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jonathanhenrisebastiaojaumont

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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL. JONATHAN HENRI SEBASTIÃO JAUMONT. DEPENDÊNCIA E CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO: APONTAMENTOS PARA UM DIÁLOGO NECESSÁRIO. JUIZ DE FORA 2017.

(2) JONATHAN HENRI SEBASTIÃO JAUMONT. DEPENDÊNCIA E CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO: APONTAMENTOS PARA UM DIÁLOGO NECESSÁRIO. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, Área de Concentração Questão Social, Território, Política Social e Serviço Social, da Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal de Juiz de Fora como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Serviço Social. Orientador: Dr. Rodrigo de Souza Filho. JUIZ DE FORA 2017.

(3) Ficha catalográfica elaborada através do programa de geração automática da Biblioteca Universitária da UFJF, com os dados fornecidos pelo(a) autor(a). Jaumont, Jonathan Henri Sebastião. Dependência e capitalismo contemporâneo : apontamentos para um diálogo necessário / Jonathan Henri Sebastião Jaumont. -- 2017. 122 p. Orientador: Rodrigo de Souza Filho Dissertação (mestrado acadêmico) - Universidade Federal de Juiz de Fora, Faculdade de Serviço Social. Programa de Pós Graduação em Serviço Social, 2017. 1. Capitalismo Dependente. 2. Capitalismo Contemporâneo. 3. Imperialismo. 4. Padrão de Reprodução do Capital. 5. América Latina. I. Souza Filho, Rodrigo de, orient. II. Título..

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(5) À América, nossa utopia em forma de meninona.. À Renata, pela coragem e pelo companheirismo em tempos, violentamente, incertos e solitários. À mamie et vovô qui, definitivement, ferma et ouvrit cette étape.

(6) AGRADECIMENTOS. Os agradecimentos, talvez, não seriam tão difíceis se não soubéssemos que esta é, exatamente, a primeira – e, muitas vezes, a única – parte de nosso trabalho que será lida. As gafes, neste momento, podem ser, portanto, decisivas. Brincadeiras à parte, a verdade é que tantas coisas concorreram, decididamente, para que esta dissertação saísse que a possibilidade de não ser exaustivo é, além de injusta, muito provável. Peço, por isso, compreensão. Mais uma vez... Primeiramente, Fora Temer! e, com a mesma convicção, muito obrigado, gata! Não é possível vislumbrar nem os primeiros passos desta jornada sem você. É provável que estivesse mesmo rumo à repetitivas tarrafadas em meio ao vento Sul, se não fosse seu empolgante chamado. Construir nosso horizonte comum é, sem dúvidas, das tarefas mais instigantes e desafiadoras existentes. Fazê-lo impulsionado por sua coragem e sua generosidade alarga as certezas de novos tempos possíveis! Para América que, ainda, não lê, não poderia faltar o reconhecimento que foi sua chegada que finca, diariamente, meus pés no chão e me torna o homem que, atualmente, sou. Sua alegria genuína e seus passos decididos, entre choros intensos e gargalhadas compartilhadas, imbui nossa jornada de orgulho e esperança. Este trabalho é, também, dedicado à Mamie e ao Vovô que, com seus desaparecimentos físicos, marcaram, respectivamente, o final e o início desta caminhada. Poucas pessoas me marcaram tão profundamente. Sua dedicação amorosa se combinava a um exemplo de perseverança, provavelmente, forjadas nos anos em que, como judeus em meio à ocupação nazista, lutaram no seio das combativas organizações de resistência na França. A quieta sabedoria de Vovô e a carinhosa intransigência de Mamie formaram, por um longo período, uma aconchegante – ainda que conflituosa – referência sentimental. Eu poderia, com certeza, escrever livros sobre esses dois e o que vivemos juntos. É impressionante como nossa convivência parece ter, contraditoriamente e sem muito esforço consciente, me transmitido ideais tão caros aos meus avós e aqueles que lutam por dignidade em todo mundo. Na falta de tempo fica, por enquanto, este singelo, mas profundo agradecimento. À Johanna que, certamente, só lerá estas linhas se eu insistir: muito obrigado por aguentar tudo e, ainda assim, valorizar seu irmão. Te admiro por isso e espero estar à altura para o.

(7) estreitamento de nossa parceria. À mamãe que, desde suas raízes e seus sonhos, permitiu que vislumbrássemos o mundo em sua contraditoriedade. Se não nos acomodamos com transitórios privilégios que usufruíamos foi, também, graças a você. Além disso, não estaria aqui, concluindo esta dissertação, se não fosse o resgaste materno providencial das tentações e depressões francesas. Do Sri Lanka para Floripa, este momento tem a marca de seu discreto e atento acompanhamento. Ao papai que, no seu abrasileiramento, se humanizou e se aproximou, ainda que a rigidez e a frieza europeia rondem, sempre, suas paragens. Sua insistência no esforço escolar e no sucesso profissional – próprios da mentalidade francesa – permitiram, por caminhos tortuosos, o desenrolar de minha trajetória acadêmica. Por outro lado, ter conseguido discernir no surfe um projeto em comum foi, para ambos, um novo momento familiar fundamental. Obrigado, por fim, à família belo-horizontina que, de braços abertos, sempre, nos acolhe. À Dalma pelas preciosas e, por vezes, cruciais ajudas cotidianas; à Cinthia e ao Gui pela proximidade e solidariedade; à Kal pela erudição etílica e pelas brincadeiras que o fazem, de longe, meu melhor sogro e à Vanda e à Luiza pela cumplicidade. Vocês fazem de nossa Belo Horizonte um lugar mais caloroso. E já que, ainda, estamos nos agradecimentos familiares e na ternura belohorizontina é preciso terminar agradecendo, profundamente, todas e todos da Quintal da Leste. Este corajoso espaço de auto-organização parental na busca por uma educação libertadora e pela preservação da infância é, de fato, hoje, parte integrante de nossa vivência familiar. Ao Instituto de Estudos Latino-Americanos (IELA) por resistir, bravamente, e conseguir manter esta referência intelectual crítica fundamental nestes tempos conservadores. Por vezes, me pergunto onde eu estaria se o IELA não tivesse permeado meus estudos na graduação. Com efeito, é possível mesmo que tenha me graduado em estudos latino-americanos em plena graduação de Serviço Social. Isto só foi possível pelo incitante convite político e intelectual que o IELA – e, em especial, Nildo Ouriques, Elaine Tavares, Beatriz Paiva e Waldir Rampinelli – emana pelos corredores da UFSC. Minhas bases teóricas, minha capacidade e minha autonomia intelectuais foram gestadas nesse ambiente em que o acadêmico é, absolutamente, secundarizado frente aos desafios de inventar para não errar e de compreender para transformar. Sou muito grato por compartilhar este horizonte coletivo. Neste barco, um agradecimento às companheiras e aos companheiros de militância teórica, já que é disto que se trata na universidade brasileira. Às manas Mirella Rocha e Dilceane Carraro pela paciência, pela orientação e pela ousadia nas.

