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TRIBUNAL DO JÚRI: Entre a democracia e a falta de conhecimento técnico-jurídico dos jurados | Anais do Congresso Acadêmico de Direito Constitucional - ISSN 2594-7710

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Anais do I Congresso Acadêmico de Direito Constitucional Porto Velho/RO 23 de junho de 2017 P. 700 a 724 TRIBUNAL DO JÚRI:

Entre a democracia e a falta de conhecimento técnico-jurídico dos jurados

Priscilla Duarte Alencar1 Moisés de Almeida Góes2

RESUMO

Este artigo tem como objetivo apresentar um estudo sobre a realidade fática do não conhecimento técnico-jurídico dos jurados no Tribunal do Júri. Para tal finalidade, foram utilizadas doutrinas, pesquisas e observações do ordenamento legal, a fim de apresentar a conceituação, evolução, e características desse instituto. Tendo em vista que, embora o inciso XXXVIII do artigo 5ª da Constituição Federal reconheça a instituição do Tribunal do Júri, as decisões provindas do judiciário, e inclusive os veredictos do Tribunal Popular, ressaltam que o ato de decidir requer uma prévia compreensão e cognição da complexidade jurídica de cada processo. Tal problemática será abordada, e se oferecerá argumentos que fortalecem o pensamento de que é real a necessidade de criação de critérios mais específicos para a seleção de jurados.

Palavras-chave: Tribunal do Júri. Conhecimento técnico-jurídico. Jurados.

ABSTRACT

This article aims to present a study on the factual reality of the no technical and legal knowledge of the judges in the Jury Court. For such purpose, it will use of doctrines, researches and observations of the legal order, aiming to present the conceptualization, evolution and characteristics of that Institute. Considering that, although subsection XXXVIII in article 5th of the Federal Constitution recognizes the institution of the Jury Court, the decisions from the judiciary, and even the verdicts of the Court, point out that the act of deciding requires a prior understanding and cognition of the legal complexity of each case. Such problems will be addressed, and

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Acadêmica do Curso de Direito da Faculdade Católica de Rondônia. Email: priscillaalencarr@gmail.com

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Docente da disciplina Direito Processual Penal, do Curso de Direito da Faculdade Católica de Rondônia. Email: goesmoises@hotmail.com.

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it will offer arguments that strengthen the thought that is real the need for creation of more specific criteria for the selection of jurors.

Keywords: Court of the Jury. Technical-Legal Knowledge. Juries

INTRODUÇÃO

Embora muito criticado, o Tribunal do Júri é instituto renomado na Constituição Federal de 1988 e repleto de garantias constitucionais. Dessa forma, ele é de grande importância para o sistema processual penal brasileiro. Tal procedimento recebeu ampla reforma com a vigoração da Lei nº 11.689/08, que, por sua vez, trouxe mais simplificação, celeridade e eficiência ao prestamento da jurisdição.

O surgimento do Tribunal do Júri é bem incerto; verifica-se por meio da evolução da sociedade que sua intenção é penalizar os crimes de natureza grave da maneira mais justa possível.

Entretanto, realmente existe a verdadeira busca pela justiça nos julgamentos realizados pela sociedade? Esta é a grande polêmica acerca do instituto do Júri Popular, já que não se exige dos membros do Conselho de Justiça o mínimo de conhecimento técnico-jurídico. Além disso, eles não são previamente preparados para atuarem como jurados.

O objetivo geral dessa pesquisa é construir entendimento jurídico na seara do Direito Processual Penal acerca da falta de conhecimento técnico-jurídico dos jurados no âmbito do Tribunal do Júri, bem como a influência disso na busca da verdadeira justiça que se busca nos crimes dolosos conta a vida. Para tanto, fez-se levantamento bibliográfico de estudos sobre as sentenças realizadas pelo Júri Popular e buscaram-se materiais científicos sobre a temática em tela.

A escolha desse tema deu-se pelo fato de a autora ter verdadeiro interesse pelo instituto do Tribunal do Júri desde o início do curso de Direito e por, mais adiante, ter estagiado durante 1 (um) ano na 1º Vara do Tribunal do Júri da Comarca de Porto Velho/Rondônia; assim, por esta última experiência, pôde observar mais

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de perto e de uma outra perspectiva os julgamentos ali realizados, nos quais a capitulação é a mesma, porém a decisão dos jurados é distinta.

Este tema tem verdadeira importância, uma vez que os julgamentos que versam sobre crimes dolosos contra a vida (crimes de maior relevância para o Direito Penal e Processual Penal) são realizados no Tribunal do Júri; este, por sua vez, é composto por pessoas da sociedade, e são elas que decidem sobre a condenação ou absolvição.

