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E d i t o r i a l. Chagas Disease: past, present and future. Alberto Novaes Ramos Jr. 1, Diana Maul de Carvalho 2

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Academic year: 2021

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Alberto Novaes Ramos Jr.1, Diana Maul de Carvalho2

Há cem anos Carlos Chagas, em seus estudos iniciais em Lassance, revelava ao mundo a existência de uma nova espécie mórbida do homem, produzida por um Trypanosoma3 . Antes desta descoberta, em 1908, já identificara o agente –

protozoário que denominou de T. cruzi em homenagem a Oswaldo Cruz – bem como o inseto vetor da doença, um triatomíneo. A seguir, em articulação com diversos pesquisadores, ampliou as descobertas sobre a tripanosomíase americana pela descrição do agente etiológico, dos hospedeiros vetores e dos reservatórios animais. Desta forma, definiu e antecipou as bases para muitos dos estudos realizados posteriormente.

A revelação desta doença trouxe à tona graves problemas sociais de natureza estrutural em regiões do interior do país, com populações em extrema pobreza e precárias condições de vida. Assim, a análise ampliada da doença para além dos aspectos biológicos tornou-se um desafio para os pesquisadores com atuação no campo da saúde pública no Brasil. De fato, os significativos coeficientes de morbi-mortalidade em várias regiões endêmicas, principalmente em populações socialmente marginalizadas e de origem rural, reforçavam a ideia de que além dos condicionantes de natureza biológica ou ecológica, aqueles de natureza socioeconômica estavam também na origem da doença de Chagas.

A análise de elementos epidemiológicos contextuais do século XX até os dias atuais é fundamental para compreender como se expressam e quais são as tendências da doença de Chagas no Brasil. Em uma área inicial envolvendo mais de 700 municípios endêmicos, com uma incidência geral estimada de mais de 100.000 casos novos (fase aguda) por ano na década de 1960, chega-se na atualidade a uma estimativa de menos de 500 casos novos anuais. Além disso desloca-se a faixa etária para idades mais avançadas. Quanto à prevalência da infecção por T. cruzi, de uma estimativa de aproximadamente 7 milhões de brasileiros infectados na década de 1960 chega-se a 2,5 milhões atualmente.

1 Mestre em Saúde Coletiva. Professor Assistente da Universidade Federal do Ceará.

2 Doutora em Ciências. Professora Associada do Departamento de Medicina Preventiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

3 Chagas, Carlos. Nova tripanossomíase humana: estudos sobre a morfologia e o ciclo evolutivo do Schizotrypanum n. gen.,

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Em pleno século XXI, apesar de avanços nos planos da pesquisa e do controle, imensas lacunas persistem e reforçam a imagem de doença negligenciada, ainda mais reforçada pela ausência de um tratamento específico eficaz e seguro para todas as fases da doença.

Este número temático especial da revista Cadernos Saúde Coletiva marca o ano do centenário da descoberta da doença de Chagas, e os autores procuram resgatar aspectos históricos e anunciar desafios atuais e futuros diante da grande diversidade de cenários epidemiológicos em nosso país.

Ao longo de um século, muitos avanços no campo da pesquisa básica, clínica e epidemiológica foram obtidos, com grande liderança de pesquisadores brasileiros. Questões como o reconhecimento do papel dos triatomíneos em diferentes ecossistemas bem como do mapeamento das espécies domiciliadas e do impacto do controle químico destes insetos tornaram-se estratégicas para os programas de controle. A iniciativa de estratificação dos municípios brasileiros em 2006, segundo risco de transmissão ou restabelecimento da transmissão vetorial intradomiciliar de T. cruzi, é um exemplo.