(8) trincheiras do Serviço Social. Foi com vocês que eu, finalmente, entendi para onde ia. Ao Professor – com P maiúsculo – Jaime Osório por seguir produzindo diante das adversidades vigentes para o pensamento crítico latino-americano. É destes poucos mestres capazes, em plena humildade, de inspirar, criticamente, gerações de estudantes. Sua generosidade e perseverança alentam a consolidação de um novo impulso da Teoria Marxista da Dependência no Brasil e na América Latina. Às Brigadas Populares, da qual faço parte, por me distanciar, desde logo, de uma formação livresca. Aqui conforma-se a relevância dos projetos empreendidos teoricamente. Com efeito, estes não passam da faceta ideal de um desafio político militante arraigado no trabalho coletivo e cotidiano com as maiorias deste país. Neste sentido, se há uma motivação originária neste trabalho é, precisamente, a necessidade de informar, adequadamente, os rumos de uma transformação societária radical em favor do povo brasileiro. Me alimento, assim, na realidade, de um sonho compartilhado de abundância, soberania e dignidade popular e, por isso, sou, profundamente, grato. Uma menção especial às camaradas e aos camaradas de Juiz de Fora – Luiz, Érica, Lethicia, Lia e Anna – que toparam esta jornada e acalentaram o período que ali moramos e de Belo Horizonte por nos acolher nesse potente turbilhão militante. Aos da antiga – Paty, Dago, Marivone, Diógenes, Luana, Ceará, Arland, Luiz, Carol, Matheus e tantas outras e tantos outros – meu carinho eterno! Ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Juiz de Fora por permitir que integrasse o corpo discente de seu mestrado e desenvolvesse este trabalho. Me lembro, exatamente, da primeira impressão que tive quando entrei na Aula Inaugural do ano que iniciei este percurso. Na mesa, debatiam, ninguém menos que, Jaime Osório e João Pedro Stedile, enquanto os estudantes do curso de especialização em estudos latino-americanos, em parceria com a Escola Florestan Fernandes, preparavam a mística final. Arrepiante. Foi a primeira vez que América foi a um evento público. Era a véspera de seu aniversário de dois meses e ganhou um livro autografado por Jaime Osório – presente para os pais, é obvio. O rigor meticuloso de Elcemir Paço Cunha, a erudição convidativa de Ronaldo Vielmi Fortes, o Gramsci atual de Cristina Simões Bezerra, a espacialização teórica de Marina Barbosa Pinto, as frutíferas polêmicas com Ana Lívia de Souza Coimbra e Elizete Menegat e os debates que levaram a este projeto com Carina Berta Moljo e Alexandra Aparecida Leite Toffanetto Seabra Eiras.

(9) conformaram os momentos que, em sala de aula, me levam a agradecer o corpo docente deste Programa. Ao Rodrigo de Souza Filho, meu orientador, por conseguir encontrar tempo, em meio à sua atarefada rotina, para as correções e as orientações desta dissertação. Pela paciência, também, obrigado. À banca de qualificação, nas figuras do Prof. Marcelo Braz e do Prof. Elcemir Paço Cunha. Sua convicção que eu estava errado, tanto histórica, quanto teoricamente, elevou a exigência deste estudo e alargou meus objetivos iniciais. Por isso, sou grato. À banca de defesa, nas figuras da Profa. Cristina Simões Bezerra – que, por coincidência, abriu aquela Aula Inaugural arrepiante e que, desde então, passei a admirar – e do Prof. Claudio Roberto Marques Gurgel que contribuíram, generosamente, no debate das teses defendidas neste trabalho. Às migas e migos do mestrado pela ajuda imprescindível de Ana Paula, pelas emoções com Andressa, Nicole, Victor e Michele e pelos debates com Eunice, Cátia, Danielle, Érica, Felipe, Lorhana, Pricilla, Silmai, Renata, Thássia e Thays. Vocês, também, fizeram de Juiz de Fora um lugar menos difícil. E, finalmente, à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) que financiou, com parcos recursos, esta pesquisa. Uma obrigação, infelizmente, malfeita demais para ser louvada..

(10) “Primeiramente, Fora Temer!” Dito popular. Há dois lados na divisão internacional do trabalho: um em que alguns países especializam-se em ganhar, e outro em que se especializaram em perder. Nossa comarca do mundo, que hoje chamamos de América Latina, foi precoce: especializou-se em perder desde os remotos tempos em que os europeus do Renascimento se abalançaram pelo mar e fincaram os dentes em sua garganta. Passaram os séculos, e a América Latina aperfeiçoou suas funções. Este já não é o reino das maravilhas, onde a realidade derrotava a fábula e a imaginação era humilhada pelos troféus das conquistas, as jazidas de ouro e as montanhas de prata. Mas a região continua trabalhando como um serviçal. Continua existindo a serviço de necessidades alheias, como fonte e reserva de petróleo e ferro, cobre e carne, frutas e café, matérias-primas e alimentos, destinados aos países ricos que ganham, consumindo-os, muito mais do que a América Latina ganha produzindo-os. (….) É a América Latina, a região das veias abertas. (GALEANO, 1985).

(11) RESUMO. Este trabalho se insere num esforço coletivo de atualização da Teoria Marxista da Dependência, tentando entender a configuração atual da dependência na América Latina em diálogo com autoras e autores que vêm caracterizando o capitalismo contemporâneo. Para tanto, começamos pela contextualização histórica deste marco teórico e pela recuperação de seu núcleo fundamental. Depois, tratamos, a partir das transformações societárias da década de 1970, ligadas, especialmente, à reestruturação produtiva mundial e à financeirização, de reconstituir a conformação de um novo padrão mundial de acumulação do capital e de um novo imperialismo, decisivamente, vinculados aos interesses estadunidenses. Por outro lado, analisaremos a configuração de uma nova divisão internacional do trabalho com novas formas de transferência de valor da periferia para o centro, modificações nas modalidades de superexploração do trabalho e um novo subimperialismo na região, implicando uma dependência contemporânea. Estudaremos, ainda, a constituição decorrente de um novo padrão de reprodução do capital na América Latina, que tem no seu eixo exportador e na especialização produtiva das economias latino-americanas seus traços particulares. Por fim, passamos, rapidamente, pela reconstituição do ciclo de reprodução da mineração do minério de ferro como exemplo de aplicação do esquema teórico proposto para estudar concretamente os movimentos do capital no seio de uma economia dependente. Palavras-chave: Capitalismo Dependente. Capitalismo Contemporâneo. Imperialismo. Padrão de Reprodução do Capital. América Latina..

