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PERSPECTIVA PARA A CHINA Samuel Pessoa 1 MODELO CHINÊS DE CRESCIMENTO

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Academic year: 2021

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PERSPECTIVA PARA A CHINA Samuel Pessoa1

O crescimento da China é provavelmente o processo de transformação social em geral e de crescimento econômico em particular mais impressionante desde a revolução industrial no final do século XIX na Inglaterra. Um quinto da humanidade vivencia forte crescimento e melhora da qualidade de vida em um curto intervalo de tempo. O objetivo desta nota é avaliar as condições para a sustentabilidade do ponto de vista do longo prazo do modelo de crescimento chinês. Nossa avaliação é que o processo de crescimento chinês é sólido e ainda não há sinais de reversão até onde a vista consegue enxergar. Evidentemente o processo de crescimento chinês, como em geral ocorre com todas as economias, deve apresentar ciclos com períodos de desaceleração. Na conclusão apresentaremos alguns argumentos que sugerem que a possibilidade de um pouso forçado da economia chinesa para os próximos dois anos é baixa. A conclusão básica é que a China deve apresentar crescimento elevado por pelo menos mais uma década e que a possibilidade de uma forte desaceleração cíclica nos próximos dois anos é baixa apesar de não podermos descartar uma desaceleração mais forte em um horizonte de três ou quatro anos.

MODELO CHINÊS DE CRESCIMENTO

O crescimento da economia chinesa é caracterizado por fortíssimo crescimento da produtividade. Este é o fato mais importante para nos sugerir que o processo tem fôlego longo. Segundo a base de dados da Penn World Table (PWT)2 a taxa de crescimento médio da produtividade do trabalho, isto é, do produto por trabalhador, foi de 8,3% ao ano ao longo de toda a década de 2000 até 2009, o último dado da série. A taxa de crescimento da produtividade total dos fatores (PTF), uma medida de produtividade que desconta o impacto sobre a produtividade do trabalho advindo da maior acumulação de capital e da maior escolaridade dos trabalhadores, foi de 5,3% ao ano para o mesmo período. Para termos uma idéia comparativa, no Brasil, para o mesmo período a produtividade do trabalho e a PTF cresceram respectivamente 1,2% e 0,2% ao ano.3 Finalmente não há sinais de perda de produtividade do capital. Pelo contrário, há uma queda contínua da relação capital-produto de 4,5 no início dos anos 90 para 3,3 em 2009, e uma elevação da produtividade marginal do capital saindo de 9% em 1990 para 12% em 2009. Todo este processo com taxas de investimento a preços internacionais constantes na casa de 40% do PIB por mais de duas décadas. O forte processo de acumulação de capital não gerou redução da produtividade o que indica que não há sinais, por enquanto, de crescimento soviético na China.4

1

Sócio da Tendências Consultoria Integradas.

2 Versão 7.0 da PWT revisada em junho de 2011 (Alan Heston, Robert Summers and Bettina Aten, Penn

World Table Version 7.0, Center for International Comparisons of Production, Income and Prices at the University of Pennsylvania, May 2011, http://pwt.econ.upenn.edu/php_site/pwt_index.php).

3 A Tendência calculou a produtividade total dos fatores, a relação capital-produto e a produtividade

marginal do capital a partir dos dados da PWT e da base de dados de educação do Barro e Lee (http://www.barrolee.com/).

4 A PWT reporta duas bases de dados para a China chamadas respectivamente de 1 e 2. China 1

refere-se a dados brutos gerados pelas contas nacionais chinesas com ajustes posteriores do time de pesquisadores da Universidade da Pensilvânia que produz a tabela. Para a construção de China 2 a PWT empregou os dados revisados pelo pesquisador Harry X.Wu, “Accounting for China's Growth in 1952-2008: China's growth performance debate revisited with a newly constructed data set,” RIETI Discussion

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O fato mais surpreendente com relação ao crescimento chinês é que o fortíssimo processo de acumulação de capital não tenha ensejado a queda da produtividade do capital. A teoria tradicional sustenta que o processo de acumulação de capital promove a elevação da relação capital-trabalho e queda da produtividade do capital. Na experiência de crescimento chinesa este fenômeno não tem acontecido pois a acumulação de capital é acompanhada pela incorporação de novos trabalhadores que estão no setor tradicional da economia – produção agrícola de baixa produtividade – para o setor moderno. Assim há novos trabalhadores para acompanhar o novo capital que se acumula nas cidades. Ou seja, o crescimento chinês é acompanhado de forte alteração setorial com elevação da participação da indústria no produto e queda da participação da agricultura no produto. Esta transição estrutural é acompanhada pelo processo de urbanização. Assim, um elemento importante para sabermos se o processo de crescimento chinês é sustentável no longo prazo é sabermos se o processo de urbanização está para se completar ou não. Esta questão é tratada no próximo parágrafo.