A utilização do BHC em 1947 e os ensaios realizados em Minas Gerais (Bambuí) e São Paulo (1955-1965), abriram novas possibilidades e instituíram as bases para o controle vetorial. Neste contexto já em 1974 são fundamentadas as ações de vigilância epidemiológica com ênfase no controle vetorial, sendo que em 1979 a possibilidade de utilização de piretróides amplia a eficácia deste controle. O foco voltado para o controle do Triatoma infestans justificava-se pela competência vetorial e capacidade de domiciliação: em 1960 aproximadamente 700 municípios encontravam-se infestados por este vetor, com níveis de infestação domiciliar superiores a 35%. Nos anos 1990, com a intensificação das ações de controle menos de 60 municípios registravam a ocorrência desta espécie, com menos de 3% de infestação domiciliar, culminando em 2006 com a certificação do Brasil pela Organização Mundial da Saúde como tendo interrompido a transmissão vetorial por esta espécie em todo o território nacional.

Não apenas no Brasil, mas também em outros países endêmicos pode-se verificar o alcance desta meta, em parte pelo fortalecimento da cooperação internacional visando o desenvolvimento de ações de controle a partir de iniciativas regionais dos diferentes países endêmicos: do Cone Sul (Argentina, Brasil, Chile, Uruguai, Paraguai, Bolívia e Peru [região sul]), Andina, América Central e Amazônica. Com o controle do T. infestans tornou-se fundamental consolidar estes resultados e manter o monitoramento de áreas de risco potencial, principalmente em relação às espécies de triatomíneos ditas de importância secundária. Atualmente mais de 90% dos focos potenciais de transmissão são peridomiciliares, sendo que a

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interface destas áreas com áreas reconhecidamente silvestres deve ser monitorada em termos da dinâmica de diferentes populações de reservatórios e vetores.

Houve uma redução considerável das áreas de risco de transmissão vetorial da doença de Chagas no país desde o seu reconhecimento no final dos anos 1970. Àquela época foi comprovada a presença de triatomíneos domiciliados em 18 estados estando porém a região Amazônica excluída desta área de risco, pois a doença não era ali reconhecida como problema de saúde pública.

Atualmente, surgem como desafios para o controle vetorial o reconhecimento da dinâmica de diferentes populações de triatomíneos em diferentes ecossistemas e a construção de espaços de risco para domiciliação de espécies autóctones, como o Triatoma brasiliensis, Triatoma sordida, Triatoma pseudomaculata, Panstrongylus megistus.

Abre-se um novo cenário em meados do século XX em termos de um “novo” espaço de transmissão da doença: a Amazônia brasileira, diferente dos padrões epidemiológicos observados nas tradicionais áreas endêmicas do país. Alí, a doença tem baixa endemicidade (baixa prevalência avaliada inclusive na população de candidatos à doação de sangue), e baixa mortalidade na fase crônica. Sem o padrão de domiciliação clássico, a transmissão oral passa a ganhar visibilidade como evento emergente em saúde pública, com relatos desde 1968 de microepidemias familiares, frequentemente relacionadas ao consumo de sucos de açaí ou bacaba bem como aos piaçavais. Relatos em estados do Nordeste (Paraíba, Ceará e Bahia) e do Sul (Rio Grande do Sul e Santa Catarina) reforçam esta possibilidade de transmissão, indicando outras fontes como o caldo de cana, e abrindo espaço para ações de vigilância sanitária voltadas para o controle de exportação de sucos e outros produtos para outras regiões e para fora do país.

O reconhecimento de novos cenários tornou-se necessária uma nova abordagem na vigilância epidemiológica da doença de Chagas. Na região amazônica, uma das estratégias adotadas foi ‘aninhar’ na vigilância da malária algumas das ações de controle da doença de Chagas.

No longo prazo essas estratégias devem estar necessariamente integradas a uma perspectiva de sustentabilidade. Do ponto de vista ecológico, não se justifica o controle vetorial de triatomíneos silvestres em seus ecótopos naturais, apesar de ocorrerem situações eventuais de contato com o ser humano, seja em atividades sociais e laborais do dia-a-dia, seja em situações de turismo ecológico e para áreas remotas. Nessa situação, as políticas ambientais que sustentem a ocupação do espaço com impactos mínimos (e monitorados) aos ecossistemas, garantindo a preservação da biodiversidade, representam o pilar para ações integradas envolvendo múltiplos setores. As ações de educação ambiental devem considerar as relações que se dão no intra e no peridomicílio entre seres humanos, animais, insetos, em uma visão ecossistêmica.