(12) SUMÁRIO. INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 10 CAPÍTULO I – TEORIA MARXISTA DA DEPENDÊNCIA: BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO E NÚCLEO TEÓRICO FUNDAMENTAL ............................................................................... 15 1.1. Teoria Marxista da Dependência: breve contextualização ................................................... 15 1.1.1. Ideologia burguesa latino-americana: o papel da CEPAL ................................................. 15 1.1.2. O debate na esquerda: ascenso e crise da Teoria Marxista da Dependência ...................... 19 1.1.3. A polêmica entre Fernando Henrique Cardoso e Ruy Mauro Marini ................................ 24 1.2. Teoria Marxista da Dependência: núcleo teórico fundamental............................................. 31 1.2.1. Reconstrução histórica do fundamento da dependência: divisão internacional do trabalho e superexploração da força de trabalho......................................................................................... 32 1.2.2. Significado e particularidade da superexploração: violação da lei do valor e contra tendência do capitalismo dependente......................................................................................... 37 1.2.3. Industrialização e superexploração: naufrágio das ilusões desenvolvimentistas, eixo exportador e esferas diferenciadas de consumo ......................................................................... 40 1.2.4. Superexploração e subimperialismo: impasse da industrialização dependente e arranjo expansionista subordinado ........................................................................................................ 44 CAPÍTULO II – O CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO ...................................................... 50 2.1. Crise estrutural e precisão teórica da fração dominante atual: pano de fundo da situação contemporânea, capital a juros e capital fictício ......................................................................... 50 2.2. Reordenamento político-econômico mundial: hegemonia estadunidense e financeirização da economia global ........................................................................................................................ 54 2.2.1. De Bretton Woods ao dólar flexível: a viragem fundamental estadunidense ..................... 54 2.2.2. Das crises dos anos 1970 à acumulação flexível: contra-tendências da queda tendencial da taxa de lucro ............................................................................................................................. 56 2.2.3. Do capital fictício aos lucros fictícios: o novo pilar da economia mundial ....................... 60 2.2.4. Do sistema financeiro mundial às suas crises financeiras: contradições estruturais e agudização dos dilemas societários ........................................................................................... 63 2.3. Imperialismo e capitalismo contemporâneo ........................................................................ 66 2.3.1. A necessária espacialização do imperialismo ................................................................... 68 2.3.2. Traços distintivos do imperialismo contemporâneo .......................................................... 72 CAPÍTULO III – DEPENDÊNCIA CONTEMPORÂNEA E PADRÃO ATUAL DE REPRODUÇÃO DO CAPITAL NO BRASIL ........................................................................... 76 3.1. Dependência Contemporânea: elementos para a caracterização de uma nova fase ............... 77 3.2. Padrão atual de reprodução do capital na América Latina ................................................... 86 3.2.1. Padrão de reprodução do capital: enquadramento teórico-metodológico .......................... 86 3.2.2. O novo padrão exportador de especialização produtiva .................................................... 92 3.2.3. O minério de ferro: um esboço para a reconstituição do ciclo de acumulação e reprodução de um eixo prioritário da economia brasileira ...........................................................................101 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................................106 BIBLIOGRAFIA ..................................................................................................................... 113.

(13) INTRODUÇÃO. A retomada do debate marxista da dependência, no contexto atual, é um verdadeiro desafio teórico-político. As peculiaridades de sua trajetória impõem que todo esforço nesta direção comece por limpar o campo. Com efeito, o longo período em que a Teoria Marxista da Dependência foi, ao menos no Brasil, desconhecida, força um penoso caminho preliminar de recuperação de seu núcleo teórico e de justificação de sua legitimidade e capacidade explicativa. Para este silenciamento concorreram muitos fatores, como veremos no Capítulo I, mas é de se notar a extensão e a profundidade da hegemonia teórica que o imperialismo e a ditadura civil-militar lograram conformar, em nosso país, em torno de uma dinâmica acadêmica alicerçada na valorização das teorias forjadas nos países centrais. Além disso, o ocultamento interno, conscientemente, construído para que o próprio conceito de dependência fosse vinculado, imediata e principalmente, à figura de Fernando Henrique Cardoso gera confusões vigentes até hoje, como veremos adiante. Por outro lado, a ligação de seus intelectuais e suas concepções às formulações e organizações de uma nova esquerda latino-americana nascida, justamente, do conflito com o reformismo sessentista e seu aniquilamento físico e cultural, nos anos ditatoriais, mas, também, neoliberais, tiveram um impacto substantivo para seu isolamento teórico-político. As conjunturas recentes na América Latina, no entanto, tornaram este desafio uma necessidade, se entendermos que o notável ressurgimento do debate dependentista não é mera coincidência. Não há dúvidas que isto está, intimamente, ligado ao caráter dos governos progressistas que, naquele momento, ascendiam pelas vias eleitorais1. Com efeito, a necessidade de entender as razões dos limites e das potencialidades, assim como, as profundas distinções que estas iniciativas vinham apresentando, suscitou uma importante discussão para a caracterização destes governos, suas alianças, seus projetos e sobre a estrutura socioeconômica com as quais 1. Referimo-nos às sucessivas eleições de Hugo Rafael Chávez Frías, na Venezuela, desde 1998, e de Nicolás Maduro, desde 2013; à vitória, no Brasil, de Luis Inácio Lula da Silva, em 2002, e sua posterior reeleição em 2006 e eleição de sua sucessora Dilma Rousseff, em 2010 e 2014; à chegada de Néstor Kirchner à Casa Rosada em 2003 e à continuidade com Cristina Kirchner a partir de 2007, reeleita em 2011; ao triunfo eleitoral da Frente Amplia representada por Tabaré Vázquez e José Mujica, no Uruguai, desde 2004; à ascensão de Evo Morales à presidência da Bolívia, desde 2006; à eleição de Rafael Correa, no Equador, desde 2006, e de Daniel Ortega, na Nicarágua, também em 2006; ainda nesse mesmo ano, à disputa acirrada no Peru, à evidente fraude eleitoral no México; por fim, à eleição de Fernando Lugo, no Paraguai, em 2008, e à vitória de Ollanta Humala, no Peru, em 2011.. 10.

(14) estes se confrontavam. Em suma, era preciso responder à altura aqueles que, do alto de seus postos governamentais, orgulhosamente, declaravam uma verdadeira reversão do padrão histórico de acumulação brasileiro no último período (MERCADANTE; 2010). Reencontrou-se, assim, no percurso teórico da constituição desta crítica, um acumulo, de certa forma, esquecido que apresentava elementos para o enfrentamento da situação vigente. Não é, obviamente, que a Teoria Marxista da Dependência tenha sido incorporada, definitivamente, pela teoria social brasileira. Longe disto. Mas, é visível que os aportes deste campo têm tido uma influência crescente no campo crítico. Foram, com efeito, surgindo novas contribuições para o debate cujo marco teórico, apropriado por uma nova geração de pesquisadoras e pesquisadores, tem na Teoria Marxista da Dependência uma referência fundamental. Para muitos, esta parece, apenas, mais uma moda conjuntural – destas que são, periodicamente, importadas dos países centrais e consumidas nos centros universitários brasileiros e latino-americanos. No entanto, ao contrário das tendências eurocêntricas, este é um produto, genuinamente, latino-americano, forjado por uma intelectualidade militante, altamente, comprometida com o destino e a dignidade dos povos deste continente. Talvez, daí se alimente sua potência explicativa, mesmo diante de suas limitações. Seu núcleo teórico fundamental, no entanto, foi elaborado, ao logo da década de 1970, e sua atualização, ainda, é um esforço coletivo em aberto. As imensas transformações contemporâneas, por exemplo, seguem sendo tratadas e sua atualização tem tido, no impulso desta nova geração, uma extensão temática, um espraiamento de seu escopo profissional e um aprofundamento de temas clássicos2. Esta dissertação se insere neste movimento e sofreu, exatamente, das lacunas existentes para encarar, teoricamente, os desafios contemporâneos que assolam as sociedades latino-americanas. Inicialmente, nossa proposta propunha reconstituir o 2. São bons exemplos deste movimento, os estudos sobre o espaço e a renda terra nas economias dependentes, desenvolvidas por Pietro Aruto e Evaldo Gomes Junior (2016a, 2016b), as análises sociológicas da produção de conhecimento na América Latina que deram origem às categorias de Dependência Acadêmica e Intelectual com Fernanda Beigel (2011, 2013, 2016) e de Pesquisa Militante com Renata Versiani (2016), as contribuições no campo do Serviço Social de Beatriz Paiva, Mirela Rocha e Dilceane Carraro (2010), da educação de Allan Kenji Seki (2016) ou da criminologia crítica de Eduardo Granzotto de Mello (2015) e as análises do imperialismo contemporâneo de Marisa Amaral (2013, 2017), do desenvolvimento tecnológico de Diógenes Moura Breda (2015) ou, ainda, do subimperialismo por Mathias Luce (2013) e da questão agrária por Roberta Traspadini (2016). Mesmo se tomarmos a geração anterior a esta, é notável o esforço teórico empreendido por Jaime Osório (2014a, 2014b) no âmbito do Estado e do Padrão de Reprodução do Capital, de Reinaldo Carcanholo (2015) com o tema dos lucros fictícios ou de Adrián Sotelo Valencia (2009, 2012) para a apreensão da reestruturação do mundo do trabalho contemporâneo.. 11.

