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Intercom

Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação

Presidente: Marialva Barbosa Vice-presidente: Ana Sílvia Médola

Diretor financeiro: Fernando Ferreira de Almeida Diretora administrativa: Sônia Jaconi

Diretora científica: Iluska Coutinho Diretora cultural: Adriana dos Santos Diretor editorial: Felipe Pena

Diretora de comunicação: Ana Paula Goulart Diretora de projetos: Tassiara Camatti

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Florianópolis

2017 EDITORA INSULAR

Eduardo Meditsch e Juliana Gobbi Betti

organizadores da tradução brasileira

Mario Kaplún

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K17p Kaplún, Mario

Produção de Programas de Rádio, do roteiro à direção. Mario Kaplún. Eduardo Meditsch e Juliana Gobbi Betti (Organizadores). São Paulo: Intercom, Florianópolis : Insular, 2017.

436 p.: il.

ISBN 978-85-524-0027-1

1. Rádio 2. Produção 3. Roteiro 4. Direção I. Título

CDD 070.41 Editora Insular Editora Insular (48) 3232-9591 editora@insular.com.br twitter.com/EditoraInsular www.insular.com.br facebook.com/EditoraInsular Editor

Nelson Rolim de Moura Capa

Mauro Ferreira Projeto gráfico Carlos Serrao Revisão da tradução Doris Fagundes Haussen, Eduardo Meditsch, Sonia Virgínia Moreira

Insular Livros Rua Antonio Carlos Ferreira, 537

Bairro Agronômica Florianópolis/SC – CEP 88025-210

(48) 3334-2729 insularlivros@gmail.com

Título original: Producción de Programas de Radio. El guión, la realización

Mario Kaplún

Tradução

Antonio Francisco Magnoni, Bibiana De Paula Friderichs, Debora Cristina Lopez, Juliana Gobbi Betti, Juliana Gomes, Luciano Klöckner, Luiz Artur Ferraretto, Maria Cláudia Santos, Nair Prata,

Nélia Del Bianco, Patrícia Rangel,

Valci Regina Mousquer Zuculoto, Wanir Campelo,

Wellington Leite. Eduardo Meditsch e Juliana Gobbi Betti (Organização)

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Sumário

Apresentação ... 10

Nair Prata Prefácio à edição brasileira – “As experiências não se inventam, se vivem” ... 13

Doris Fagundes Haussen e Sonia Virgínia Moreira Nota dos organizadores da tradução brasileira ... 15

Eduardo Meditsch e Juliana Gobbi Betti Parte I Pedagogia do Rádio ... 17

Capítulo 1 – O rádio como instrumento de educação popular ... 18

1. Rádio, para quê? ... 18

2. Educar, para quê? ... 26

Capítulo 2 – A natureza do meio ... 44

1. A especificidade do meio radiofônico ... 44

2. Limitações do rádio ... 46

3. As possibilidades, os recursos ... 56

4. O roteiro radiofônico criativo ... 70

Capítulo 3 – A linguagem radiofônica ... 75

1. Código ... 75

2. Decodificação ... 84

Capítulo 4 — Outros fatores básicos da comunicação ... 90

1. O ruído na comunicação ... 90

2. Redundância ...105

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Parte II

A técnica radiofônica ...118

Capítulo 5 – Os Formatos Radiofônicos ...119

1. Doze formatos básicos ...120

2. A prática dos formatos ...141

Capítulo 6 – Música, Som, Efeitos ...152

1. A música ...152

2. Os sons ...163

3. Outros recursos técnicos ...180

Capítulo 7 – A informação no rádio ...196

1. A redação ...197

2. A seleção da informação ...199

Capítulo 8 – A Entrevista ...219

1. Técnica de entrevista ...220

2. Condições para uma boa entrevista: recomendações para alcançá-la ...225

Capítulo 9 – Como planejar um programa de rádio ...235

1. O projeto: a estrutura programática ...235

2. Horário, duração e frequência ...238

3. Colocando em prática o projeto: edição “zero” ...242

Parte III O roteiro ...244

Capítulo 10 – A elaboração do roteiro: princípios básicos ..245

1. O esquema prévio ...245

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3. A leitura crítica ...254

4. Como se desenha um roteiro ...258

Capítulo 11 – O roteiro de fala ou monólogo ...264

1. O tratamento radiofônico ...265

2. O monólogo dramático ...268

Capítulo 12 – O roteiro de uma reportagem radiofônica ....273

1. O gênero ...273

2. A reportagem baseada em entrevistas ...275

3. A estrutura do roteiro ...281

Capítulo 13 – O roteiro de uma narração com montagem ...297

Capítulo 14 – O roteiro de um radiodrama ...311

1. Os três componentes do radiodrama ... 311

2. Técnica do radiodrama ... 317

Parte IV A realização ...333

Capítulo 15 – Frente ao microfone ...334

1. O estúdio de rádio ...334

2. O equipamento humano ...342

3. Técnica do microfone ...344

Capítulo 16 – O processo de produção: a preparação...352

1. As cópias do roteiro ...352

2. A distribuição ...353

3. A musicalização ...356

4. A sonorização ...367

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Capítulo 17 – A execução: o ensaio, a gravação ...380

1. Os ensaios ...381

2. A interpretação ...386

3. A direção técnica (música, sons, efeitos) ...389

4. A gravação ...398

Anexo I – A medição e o ajuste do tempo ...405

Anexo II – O sistema de gravação em duas etapas ...410

Epílogo da edição brasileira – O mestre apaixonado ...412

Gabriel Kaplún Os tradutores ...415

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Apresentação

O

Grupo de Pesquisa Rádio e Mídia Sonora da Intercom leva a

público mais um trabalho coletivo do GP, o vigésimo segundo e, desta vez, com uma novidade: é a primeira vez que fazemos a tradução de um livro, abrindo caminho, certamente, para outros tra-balhos, em português, de obras importantes e emblemáticas sobre o rádio.

Este Produção de Programas de Rádio: do roteiro à direção, do ori-ginal de Mario Kaplún Producción de programas de radio. El guión, la

realización, é um esforço conjunto de vários pesquisadores, sob a

lide-rança de Juliana Gobbi – uma jovem pesquisadora de rádio que estreia na organização de um trabalho coletivo do GP – e do veterano Eduardo Meditsch. A revisão dos textos traduzidos ficou a cargo de Dóris Fagun-des Haussen, Eduardo Meditsch e Sonia Virgínia Moreira.

O argentino Mário Kaplún (1923-1998), um dos autores latino-ame-ricanos mais destacados, cursou magistério e foi radialista, professor, pesquisador e escritor, com atuação profissional no Uruguai e na Ve-nezuela. Antes dos 20 anos, produziu seu primeiro programa de rádio educativo Escuela de Aire, um radioteatro sobre a história da Argentina: “Me chamaram e me convidaram para fazer um teste. Com a ousadia dos meus 18 anos, aceitei na hora. Escrevi alguns roteiros-piloto e os levei. Assim que a direção os leu, fui contratado”.

A partir daí, seus programas, no original em espanhol ou traduzidos, foram transmitidos na América Latina e Estados Unidos. Kaplún dizia: “Comunicação é uma rua larga e aberta que amo transitar”.

O livro Producción de programas de radio. El guión, la realización nasceu a partir de um curso organizado por Kaplún em Lima, no Peru, quando sistematizou uma pedagogia radiofônica e a obra se tornou um clássico dos estudos do rádio, traduzida somente agora para o portu-guês.

E é este clássico que o GP Rádio e Mídia Sonora tem a honra e a alegria de disponibilizar, traduzido, para professores, estudantes e pes-quisadores do rádio. Certamente que a leitura do autor no original tem um valor indiscutível, mas a tradução tem o poder de popularizar uma

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obra, disseminar o conhecimento e socializar temas e discussões antes limitados apenas aos leitores em idiomas estrangeiros.

Assim, chegamos à 22ª produção coletiva do grupo, uma extensa lis-ta de títulos que teve início em 1998 e que abrange os mais variados temas da radiofonia:

1) MEDITSCH, Eduardo (Org.). Rádio e pânico: a Guerra dos mundos,

60 anos depois. Florianópolis: Insular, 1998.

2) DEL BIANCO, Nélia R e MOREIRA, Sonia Virgínia (Org.). Rádio

no Brasil; tendências e perspectivas. Rio de Janeiro: EdUERJ; Brasília,

DF: UnB, 1999.

3) MOREIRA, Sonia Virgínia e DEL BIANCO, Nélia R. (Org.).

Desafios do rádio no século XXI. São Paulo/ Rio de Janeiro:

Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação/ Universidade Estadual do Rio de Janeiro, 2001.