Neste caso, atentamos para a importância de analisar as sentenças proferidas pelo plenário do Tribunal do Júri, com relação a cada caso concreto, em busca de desvendar a questão que levou os jurados a proferirem decisões que, posteriormente, foram anuladas; se foram aspectos de outra natureza ou a falta de conhecimento técnico-jurídico dos jurados que as influenciaram.

O estudo em questão é de grande valor, pois busca análise concreta sobre os julgamentos realizados pela sociedade, visto que são de grande interesse social e altamente polêmicos. Contudo, antes de adentrarmos a matéria central, é importante conhecermos os objetivos e as origens desse aludido instituto para que possamos compreender qual é o seu objetivo e o que é verdadeiramente feito na atualidade.

1. CONCEITO, HISTÓRICO E CONTEXTUALIZAÇÃO DO JÚRI

É imprescindível, antes de adentrar o objeto do presente artigo, explanar um breve conceito do Tribunal do Júri, como ocorreu seu surgimento por meio da história e o contexto no qual se enquadra esse aludido instituto.

1.1. CONCEITO DE TRIBUNAL DO JÚRI

Em primeiro lugar, faz-se necessária uma conceituação sobre o significado do Tribunal do Júri. A palavra "Júri" tem origem latina, jurare, e significa "fazer juramento", em alusão ao juramento feito pelos jurados que irão compor o Tribunal do Júri. Já na sua criação, tem-se o entendimento de que os jurados decidem apenas sobre absolvição ou condenação do réu, e o juiz, presidente do Júri, externa essa decisão, em consonância com a vontade dos jurados. Nesse seguimento,

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observam-se conceitos para o Júri. Veja-se a análise feita por Vasconcelos (1955, Pág. 12):

Júri é a forma portuguesa da palavra inglesa „jury‟, que segundo LOROUSSE, provém do antigo francês „jurée‟. Os dicionários registram esse termo como o “conjunto dos cidadãos que como jurados julgam uma causa”. Toda definição é perigosa e nenhuma é completa, mesmo porque, como acentuamos alhures, definir é circunscrever uma idéia (CASTRO NÉRI) e a idéia, quase sempre, varia no tempo e no espaço, tomando, às vezes, feições completamente antagônicas. Não obstante, dentro das contingências humanas, devemos definir, não nos arreceando de que umas definições pareçam melhores que outras. Concebemos o júri como uma instituição democrática em que um grupo de cidadãos, convocados por sorteio, são obrigados por lei, mediante compromisso ou juramento, a julgar, de acordo com sua consciência e os ditames da justiça, uma causa que lhes é submetida, sob a presidência de um juiz.

De modo que nada tem mais força que o clamor popular, levando-se em consideração a vontade do povo sobre a lei, a principal função do Tribunal Popular é a garantia da democracia. E, para que isso ocorra, o Judiciário tutela o seu direito de julgador ao próprio povo, para que, desta forma, aconteça a verdadeira justiça, segundo Walfredo Cunha (2008, Pág. 30):

Deve-se entender que o Tribunal do Júri traduz a garantia ou o direito instrumental, destinada a tutelar um direito principal, que é o da liberdade, e também o direito coletivo, social, da própria comunidade, de julgar seus infratores.

Pode-se dizer que o Tribunal Popular representa um dos mais fortes exemplos de democracia no nosso ordenamento jurídico brasileiro, já que possui a finalidade de garantir a razão de ser uma defesa do cidadão contra as arbitrariedades dos representantes do poder e de permitir um julgamento por seus pares, quando se tratar de crimes dolosos contra a vida humana.

Conclui-se que o processo de escolha das pessoas que farão parte do corpo de jurados atende às pretensões democráticas do País, pois viabiliza, via de regra, a participação de variados setores da sociedade, em trâmite legal, fiscalizado e público, no qual vários atores do Judiciário o acompanham (no caso, o representante do Ministério Público e o juiz). Posto isso, quem decide sobre o crime é o cidadão,

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que se compromissa por juramento. Essa decisão proferida pelo jurado é consoante a sua consciência, e não segundo a lei. Além do mais, o juramento é esse, o de examinar a causa com imparcialidade e de decidir segundo a sua consciência e definição de justiça.