(15) padrão atual de reprodução do capital no Brasil. Era uma tentativa de apreender os processos estruturais que davam suporte às agitações políticas recentes, a partir do esquema formulado por Ruy Mauro Marini (1979a; 1982; 2005a) e Jaime Osório (2012; 2014b). A hipótese era de que a crise mundial impelia transformações ao arranjo políticoeconômico vigente que a política cristalizada na Presidência, de alguma maneira, refreava, conformando, de certa forma, uma crise de representação a ser superada pelas frações e setores sociais prejudicados. Este, obviamente, é um projeto de largo fôlego que encontraria seus primeiros passos no presente trabalho. Definíamos, em um recorte preliminar, por nos concentrar no âmbito objetivo do padrão para delimitar seus eixos dinâmicos e ciclos de reprodução e circulação, no entanto, o avanço nesta direção nos deparou com a necessidade de aprofundar os impactos da situação contemporânea sobre a dependência e os padrões de reprodução do capital na América Latina. Neste sentido, a banca de qualificação foi fundamental para redirecionar a empreitada e impor um tratamento mais cuidadoso nesta necessária articulação entre dependência e capitalismo contemporâneo. As leituras e a escrita subsequentes foram, pela importância dos processos estudados, empurrando àqueles objetivos iniciais para o final do trabalho e, de certa forma, impelindo à reconstrução do objeto em si. Isto pelo distanciamento do referencial teórico trabalhado sobre o tema da contemporaneidade. De fato e como veremos, também, adiante, parece ter havido, num primeiro momento, certo recuo da concepção, inclusive, marxista, do capitalismo como uma totalidade hierarquizada, mundialmente, pelo binômio imperialismo x dependência. Isto acabou por nos levar a um longo momento de revisão bibliográfica em busca de referências condizentes com tal perspectiva e outro de maturação daquelas reflexões clássicas para sua adequada articulação com nosso referencial teórico. Enfim, estes movimentos se refletiram na reconstrução do objeto e na estrutura da dissertação. No objeto, ao redefinirmos seu recorte no estudo dos impactos das transformações contemporâneas sobre a dependência. Neste esforço de atualização, partíamos do princípio de um diálogo necessário,. mas, principalmente, possível entre as análises do capitalismo. contemporâneo, do imperialismo e da dependência. Este percurso partiu das formulações clássicas da TMD para indagar as transformações contemporâneas. A pergunta fundamental, então, era: de que se trata tais transformações? O que justifica a caracterização de um capitalismo 12.

(16) contemporâneo? Daí, já convencidos da relevância das análises anteriores, era preciso reconectá-las à dependência e esta articulação foi possível pelo resgate das atualizações teóricas referentes à teoria do imperialismo. O desafio estava, então, ligado à dúvida seguinte: quais as consequências do capitalismo contemporâneo sobre o imperialismo? Descobrimos, em suma, que as transformações contemporâneas haviam forjado um novo imperialismo ou, ao menos, uma nova etapa do mesmo e foi, com isso, que pudemos voltar ao nosso objeto, já que imperialismo e dependência são duas faces da mesma unidade: o desenvolvimento capitalista mundial. Pudemos vislumbrar, assim, uma nova etapa da dependência e nos debruçamos sobre suas características fundamentais. Entendemos, então, que é, precisamente, esta nova fase da dependência que conforma um novo padrão de reprodução do capital na América Latina e orientamos, portanto, nosso impulso final sobre este tema, indagando: que novo padrão de reprodução do capital é esse? E quais as suas particularidades? Esta jornada se traduziu, como dissemos, na estrutura do texto. No primeiro capítulo, fazemos um esforço para contextualizar a Teoria Marxista da Dependência. Esforço este que nos parece fundamental pela explicitação que permite das ligações teóricas com a realidade latinoamericana e seus embates sociopolíticos, então, vigentes. Apesar da polêmica que, em geral, esta parte suscita, optamos por mantê-la no afã de debatê-la, mas, também, como opção metodológica perante a História das Ideias Latino-Americanas. Este capítulo também tenta recuperar o núcleo teórico fundamental de nosso referencial teórico, passando por suas formulações clássicas. Ruy Mauro Marini e seu ensaio Dialética da Dependência, neste âmbito, nos servem de suportes centrais. Além do texto expressar a maturidade da Teoria Marxista da Dependência (TMD), seu autor é, sem dúvidas, seu representante mais rigoroso e potente. Isto não nos impede de transitar por outros textos e autores fundamentais para a compreensão da transferência de valor, da superexploração, do subimperialismo, ou seja, da dependência brasileira e latino-americana. Em dado momento, encaramos a crítica que Fernando Henrique Cardoso – em certo momento, em parceria com José Serra – direcionou à TMD, em geral, e à Marini, em especial. Decidimos fazêlo, seguindo aquela diretriz de limpar campo. Com efeito, Cardoso suscita críticas que foram assumidas pela teoria social brasileira e, por isso, conformam, ainda hoje, a concepção hegemônica sobre a dependência. Além disso, tal polêmica se insere no bojo da luta ideológica 13.

(17) própria de um momento decisivo na história nacional que, ao que nos parece, vale a pena elucidar. O segundo capítulo é a sistematização do acumulo no campo da caracterização do Capitalismo Contemporâneo. Primeiro, busca encarar os clássicos, desta esfera, para entender as transformações que dão substrato ao momento atual. Neste sentido, teve que passar pela explicação da financeirização, das frações dominantes do capital e suas raízes estruturais, assim como, pelo debate que cerca a crise atual do sistema capitalista. Mészáros (2011) contribuiu para localizar a crise estrutural e, com Reinaldo Carcanholo e Maurício Sabadini (2015), encontramos formulações decisivas para a compreensão do momento atual. Com efeito, as precisões teóricas que Carcanholo oferece para a distinção entre capital a juros e capital fictício, nos parecem, absolutamente, centrais. Por outro lado, Marina Gouvêa (2012) nos permitiu retraçar o movimento histórico que conformou as bases cruciais para a contemporaneidade. Por fim, foi preciso tentar articular Capitalismo Contemporâneo e Imperialismo. Acessamos, assim, os debates acerca da possibilidade de uma Nova fase do imperialismo e, com o fio condutor de Marisa Amaral (2017), pudemos vislumbrar as metamorfoses deste fenômeno que, ao que tudo indica, segue essencial para a compreensão do sistema capitalista mundial. É preciso, por outro lado, fazer justiça à David Harvey (2004, 2013), nesta parte. Sua contribuição para este capítulo é, de fato, fundamental. Não tivemos contato com outro autor que conseguisse articular, tão profundamente, os conceitos aqui estudados. Nossa avaliação é, sem dúvidas, ainda, parcial demais, no entanto, no âmbito deste trabalho, o autor foi de suma importância. O terceiro capítulo tenta ser o produto da rearticulação dos dois primeiros. Ou seja, uma mediação para o que se constitui no sentido de uma Dependência Contemporânea. A primeira parte do capítulo, tenta caracterizar esta nova fase da dependência, retomando os impactos das transformações contemporâneas sobre os pilares fundamentais da mesma. A segunda parte, chega ao padrão atual de reprodução de capital como uma consequência fundamental destas transformações. Trata, assim, de desvendar os elementos-chave para a compreensão deste novo padrão de reprodução do capital na América Latina. Por fim, num último ensaio, tentamos exemplificar a proposta metodológica do padrão de reprodução do capital para um setor dinamizador da economia brasileira atual: a mineração do minério de ferro. Assim, intentamos extrais as consequências decisivas deste movimento para a sociedade brasileira contemporânea. 14.