4) HAUSSEN, Dóris Fagundes e CUNHA, Mágda (Org.). Rádio

brasileiro: episódios e personagens. Porto Alegre: Editora da PUCRS,

2003.

5) BAUM, Ana (Org.).  Vargas, agosto de 54: a história contada pelas

ondas do rádio. Rio de Janeiro: Garamond, 2004.

6) MEDITSCH, Eduardo (Org.). Teorias do rádio: textos e contextos. Florianópolis: Insular, 2005, v. 1.

7) GOLIN, Cida e ABREU, João Batista de.  Batalha sonora: o rádio e a

Segunda Guerra Mundial. Porto Alegre: Editora da PUCRS, 2006.

8) MEDITSCH, Eduardo e ZUCULOTO, Valci (Org.).  Teorias do

rádio: textos e contextos. Florianópolis: Insular, 2008. v. 2.

9) KLÖCKNER, Luciano e PRATA, Nair (Org.). História da mídia

sonora: experiências, memórias e afetos de Norte a Sul do Brasil.

Porto Alegre: Editora da PUCRS, 2009.

10) FERRARETTO, Luiz Artur e KLÖCKNER, Luciano (Org.). E

o rádio? Novos horizontes midiáticos. Porto Alegre: Editora da

PUCRS, 2010.

11) VICENTE, Eduardo e GUERRINI JÚNIOR, Irineu (Org.).  Na

trilha do disco: relatos sobre a indústria fonográfica no Brasil. Rio

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12) KLÖCKNER, Luciano e PRATA, Nair (Org.). Mídia sonora em 4

dimensões. Porto Alegre: Editora da PUCRS, 2011.

13) PRATA, Nair (Org.). Panorama do rádio no Brasil. Florianópolis: Insular, 2011.

14) MOREIRA, Sonia Virgínia (Org.). 70 anos de Radiojornalismo no

Brasil. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2011.

15) DEL BIANCO, Nélia. O Rádio na era da convergência. São Paulo: Intercom, 2012.

16) PRATA, Nair e SANTOS, Maria Cláudia. Enciclopédia do Rádio

Esportivo Brasileiro. Florianópolis: Insular, 2012.

17) RANGEL, Patrícia e GUERRA, Márcio. O Rádio e as Copas do

Mundo. Juiz de Fora: Juizforana Gráfica e Editora, 2012.

18) MEDITSCH, Eduardo (Org.). Rádio e Pânico 2 – A Guerra dos

Mundos, 75 anos depois. Florianópolis: Insular, 2013.

19) MARQUES DE MELO, José e PRATA, Nair. Radialismo no Brasil

– Cartografia do Campo Acadêmico (Itinerário de Zita, a pioneira).

Florianópolis: Insular, 2015.

20) OLIVEIRA, Madalena e PRATA, Nair. Rádio em Portugal e no

Brasil: Trajetória e Cenários. Braga-Portugal: CS Edições, 2015.

21) ZUCULOTO, Valci; LOPEZ, Debora e KISCHINHEVSKY, Marcelo (Org.). Estudos Radiofônicos no Brasil 25 anos do

Grupo de Pesquisa Rádio e Mídia Sonora da Intercom. São Paulo:

INTERCOM, 2016.

22) MEDITSCH, Eduardo e BETTI, Juliana Gobbi (Org.). Mario Kaplún. Produção de Programas de Rádio: do roteiro à direção. Florianópolis: Insular, 2017.

Desta forma, o Grupo de Pesquisa Rádio e Mídia Sonora se conso-lida como um dos mais produtivos grupos de pesquisa da Intercom e, certamente, o mais importante polo de investigação em rádio do país.

Nair Prata

Universidade Federal de Outro Preto Julho de 2017

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Prefácio à edição brasileira

“As experiências não se inventam, se vivem”

E

ssa frase é de Mario Kaplún (1923-1998) no ‘interrogatório pré-vio’, apresentação em forma de pergunta e resposta, de outro li-vro seu: Una pedagogia de la comunicación (Madrid: Ediciones de la Torre, 1998).

Nos livros que publicou, é importante contextualizar, Kaplún ele-geu a educação como objeto da sua narrativa, em especial o ensino e a aprendizagem via meios de comunicação. O rádio se mostrava especial naqueles anos 70, de curtos-circuitos na liberdade de expressão em Es-tados não democráticos na América Latina, justamente porque trazia implícita a sua aura de mídia democrática quando democracia era uma aspiração dos habitantes de vários países da região.1

Os estudos sobre rádio na América Latina na segunda metade do século XX têm em Mario Kaplún o seu pioneiro e grande nome. Desde junho de 1978, lançamento da sua primeira edição, Producción de

Pro-gramas de Radio. El guión, la realización arrebatou muitos leitores e se

tornou um marco na produção científica latino-americana sobre o veí-culo de comunicação. No livro, Kaplún sistematizava e teorizava sobre o que se realizava na prática das emissoras de rádio e que, até então, era divulgado em boca-em-boca. Com a edição desta obra o rádio adquiriu

status no âmbito dos estudos que se realizavam na área da Comunicação.

Publicado na Colección Intiyan/Ediciones CIESPAL, Producción de

Programas de Radio. El guión, la realización se integrou à bibliografia

dos cursos do Centro de Estudios Superiores de Comunicación para América Latina. Nascido como Centro Internacional de Estudios Supe-riores de Periodismo para la America Latina, o CIESPAL foi concebi-do no âmbito concebi-dos Centros Regionais de Jornalismo recomendaconcebi-dos em 1955 pela UNESCO. A criação do Centro em Quito envolveu o gover-no equatoriagover-no, a UNESCO e a Universidad Central del Ecuador. Suas

1 Principalmente entre as décadas de 1970 e 1980 Mario Kaplún escreveu e publicou La comunicación de masas en América Latina (Buenos Aires: Ediciones Paulinas, 1973).

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metas institucionais previam: conduzir programas de formação e de aperfeiçoamento para professores de jornalismo e de ensino da ciência da informação, promover pesquisa de desenvolvimento social e criar relacionamentos duradouros com instituições afins.

A partir dos cursos do CIESPAL, frequentados por professores e profissionais latino-americanos, este livro de Kaplún tornou-se uma “bíblia” nas Escolas de Comunicação do subcontinente e, no Brasil, ob-jeto de desejo de professores e pesquisadores brasileiros de rádio, que o encomendavam para aqueles que viajavam ao Uruguai ou à Argentina, porque não havia a versão em português e tampouco podia ser encon-trado nas livrarias do país.

Agora, pouco mais de 35 depois da sua primeira edição em Quito, o grupo empreendedor de investigadores reunidos no Núcleo de Pes-quisa Rádio e Mídia Sonora da Intercom se apresenta para preencher esta lacuna e encontrar uma maneira de homenagear este importante pioneiro dos estudos sobre o rádio. Em um grande esforço coletivo sob a coordenação de Eduardo Meditsch e Juliana Gobbi Betti, professores e pesquisadores de rádio de várias gerações aceitaram o desafio de tra-duzir os capítulos e fazer a revisão técnica deste volume que assim passa a fazer parte da produção bibliográfica brasileira. Sua propriedade para professores, pesquisadores e profissionais do meio está nas palavras de Mario Kaplún em Una pedagogia de la comunicación:

Este texto objetiva tornar-se um instrumento de trabalho para os comunicadores e estudantes motivados por uma preocupação educati-va; de quem não vê a comunicação somente como uma profissão e um modo de vida, mas como ‘algo mais’: como um serviço para a sociedade. Uma prática profissional assim entendida não só requer conhecimento e domínio dos recursos de mídia; necessita fundamentar-se em uma pe-dagogia comunicacional. (Kaplún, 1998, p. 11).

Porto Alegre / Rio de Janeiro, verão de 2014.

Doris Fagundes Haussen

PUC Rio Grande do Sul

Sonia Virgínia Moreira

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Nota dos organizadores da tradução brasileira

É

com muita honra e sentimento de dever cumprido que trazemos

Produção de programas de rádio: do roteiro à direção, a edição

em língua portuguesa da obra clássica escrita por Mario Kaplún, como material didático para um curso ministrado no Peru, a convite do nosso Darcy Ribeiro (então lá exilado), e publicada originalmente em espanhol, pelo Ciespal do Equador, em 1978. Fruto de mais um esforço coletivo das pesquisadoras e pesquisadores do Grupo de Pesquisa Rá-dio e Mídia Sonora da Intercom (Sociedade Brasileira de Estudos Inter-disciplinares da Comunicação), esta tradução concretiza finalmente o compromisso assumido com o próprio Mario Kaplún e sua esposa Ana, há 25 anos, no congresso da Alaic realizado em 1992 em Embu-Guaçú (SP), quando o casal esteve com as ex-coordenadoras do GP Doris Fa-gundes Haussen e Sonia Virgínia Moreira e com o professor Eduardo Meditsch. Muitos percalços atrasaram a concretização do projeto por um longo quarto de século, mas ele nunca perdeu a atualidade e nem a urgência, tendo em vista o que os ensinamentos deste livro dizem sobre o que o rádio pode fazer – e raramente está fazendo – pela educação, a conscientização e a emancipação dos povos do continente.