1.2 ASPECTOS HISTÓRICOS

O Tribunal Popular do Júri surgiu com a própria organização social, como uma necessidade de punir os crimes mais graves da forma mais justa possível. Historicamente, essa competência cabia às comunidades patriarcais, que eram administradas pelos homens mais velhos, que detinham a administração da comunidade e aplicavam as regras que deveriam ser respeitadas por todos. Nesse sentido, NUCCI (2008, Pág. 72) entende que:

O Tribunal do Júri, na sua feição atual, origina-se na Magna Carta da Inglaterra, de 1215. Sabe-se, por certo, que o mundo já conhecia o Júri antes disso, como ocorreu especialmente na Grécia e na Roma. Entretanto, a propagação do Tribunal Popular pelo mundo ocidental teve início, perdurando até hoje, em 1215, com o seguinte preceito: “Ninguém poderá ser detido, preso ou despojado de seus bens, costumes e liberdades, senão em virtude de julgamento de seus pares, segundo as leis do país”. [...] Era inicialmente um tribunal composto por 24 cidadãos “bons, honrados, inteligentes e patriotas”, prontos para julgar os abusos de liberdade de imprensa.

A instituição do Júri surgiu no Brasil pela Lei de 18 de junho de 1822, a qual limitou sua competência ao julgamento dos crimes de imprensa. Este Júri era formado por juízes de fato, num total de vinte e quatro cidadãos bons, honrados, patriotas e inteligentes. Este Conselho emanava sua decisão ainda sem força soberana. Nesse sentido, dispõe TASSE (2008, Pág. 42):

O júri foi implantado no Brasil pelo Príncipe Regente D. Pedro um pouco antes da proclamação da independência em 1822, composto por juízes de fato que se encarregaram de julgar exclusivamente os abusos quanto à liberdade de imprensa. A partir daí evoluiu bastante e passou por diversas transformações legislativas, enfrentando até mesmo o desprezo protagonizado pela Carta de 1937.

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Em 1824, com a Constituição Imperial, passou a fazer parte do Poder Judiciário como um de seus órgãos, com competência para julgar causas cíveis e criminais.

Na atual Carta Magna, é reconhecida a instituição do Júri, que está disciplinada no artigo 5º, XXXVIII, da Constituição Federal. Esse reconhecimento afirma a “ideologia” do Brasil como um Estado Democrático de Direito, por se tratar de um Tribunal Popular que considera a pessoa humana, ou seja, todos os atores sociais para uma efetiva democracia participativa; uma vez que aqueles que fazem parte do Poder Judiciário não foram eleitos pelo povo, por isso, e acima disso, a participação popular é primordial para a garantia dos direitos constitucionais, que, da mesma forma, foram “criados” pelo povo. O art. 60, §4º, da CF/1988, ao tratar das cláusulas pétreas, elenca a sua extensão, determinando que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado, o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação dos Poderes, os direitos e garantias individuais. Nesse diapasão, podemos considerar o relevante valor do Instituto para o sistema jurídico brasileiro.

1.3. CÓDIGO DE PROCESSO PENAL E A LEI 11.689/2008

Em junho de 2008, foi sancionada a Lei 11.689/2008, que alterou uma significativa quantidade de artigos referentes ao Tribunal do Júri no Processo Penal brasileiro. Mudanças significativas ocorreram com a vigoração da referida lei, mudanças no âmbito da instrução processual, com visão à modernização do Código de Processo Penal, a efetividade na obtenção da prestação jurisdicional, a celeridade processual, o fortalecimento do sistema acusatório e, destaque-se, a revalorização do papel da vítima no processo penal, etc.

Os procedimentos relativos ao processo de competência do Tribunal do Júri são elencados nos artigos que vão do artigo 406 ao artigo 497 do Código de Processo Penal.

Em meio a outras alterações, há algumas que merecem destaque, como, por exemplo, a revogação do protesto por novo júri que antes estava previsto nos arts. 607 e 608 do Código de Processo Penal. Segundo TOURINHO (2006, Pág. 757):

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O protesto por novo júri era uma criação do ordenamento jurídico brasileiro, tendo como origem o Código de Processo Criminal do Império, de 1832, onde se concedia uma segunda oportunidade de julgamento ao acusado que fosse condenado à pena de morte, degredo, desterro, galés ou prisão.

Com a lei, veio a extinção do capítulo que trata sobre o protesto por novo júri, por ser por total prejudicial à celeridade do processo e ser um tanto quanto ilógico, uma vez que, encerrado o julgamento, e em seguida após haver a condenação, já era dissolvido, o que dava a sensação de desperdício de tempo.