(18) CAPÍTULO. I. –. TEORIA. MARXISTA. DA. DEPENDÊNCIA:. BREVE. CONTEXTUALIZAÇÃO E NÚCLEO TEÓRICO FUNDAMENTAL. 1.1. Teoria Marxista da Dependência: breve contextualização. Ao se deparar com as análises e referências que embasam nossas afirmações, muitos devem se perguntar de onde surgem. Nada mais justo. O estudo e a divulgação da Teoria Marxista da Dependência (TMD) estão, ainda hoje, muito aquém de seu potencial explicativo. Sua origem no enfrentamento do reformismo dos Partidos Comunistas (PCs) e à ideologia da burguesia industrial sessentistas latino-americanos, bem como e centralmente, por cristalizar um esforço intelectual de uma nova esquerda do continente num contexto de aniquilamento destas organizações pelas ditaduras civis-militares da região, levaram-na a sofrer um silenciamento profundo. Tentaremos, a seguir, retraçar, em linhas gerais, o surgimento, o auge e a crise de nosso referencial teórico, assim como, suas contribuições fundamentais.. 1.1.1. Ideologia burguesa latino-americana: o papel da CEPAL. A origem da TMD tem raízes no confronto intelectual entre uma nova esquerda, os PCs e a ideologia da burguesia industrial latino-americana. Para compreender melhor, portanto, este debate, será preciso, primeiro, situar o principal órgão formulador da ideologia da burguesia industrial no continente: a Comissão Econômica para América Latina e Caribe – a CEPAL. Após a vitória aliada na segunda guerra mundial e diante da ameaça do avanço comunista, os centros imperialistas empreenderam uma importante ofensiva ideológica para divulgar novas versões de justificação das iniquidades vigentes no mundo. Neste contexto, surge, nos órgãos estatais centrais – logo se espraiando por universidades, institutos de pesquisas e agências internacionais –, a teoria do desenvolvimento (ONU, 1951; Clark, 1951; Frankel, 1952; Rostow, 15.

(19) 1953; Lewis, 1955). Nas palavras de Ruy Mauro Marini:. Esa teoria, para ese momento, tenía una función clave: ante el surgimiento en gran escala de nuevas naciones, (...) su finalidade es la de responder a la inquietud que éstas manifiestan al darse cuenta de las enormes desigualdades que caracterizan las relaciones económicas internacionales. En este sentido, los países capitalistas centrales pasan a formular teorias destinadas a explicar y justificar esas disparidades, que los benefician de manera escandalosa, y a ofrecer perspectivas a los nuevos Estados (MARINI, 1993, p. 58).. Emergem, portanto, neste novo bloco em disputa, agências continentais difusoras da teoria do desenvolvimento. Esta se sustentava, basicamente, na ideia de que o desenvolvimento das nações consistia em etapas das quais o subdesenvolvimento era um momento atrasado em relação à posição avançada das nações ditas desenvolvidas. Erigiu-se, assim, um verdadeiro continuum do desenvolvimento que instava as nações subdesenvolvidas a empreender o esforço necessário para criar as condições para o desenvolvimento. A capacidade de avançar neste continuum estava, com isso, centralmente, ligada a modernização das estruturas econômicas e políticas nacionais para a superação dos traços de seus atrasos internos. A teoria do desenvolvimento está, neste sentido, marcada pelos temas do dualismo estrutural e da modernização. Como parte desta estratégia, na América Latina, cria-se a CEPAL, que passa a reunir figuras de destaque no cenário político de seus países – Celso Furtado e Raul Prebisch são bons exemplos disto. No entanto, a Comissão latino-americana não se limitou a mera difusão desta teoria gestada em terras estadunidenses e europeias. Apesar de partir destas formulações, a CEPAL insere-se num contexto histórico qualitativamente diferente do encontrado por agências similares em outros continentes. Na América Latina, as independências deram-se, praticamente, um século antes do surgimento da Comissão e o capitalismo já havia consolidado uma estrutura estatal e de classes complexas. Esta encontra, portanto, uma burguesia industrial latino-americana plenamente acomodada no bloco de poder vigente. Mais, encontra uma situação societária que impele a burguesia industrial a conformar seu próprio projeto nacional para ganhar posições frente às classes burguesas e proprietárias rurais. Interessava-lhe o excedente econômico gerado por estas classes e a hegemonia no Estado de seus países para garantir a estruturação e sustentação de um novo padrão de reprodução do capital que 16.

(20) tivesse na indústria seu polo dinâmico principal. O desenvolvimento da ideologia desta burguesia industrial ascendente, num momento de acirrada disputa, resultou na formulação do que virá a ser chamado desenvolvimentismo. Ao ver de Marini (1993): (….) ao constituir-se, a Cepal estará vinculada à realidade interna da América Latina e expressará as contradições de classe que a caracterizam, particularmente as contradições interburguesas. Na verdade, ela será instrumentalizada pela burguesia industrial latinoamericana, tanto em função das lutas sociais e políticas internas, quanto das relações a serem desenvolvidas com a economia mundial. Isto fará com que a Cepal, partindo da teoria do desenvolvimento, tal como fora formulada nos grandes centros, introduza nela modificações, que representarão sua contribuição teórica própria, original, e que tornarão o desenvolvimentismo latino-americano um produto, mas não uma simples cópia da teoria do desenvolvimento. (MARINI, 1993, p. 74). A contribuição teórica desenvolvimentista começa, primeira e centralmente, pela superação da teoria clássica do comércio internacional (PREBISH, 1949) que incentivava as economias periféricas a seguirem suas vocações naturais – como o clima, a abundância de terra, etc. – e tirarem o máximo de proveitos das vantagens comparativas decorrentes no mercado mundial. Em suma, indicava o aprofundamento de vocações agrárias às nações subdesenvolvidas sob o pretexto de que a especialização produtiva sob bases naturais favoráveis levaria a maior produtividade e, com isso, a vantagens para todas as partes no momento do intercambio mundial. A CEPAL (1949) ao estudar, detidamente, o comercio externo latino-americano explicita, empiricamente, a permanente sangria de riqueza que sofrem as nações deste continente, desde o final do século XIX, em favor dos países desenvolvidos. Isto se explicava, para a Comissão, pela confrontação, no âmbito do mercado mundial, de economias industrializadas, por um lado, e de economias primário-exportadoras, por outro. Apesar desta novidade diante da teoria do desenvolvimento, através da qual o desenvolvimentismo criava a ideia de centro-periferia, este não superaria a concepção de continuum entre subdesenvolvimento e desenvolvimento. Neste sentido, o subdesenvolvimento segue sendo uma expressão quantitativamente diferenciada do próprio desenvolvimento passível de ser corrigida por medidas adequadas em relação ao comércio internacional e à política econômica interna. Para a CEPAL, estas medidas estão, sistematicamente, ligadas a necessidade da industrialização das economias latino-americanas e da conformação de um projeto de desenvolvimento autônomo capaz de sustentar este processo e superar o subdesenvolvimento. 17.