Há uma suspeita que o padrão de crescimento chinês que se sustenta nos ganhos de produtividade possibilitado pela transição estrutural agricultura-indústria e campo-cidade estaria para se completar pois os salários da indústria nos grandes centros urbanos estão crescendo sinalizando que há falta de trabalho excedente no campo. O crescimento dos salários no setor industrial urbano é um fato. No entanto ainda há uma parcela muito grande da população que vive no meio rural. A força de trabalho rural ainda representa 468 milhões de indivíduos ou 45% do total enquanto que a agricultura representa 11% do produto nacional.5 Conta simples a partir destas informações resulta que produtividade do trabalho do setor não agrícola ainda é 6,6 vezes maior do que a produtividade da agricultura.

Dado que ainda há uma grande proporção da população em idade ativa (PIA) no campo o que explica a recente elevação dos salários na indústria urbana? Segundo Yao (2011) dois motivos explicam a elevação da renda no campo e, por conseqüência, a elevação dos salários no setor moderno e urbano da economia. Em 2006 o governo aboliu um imposto sobre a agricultura que resultou em redução da carga tributária sobre cada agricultor na casa de 100 yuans por ano. Adicionalmente foi criado um subsídio direto à produção de grãos que elevou em média a renda de cada agricultor em 700 yuans por ano. No total a renda de cada agricultor cresceu 800 yuans por ano.6 Além destes efeitos que são não recorrentes há a maior inflação de alimentos em comparação com o índice cheio de inflação que representa, evidentemente, um ganho de renda da agricultura em relação aos demais setores da economia. Estes efeitos explicam a elevação da renda nas cidades. Em que pese esta elevação o fato de ainda 45% da PIA estar no campo sinaliza que ainda há muito espaço para manter a máquina chinesa de crescimento funcionando por meio da migração campo-cidade.

Paper Series, janeiro de 2011 E003, http://www.rieti.go.jp/jp/publications/dp/11e003.pdf. No texto os dados reportados referem-se às estatísticas calculadas com os dados China 2. A maior diferença das estatísticas calculadas com os dados China 1 é que a relação capital-produto é estável, em vez de ter o comportamento decrescente, e, portanto, a produtividade marginal é estável, em vez de apresentar o comportamento crescente.

5

Estes dados estão no trabalho “The Double Transition and China’s Export-led Growth,” escrito por Yang Yao, página 8, http://www.paftad.org/files/34/01_YANG%20YAO_Growth.pdf.

6

Ver “The Double Transition and China’s Export-led Growth,” escrito por Yang Yao, página 18, http://www.paftad.org/files/34/01_YANG%20YAO_Growth.pdf.

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Além da transição estrutural outro fator que chama a atenção no modelo chinês de crescimento é o fortíssimo processo de acumulação de reservas internacionais. De 10% do PIB em 1994 encontram-se hoje na casa de pouco mais de 50% do PIB. Apesar de o investimento ser elevado dado que a poupança é a inda mais elevada e que o diferencial de produtividade campo-cidade é muito é alto deveríamos observar taxas de investimentos ainda maiores. Boa parte da poupança chinesa é das famílias. A taxa de poupança chinesa é da ordem de 50% do PIB sendo que 22,5% do PIB é poupança das famílias, 22,5% das empresas e 5% do setor público.7 As famílias depositam no setor bancário e este intermedeia para as grandes empresas. O setor mais dinâmico da economia – formado pelas pequenas e médias empresas do setor privado – tem acesso restrito ao credito, financiando-se, preferencialmente, por meio de lucros retidos.8 Assim, parte da poupança das famílias que fica no passivo dos bancos é adquirida pelo governo central – por meio de colocação de títulos públicos – e utilizada na compra de reservas. Há, portanto, forte paralelismo entre a acumulação de reservas e o excesso de depósitos sobre crédito do setor bancário.9