Traduzir é um esforço de tornar acessível. Mas ao contrário do que muita gente imagina, não se limita ao ato de verter as palavras de uma língua para a outra. Todo texto é uma expressão viva da cultura de uma época e de um local. De modo que, cada um dos pesquisadores mobi-lizados para a realização desta tarefa enfrentou o desafio de garantir a significação das expressões e a fidelidade às concepções apresentadas pelo autor, quatro décadas depois da escrita original do livro.

Neste tempo, muitas foram as transformações nos cenários político, econômico, cultural e social dos países latino-americanos Em especial, ampliaram-se os recursos tecnológicos e, por conseguinte, as possibili-dades técnicas da produção radiofônica nos meios digitais. No prefácio da reedição mexicana do livro, publicada em 1992, Kaplún já ponderava que parte das indicações técnicas carecia de atualização. No entanto, o autor afirma que, ao ser colocado diante da oportunidade de revisão, optou por manter a íntegra do texto original ao perceber que as

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altera-ções poderiam fazer com que o texto perdesse a unidade, a coerência. Tal possibilidade de inserção e/ou supressão dos conteúdos novamente foi colocada em questão ao longo deste trabalho de tradução. Contudo, pelo valor histórico da obra e por respeito às escolhas anteriores do au-tor, optamos por seguir a postura por ele assumida: manter o texto tal qual foi escrito, mas orientar o leitor a colocá-lo em perspectiva.

Agradecemos à família de Mario Kaplún, em especial, a seu filho, o professor Gabriel Kaplún, que colaborou com este projeto desde o início e cedeu os direitos autorais à Intercom para viabilizar a edição brasileira do livro, além de escrever o seu posfácio. Também aos pesquisadores e pesquisadoras brasileiros que tão arduamente se empenharam na tarefa de traduzir palavras e sentidos, ambientando a escrita, mas preservando a essência original do pensamento do autor. Igualmente, aos que se dis-puseram a revisar o conteúdo, cuidando da fluência e da harmonização dos termos e estilos. Por fim, agradecemos à diretoria da Intercom e à Editora Insular por abraçarem com o nosso Grupo de Pesquisa mais este projeto.

Florianópolis, julho de 2017.

Eduardo Meditsch Juliana Gobbi Betti

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Parte I

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Capítulo

1

O rádio como instrumento

de educação popular

1. Rádio, para quê?

É conveniente começar por situar este livro e definir seus propósitos e alcances. Trata-se, certamente, de uma obra técnica, na qual o leitor poderá encontrar recursos instrumentais para escrever e produzir bons programas de rádio; porém, ao mesmo tempo, situa-se em outra perspectiva.

Se começarmos perguntando para que fazer rádio e propondo uma pedagogia do meio radiofônico, de alguma maneira, já estaremos definindo este livro. Ele pressupõe um leitor que não se propõe a fazer rádio apenas por fazer rádio, como um fim em si mesmo, mas sim um leitor que se interessa por aprender a produzir programas de rádio para algo; aquele que procura o domínio das técnicas radiofônicas em função de um objetivo, de uma inquietação educativa, no mais amplo sentido da palavra.

Este livro aspira, pois, ser uma ferramenta útil de trabalho nas mãos daqueles que, sentindo a comunicação como vocação, não veem no rá-dio tão somente uma profissão ou um meio de ganhar a vida, mas que o concebem como um instrumento de educação e cultura populares e como um promotor de autêntico desenvolvimento; que pensam que o rádio, como todo meio de comunicação coletiva, tem uma função social a cumprir, uma contribuição para fazer frente às urgentes necessidades das massas populares da nossa região.

Coerente a esta concepção, este livro não se propõe, portanto, ensi-nar a fazer todo ou qualquer tipo de programa radiofônico. É, sem

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dúvi-da, um livro técnico, mas feito pensando naqueles que querem assumir o fazer radiofônico como um serviço e como um compromisso com os povos latino-americanos.

Redefinição do conceito de “programas educativos e culturais”

Não seria mais claro, então, intitulá-lo como “Produção de Progra-mas de Rádio Educativos e Culturais” para assim caracteriza-lo com mais precisão? Talvez sim. Não o fizemos por entender que as expressões “rádio educativa” e “rádio cultural” poderiam resultar equivocadas. Assim, em vez de contribuir com debate e conhecimento sobre o tema, acabaríamos muito mais desorientando e incitando a contrariedade da parte dos leitores para os quais se dirige este livro.

Estamos demasiadamente acostumados a encarar programas de rá-dio educativos como rígidos e desinteressantes. Como aqueles medi-camentos da nossa infância que, para fazerem efeito, conforme julga-vam nossos pais, necessariamente precisajulga-vam ter “gosto de remédio”, ou seja, um sabor amargo e desagradável. Quando nos falam de “emissora educativa”, a imagem que nos surge espontaneamente é de um solitá-rio professor instalado em frente ao microfone e ensinando, com voz e tom magistrais, a um invisível aluno, as tradicionais e clássicas noções da escola elementar. E vamos convir que, infelizmente e salvo honrosas exceções, a maior parte do rádio educativo que se produz na América Latina tem contribuído mais para reforçar esta imagem negativa e me-nos para modificá-la.

Algo semelhante ocorre com a noção de “espaço cultural” das pro-gramações. Geralmente se entendem como culturais programas que, quase por definição, devem manter-se divorciados da vida concreta da maioria e tratar de temas alheios à realidade imediata que a rodeia: quanto mais alheios, mais “culturais”. “Cultural” é entendido como o contrário de “popular”. Por exemplo, uma sinfonia de Haydn ou a notí-cia da estreia de um balé em Paris, é cultural; porém, uma dança ou um artesanato indígenas não parecem ser considerados como expressões de uma autêntica cultura.

A cultura é vista como um produto para elites – seleto e de luxo; refi-nado e talvez um pouco supérfluo – associa-se muito mais facilmente a museu do que à vida. Em consonância com estes entendimentos para as programações culturais, o locutor, ao iniciar este espaço, fará um

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delibe-rado esforço para diferenciá-lo do restante das transmissões, adotando um tom formal e solene.

Este livro sustenta uma concepção muito diferente. Pensa que um programa educativo não precisa ser desinteressante. Mais: não deve ser. Os programas culturais podem – e devem – chegar, atrair e servir ao povo.

Da mesma forma, este livro pensa também que os chamados pro-gramas de “entretenimento” não têm porque ser banais e vazios; que podem ser veículos de estímulos educativos e culturais muito fecun-dos.

A validade das categorias

Uma das noções clássicas em comunicação de massa é a que esta-belece que o rádio tem três funções a cumprir – informar, educar, en-treter – e que, portanto, seus programas devem classificar-se em três categorias: informativos, educativos-culturais e de entretenimento. Não se nega aqui o que de funcional tem esta categorização; mas é condição compreender o que ela também tem de artificial. É certo que o rádio inclui estas três funções; não é tão certo que delas derivam três tipos de programações totalmente independentes e diferenciados.

O clássico conceito de que o indivíduo se educa somente durante os anos da infância e adolescência – e que esta educação se dá apenas em salas de aulas e internatos – foi substituído pela concepção de educação permanente. Uma pessoa é educada sempre, por toda sua vida, ao longo de um processo que abrange todo tipo de situações e estímulos. Uma criança não se educa apenas ao receber conhecimentos formais e sis-temáticos nos bancos escolares, mas também em casa, na rua, jogando com seus amigos, escutando sua mãe contar a história do Chapeuzinho Vermelho, ouvindo rádio, assistindo televisão. Uma criança já está rece-bendo estímulos educativos quando, ao três anos ou até antes, seus pais a sentam em frente à televisão “para que se entretenha” vendo desenhos de Tom e Jerry (que por certo estão mais carregados de conteúdos e mensagens do que acreditam seus incautos pais).

E já adulto, uma vez terminados seus estudos formais, segue rece-bendo estímulos educativos na rua, no trabalho, no contato com os meios de comunicação massivos, nos estádios de esportes, na relação com seus vizinhos, amigos e companheiros, em reuniões etc.