(21) Aparece, então, outra marca fundante do desenvolvimentismo: o agente que, por excelência, teria o papel de promover as políticas necessárias ao desenvolvimento autônomo latino-americano. O Estado surge, aqui, como o ente supra-classista capaz de garantir a política de industrialização que nos levaria a uma posição superior no continuum do desenvolvimento e propiciaria a superação, por si, das desigualdades vigentes em nosso continente. Nestes termos se assenta, teoricamente, aquilo que ao longo das décadas de 1950 e 1960, na América Latina, se tornou a ideologia dominante e com a qual vai se deparar a teoria social, em geral, e a TMD, em particular, nos anos seguintes. A crise que se abate na América Latina, já nos princípios dos anos sessenta, é decisiva para a crise do desenvolvimentismo. A industrialização latino-americana, tendo sido levada a cabo sobre as bases da economia exportadora, encontra sua insuficiência diante do peso da superexploração da força do trabalho vigente. A CEPAL – menos por um diagnóstico preciso acerca da economia exportadora e da superexploração do que diante das obvias impossibilidades da industrialização, por si, desencadear o propalado desenvolvimento autônomo – vê-se obrigada a modificar sua perspectiva desenvolvimentista clássica e clama por reformas estruturais. O faz, no entanto, num contexto em que se radicaliza o quadro político-econômico e que as grandes burguesias latino-americanas se definem pela subordinação ao novo padrão de acumulação imperialista e pelos golpes civis-militares. Neste sentido, Bambirra (1983) é clara: la crisis del capitalismo dependiente cuestionaba todos estos supuestos que se condensaban en la ilusión de la posibilidad de un desarollo nacional autónomo. […] La consecuencia de este proceso en el plano político fue sin duda el abandono realista, por parte de las burguesías nacionales del nacionalismo populista, es decir, de la ideología que preconizaba el desarollo nacional antimperialista con base en la pretendida alianza con las classes dominadas. (BAMBIRRA, 1983, p. 19). Por outro lado, surgem, justamente, alternativas teórico-políticas que passam a apontar a insuficiência do próprio capitalismo para a resolução das contradições societárias vigentes. Ligadas às forças políticas revolucionárias, uma nova geração de teóricas e teóricos militantes será responsável por elaborar contribuições, absolutamente, inéditas e constituir o momento mais fértil da teoria social latino-americana até os dias atuais.. 18.

(22) 1.1.2. O debate na esquerda: ascenso e crise da Teoria Marxista da Dependência. A crise do desenvolvimentismo tem também suas raízes no peso das críticas elaboradas desde uma perspectiva muito mais radical. Diante da crise econômica de inícios dos anos 1960, a industrialização dependente vai demonstrar, cabalmente, seus limites. Incapaz de forjar seu próprio maquinário e dependente de tecnologia estrangeira, as economias latino-americanas terão de importá-los. Seus recursos para tanto, contudo, escasseiam. Por um lado, porque provêm das exportações primárias e, portanto, estão sujeitas àquela deterioração de seus termos de troca, como explicitado pela própria CEPAL. E, por outro, porque procedem de capital estrangeiro, cuja dinâmica leva, intrinsecamente, a uma transferência de riqueza em direção aos centros imperialistas. Isto se agrava se levarmos em conta que a superexploração da força de trabalho impede a realização da produção nacional no mercado interno, completando, com isso, o quadro de escassez crônica de recursos na economia dependente (MARINI, 2012a). Esta situação crítica e a agudização das lutas sociais que engendra, conforma a base material para o surgimento de uma nova esquerda na América Latina que se confrontará com as teses reformistas. A TMD está, exatamente, ligada a este campo cujas conclusões teóricas e políticas apontavam para a superação do capitalismo dependente e para o socialismo. Gestada já na. década. de. cinquenta,. esta. nova. esquerda3confronta-se. às. teses. reformistas. e. desenvolvimentistas e, por certas identidades, com as formulações dos PCs. Estas formulações advêm de um quadro mais amplo, no entanto. São fruto da luta teórica no interior da esquerda, num contexto, de ebulição das lutas sociais na América Latina e no mundo. Para compreender este cenário, é importante ter em mente a transcendência da revolução cubana para a esquerda latino-americana e mundial por recolocar a temática revolucionária como estratégia factível respaldada pela teoria social. Frente ao reformismo da época, emerge um campo francamente revolucionário, amparado pelo exemplo cubano e imerso numa renovação da 3. São expressão deste movimento, o Movimento 26 de Julho cubano, os Movimentos de Esquerda Revolucionária (MIR) venezuelano, peruano e chileno, a Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) nicaraguense, a Organização Revolucionária Marxista – Política Operária (POLOP) brasileira, para citar apenas os mais expressivos. Para Marini, a gestação desta nova esquerda, é importante notar, “não é, como se pretende, efeito da Revolução cubana, mas parte do mesmo processo que deu origem a ela – independentemente de que passe a sofrer forte influência sua, nos anos 60”. (MARINI, 2005c, p. 63).. 19.

(23) teoria marxista a nível mundial. Acerca deste momento crucial da teoria crítica latino-americana, Pablo Gonzalez Casanova e Régine Rodriguez (1967) nos brindam com este amplo panorama, anunciando: un changement et une crise au sein des milieux révolutionnaires latino-américains et mondiaux. En Amérique latine surgit le premier pays socialiste qui naquit dans l'histoire sans la direction d'un parti communiste. Dans le monde socialiste la polarisation idéologique qui avait été le fait de Moscou pendant plus de quarante ans, prenait fin. Les dirigeants cubains acquéraient un grand prestige idéologique et théorique dans le mouvement révolutionnaire mondial et à l'intérieur même des partis communistes; les dirigeants chinois adoptaient une position plus radicale que les dirigeants soviétiques, avec une force infiniment supérieure à celle des yougoslaves modérés, les premiers à rompre l'hégémonie parmi les pays socialistes. Ces différents faits aboutirent à une grande diversification et à une crise de la pensée marxiste. Durant ces mêmes années survint la crise et la fin des espoirs mis dans une troisième voie pour le Tiers-Monde. Les grands leaders de l'indépendance nationale mouraient ou tombaient, en meme temps que disparaissaient les leaders réformistes de l'Amérique latine: Nehru, Skarno, N'Krumah quittent la scène politique presque en même temps que Goulart, Paz Estensoro, Frondizi, Bosch. De l'esprit de Bandoung on passe à l'esprit de la Tricontinentale. La conception marxiste de l'avenir immédiat de l'Amérique latine, avec le changement de génération, change d'idées (p. 40)4.. A TMD é expressão deste movimento e é a partir desta conjuntura política e da práxis militante de seus integrantes que contribui para o amplo debate sobre a dependência latinoamericana em curso naquele momento. Com efeito, se o desenvolvimento havia sido a categoriachave para as principais análises da década de 1950, ao longo da década de 1960, as discussões em torno da dependência vão ganhando campo (PRADO, 2011, p. 68-69). No bojo desta controvérsia foram distintas as vertentes teóricas e políticas que intervieram e contribuíram para conformar este acumulo crítico acerca do papel da América Latina no sistema capitalista mundial. 4. “(...) uma mudança e uma crise no seio dos meios revolucionários latino-americanos e mundiais. Na América Latina surge o primeiro país socialista que nasceu na história sem a direção de um partido comunista. No mundo socialista, a polarização ideológica que havia sido o feito de Moscou por mais de quarenta anos, chegava ao fim. Os dirigentes cubanos adquiriam um grande prestigio ideológico e teórico no movimento revolucionário mundial e no interior mesmo dos partidos comunistas; os dirigentes chineses adotavam uma posição mais radical que os dirigentes soviéticos, com uma força infinitamente superior a dos iugoslavos moderados, os primeiros a romper à hegemonia entre os países socialistas. Estes diferentes feitos levaram a uma grande diversificação e a uma crise do pensamento marxista. Durante estes mesmos anos ocorreu a crise e o fim das esperanças postas em uma terceira via para o Terceiro Mundo. Os grandes líderes da independência nacional morriam ou tombavam, ao mesmo tempo, que desapareciam os lideres reformistas da América Latina; Nehru, Skarno, N’Krumah deixam a cena política ao mesmo tempo que Goulart, Paz Estensoro, Frondizi, Bosh. Do espirito de Bandoung passamos ao espirito da Tricontinental. La concepção marxista do futuro imediato da América Latina, com a mudança de geração, muda de ares (tradução livre do autor, p. 40)”.. 20.