Dentre outras novidades, também teve fim o libelo, que, anteriormente, era previsto nos artigos 416 e 417 do Código de Processo Penal. Assim, discorre NUCCI (2008, Pág. 102):

No procedimento do Júri, enquanto a denúncia tem por fim expor o fato delituoso para provocar um juízo de admissibilidade da acusação (pronúncia), sem invasão do mérito da causa, o libelo crime acusatório era justamente a peça formal da acusação, que visava à exposição do fato criminoso, filtrado pela denúncia, ao Tribunal Popular, constituindo a pretensão punitiva do Estado e pretendendo um julgamento de mérito.

O libelo se tratava de uma repetição da decisão de pronúncia para o início da segunda fase do Tribunal do Júri.

Outra mudança que a lei trouxe se refere à absolvição sumária. O Código de Processo Penal estabelecia que o juiz devia absolver o réu, quando se convencesse da existência de circunstância que excluía o crime ou isentasse de pena o réu (artigos. 17, 18, 19, 22 e 24, § 1°, do Código Penal), devendo, inclusive, recorrer, de ofício, da sua decisão.

Este recurso tinha efeito suspensivo e era dirigido ao Tribunal de Apelação; contudo a nova lei trouxe outra redação ao artigo 415 do CPP:

"O juiz, fundamentadamente, absolverá desde logo o acusado, quando: I – provada a inexistência do fato; II – provado não ser ele autor ou partícipe do fato; III – o fato não constituir infração penal; IV – demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime. Parágrafo único. Não se aplica o disposto no

inciso IV do caput deste artigo ao caso de inimputabilidade prevista no caput do art. 26 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de

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dezembro de 1940 – Código Penal, salvo quando esta for a única tese defensiva".

Não mais se aplicará a absolvição sumária se demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão de crime. Será levado a Júri Popular o acusado que apresentar desenvolvimento mental incompleto ou doença mental ou retardado ao tempo da omissão da ação, se era inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, e, no caso de o Conselho de Sentença condenar o acusado, fica a cargo do juiz presidente determinar a pena ou a medida de segurança que deverá ser cumprida.

Outra inovação trazida pela Lei 11.689/08 foi a audiência una, prevista na nova redação no art. 411 do Código de Processo Penal, que começa com a tomada das declarações do ofendido e termina com a prolação da sentença de mérito, tudo num único dia.

Com a nova lei, não há mais a possibilidade de o juiz rever a decisão de impronúncia da decisão, sendo necessária a apelação, que é o tipo de recurso destinado à instância superior. Isso porque, anteriormente, era possível o juiz se retratar quando do erro na decisão de impronúncia do acusado. Isso tinha previsão no inciso IV do art. 581, por meio do recurso em sentido estrito.

O Tribunal do Júri, até a edição da presente Lei, estava fundamentado exclusivamente na análise de quesitos técnicos que tentavam disfarçar-se de vontade de jurados. A quesitação antiga nada mais era do que um instrumento cuja índole servia apenas para amarrar o verdadeiro sentido teleológico de um julgamento realizado por jurados.

Com o advento da nova lei, a base para o julgamento alterou-se consideravelmente. Em sua nova redação, o art. 483 dispõe que:

Art. 483. Os quesitos serão formulados na seguinte ordem, indagando sobre: I – a materialidade do fato; II – a autoria ou participação; III – se o acusado deve ser absolvido; IV – se existe causa de diminuição de pena alegada pela defesa; V – se existe circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena reconhecidas na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação. § 1º A resposta negativa, de mais de 3 (três) jurados, a qualquer dos quesitos referidos nos incisos I e II do caput deste artigo encerra a votação e implica a absolvição do acusado. § 2º Respondidos afirmativamente por mais de 3 (três) jurados os

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quesitos relativos aos incisos I e II do caput deste artigo será formulado quesito com a seguinte redação: O jurado absolve o acusado?

Nesse entendimento MARQUES (1997, Pág. 20):

É de grande relevância o estudo das modificações trazidas pela nova lei do júri, considerando, inclusive, que são muitas as críticas ao modelo do Tribunal do Júri, principalmente no que toca ao julgamento de crimes de máxima importância ao livre juízo de julgadores leigos, sem a necessidade de fundamentar as suas decisões, baseadas na livre convicção, sobejadas de juízo de valor e fatores emocionais.

Como podemos observar no art. 483 do Código de Processo Penal, alterado pela nova lei, o jurado não se vincula a nenhuma excludente ou codificação; ele está atrelado exclusivamente ao seu convencimento íntimo de que a conduta do acusado não causou danos à sua sociedade, podendo, assim, “ABSOLVER”, ou, sendo mais apropriado utilizar a palavra “PERDOAR” o réu. Por isso, decide agir como limitador do poder punitivo do Estado, que, se tivesse a possiblidade, utilizaria do seu mecanismo para condená-lo.