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O intenso processo de desmatamento e o crescimento da agropecuária vêm gerando um grave comprometimento da biodiversidade brasileira e de outros países endêmicos, com impactos consideráveis não apenas na saúde da população humana, mas também na dinâmica de população de reservatórios e triatomíneos.

Como marcador dos resultados positivos do controle, parte-se de uma prevalência estimada de mais de 5% de crianças infectadas por T. cruzi em áreas endêmicas nos anos 1960, e alcançam-se níveis inferiores a 2% nos anos 1990 e, por fim, de menos de 0,5% atualmente. Estes dados foram confirmados pelos achados do último inquérito nacional em 2007.

A migração e a concentração populacional em áreas urbanas, aliadas ao avanço tecnológico em saúde, sinalizaram novos desafios. Com os fluxos migratórios internacionais, a doença passa a ser sistematicamente registrada em países não endêmicos, como Espanha, Suíça, França, Japão, Austrália, Estados Unidos (mesmo reconhecendo-se o padrão de endemicidade no Sul deste país) e Canadá. Além disso, torna-se relevante a possibilidade de transmissão transfusional e por transplante de órgãos bem como a emergência da doença de Chagas como doença oportunista, com quadros de reativação de meningoencefalite e cardite, seja como condição definidora da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids) seja como evento associado à imunossupressão induzida, principalmente em transplantes. O Brasil possui desde 2006 uma Rede Nacional de Atenção e Estudos em Co-Infecção T. cruzi/HIV.

Do ponto de vista clínico, as ações estão direcionadas para o diagnóstico e tratamento precoces. Os estudos iniciais que estabeleceram o sinal de Romaña como sinal de elevada especificidade para diagnóstico da fase aguda da doença e dos ensaios terapêuticos para medicamentos com ação no T. cruzi, direcionaram as primeiras propostas de abordagem clínico-epidemiológica desta condição.

Posteriormente, estudos sobre a fase indeterminada foram potencializados com a utilização de técnicas sorológicas, que permitiram o desenvolvimento de inquéritos em pequena, média e larga escala e que ainda hoje são utilizados como parâmetros para avaliação de atendimento clínico e de controle da doença. Os inquéritos nacionais de 1976-1979 e 2006-2007 são exemplos. A definição e sistematização das formas crônicas foi possível graças à correlação de achados clínicos com parâmetros de exames complementares marcadores das formas cardíaca e digestiva, em diferentes graus de gravidade. Ressalte-se o emprego da eletrocardiografia e da ecocardiografia neste contexto.

A ampliação das indicações para o tratamento específico traz a necessidade de repensar as estratégias de desenvolvimento de novos fármacos e de novas

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apresentações dos já existentes, bem como o foco da vigilância epidemiológica, que no caso da população humana deve direcionar-se para os casos agudos. Infelizmente em um século de história poucas são as opções terapêuticas, restritas a medicamentos com elevada toxicidade, como o benznidazol e o nifurtimox. Somente em 2009 surge a possibilidade de se ter à disposição uma formulação pediátrica específica para uso em larga escala.

O maior conhecimento sobre a história natural da doença e a maior possibilidade de intervenção nos planos clínico e cirúrgico levaram à redução da mortalidade específica e à ampliação da sobrevida. As pessoas infectadas por T.

cruzi morriam precocemente, principalmente a população masculina, em geral em

virtude de complicações da forma cardíaca. De mais de 10.000 mortes por doença de Chagas estimadas anualmente em 1960 chega-se a menos de 5.000 atualmente, com deslocamento da faixa etária dos óbitos de 30 a 50 anos de idade para 50 a 70 anos. Entretanto, mantém-se um padrão desigual de morbi-mortalidade nas diferentes regiões do país. O impacto verificado pelo reconhecimento da redução progressiva do “Disability Adjusted Life Years” (DALYs) em mais de 75%, pode indicar melhoria da situação de vida da população de antigas áreas de risco ou a migração da doença para outros segmentos. Paralelamente a este processo, o aumento da sobrevida das pessoas com doença de Chagas trouxe a associação com doenças e agravos ‘crônico-degenerativos’, ampliando as necessidades de atenção à saúde desta população.