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À luz desta concepção da educação como processo permanente, a clássica divisão das programações de rádio, que separa a dimensão educativa da dimensão de entretenimento como independentes e quase como opostas, começa a revelar o que ela tem de relativa e duvidosa. Na realidade, ou com propósito educacional ou para ouvir por prazer, de qualquer maneira todo programa radiofônico educa. Tanto como o programa educativo propriamente dito, o anúncio publicitário que assegura que usando uma camiseta de tal marca “se triunfa na vida”, um programa cômico, uma radionovela sentimental, um comentário de atualidade, uma transmissão esportiva, uma música popular constituem também fatores educativos. Isto porque todos influenciam a formação de valores e as pautas de comportamento do público.

Em uma pesquisa destinada a investigar a recepção e os efeitos das populares novelas de rádio e de televisão, 52% das mulheres entrevista-das (e 60% entrevista-das pertencentes à classe baixa) declararam que as escutavam e assistiam, entre outros motivos, para “tirar delas bons conselhos” e “soluções para seus próprios problemas”2. Todo programa, pois, educa;

só que – da mesma forma que a escola, que a casa – pode educar bem ou pode educar mal.

Uma das consequências negativas da categorização que se está ques-tionando, tem sido a de eximir de responsabilidades os programas de entretenimento, sob o argumento de que são neutros e anódinos. Tam-bém se sustenta em relação a esses programas que não há porque se preocupar com seus conteúdos, já que são produzidos e ouvidos como meros passatempos inconsequentes e sem relação com qualquer efeito educacional.

Outra consequência igualmente perigosa é a de se ver os programas culturais e educativos como algo à parte, desligados da obrigação de serem agradáveis, atrativos, conectados com a vida. Assim se fragmenta a transmissão e se compartimenta o ouvinte. Como se este não fosse sempre o mesmo. Como se ouvisse o programa de entretenimento em mangas de camisa e, quando começasse o programa cultural, corresse a colocar terno e gravata.

2 MARTA COLOMINA DE RIVERA: O hóspede alienante. Um estudo sobre audiên-cia e efeitos de rádio e telenovelas na Venezuela. Escola de Jornalismo da Universida-de Universida-de Zulia, Maracaibo, 1968. O estudo se baseia em pesquisa realizada junto a mil donas de casa da cidade de Maracaibo.

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Este livro postula uma presença dinâmica do educativo e do cultural no rádio, que pode ir além dos espaços identificados e categorizados. Defende programas educativos e culturais que não entrem em conflito com a diversão e programas de entretenimento não alheios à educação e à cultura bem compreendida. O desafio – árduo e urgente desafio – que enfrentamos nós, comunicadores radiofônicos da América Latina, é o de realizar programas que tenham conteúdo e objetivo autenticamente educativos, e que sejam capazes de captar o interesse das grandes au-diências populares e responder às suas necessidades.

Para isso, é preciso uma redefinição de noções que, por exemplo, identifiquem cultura com a vida, mais do que com museus. Cultura não é reserva de especialistas. A cultura é o que serve ao homem, à comu-nidade, para a sua própria construção social e humana. Não há cultura à margem do homem que a cria. Cultura não é uma mera acumula-ção de conhecimentos alheios à sua vida, ao seu aqui e agora. Cultura é consciência para compreender melhor o próprio mundo. Deve partir sempre do próprio interesse do homem, do que ele vai necessitando e buscando para ampliar seu horizonte e ser mais plenamente homem. (O qual, desde logo, não exclui o prazer de um concerto de Beethoven ou de um quadro de Picasso; porém, desde que sempre esse prazer seja realmente colocado ao alcance da compreensão das pessoas através de um processo educativo e não visto como o único que merece levar a etiqueta de “cultura”).

Nesta mesma perspectiva, a chamada “educação radiofônica” será en-tendida aqui em um sentido amplo: não só as emissões especializadas destinadas à alfabetização e difusão de conhecimentos básicos – cujas utilidade e necessidade não se questionam – mas também aquelas que buscam a transmissão de valores, a promoção humana, o desenvolvimen-to integral do homem e da comunidade; aquelas que se propõem elevar o nível de consciência, estimular a reflexão e converter cada homem em agente ativo da transformação do seu meio natural, econômico e social.

Objetivos que nem sempre nem necessariamente se traduzirão na forma convencional de um espaço especializado. Também, como se verá amplamente ao longo deste livro, podem ser alcançados por meio de radioteatros, fóruns populares, programas jornalísticos e musicais e muitos outros formatos que a imaginação de comunicadores criativos é capaz de produzir.

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O potencial do meio

Em março de 1977, o Secretário Executivo da CEPAL, economista Enrique Iglesias, advertia aos governos da região que 100 milhões de latino-americanos – a terça parte da população total do continente – “sobrevivem em condições de pobreza extrema, socialmente inaceitá-veis”. Frente à dramática encruzilhada em que se encontra a América Latina, já nada nega a urgente necessidade de incrementar e acelerar o processo de desenvolvimento integral de nossos países. Porém, muitos planos desenvolvimentistas, mesmo bem concebidos do ponto de vista físico e econômico, não têm alcançado e seguem sem dar os resultados pretendidos, justo por não levarem em conta, devidamente, “o fator humano”.

De um lado, como salienta Iglesias, nenhum plano de desenvolvi-mento conseguirá melhorar as condições de vida das massas latino--americanas, se as suas realizações, em termos de crescimento econô-mico, não forem acompanhadas de melhor e mais justa distribuição de seus frutos. E por outro lado, nenhum plano de desenvolvimento integral poderá ser levado adiante se não incluir ações educativas que assegurem a participação consciente de segmentos abrangentes da po-pulação chamados a assumi-los e executá-los. O desenvolvimento se faz com homens e para os homens.

Paul D. Boyd tem razão quando pergunta: “Quantos projetos de desenvolvimento se baseiam em um estudo atento do que se poderia chamar de ‘sua viabilidade humana’ e não somente de sua viabilidade econômica e técnica? Em outras palavras, não têm considerado as pes-soas como atores, agentes e beneficiários do desenvolvimento, com uma atenção parecida a que se consagra às represas, estradas, fertilizantes, tratores, vacinas e outros insumos físicos.3

Surge assim, como requisito vital do desenvolvimento, a necessidade de empreender uma tarefa de informação e educação, na qual os meios de comunicação de massa estão convocados a cumprir papel de

impor-3 PAUL D. BOYD: palestra no Seminário sobre Comunicação e Informação para o Desenvolvimento da Região do Caribe, realizado em Guayana, em dezembro de 1974. Boyd é diretor de Comunicação do Programa de De-senvolvimento das Nações Unidas (PNUD). Cit. por J. Diáz Bordenave no trabalho que se mencionará na Nota 6.

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tância primordial. E entre eles, o rádio, o meio de maior penetrabilidade em nossos países, aparece como a solução mais adequada para impul-sionar a educação e a cultura populares. Como assinala um estudo da UNESCO, “o rádio, única técnica de comunicação avançada que real-mente se incorporou no Terceiro Mundo, expandiu-se e se culturizou de forma ampla. (...) Com a miniaturização e a transistorização, que permitem custos muito baixos, o rádio está chamado a se revelar, cada dia mais, como um instrumento bem adaptado às culturas fundadas na transmissão oral e em valores não escritos”.

Ao seu potencial de ampla difusão, o rádio acrescenta, pois, a van-tagem de que, para receber sua mensagem, não é necessário saber ler. É uma vantagem de especial relevância diante da quantidade de analfabe-tos absoluanalfabe-tos que ainda existe na América Latina, aos quais se somam, em total também grande, aqueles que, mesmo com passagem breve pela escola, por falta de prática ou de hábito perderam a capacidade de leitu-ra (os analfabetos “funcionais” ou “por desuso”, como são identificados pelos técnicos em educação).

Quanto à penetração e ao alcance do meio, alguns poucos dados bastariam para dar ideia de sua magnitude. Em 1970, existiam 153 apa-relhos receptores de rádio por mil habitantes. Cinco anos mais tarde – em 1975 –, a quantidade já somava um total absoluto de 60 milhões de aparelhos, o que elevava o índice relativo a 205 receptores por mil habitantes. Portanto, em apenas cinco anos se registrou um aumento de 34 por cento.

Estes índices permitem estimar que atualmente o rádio chega a 61% da população latino-americana, tornando-o, de longe, o meio mais po-pular e difundido, o que justifica plenamente a observação da UNESCO: “Pensamos que este meio de comunicação tem sido destinado a fins edu-cacionais de modo insuficiente. Muitas vezes, parece que este potencial radiofônico é obscurecido pela eficácia superior atribuída a outros meios que, em comparação com o rádio, têm a grande desvantagem de só con-seguirem alcançar uma tão ampla difusão depois de muito tempo.”