Nota-se também que o câmbio desvalorizado é compatível com uma economia muito poupadora. O excesso de poupança doméstica sobre o investimento produz um excedente exportável que somente pode ocorrer na forma de bens comercializáveis. Os bens comercializáveis são tipicamente as commodities e os bens manufaturados. Como a China não tem recursos naturais em abundância para exportar commodities o excesso da poupança sobre o investimento ocorrerá na forma de bens manufaturados. Por outro lado a baixa demanda por serviços – dado que o consumo corresponde a uma pequena parcela do produto – faz com que os preços dos serviços, inclusive os salários (que é o preço do trabalho) sejam baixos. Estes dois fatos – serviços baratos e bens manufaturados a preços internacionais (visto que manufaturas são bens comercializáveis internacionalmente) – explica o câmbio real desvalorizado. Ou seja, o câmbio desvalorizado na China representa fenômeno de equilíbrio dado os incentivos microeconômicos, nomeadamente a ausência de um estado de bem estar social e outros motivos (como a política de filho único) que estimulam a poupança além da forte repressão financeira que obriga as famílias e investirem suas poupanças a juros reais nulos ou levemente negativos.

Tanto os juros muito baixos quanto a acumulação de reservas que justifica o câmbio desvalorizado somente são possíveis por que a taxa de poupança chinesa é muito elevada e totalmente fora de padrão inclusive em comparação com as demais economias asiáticas de crescimento rápido, como o Japão no pós guerra ou a Coréia nos anos 80. Uma questão importante é qual é o fôlego deste modelo chinês de crescimento. Este modelo acumula inúmeras distorções. Talvez a maior delas seja a forte repressão financeira que remunera a poupança das famílias a taxas reais negativas e financia as grandes empresas públicas a taxas reais bem a baixo das que prevaleceriam se o mercado de capitais fosse livre. No entanto, como o diferencial de produtividade do trabalho entre a agricultura e o setor urbano é ainda muito elevado e boa parte da PIA ainda trabalha no setor rural há muito combustível para ser

7 Ver “Rebalancing Growth in Asia,” Eswar Prasad, NBER documento de trabalho, 15169, julho 2009. 8

Ver “Growing Like Chine,” de Zheng Song, Kjetil Storesletten e Fabrizion Zilibotti, publicado no American Economic Review 101(1): 202-241 de fevereiro de 2011.

9

Ver “Growing Like Chine,” de Zheng Song, Kjetil Storesletten e Fabrizion Zilibotti, publicado no American Economic Review 101(1): 202-241 de fevereiro de 2011, figura 1.

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queimado antes que a economia pare de crescer. A experiência do Japão sugere que países que poupam parcela significativa da renda conseguem sustentar taxas de crescimento muito elevadas durante mais de uma década mesmo depois que a produtividade total dos fatores (PTF) pare de crescer. A PTF do Japão parou de crescer em 1970, quando, de fato o crescimento do Japão reduziu-se. No entanto o Japão ainda consegui sustentar taxas expressivas de crescimento por mais quinze anos somente em função da acumulação de capital físico e humano. Segundo os dado da PWT a produtividade do trabalho no Japão cresceu entre 1970 e 1985 à taxa anualizada de 3% ao ano! Assim, se Yao (2011) sugere que há ainda uns 10 anos para que a China mantenha seu crescimento acelerado em função da transição estrutural podemos imaginar que há muito tempo ainda pela frente de crescimento forte da China (mesmo que em ritmo sucessivamente decrescente).

CONCLUSÃO

De tudo que elencamos ao longo deste artigo há claros sinais de que o crescimento da China é sólido e deve persistir por mais uma ou duas décadas. O processo Chinês de crescimento é capaz de produzir elevação continuada da capacidade produtiva da economia. A grande dúvida que há, portanto, é se há a possibilidade de haver alguma queda abrupta da demanda que produza uma situação de baixo desempenho por carência de demanda agregada. Pode a economia chinesa cair em uma armadilha keynesiana? Preocupa, especialmente, a dependência da demanda agregada com relação a três componentes: exportação, investimento em infra-estrutura e construção de unidades residenciais.

