, p. 349) adverte que “uma pessoa comete um delito porque os benefícios esperados para ela

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O raciocínio é o seguinte: supondo a intenção de reduzir a quantidade de latrocínios em determinado local, uma das soluções poderia ser aumentar a pena do roubo ao máximo possível. Tal medida, embora inicialmente dissuadisse a prática dos roubos e, por via de consequência, a de latrocínios, violaria o princípio da dissuasão marginal, uma vez que, não havendo pena maior a ser aplicada ao latrocínio, aumentaria a probabilidade de que as vítimas dos roubos fossem assassinadas.

É também interessante identificar os fundamentos pelos quais Beccaria posiciona-se contra a pena de morte. Além de uma justificação filosófica, notadamente por influência contratualista, na medida em que para o autor não seria razoável aceitar que o preço da liberdade cedida pudesse ser a própria vida, há uma justificação racional própria da Teoria Econômica do Crime.

A máxima de que o crime não deve compensar, lida apressadamente, pode levar à conclusão de que o maior custo possível para o indivíduo é o perdimento da própria vida. Contudo, numa análise comportamental bastante apropriada, Beccaria (2001, p. 92) ressalta que a duração exerce maior efeito sobre o criminoso (e potencial criminoso) do que a intensidade da pena.

É ponto de discussão na contemporânea Teoria Econômica do Crime a análise sobre qual das variáveis exerce maior influência no espírito humano: a pena esperada pelo delito ou a certeza da punição. É de se ponderar se o maior efeito dissuasório ocorre quando o sujeito é ameaçado com uma pena grave, mas pouco efetiva, ou com uma pena menos grave, mas com maior probabilidade de aplicação.

Sobre essa análise Beccaria (2001, p. 113) posiciona-se:

não é o rigor do suplício que previne o homem com mais segurança, mas a certeza do castigo [...]. A perspectiva de um castigo moderado, mas inevitável causará sempre uma impressão mais forte do que o vago temor de um suplício terrível, em relação ao qual se apresenta alguma esperança de impunidade.

A abordagem utilitarista de Beccaria, que permeia todo o tratado, fica evidente quando diz que a dor e o prazer são os dois grandes motores dos seres vivos. (BECCARIA, 2001, p. 213). Esta referência será o ponto de partida de várias das reflexões de Bentham. De todo modo, o que é importante destacar, aqui, é a advocacia do autor quanto à necessidade de que delitos e penas guardem relação de proporcionalidade.

Conforme assevera, o interesse social não é somente que menos crimes sejam cometidos. Anseia-se, ainda, que os crimes mais graves sejam mais raros. Para Beccaria, tal

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