Essa soberania do Tribunal do Júri não significa onipotência insensata e sem limites, porque prevalece o direito da liberdade na hierarquia de valores. E se esta liberdade é desrespeitada, não há como manter a soberania e a intangibilidade, demonstrando ter o júri condenado erradamente. Mesmo porque o objetivo maior do Poder Judiciário é a certeza de ter feito justiça. Assim, seria uma incoerência jurídica a permissão de se atribuir a um de seus órgãos um poder de natureza irrecorrível. Tanto é que, nas palavras de Tourinho Filho (1963, Pág. 40):

Embora os legisladores constituintes de 1946 houvessem proclamado a soberania das decisões do júri, eles mesmos, quando alteraram o CPP, na parte atinente à instituição dele, para adaptá-lo às exigências constitucionais, por meio da lei n. 263, de fevereiro de 1948, deixaram claro que, se a decisão dos jurados fosse manifestamente contrária às provas dos autos, poderia o juízo “ad quem”, desde que provocado, determinar a realização de novo julgamento.

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Desta maneira, torna-se evidente a dissolução de absolutismo no princípio constitucional da soberania dos veredictos, pela delimitação de seus limites e produção de seus efeitos no ordenamento jurídico brasileiro.

2. PAPEL DOS JURADOS NO JULGAMENTO DO JÚRI

Os jurados têm a função de decidir o destino do acusado, seja absolvendo-o ou condenando-o, e possuem total autonomia para decidir sem a necessidade de fundamentar, haja vista que tal decisão está protegida pela soberania, disposta no artigo 5º, XXXVIII, da Constituição Federal. Como aborda Tubenchlak (1997. Pág. 192), “No Júri, compete aos jurados externar o veredicto; surgindo a condenação, aí sim o Magistrado influenciará no mérito do julgamento, aplicando a pena correspondente. Nada mais”.

Ocorre que, na prevalência das vezes, os jurados são pessoas desprovidas de preparo para exercer essa função tão importante, principalmente quando são pessoas de baixa instrução. Senão, vejamos o que articula Guilherme de Souza NUCCI (1999. Pág. 183):

A missão de julgar requer profissionais e preparo, não podendo ser feita por amadores. É impossível constituir um grupo de jurados preparados a entender as questões complexas que muitas vezes são apresentadas para decisão no Tribunal do Júri.

É nesse sentido que se explanam diversas discussões a respeito da falta de preparo intelectual, uma vez que os jurados não têm conhecimento dos processos e tampouco dos termos técnicos utilizados pelas partes de acusação ou defesa.

Uma das justificativas é que, por ser composto por pessoas leigas, e com uma visão mais aproximada das mudanças que ocorrem na sociedade, consequentemente estão mais propensos a fazer com que a lei se adapte ao caso concreto, e não que a realidade se amolde à norma; e isso representa uma segurança para aqueles que serão submetidos a julgamento, uma vez que o juiz de direito seria menos engajado a essa adaptação e, consequentemente, mais rígido em suas decisões. A respeito do Instituto, em uma forte crítica, Gladston Fernandes de Araújo (2004, Pág. 45) afirma que:

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No Júri, os jurados não decidem pelo convencimento a respeito da existência de um fato e da relação entre o fato e o autor; decidem conforme o encantamento ou desencantamento pela retórica do advogado ou promotor. Dentro dessa linha, somente a questão da verdade e da prova podem legitimar democraticamente uma sentença penal.

De outro ponto de vista, não raras vezes, acontece que os jurados fazem um julgamento em razão do que o réu é, e não pelo delito que este cometeu. No Tribunal do Júri, prevalece, muitas vezes, o julgamento íntimo, baseado nas características pessoais do réu, mediante sua conduta em desfavor da sociedade e de sua folha de antecedentes criminais.

Como diz Zaffaroni e Pierangeli (2004. Pág. 115):

“[...] o direito penal do autor, podemos dizer que, ao menos em sua manifestação extrema, é uma corrupção do direito penal, em que não se proíbe o ato em si, mas o ato como manifestação de uma “forma de ser” do autor, esta sim considerada verdadeiramente delitiva”.