Surpreende, na verdade, que muitos planejadores insistam em dar prioridade, para fins educacionais, a outros meios tão mais caros e sofis-ticados como, por exemplo, a televisão. E isto mesmo quando os índices apontam que a cobertura de cada um destes meios na América Latina é a seguinte:

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RÁDIO – chega a 61% da população TELEVISÃO – chega a 34% da população IMPRESSOS – chegam a 21% da população

Acrescente-se, ainda, o fato de que, dentro destes 61% da população alcançada pelo rádio, encontram-se os segmentos mais humildes, ou seja, os mais carentes e necessitados de educação. Note-se, igualmente, que se as 3.500 emissoras existentes na América Latina estão muito ir-racionalmente distribuídas e concentradas, em sua grande maioria, nas capitais e grandes cidades, mesmo assim o rádio é praticamente o único meio – ainda que de maneira insuficiente e não total – que chega às zonas rurais, onde está a maior massa de analfabetos e o mais alto défi-cit educacional. Como expressa acertadamente a CIESPAL, “o rádio é a principal e frequentemente a única fonte de informação e entretenimen-to dos habitantes da América Latina”.

Assim, para enfrentarmos as urgentes necessidades educacionais e culturais da região, o rádio aparece como um enorme potencial educa-tivo. Uma audiência permanente de 180 milhões de rádio-ouvintes de todas as idades constitui uma possibilidade de difundir educação e cul-tura a todos os níveis que a América Latina deve e necessita aproveitar para impulsionar seu desenvolvimento.4

O rádio – assinala Braun – é, em nossa região, “o meio de comunica-ção que pode abarcar a maior quantidade de pessoas ao mesmo tempo. Outra de suas qualidades é que pode chegar a todos rincões do país; e sua relação custo-benefício é mais vantajosa que qualquer outro meio”5.

Em apoio a esta última afirmação, cabe lembrar que a produção de um bom programa de rádio educativo é no mínimo seis vezes mais barata que um programa análogo de televisão de mesma duração; e que um aparelho receptor transistorizado custa vinte vezes menos que um tele-visor preto e branco.

4 MARIO KAPLÚN: La radiotelevisión latinoamerica frente al desafio del desarollo: un diagnóstico do situación. In Radio, TV y Cultura en América Latina, CIESPAL, Quito, 1976. Para mais informações sobre a radiodifusão latino-americana, número de emissoras e receptores país por país, características da programação etc., consul-tar este trabalho.

5 JUAN RICARDO BRAUN: La radio y la televisión dentro del marco de la educación. In Radio, TV y Cultura en América Latina. CIESPAL, Quito, 1976.

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Trate o leitor de imaginar o que poderia acontecer se as 3.500 emis-soras da América Latina inserissem nas suas grades de programação, em horários de audiência geral, mesmo que uma ou duas horas por dia, bons programas populares de conteúdo educacional e cultural. Ocorre-ria que essas emissoras teOcorre-riam acesso a 180 milhões de latino-america-nos – os 61% da população do continente – incluídos os analfabetos e a população rural, que estão à margem de qualquer outra fonte de infor-mação e educação. Aprender a fazer rádio e a utilizar bem este meio tão popular e de abrangente difusão é uma tarefa que vale o esforço.

2. Educar, para quê?

A questão, porém, não é só o quanto podemos fazer, mas, sim, como devemos fazê-lo. Embora este livro seja dedicado principalmente a técnicas e práticas da produção de rádio, de pouco servem as técnicas sem base teórica. Em especial quando você não está vendo o fazer rá-dio como um fim em si mesmo, mas tem a intenção de usá-lo para um propósito educacional. Não é possível abordar uma tarefa educativa, por qualquer meio que seja, sem ter claro, previamente, o tipo de pedagogia que vamos adotar e que função atribuiremos à nossa ação educativa.

Três opções educativas

Seguiremos aqui o adequado esquema de Juan Díaz Bordenave6, que

propõe três tipos de educação distintos entre os quais devemos optar. Ainda que, como bem adverte Bordenave, nenhum destes tipos se

apli-6 JUAN DIAZ BORDENAVE: Las nuevas pedagogías y tecnologías de comunicación – sus implicaciones para la investigación. Ponencia para La Reunión de Consulta sobre Investigación en Comunicación para El Desarrollo Rural de Latinoamérica or-ganizada por el CIID, Cali, Colombia, 1976. Ed. Mimeogr. O autor é especialista em Comunicação da OEA e professor de Comunicação e Educação Popular do Curso de Pós-graduação em Comunicação da Universidade de Brasília.

Resumimos aqui a valiosa análise de Díaz Bordenave, uma vez que a glosamos e ampliamos com nossos próprios comentários e com citações de outros autores; e sobretudo, tratamos de ampliá-la, mediante distintos exemplos, ao nosso campo específico: o da prática radiofônica. Dentro do que a fluidez da exposição permi-te, procuramos, por meio de “entreaspas”, distinguir as citações de Díaz Bordenave de nossas próprias asserções. Mesmo assim, porém, para reconhecer a contribuição inestimável de Bordenave, fica a advertência para eximí-lo de qualquer responsabi-lidade por afirmações que não devem ser a ele atribuídas, mas sim a nós.

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que puramente na realidade, eles se mesclam e se encontram presentes em distintas proporções e em diversas ações educativas concretas sendo possível distinguir entre três modelos de educação:

Educação com ênfase nos conteúdos Educação com ênfase nos resultados Educação com ênfase no processo

De forma inevitavelmente simplificada, que nos impõe a concisão e nos obriga a acentuar seus traços, mesmo com risco de às vezes sermos injustos, tratemos de descrever e caracterizar esquematicamente cada um destes três tipos.

O primeiro tipo: educação com ênfase nos conteúdos

“Corresponde à educação tradicional, baseada essencialmente na transmissão de conhecimentos e valores de uma geração à outra, do professor ao aluno, da elite às massas”. Esta tende, pois, a ser vertical, geralmente autoritária e muitas vezes paternalista. O professor, o ins-truído, “o que sabe”, trata de socorrer e ensinar ao “ignorante”, ao que “não sabe”.

Este tipo de educação, que o leitor seguramente já terá reconhecido, tem em Paulo Freire um dos seus mais sérios críticos, que qualificou a educação como “bancária”: o educador deposita conhecimentos na mente do educando. Trata-se de “inculcar” conhecimentos, introduzi--los na memória do aluno, já que ele é visto como receptáculo e deposi-tário de informações. Repetidamente se tem condenado esta tendência da escola tradicional de confundir a autêntica educação com a mera instrução, por meio da qual – se tem dito também – ela mais informa que forma.

Se este tipo de educação prevalece no sistema escolar convencional, predomina mais ainda na chamada “educação radiofônica”, da qual pela própria limitação do meio o aluno se encontra ausente e reduzido ao si-lêncio e à passividade. Só resta a ele escutar, repetir o que diz o professor radiofônico e aprender. Muitas das meritórias “escolas radiofônicas” da América Latina destinadas à educação dos trabalhadores rurais adul-tos têm reagido saudavelmente contra este método passivo e o recha-çam, em muitos casos com indubitável sinceridade. Em seus postulados

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sustentam, hoje, os princípios de uma educação “libertadora” e “per-sonalizada”. Porém, suas emissoras continuam sujeitas a este esquema mecanicista – mestre que ensina, aluno que aprende – porque não têm encontrado outra maneira de educar através do rádio nem desenvolvido outros tipos de produção de programas educativos.

As características metodológicas deste tipo de educação são bem co-nhecidas. Díaz Bordenave assinala, entre elas, que “o professor e o texto são a base do método (no caso dos serviços de educação radiofônica, o texto é a cartilha que se entrega aos alunos e cujas lições e exercícios eles devem seguir estritamente). Os programas de estúdio são chama-tivos e baseados em conceitos e dados que o professor ou comunicador considera importantes. Concede-se pouca importância ao diálogo e ao retorno – o feedback –, premia-se a boa retenção dos conteúdos (isto é, sua memorização) e se sanciona a reprodução pouco fiel ou demasiada-mente original dos mesmos”.

Não é difícil inferir as consequências. “O aluno (o ouvinte, o públi-co) habitua-se à passividade e não desenvolve sua própria capacidade de raciocínio nem sua consciência crítica; é estabelecida uma diferen-ça de “status” entre o professor e o aluno; fomenta-se uma submissão mental ao autoritarismo, já que o aluno “internaliza” a superioridade e autoridade do mestre; e os alunos adquirem uma mente “fechada” ou dogmática, incapaz de julgar as mensagens recebidas por seus próprios méritos, independentemente da autoridade da fonte”. São transforma-dos em simplistas, pois aprendem a necessidade de que o branco seja totalmente branco e o preto totalmente preto; também se incute neles a “procura ansiosa” de fórmulas “de estruturas de organização e disciplina e baixa tolerância para a ambiguidade e a análise crítica.”