(24) e dos caminhos necessários à superação das contradições vigentes5, mas, de fato, já ao final da década, o marxismo ganha um importante protagonismo no debate. As formulações da TMD são decisivas neste processo e terão grande influência nos debates da esquerda de então, irradiando-se, inclusive, para os centros de pensamentos norteamericanos e europeus, já no início da década seguinte. O momento político, social e intelectual era, de fato, extremamente rico e se traduzia num intenso debate sobre os rumos societários latino-americanos que forjou um dos auges da teoria social latino-americana. Nas palavras de Victoria Darling: La embestida reflexiva con relación a la revolución, el compromiso intelectual y las tareas emancipatórias que de ambas condiciones se derivan, dio como resultado indefectible uno de los momentos más transcendentes del pensamento latino-americano y del compromisso con su tempo (2010, p. 57).. Nestas condições, não era estranho, pelo contrário, era usual que a intelectualidade militante passasse da condição de acadêmico à de dirigente político e, por sua vez e neste caráter, ocupasse algum cargo estratégico no aparato estatal (Raquel Sosa apud DARLING, 2010, p. 60). Entretanto, com os sucessivos golpes civis-militares na América do Sul – em João Goulart, no Brasil, na Argentina de Frondizi, na Bolívia de Paz Estenssoro para citar somente alguns exemplos – grande parte destes intelectuais foram forçados ao exílio e a reconstruir condições propicias para seguir e intensificar seus trabalhos teóricos e militantes 6. Um dos países para o qual muitos confluíram foi o Chile da Unidade Popular e de Salvador Allende. Vânia Bambirra (1983) esclarece as razões deste fenômeno:. hacia Chile convergieron, a partir de mediados de los años sesenta, militantes e intelectuales revolucionarios de diversos países donde el movimiento revolucionario había sufrido unas derrota momentánea o en donde éste acumulaba fuerzas para una nueva ofensiva. Chile se transformó, en aquella época, en uno de los más importantes 5. Este debate foi, com efeito, bastante diverso. Basta atentar para a distância, por exemplo, entre as formulações weberianas de Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto em Dependência e desenvolvimento na América Latina: ensaio de interpretação sociológica, publicado em 1969, e as de Ruy Mauro Marini em Dialética da Dependência, publicado no mesmo ano ou, ainda, no seio do marxismo, com as vertentes mais ortodoxas como, por exemplo, de Agustín Cueva em sua obra Desenvolvimento do capitalismo na América Latina de 1977. 6 Ruy Mauro Marini, por exemplo, exilou-se, primeiro, no México, entre 1964 e 1969, onde redige e publica, aliás, os ensaios que explicitavam sua visão do golpe civil-militar brasileiro e que, fundamentalmente, compõem o livro Subdesenvolvimento e Revolução (2012a).. 21.

(25) centros de la resistencia latinoamericana en contra de las dictaduras. […] Chile era un país muy afectado por la crisis económica y la dominación imperialista se acentuaba bajo el gobierno de Frei; pero el movimiento popular […] mantenía su personalidad própria, su peso específico y amenazador en la sociedad chilena. Había pues una amplia apertura y el estímulo para el desarollo de la ciencia social revolucionaria. (BAMBIRRA, 1983, p. 21-22). Foi, assim, nestas condições, que, contraditoriamente, a TMD pôde se consolidar. Neste período, os principais representantes desta vertente estiveram reunidos em um importante centro de investigação chileno: o Centro de Estudios Sócio-Econômicos (CESO) da Universidade do Chile. Para Marini (2005c), O CESO foi, em seu momento, um dos principais centros intelectuais da América Latina. A maioria da intelectualidade latino-americana, européia e norte-americana, principalmente de esquerda, passou por ali, dele participando mediante palestras, conferências, mesas-redondas e seminários. (MARINI, 2005c, p. 88).. Gestados neste instigante caldo intelectual e no intenso debate no seio da esquerda, surgem, então, diversos trabalhos fundantes da Teoria Marxista da Dependência. É desta época, por exemplo, o próprio Dialéctica de la dependencia, de Ruy Mauro Marini, mas, também, El nuevo caracter de la dependencia e Dependencia y cambio social, de Theotônio dos Santos; El capitalismo dependiente latinoamericano e Diez años de insurrección en América Latina, respectivamente, de autoria e coordenação de Vania Bambirra; Dependência y relaciones económicas internacionales, de Orlando Caputo e Roberto Pizarro; e os escritos de André Gunder Frank que deram origem aos livros Acumulação mundial: 1492-1789 e Acumulação dependente e subdesenvolvimento. Para se ter ideia, além de Vania Bambirra, Theotonio dos Santos, André Gunder Frank, Ruy Mauro Marini, Roberto Pizzaro e Orlando Caputo, em dado momento, chegaram a estar reunidos no CESO, os brasileiros Emir Sader, Eder Sader, Marco Aurélio Garcia, Jorge Mattoso e Teodoro Lamounier; os argentinos Tomás Vasconi e Inés Recca; os cubanos Germán Sanchez e José Bell Lara; o francês Régis Debray; e os chilenos Marta Harnecker, Pedro Vuscovick, Alberto Martínez, Pio Garcia, Cristobal Kay, Sergio Ramos, Jaime Osório, Cristian Sepúlveda, Álvaro Briones e Silvia Hernandez, dentre muitos outros (MARTINS, 2006). Frente ao novo golpe, agora, em Salvador Allende no Chile, muitos encontraram, agora, 22.