Na grande maioria das vezes, os acusados são de classes menos favorecidas, de confronto com de seus julgadores, que são predominantemente da classe média. E, como podemos supor, não é improvável que o réu tenha antecedentes criminais; estes são utilizados como arma da acusação para alcançar uma condenação. Portanto, isto se torna viável, em virtude de que o convencimento dos jurados não precisa ser motivado.

Desta maneira, quando se apresenta um réu com maiores condições financeiras, encontramos um julgamento robustamente diferente, em virtude dos recursos utilizados pelos advogados de defesa, que, na intenção de confundir o jurado sobre a autoria do delito, enriquece os autos com laudos científicos ou técnicos incompreensíveis para os jurados, para gerar-lhes dúvidas, sabendo eles (advogados de defesa) que, na maioria das vezes, a Justiça não fez a sua parte na hora da investigação criminal.

Uma defesa que se considere boa e honesta procura convencer os jurados de que, na dúvida, é melhor absolver do que condenar. Ademais, procura colocar o jurado na posição do réu, já que, em momento de desestabilidade emocional,

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qualquer pessoa de bem pode se encontrar nesta situação. Como afirma Dantas (2006, Pág.56):

O maior problema é justamente esse, o momento da escolha dos jurados, tendo em vista que os jurados conhecerão apenas as versões do crime apresentadas pelo Ministério Público, pelo defensor e pelo Estado. Não existe, porém, um contato direto entre o jurado e o processo.

Vale ressaltar que são pessoas despreparadas para julgar, do ponto de vista técnico-jurídico, pois não têm os conhecimentos necessários mínimos, porém necessários para a compreensão de sua função no Tribunal do Júri. Para além da representação democrática e do exercício pleno de cidadania, o que se deve prezar é, acima de tudo, um julgamento parcial e justo.

2. 1. O TRIBUNAL DO JÚRI EM OUTROS PAÍSES

Abaixo, ver-se-á uma visão geral a respeito de como funciona o Tribunal do Júri em outros países do mundo, como Inglaterra, Itália, Portugal e Estados Unidos.

2.1.1 Inglaterra

O Tribunal do Júri na Inglaterra é responsável apenas por 1 a 2% dos casos no âmbito criminal.

As pessoas que compõem o Júri na Inglaterra estão entre a faixa etária de 18 a 70 anos, e proferirão um veredito no sentido de o réu ser culpado ou não. Se for no sentido para condenação, terá que haver, no mínimo, 10 votos contra 2, pois, se não houver essa maioria qualificada, o réu terá de ser sujeitado a novo Júri, com novos jurados. Se nesse novo júri não se alcançar novamente a maioria qualificada, o réu será considerado inocente, e será absolvido.

Em conformidade com o Brasil, a formação da sentença é um ato único do magistrado. O que difere o sistema da Inglaterra do sistema brasileiro é que na Inglaterra, no Tribunal do Júri, é permitido o diálogo entra os jurados.

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712 2.1.2 Itália

O Tribunal do Júri italiano, mesmo com o fim do fascismo, teve sua continuação sem o viés social, do qual anteriormente era dependente, em razão de ter continuado a ser chamado de assessorado.

Esse mencionado assessorado é composto por 2 magistrados togados, conjuntamente com mais 6 cidadãos, dos quais, dentre estes, 3 deverão ser do sexo masculino. Dessa forma, os jurados formam o tribunal, de forma que participam efetivamente das decisões relativas ao direito, bem como todas as outras que compõe o processo.

É efetuado um sorteio para a escolha dos jurados, e esse sorteio é realizado pelo Juiz presidente da Corte. Participam desse sorteio apenas os cidadãos de boa conduta, de idade entre 30 e 65 anos, e que possuam escolaridade média de primeiro grau, e será requisitado que possuam o segundo grau, se forem compor o corpo de jurados da Corte de Apelação.

Por fim, a decisão do assessorado dar-se-á pela maioria dos votos, prevalecendo sempre a decisão que mais favorecer o réu.

2.1.3 Portugal

O Tribunal do Júri de Portugal é composto por três juízes que elaboram o tribunal coletivo e por mais quatro jurados que serão eleitos e quatro suplentes, e adota-se nesse tribunal o regime de escabinato ou assessorado.

O Tribunal do Júri em Portugal, por vezes, não é frequente, visto que é facultativo apenas às partes que o requerem. Se esse for o caso, contudo, essa intervenção será irretratável.

Em Portugal, a outorga de jurado é gratificada e se define em serviço público obrigatório, e a sua recusa é constituída como crime. O sorteio para a seleção dos jurados será feito entre os eleitores constantes dos cadernos de recenseamento eleitoral.