O segundo tipo: educação com ênfase nos resultados

É o tipo de educação que mais tem influído na Comunicação. Em quase todos os manuais de comunicação usados nos estúdios de rádio em nossos países, os estudantes encontram, explicita ou implicitamente, os princípios orientadores deste tipo de educação. Daí a importância de analisá-lo com bastante atenção.

O rádio surgiu na América Latina como uma primeira resposta ao problema do subdesenvolvimento, encarado como solução para a po-breza em que se afundaram os países da região. Era a “modernização”, a

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adoção das características e métodos de produção dos chamados países desenvolvidos. Era necessário multiplicar aceleradamente a produção e alcançar um rápido aumento dos índices de produtividade, e para isto, foi imprescindível a introdução de novas e modernas tecnologias. As inovações tecnológicas tornaram-se a panaceia para todos os nossos males. Por si só, elas nos permitiriam alcançar progressos espetaculares.

A educação deveria servir para alcançar estas metas. Ela deveria, por exemplo, ser aplicada para persuadir os agricultores “atrasados” a aban-donarem seus métodos agrícolas primitivos e ensiná-los rapidamente as novas técnicas. Os meios de comunicação deveriam ser utilizados para implementar esta mudança ou cumprir esse papel de persuasão perma-nente e generalizada. Por isso, a importância que este modelo de desen-volvimento atribuiu às técnicas de comunicação.

Para estes novos educadores e comunicadores da “década do desen-volvimento” – cuja boa-fé e sincero espírito de cooperação, de outra parte, estão fora de questão –, o problema consistia, pois, em encon-trar os recursos mais rápidos e eficazes para que nossas gentes “primi-tivas e atrasadas” aceitassem as mudanças, concordassem em modificar seus hábitos e costumes tradicionais e adotassem as novas tecnologias. Como mudar as pessoas? Que técnicas de persuasão empregar? Quais mecanismos psicológicos aplicar?

Assim surgiu a chamada “engenharia do comportamento”. Nos tex-tos de comunicação escritex-tos no final da década de 50, é possível encon-trar definições muito ilustrativas como as seguintes:

“O comunicador é uma espécie de arquiteto da conduta humana, um praticante da engenharia do comportamento, cuja função é in-duzir a população a adotar determinadas formas de pensar, sentir e atuar, que lhe permitam aumentar sua produção e sua produtividade e elevar seus níveis e hábitos de vida [...] Comunicar não é só um ato de emitir mensagens ou sinais nem a ação de usar meios ou canais. Comunicar é a arte de provocar significados e produzir comporta-mento; é suscitar mudanças no pensamento, sentimento e ação das pessoas. Comunicar é emitir mensagens com a definida intenção de fazer com que as pessoas se comportem de um certo modo parti-cular. Ou mais exatamente ainda, é produzir estes comportamentos mediante a emissão de mensagens”.

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Outra expressão típica deste modelo de educação “vertical, persuasi-va, difusionista” é a “mudança de atitudes”, entendida como a substitui-ção de hábitos tradicionais por outros favoráveis às novas tecnologias.

Pode-se observar até que ponto este tipo de educação se caracteriza por dar ênfase aos resultados em formulações como a seguinte: “quando aprendermos a emitir nossa mensagem buscando respostas específicas daqueles que a recebem, vamos dar o primeiro passo para uma comuni-cação eficiente e eficaz (...) Frente a uma proposta de mudança – obje-tivo da comunicação – a reação do sujeito pode ser positiva ou negativa. Por exemplo, quando nossa campanha educativa propõe ao agricultor adotar um novo produto químico para combater determinada praga, ele pode aceitar a proposta ou rechaçá-la. Se a aceita, há comunicação (...). Se não ocorre a mudança buscada, se não se produz a resposta deseja-da ante o estímulo empregado, pode-se considerar que a comunicação falhou. Ou mais radicalmente ainda, é possível se afirmar que tecnica-mente não houve comunicação.”

Não significa que este tipo de comunicação não “tenha em conta” o homem. Pelo contrário, existe todo um vasto estudo da psicologia hu-mana desenvolvido a serviço dessa corrente. Mas não é uma psicologia que procura o pleno desenvolvimento autônomo da personalidade do indivíduo. Investiga, isto sim, mecanismos para conseguir “persuadi-lo” e “conduzi-lo” mais eficazmente para moldar a conduta das pessoas de acordo com os objetivos previamente estabelecidos. É o enfoque da psi-cologia “behaviorista” ou comportamental, que tem como seu principal representante Skinner e se embasa no jogo de estímulos e recompensas. A este respeito são bem conhecidas as teorias do cientista norte--americano David Berlo, que atribui ao hábito um papel de grande im-portância na comunicação. Por hábito, entende Berlo, “a relação entre o estímulo e a resposta que a pessoa dá a este, resposta pela qual recebe recompensa (como se vê, um princípio muito semelhante à teoria dos reflexos condicionados de Pávlov). Portanto, para ele, a recompensa de-sempenha um papel de importância capital nas técnicas de comunica-ção. São elas que determinam a criação de novos hábitos no indivíduo, assim como o ritmo e o volume de sua aprendizagem. Quanto maiores a recompensa oferecida e a rapidez com que se concretize, maior eficácia terá a resposta ante o estímulo e mais se desenvolverá e se fortalecerá o novo hábito em substituição ao antigo”. Em consonância com estes

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preceitos, Berlo recomenda aos comunicadores sempre oferecer um in-centivo ao seu público, uma recompensa em cada mensagem; e que seja uma recompensa rápida, prontamente alcançável. “Planeje o que pode levar o seu público à ação”.

Um fato sugestivo que talvez se explique pela influência dessas teorias educacionais: na implementação de muitos planos de desenvolvimento na América Latina, as ações de comunicação consideradas necessárias para seu êxito não ficam ao encargo de comunicadores-educadores, mas sim de agências de publicidade comercial. Talvez se considere que es-tas agências, acostumadas a convencer o público a comprar e consumir determinados produtos por efeito de campanhas massivas, conhecem e manejam melhor que ninguém os mecanismos, técnicas e recursos baseados no jogo de estímulo e recompensa.

Mesmo assim, chama a atenção que este tipo de comunicação edu-cativa, no uso do rádio, prefira empregar “campanhas massivas” cons-tituídas de “spots” de dez ou vinte segundos insistentemente repetidos em vez de programas de 15 ou 30 minutos, nos quais se pode explicar os fundamentos e objetivos comportamentais a que se propõe e também desenvolver um raciocínio.

Como bem assinala Díaz Bordenave em seu estudo, não há dúvida que “em termos de eficácia e eficiência, este tipo de educação oferece evidentes vantagens sobre o da educação “bancária” descrito anterior-mente. No entanto, os críticos enumeram sérias dúvidas, como as se-guintes:

“Quando os objetivos são estabelecidos de maneira específica e re-lativamente rígida pelo professor, instrutor ou comunicador, o aluno se acostuma a ser guiado por outros. Se, além disso, as recompensas ou reforços são também estabelecidos por outros, o aluno se habitua a con-formar sua vida ao apoio e aprovação de forças externas.”

Em segundo lugar, “se implantam ou reforçam valores de caráter mercantil ou utilitário, tais como o êxito material como critério de rea-lização pessoal, o consumismo, o individualismo, a competição, a renta-bilidade”, a obtenção de lucros econômicos pessoais como objetivo bá-sico da vida etc. (a mesma noção de recompensa pessoal consubstancia estes valores). Em troca, deixam-se de lado a atividade cooperativa e os valores solidários e comunitários, “tão indispensáveis para um conti-nente subdesenvolvido, cuja força está na união dos mais fracos”.

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Por outro lado – e esta talvez seja uma das críticas mais relevantes –, “o método não foca atenção no desenvolvimento da inteligência em si, a qual aqui somente se produzirá como uma consequência subsidiá-ria. Por dar importância somente aos resultados que alcancem objetivos pré-estabelecidos, é duvidoso que este tipo de educação contribua com o desenvolvimento da criatividade, da originalidade e da consciência crítica. Tampouco que favoreça a inter-relação com o ambiente natural e social nem uma globalização integrada dos conhecimentos adquiridos.”

“Se é atribuída à comunicação uma função instrumental e persuasi-va, deixa-se de lado outras importantes como a de autoconhecimento, autoexpressão, relacionamento mútuo, animação social, promoção do desenvolvimento da consciência social e consciência crítica da popu-lação.”