Como vimos não há sinais de queda da rentabilidade do investimento agregado. Isto é, até pelo menos 2009 o crescimento econômico foi compatível com o investimento que rodou na casa de 40% do PIB por mais de duas décadas. Não faz sentido imaginarmos que em um ou dois anos a rentabilidade do investimento caia tão rapidamente. Assim, não me parece razoável supor uma parada brusca do crescimento por falta de projetos rentáveis. Há a suspeita de que muito investimento feito em infra-estrutura nos últimos anos não seja rentável. Como afirmamos reiteradas vezes neste relatório não há sinais macroeconômicos deste fato. É possível que a suspeita de inúmeros analistas seja causada pelas indivisibilidades inerentes aos grandes projetos de infra-estrutura. É natural que a taxa de utilização de uma rodovia não seja máxima no momento em que ela seja inaugurada. Lembrando que na China o custo de capital é muito baixo fruto da cavalar taxa de poupança e da repressão financeira que impede que as famílias invistam no exterior, este nível ótimo de subutilização no momento de inauguração da estrada é ainda maior. Este mesmo argumento vale para os demais equipamentos de infra-estrutura.

A segunda preocupação refere-se à dependência que a economia chinesa tem da demanda externa na forma de exportação de bens manufaturados. A China exporta 30% do seu produto. No entanto, como boa parte do que exporta tem forte componente de insumos importados o valor adicionado que a China exporta é da ordem de 18% do PIB, menos do que os 24% da Coréia e os 55% de Cingapura.10 Assim, se houver uma parada do resto do mundo como houve em setembro de 2008 é verdade que a China desacelerará fortemente, mas não é possível enxergar como o crescimento pode ficar muito abaixo de 8 ou 7% ao ano em função

10

Ver “Ten Questions Everyone Asks about China” relatório UBS Investment Research de Tao Wang e Harrison Hu, de 24 de outubro de 2011, página 12.

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de uma desaceleração do crescimento dos países da OCDE. Em suma, a China é mais fechada do que parece.

A terceira preocupação refere-se à dependência da China com relação ao setor de construção civil. Há indicações de que parte da demanda por imóveis deve-se pela inexistência de instrumentos financeiros com taxa reais de retorno positiva. Esta demanda gera uma pressão por construção de novas unidades com forma de investir recursos mesmo que não haja no momento demanda por aluguéis. Assim, parte do aquecimento do setor de construção civil voltado para a construção de imóveis residenciais tem como motivação uma decisão de investimento em longo prazo independente da demanda corrente por serviços residenciais. Se houver uma alteração abrupta no humor do mercado que pode ser, por exemplo, detonada pela criação de um imposto predial, é possível uma forte reversão pela demanda por construção de novas unidades. O grande impacto que o setor de construção civil tem nos demais setores da economia fará com que uma parada brusca deste setor se espraie para a economia como um todo podendo sim produzir um pouso forçado na economia chinesa. Assim é necessário um acompanhamento cuidadoso deste setor. Para os próximos dois anos o programa de casas populares prevê a construção de 20 milhões de unidades (10 milhões por ano) o que deve ser suficiente para manter o setor aquecido.11

Finalmente, se, de fato houver este pouso forçado da economia chinesa provocado por uma redução mais forte na atividade do setor de construção civil residencial, não deve haver uma onda de inadimplência e crise bancária. A compra de casas com financiamento requer uma entrada muito elevada (da ordem de 30% do valor do imóvel) e o nível de endividamento das famílias é relativamente baixo. Por outro lado o nível de inadimplência do setor bancário oficial é o mais baixo da série.12 Assim a recuperação da China em seguida a este pouso forçado, diferentemente do que ocorreu na economia americana em seguida à crise do Subprime, não produzirá uma situação de recessão prolongada em função da existência de um processo de desalavancagem das famílias que, como afirmamos, não estão muito endividadas. Toda a velocidade da recuperação em seguida a este pouso forçado dependerá da capacidade do mercado de trabalho realocar trabalhadores da construção civil em direção a outros setores.

11

Ver “Ten Questions Everyone Asks about China” relatório UBS Investment Research de Tao Wang e Harrison Hu, de 24 de outubro de 2011, página 2.

12

Ver “Ten Questions Everyone Asks about China” relatório UBS Investment Research de Tao Wang e Harrison Hu, de 24 de outubro de 2011, página 7

Referências

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