A maior compreensão dos modos de transmissão possibilitou que mecanismos de transmissão como a vertical (congênita) e a transfusional fossem elucidados. Apesar dos poucos estudos relativos à transmissão vertical, várias iniciativas foram desenvolvidas para a triagem sistemática de gestantes em áreas endêmicas com seguimento ao longo de todo o pré-natal e pós-parto e para as crianças expostas.

Em relação à transmissão transfusional, com as evidências trazidas desde 1951 abre-se espaço para a qualificação do processo de triagem clínico-epidemiológica e sorológica de candidatos à doação de sangue em países endêmicos, com destaque para o Brasil. Estas ações geraram um impacto considerável na redução do risco transfusional. Nos anos 1960/1970, menos de cinco por cento dos serviços de hemoterapia realizavam a triagem de candidatos à doação de sangue. A prevalência da infecção em candidatos à doação na década de 1960 era estimada como superior a 5% e evolui para menos de 1% nos anos 1990 (menos de 20 casos por ano). A qualificação dos processos de triagem clínico-epidemiológica e sorológica permitiu reduzir de forma significativa os riscos associados, não apenas à doença de Chagas, mas para diversas doenças infecciosas de transmissão

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sanguínea. A infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) teve um papel importante a partir da década de 1980. De forma a ampliar o processo de qualificação do sangue a ser transfundido no país, desde 2003 o Sistema Nacional de Hemovigilância (gerenciado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Ministério da Saúde) vem sendo implementado em todo o país. A investigação de reações transfusionais, no caso da doença de Chagas, dentro do grupo das tardias, amplia o escopo das ações, considerando-se o risco residual ao processo transfusional. Adicionalmente, nas últimas décadas, ampliou-se o cuidado em relação ao transplante de órgãos frente a casos de reativação da doença em vigência de imunossupressão.

Com o fortalecimento do movimento da reforma sanitária brasileiro e o estabelecimento da Constituição Cidadã em 1988, novas premissas de construção de um sistema nacional de saúde, o Sistema Único de Saúde, são aprovadas.

Os programas verticalizados, como o de controle da doença de Chagas viveram o desafio da descentralização de suas ações para os municípios. Novos atores, novas questões: riscos de fragilização técnica operacional, de não priorização política, de não integração das ações na perspectiva da vigilância em saúde e a necessidade de equipes de referência nos estados e no Ministério da Saúde para orientação técnica, monitoramento e avaliação do processo.

Hoje, a municipalização é um fato e as ações de controle da doença de Chagas nos municípios devem estar integradas na vigilância em saúde onde ações inovadoras de vigilância epidemiológica e sanitária devem estar em sintonia com estratégias de vigilância ambiental envolvendo, necessariamente, a abordagem de triatomíneos, reservatórios e população humana. A atenção à saúde individual seja na atenção básica ou na especializada deve estar integrada em redes de atenção transversalizadas por ações sistemáticas de divulgação de informação e de integração da população na vigilância.

Estamos, no século XXI, definitivamente longe da visão da ‘erradicação’ de vetores como meta para o controle de doenças. Das visões de Rachel Carson em meados do século XX e da constatação de que a primavera silenciosa4 que

ela prenunciava sequer seria acompanhada do efetivo controle da malária, caminhamos muito. Hoje, pensar o controle de doenças sem pensar nas suas múltiplas e complexas relações com a política ambiental é estar na contramão da história. A doença de Chagas alcançará de fato o status de “controlada” quando amplas reformas sociais e educacionais nas áreas endêmicas estiverem articuladas com políticas públicas efetivas em relação ao ambiente, dentro de uma integração entre as políticas nacionais de ambiente e saúde.

Referências

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