Porém, mesmo em termos de mera eficácia, este tipo de educação está sendo questionado, pois na opinião de muitos analistas os resul-tados obtidos são contraproducentes em relação aos objetivos deseja-dos. A comunicação aplicada à transferência de tecnologia agrícola, por exemplo, vem tendo como resultado, na maioria dos casos, a rejeição das mensagens pelos usuários, conforme asseguram estes estudiosos.

Cada vez se torna mais evidente que nenhum desenvolvimento é possível – nem em termos de mero crescimento econômico – sem a participação ativa da comunidade, sem tomada autônoma de decisões, sem criatividade, sem iniciativa. E isto, entre outros motivos, porque o desenvolvimento da América Latina não pode oferecer “recompensas” individuais imediatas. Pelo contrário, exige espírito de luta, sacrifício livremente assumido, cooperação comunitária.

O terceiro tipo: educação com ênfase no processo

Este tipo de educação, como caracteriza Díaz Bordenave, “destaca a importância do processo de transformação das pessoas e das comuni-dades. Não se preocupa tanto com a matéria a ser comunicada nem com os resultados de comportamento, mas com a interação dialética entre as pessoas e sua realidade e o desenvolvimento da capacidade intelectual e da consciência social”.

Não se trata de um tipo de educação que negue ou desconsidere as necessidades e exigências do desenvolvimento. Porém, parte de uma concepção distinta deste desenvolvimento, visto aqui como uma

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reali-zação integral do homem, que há de conduzi-lo não somente a ter mais, como tanto quanto a ser mais. Além disso, ainda entende que mesmo para alcançar as metas de um desenvolvimento puramente quantitativo e material é necessária uma profunda transformação na educação do povo que constitua homens pensantes, capazes de participar ativamente do processo, mais responsáveis e criativos.

Ao se observar bem este modelo, vê-se que também tende, como o anterior, a uma certa “mudança de atitudes”. Porém, não associado apenas ou principalmente à adoção de novas tecnologias. A mudança fundamental aqui consiste em passar de um homem acrítico para um crítico; de um homem a quem os condicionamentos do seu meio trans-formaram-no de passivo, conformista, fatalista a um homem que assu-ma seu próprio destino; um homem capaz de superar suas tendências egoístas e individualistas e se abrir aos valores solidários e comunitários. Se é possível esquematizar o primeiro tipo de educação como a que propõe primeiro que o sujeito aprenda e o segundo como aquele que busca que ele faça, se poderia dizer que este terceiro tipo procura que o homem pense.

Como expressa Paulo Freire, “se a vocação ontológica do homem é a de ser sujeito e não objeto, somente poderá desenvolvê-la na medida em que a insere criticamente, refletindo sobre suas condições de tempo e de espaço. Quanto mais é levado a refletir sobre sua situação, seu enraiza-mento espaço-temporal, mais emergirá dela conscientemente ‘carrega-do’ de compromisso com sua realidade, da qual, porque é sujeito, não deve ser mero espectador, mas intervir cada vez mais”.7

7 Como o leitor já deve ter notado, essa educação tem muito em comum com os prin-cípios filosóficos de Freire. Mesmo assim, não se deve identificá-la sem mais com a “conscientização”. Esta última é um método particular, com suas características próprias e seus passos metodológicos precisos. O próprio Freire tem protestado in-sistentemente contra o que considera o emprego abusivo do termo “conscientização”, cunhado por ele, e reclamado sua utilização exclusiva para designar o método que criou e denominou com este vocábulo. Não se deve confundir, pois, um tipo de edu-cação, como o que aqui descreve Díaz-Bordenave, com uma metodologia específica. O primeiro é muito mais amplo e pode abarcar diversas metodologias – a “cons-cientização” e outras – que conduzam ao mesmo fim e tenham em comum a mesma filosofia educativa. Por outro lado, no nosso caso, ao tratar do uso do rádio, somos particularmente levados a fazer essa distinção, já que o método de Freire é exclu-sivamente interpessoal, “cara a cara”, e não inclui o uso do meios de comunicação coletiva.

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Trata-se de uma educação problematizadora. A primeira consequên-cia metodológica que aponta Díaz Bordenave é que, neste modelo, “a comunicação e a educação têm por objetivo ajudar a pessoa a proble-matizar sua realidade, tanto física quanto social. Busca estimular a inte-ligência do homem, para que aumente e torne mais complexa sua estru-tura e mais rápido e flexível seu funcionamento”. O que importa é que, mais que aprender coisas, o sujeito aprenda a aprender; que seja capaz de raciocinar por conta própria, de “superar as constatações puramente empíricas e imediatas dos fatos observados e desenvolver sua própria capacidade dedutiva”. O que o adulto carente de educação necessita não é somente conhecimentos, mas também – e tanto quanto – de instru-mentos para pensar. Sua maior carência não está nos dados e noções que ignora, mas nos condicionamentos de seu raciocínio não exercita-do, que o reduzem apenas ao que é capaz de perceber em seu entorno imediato, no contingente.

É por isso que, conforme acertada síntese de O’Sullivan-Ryan, este tipo de educação procura “cultivar a inteligência mais que a memória; mais que o ensino e o processo de ensinar seu interesse é pela aprendi-zagem e o seu processo: o de aprender a aprender. Considera como vital a atividade da inteligência e da vontade de alcançar precisamente uma educação libertadora, que devolva ao homem sua própria humanidade”.8

Junto ao desenvolvimento da inteligência, este tipo de educação pro-cura também desenvolver a consciência. Busca favorecer um processo que leve ao questionamento e à transformação dessa visão de mundo sossegada e fatalista que torna letárgicas as massas latino-americanas e constitui um fardo paralisante para o seu autêntico desenvolvimento. É o processo que Paulo Freire define quando distingue diferentes estágios de consciência, falando da passagem da consciência mágica para a cons-ciência ingênua e, desta, para a crítica.

Porém, para Díaz Bordenave, “o maior triunfo deste tipo de educa-ção é a tomada de consciência da própria dignidade, do próprio valor como pessoa, da liberdade essencial que o homem tem para realizar-se plenamente como tal (...) em sua livre entrega aos demais homens”.

8 JERRY O’SULLIVAN-RYAN: Pedagogia dos Meios. Palestra para o Seminário sobre Pedagogia da Educação Radiofônica organizado por ISI (Fundação Adenaner Kon-rad Denauer) e ALER, Santiago de los Caballeros, República Dominicana, abril 1975. O autor é professor da Universidade de Stanford.

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Evidentemente, este tipo de educação envolve a participação e pre-para pre-para a mesma. ‘Corresponde à educação popular criar as condições pedagógicas para uma prática de participação’9. Para fins de sua aplica-ção no rádio, convém enfatizar esta acertada formulaaplica-ção. Em uma rea-ção compreensível e saudável, mas, no nosso entendimento, exagerada, em contraposição ao verticalismo imperante nos tipos tradicionais de comunicação, surgiu uma corrente que só aceita como válida se é “hori-zontal” e participativa. Assim, serão reconhecidos como instrumentos válidos de educação popular aqueles programas de rádio em que o povo se autoexpressa diretamente “sem intermediários” e onde deixa de ser ouvinte para “fazer ouvir sua própria voz”.

Se valorizamos este tipo de comunicação e lhe atribuímos grande importância na programação, acreditamos que nem todo programa de rádio pode responder a este modelo nem tem porque cumpri-lo sempre. O importante é que contribua à participação, que a prepare, que crie, como dizem Bezerra e García Ramírez, “as condições pedagógicas para uma prática participativa”. Um programa de rádio pode fazer muito e constituir-se em um elemento muito útil e válido de comunicação po-pular se parte da realidade social concreta do grupo humano ao qual se dirige, se o ajuda a assumir e tomar consciência desta realidade e se identifica em sua ação educativa os interesses sociais do grupo. A prática participativa não consiste tanto em que “o povo fale pelo rádio”. É algo mais amplo e global. Pode-se exercer através de distintas organi-zações populares e de distintas ações. A contribuição de um programa de rádio pode, muito bem, ser a de preparar esta prática, removendo os obstáculos culturais internalizados no ouvinte etc.10

Uma síntese – Díaz Bordenave resume assim os imperativos desta

pedagogia:

9 AIDA BEZERRA Y PEDRO GARCIA RAMIREZ: Considerações sobre Avaliação em Educação Popular. Conferência proferida no curso de Pós-graduação em Comuni-cação (disciplina ComuniComuni-cação e EduComuni-cação Popular) da Universidade de Brasília. Junho 1975. Cit. Por Díaz Bordenave, op. cit.