(26) no México – e no Centro de Estudos Latino-Americanos (CELA) da Universidade Autônoma do México (UNAM), em particular – seu novo espaço de acolhimento e um centro de intensos debates acerca da realidade latino-americana. Sobre o instigante cenário intelectual vigente naqueles tempos, Marini (1993) anota:. A comparação desse extraordinário florescimento intelectual com a pobreza teórica e o formalismo acadêmico que marcam hoje a reflexão científica sobre nossa realidade provoca perplexidade. Como perplexos ficamos também quando confrontamos a originalidade e liberdade de criação próprias daquela época com a subordinação atual do nosso pensamento aos padrões norte-americanos e europeus. (MARINI, 1993, p. 68). Como perdemos tanto? E como a TMD, praticamente, some do cenário intelectual brasileiro e latino-americano? O golpe no Chile e o novo exílio forçado para o México, para muitos, foi significativo neste movimento. Impactou negativamente grande parte da intelectualidade de esquerda da época e colocou em xeque a ideologia de esquerda, em geral. Dado o protagonismo da Teoria da Dependência, naquela altura, o fracasso da experiência chilena engendrou lhe duros questionamentos. No que tange à vertente marxista destes debates, parece haver um duplo desdobramento aí que determina seu isolamento. Por um lado, frente à crise teórica vigente desde o golpe chileno, reganha posições o marxismo histórico ligado aos partidos comunistas. Esta corrente endogenista – por seu apelo a considerar os processos capitalistas latino-americanos, em si, deixando o imperialismo para um segundo momento – surge na crítica às teses dependentistas. Outro traço marcante do endogenismo é sua dificuldade em reconhecer as particularidades da formação social propriamente latino-americana e recorrer a dogmatismos para explicar nosso modo de produção à la Marx. Por outro lado, a reacomodação burguesa, pós-crise dos sessenta, permite à burguesia latino-americana almejar a afirmação completa de sua hegemonia no plano nacional e a melhora de sua posição no plano internacional. Isto requer, obviamente, a formulação de uma nova ideologia adequada ao tempo histórico e capaz de esmagar definitivamente o radicalismo dependentista. Entram neste barco, aqueles setores mais ecléticos da teoria da dependência que apresentavam suas divergências com as novas concepções marxianas da TMD, como atesta Marini (1993):. 23.

(27) Essa nova atitude da burguesia latino-americana no plano internacional acompanha-se do esforço de criação de uma nova ideologia, capaz de justificá-la, para o quê ela recorre ao recrutamento de antigos desenvolvimentistas, como Prebisch, Furtado, Anibal Pinto, Aldo Ferrer, Maria da Conceição Tavares, Francisco de Oliveira, e dependentistas, como Fernando Henrique Cardoso, entre outros, além de novos quadros que emergem para a vida acadêmica. Assim como, na década de cinquenta, havia correspondência entre as teses dos partidos comunistas e a Cepal, também agora se registrará notável margem de acordo entre o endogenismo e a nova corrente, que podemos chamar de neodesenvolvimentista. (MARINI, 1993, p. 96-97). Esta nova ideologia só veio a ser suplantada momentaneamente pelo neoliberalismo, nas décadas de oitenta, noventa e inícios de dois mil e não há dúvidas que este processo foi decisivo para o escanteamento da TMD dos círculos intelectuais e acadêmicos latino-americanos. No entanto, é importante sublinhar a centralidade que a paciente política cultural imperialista destinada à erradicação da capacidade criativa dos meios intelectuais latino-americanos teve neste processo. Para Agustín Cueva (1988), esta foi vítima, como toda a teoria social radical, de uma das contrarrevoluções culturais – e, portanto, políticas – mais violentas da história latinoamericana. Foi, desde estas bases e patrocinado por generosos recursos imperialistas, que o debate intelectual, ao fim da década de 80 e inícios da década de 90, havia completado sua migração dos temas articuladores da dependência e da revolução para o ingênuo e interessado binômio autoritarismo ou democracia.. 1.1.3. A polêmica entre Fernando Henrique Cardoso e Ruy Mauro Marini. O debate entre Cardoso (CARDOSO, 1974 e 1982; CARDOSO e SERRA, 1979) e Marini (2005b, 2008, 2012) merece ser tratado por ser emblemático. Com efeito, não aparece tanto pelos aprofundamentos teóricos que permite. Na realidade, se temos que, sistematicamente, demonstrar a superficialidade dos questionamentos apresentados por Cardoso é por terem sido, amplamente, assumidos pela teoria social brasileira. Em artigo recente, o brasileiro Fernando Prado (2011) ao explicitar, detalhadamente, a repetição das teses de Cardoso sobre a TMD por autores e autoras centrais do pensamento social brasileiro adianta a tese da conformação de um pensamento único (p. 74-82) acerca da dependência e de sua vertente marxista no Brasil. Assim, Prado evidencia a 24.

(28) reprodução das teses de Cardoso por nomes tão conhecidos quanto os de Maria da Conceição Tavares (1975), João Manuel Cardoso de Mello (1982), Guido Mantega (1984), Horácio González (1985), Luis Carlos Bresser-Pereira (1982) e José Luis Fiori (1999). A lista, obviamente, não é exaustiva, mas permite contemplar a amplitude teórico-política que as teses de Cardoso lograram atingir. Este processo se compreende, fundamentalmente, pelas condições próprias em que se deram o debate entre Cardoso e Marini. De fato, Fernando Prado, ao recorrer a bibliografia que abrangeu a polemica, conclui que, ao fim e ao cabo, o que ocorreu, no Brasil, foi, na realidade, um não-debate (p. 70-74). Percebe-se, realmente, um desequilíbrio flagrante entre as condições de produção e divulgação de ambos os autores. Enquanto Ruy Mauro Marini se via, compulsória e sucessivamente, exilado e, sistematicamente, censurado pelas ditaduras civis-militares latinoamericanas, Fernando Henrique Cardoso, após seu auto-exilio chileno e parisiense, volta ao Brasil, em pleno endurecimento do golpe, em 1968, para prestar concurso na Universidade de São Paulo (USP) e assumir uma cadeira de professor nesta universidade. Após ser aposentado pelo Ato Institucional nº 5, funda, com financiamento da Fundação Ford, o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP), de onde suas ideias ganham ampla repercussão sem maiores atritos com o regime civil-militar. O grande trânsito intelectual que goza Cardoso, no Brasil, contrasta, portanto, radicalmente, com a dificuldade com que, até hoje, os trabalhos de Marini se publicam. Prado ilustra bem este processo no seguinte trecho: Para dar apenas alguns exemplos, após Marini ter publicado no México Subdesarrollo y revolución, em 1969, Dialéctica de la dependencia, em 1973, e El reformismo y la contrrevolución. Estudios sobre Chile, em 1976, além de ter organizado antologias fundamentais, escrito artigos para as revistas críticas mais importantes de seu tempo – Pensamiento crítico, Monthtly review, Les temps modernes, entre outras – e também contribuído em vários jornais pelo mundo, o primeiro livro dele publicado legalmente no Brasil foi América Latina: dependência e integração, de 1992. Enquanto isso, os textos de Cardoso circulavam facilmente através dos órgãos de difusão do CEBRAP e seus livros eram publicados com ampla divulgação: Dependência e desenvolvimento em América Latina, publicado em espanhol em 1969 – escrito originalmente em 1967 –, saiu no Brasil já em 1970 pela Editora Difusão Européia do Livro; Política e desenvolvimento em sociedades dependentes: ideologias do empresariado industrial argentino e brasileiro, publicado em 1971 pela Zahar; O modelo político e outros ensaios, publicado originalmente em 1972 pela Bertrand Brasil em sua coleção “Corpo e Alma”, dirigida pelo próprio Cardoso; e, para ficar apenas na década de 1970, em 1975 é publicado Autoritarismo e democratização, lançado por Paz e Terra, numa coleção da qual o próprio Cardoso também fazia parte do conselho editorial (PRADO, 2011, p. 71, grifo do autor).. 25.

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