É de grande importância enfatizar, ainda mais para juízo de comparação para com o sistema brasileiro, que, em Portugal, existe a obrigação de fundamentar as

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decisões, tendo cada respectivo juiz e cada respectivo jurado que fundamentar, explicando quais foram os motivos que os levaram a formar tal convicção, quando possível, explanando quais os meios de prova que foram utilizados como base de suas decisões.

2.1.4 Estados Unidos

O Júri brasileiro diverge imensamente do americano. Nos Estados Unidos, todos os crimes são de sua competência. O processo é esclarecido perante os jurados. O interrogatório do réu e a inquirição das testemunhas são procedidos de modo direto pelas partes. Os jurados não respondem a quesitos. Resolvem apenas se o réu é ou não culpado. Se o réu quiser negar o direito de ser julgado pelo Júri, basta antecipar-se ao veredito, reconhecendo sua culpa, em audiência prévia. Apenas nesse caso é que será julgado pelo juiz. Não ha incomunicabilidade entre os jurados e não se admite decisão por maioria. Na velha Inglaterra, o rei Alfredo mandou enforcar o juiz Cadwine, que determinou a pena capital a um réu que os jurados haviam condenado por maioria de votos e não por unanimidade.

Diferentemente dos tribunais populares norte-americanos, nos quais, geralmente, são doze os jurados, e os julgamentos criminais são definidos, em regra, por unanimidade; no Brasil, os júris são compostos por sete cidadãos, que votam por maioria simples. Incomunicáveis, os jurados brasileiros, sorteados entre pessoas do povo de todas as classes sociais e profissões, necessitam votar de acordo com suas consciências e a prova dos autos.

Ouvem os jurados os argumentos do Ministério Público, pela voz do promotor de Justiça, mostrando à sociedade, e os comparam às contra-alegações da defesa, onde se postam os advogados dos réus. Seu veredito é visto como soberano, pelo artigo 5º, inciso 38, da Constituição Federal, o que impede a substituição do julgamento popular por definições de órgãos judiciários de segundo grau. Contudo, o preceito não se equipara à regra do doublé jeopardy do direito dos EUA, que obsta mais de um julgamento pelo mérito, a fim de evitar decisões incoerentes.

No Brasil, o Júri só tem competência para julgar os crimes dolosos contra a vida, que são, mais ou menos, os praticados livremente. Só lhe compete, pois, julgar

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o homicídio; o infanticídio; o induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio; e o aborto. Os outros crimes, ou seja, virtualmente todos os pressupostos nas leis penais, são da competência do juiz singular. Aqui, os jurados não participam da instrução do processo e não podem se comunicar. O réu não pode rejeitar o julgamento pelo Júri e não é interrogado pelas partes. As testemunhas são inquiridas pelo juiz. Os jurados respondem a quesitos relativos às teses apresentadas pela acusação e pela defesa. O Júri, entre nós, só acompanha os debates, embora possa inquirir as testemunhas que eventualmente sejam convocadas.

Por fim, após a análise de forma internacional do Tribunal do Júri, em suas diversas composições que assumem ao redor do mundo, é evidente a sua importância no seu aspecto valorativo dentre os maiores sistemas jurídicos efetivos, e ainda mais por sua íntima relação com o desenvolvimento social de cada país em que está presente, mesmo por vezes sendo assombrado por regimes antidemocráticos, que o prejudicam propositalmente, em detrimento de sua grande relevância para o clamor social.

3. FALIBILIDADE DOS JURADOS

Na nossa Constituição Federal de 1988, está prevista a soberania do Tribunal do Júri. Trata-se não apenas de uma previsão constitucional, mas se configura, de fato, como uma garantia ao cidadão da soberania do Júri, e encontra previsão no art. 5º, inciso XXXVIII, da CF/88. Porém, essa garantia não é absoluta, podendo, em alguns casos, previstos no Código de Processo Penal, o veredito do Tribunal do Júri ser objeto de anulação pelo Poder Judiciário, como, por exemplo, o equívoco ao não se reconhecer causa geral de diminuição de pena, consistente na semi-imputabilidade:

É manifestamente contrária à prova dos autos a decisão dos jurados que afasta o laudo técnico elaborado por dois peritos oficiais que concluíram pela semi-imputabilidade do réu,

porquanto embora não estejam vinculados às conclusões periciais, na esteira do que ocorre com os juízes togados, diante da aplicação analógica da norma prevista no art. 182 do CPP, é certo que, em se

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tratando de assunto que requer conhecimentos de caráter técnico-científico, tal como ocorre na aferição de uma psicopatologia, não poderá o Júri simplesmente rejeitar as conclusões do laudo, já que não detêm o conhecimento e a qualificação exigidos para tal". (TJMG. Relator: Reynaldo Ximenes Carneiro. Data do acordão: 21/09/2000) (grifo nosso).