10 Estamos conscientes da forma simplificada e limitada com que nos vemos obriga-dos a tratar aqui temas tão novos e que implicam uma problemática da comuni-cação tão importante. Devido ao caráter deste livro e à limitação de espaço, não podemos discuti-los com a amplitude desejável.

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1. facilitar a observação da realidade e a problematização para que as pessoas busquem soluções adaptadas a sua própria situação; 2. facilitar o diálogo, a participação e a cooperação, de modo que

as pessoas aprendam a conviver, a articular problemas comuns e a resolvê-los juntos;

3. estimular o desenvolvimento da inteligência, da racionalidade e da consciência, de modo que cada indivíduo aprenda a pensar, a tomar suas decisões e a planejar seu comportamento de forma autônoma e madura;

4. promover a aquisição de uma visão integrada e global da reali-dade;

5. facilitar o acesso à recepção e à expressão de todos os habitantes da nação, evitando que a comunicação e a educação sejam pri-vilégios de poucos.

Consequências para nosso fazer radiofônico

Obviamente, o rádio não vai operar sozinho este processo educati-vo. Porém, pode contribuir com ele e funcionar como instrumento do mesmo.

Que características devem ter nossos programas de rádio se preten-demos produzir este tipo de educação? Mencionaremos algumas:

1. serão programas que tendem muito mais a estimular os ouvintes a desenvolverem um processo, mais do que incutir conhecimen-tos ou perseguir resultados práticos imediaconhecimen-tos;

2. programas que vão ajudar o ouvinte a tomar consciência da rea-lidade que o rodeia, tanto física quanto social; vão integrar-se a essa realidade partindo de sua própria problemática concreta, de sua situação vivencial;

3. facilitarão à audiência os elementos para compreender e proble-matizar essa realidade. Serão programas problematizadores; 4. estimularão a inteligência exercitando o raciocínio, fazendo

pensar e conduzindo a uma reflexão;

5. devem identificar-se com as necessidades e os interesses da co-munidade popular a que se dirigem. Também devem procurar fazer com que ela descubra essas necessidades e interesses;

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6. vão estimular o diálogo e a participação. Em alguns casos, terão a forma de programas diretamente participativos e em todos ca-sos, “criarão as condições pedagógicas para o desenvolvimento de uma prática de participação”. Acentuarão os valores comuni-tários e solidários, levando à união e à cooperação;

7. também estimularão o desenvolvimento da consciência crítica e a tomada de decisões autônoma, madura e responsável;

8. vão colaborar para que o ouvinte tome consciência da própria dignidade, do próprio valor como pessoa.

A forma e a intensidade com que nossos programas de rádio vão assumir estas características estarão naturalmente condicionadas por vários fatores. Entre outros, por fatores externos. “Os objetivos de um programa de comunicação e educação – observa o autor citado – não existem no vazio. São condicionados pelo momento histórico e circuns-tâncias do lugar em que a audiência se encontra”.

E mesmo com supostas condições externas mais favoráveis, deve-rão estar “autocondicionados” também por exigências da mesma peda-gogia. Para ser eficaz, um processo como este que estamos analisando deverá ser sempre lento, gradual e realista: sua própria natureza implica etapas, graus. Deverá sempre partir do estado de consciência em que se encontram os ouvintes e não cair no erro de adiantar-se a ele. Não pode propor, prematuramente, formulações que em lugar de ajudarem a tomada de consciência, só vão gerar incompreensão e rejeição, por dirigir-se a ouvintes que ainda não estão em condições de assimilá-las. O responsável por um programa de rádio como o que estamos tratando de definir, deve lembrar sempre que o público ao qual se dirige ain-da não alcançou uma consciência crítica, porque se assim fosse já não necessitaria do programa. Respeitar as pessoas é também respeitar seu ritmo, sua capacidade de captação.

A transferência tecnológica com este novo enfoque

Mesmo naquelas situações em que as possibilidades da comunicação radiofônica se veem reduzidas a objetivos muito limitados, o comunica-dor que adere a este tipo de educação sempre poderá, ainda dentro des-tas limitações, prestar um serviço. Será modesto e restrito, mas valioso mesmo assim.

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Esboçamos aqui alguns exemplos do que podem ser estes “serviços mínimos”.

Suponhamos que o programa radiofônico sob nossa responsabi-lidade tem, como único tema, a transferência de tecnologia (seja em agricultura, saúde, alimentação, higiene, indústria etc.). É, certamente, uma temática limitada e limitante. Contudo, é preciso convir, como bem demarca Díaz Bordenave, que mesmo uma educação do terceiro tipo não pode nem deve desentender-se com esta classe de temas, já que “qualquer seja a ideologia adotada por um país, a aplicação da ciência para o domínio da natureza sempre será importante”.

Pois bem: mesmo tendo que se restringir a uma temática tão recor-tada, sempre temos uma alternativa a nossa frente. Ou bem seguir o clássico modelo vertical-persuasivo-difusionista, com o qual a tecno-logia se converterá em “um instrumento muito mais de alienação”, ou bem procurar, por meio da forma como efetivamos a comunicação, “ao menos um mínimo de desenvolvimento da consciência crítica dos des-tinatários da nossa mensagem”.

E este último sempre é possível se o tomarmos como objetivo, por mais limitados que nos encontremos. Tudo dependerá de como estru-turamos nossa mensagem, de como apresentamos o tema. Qualquer tema pode ser apresentado de forma puramente vertical ou em outra, que mobilize a capacidade de raciocinar do ouvinte e o leve a fazer um exercício mínimo de raciocínio e de participação pessoal no processo de aprendizagem.

Pode-se dar noções de cooperativismo e explicar o mecanismo de comercialização de uma cooperativa de maneira clássica, vertical, li-mitando-se a uma mera informação. Ou então buscar e conseguir que os ouvintes participem do processo de compreensão; que façam ques-tionamentos, que se perguntem o porquê das disposições da sua regu-lamentação e assim vivenciem, como experiência pessoal, o espírito cooperativista que as fundamentam; que desenvolvam seu sentido de responsabilidade e participação com respeito a sua cooperativa.

Nos capítulos práticos deste livro, o leitor encontrará variados exem-plos e pautas inspiradoras para enquadrar seus programas nesta peda-gogia. Mas não se trata tanto de normas e receitas técnicas. Confiamos que, a esta altura de nossa exposição, o leitor já terá compreendido que enquanto para uma pedagogia vertical é fácil enunciar uma série de

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re-gras fixas nas quais enquadrar os programas de rádio, para este novo en-foque pedagógico as receitas já não são tão simples. Por sua própria na-tureza, esta pedagogia requer flexibilidade, criatividade. O importante é que enquanto o comunicador do primeiro tipo, ao avaliar seu programa, se pergunta: “consegui que o aluno aprenda?” e o do segundo: “conse-gui que o sujeito faça o que foi proposto?”, o desta nova pedagogia se questione: “fiz com que o ouvinte pense? Estimulei sua reflexão pessoal, levei-o a problematizar-se, a se fazer perguntas, contribuí de alguma maneira para enriquecer sua capacidade de raciocinar por si mesmo?”.

A mudança de cenário cultural

Aqui está outro exemplo, modesto e possível, de como aplicar esta nova pedagogia comunicacional.

Uma infinidade de estudos sobre a realidade do meios de comuni-cação de massa assinala que eles estão provocando alarmante índice de alienação cultural. É sabido que um dos requisitos básicos de um au-têntico desenvolvimento autônomo é a afirmação da identidade cultural de cada nação. Um problema de notória gravidade e força no rádio e televisão regionais, porém, é a influência externa que se manifesta numa infinidade de aspectos, chegando a configurar, em muitos casos, uma situação de dependência cultural.

Basta sintonizar o receptor de rádio ou o aparelho de TV para perce-ber essa perda de identidade cultural. No rádio latino-americano, pre-valece fortemente a música importada, enquanto a música própria das culturas autóctones ocupa um lugar cada vez menor. Por exemplo: nas emissoras de rádio centro-americanas, em média 56% do tempo total de transmissão são absorvidos por gravações de música estrangeira e para a local só se destinam 3,5%. Ou seja: uma cota 12 vezes menor.

Muitas das canções que se produzem hoje na América Latina são imitações de ritmos importados e pouco têm de latino-americanas, ain-da que compostas na região. Não deixa de ser preocupante que, para se impor, muitos intérpretes populares estão cantando em espanhol com uma estranha e artificial dicção estrangeira e desfigurando a vocaliza-ção. Já a nossa bela música nativa corre sério perigo de extinvocaliza-ção.

Pois bem, neste contexto, um programa que se dedique a revalorizar, a resgatar e a fazer com que o povo redescubra e volte a apreciar seu autêntico folclore (não o pseudo folclore padronizado geralmente

Referências

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