Também pode acarretar anulação da sentença a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos, como, por exemplo, o equívoco no reconhecimento de causa especial de diminuição de pena a que se refere o §1° do art. 121 do Código Penal, qual seja, o privilégio:

A decisão dos jurados se apresenta manifestamente contrária à prova dos autos quando não encontra apoio no conjunto probatório, devendo o réu ser novamente submetido a julgamento perante o Soberano Tribunal Popular do Júri. O privilégio a que se refere o § 1º do artigo 121 do Código Penal deve decorrer de uma injusta provocação da vítima, que desencadeia no seu algoz uma reação advinda de uma violenta e dominadora emoção. Não se reconhece

o privilégio, se não houve nem a provocação por parte da vítima, nem a violenta emoção por parte do acusado". (TJMG. Relator:

Antônio Carlos Cruvinel. Data do acordão: 08/08/2006) (grifo nosso).

Ainda, uma hipótese recorrente de cassação dos vereditos dos Tribunais do Júri é o equívoco quanto ao reconhecimento de negativa de autoria:

A tese de negativa de autoria, acolhida pelo Conselho de Sentença, é hostil à prova dos autos, impondo-se a anulação da decisão do Júri, para que o apelado seja submetido a novo julgamento. Provimento do recurso Ministerial. (TJRJ. Des. Marly Macedônio Franca - Julgamento: 18/07/2006).

A parte relacionada com a estrutura do Tribunal do Júri relata a parcialidade dos cidadãos comuns e leigos presentes no julgamento dos crimes dolosos contra a vida, se é condigno o réu ser absolvido ou condenado.

O Tribunal Popular tem previsão constitucional (art. 5º, XXXVIII), porém, apesar desta previsão, há muito debate a respeito dessa subjetividade atual no julgamento dito pelo Conselho de Sentença.

Alguns acreditam e argumentam que, quando o julgamento é feito por um Júri Popular, se trata de garantia de defesa dos direitos do acusado, considerando sua

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conduta sendo julgada por seus pares, assim sendo considerado como o entendimento da sociedade julgando um determinado crime contra si mesma.

Apesar disso, determinados doutrinadores alegam de forma defensiva sobre a subjetividade no estágio do julgamento. Precisamos atentar ao fato de que esta parcialidade está sendo interligada diretamente com julgamento, e não especificamente com o aspecto e a legitimidade democrática do Tribunal Popular.

A maior ponderação é o sentido no que se refere à carência de conhecimento técnico-jurídico e que a sentença dita pelos jurados dispõe basicamente de elementos no seu aspecto subjetivo, de maneira que não apresentam eficiência técnica para responder aos quesitos. Carecemos destacar que a posição por último abordada tem aspecto muito drástico, de modo que acredita que os jurados apenas julgam fundamentados nos argumentos ora defendidos no tempo reservado aos debates, até mesmo declarando que a sessão do julgamento poderá ser indicada como uma peça, ensaiada pelo promotor e pelo advogado.

A corrente que defende a subjetividade do Tribunal Popular argumenta que, em virtude da falta de entendimento jurídico penal, os jurados que constituem o Conselho de Sentença acabam se deixando fascinar pelos debates em plenário entre acusação e defesa e julgam de acordo com o convencimento das alegações ali trazidas.

Nessa circunstância, o que leva em conta é a atuação teatral do membro do Ministério Público e do defensor do acusado, que, recorrendo a argumentos bem elaborados, induzem os jurados ao que dizem, de forma que o réu acaba sendo condenado ou absolvido, conforme os argumentos das partes que melhor convencem os jurados.

Nos julgamentos do Júri, é apresentada aos jurados cópia da ação penal, com todos os desenvolvimentos processuais e as provas que podem condenar ou absolver o acusado. Mas o contratempo é como analisar os autos da ação, se o jurado não possui domínio sobre o conhecimento jurídico.

Propriamente por isso, pode-se alegar que os jurados apenas se baseiam nos atos tidos em plenário, para julgamento do réu. Valem-se do que é referido pelas partes de acusação e defesa, inclusive do interrogatório do acusado, mas, duvidosamente, são examinados os autos e tão pouco as provas.

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Pode-se proferir que os jurados são persuadidos pelos discursos da acusação ou defesa e respondem as questões com base nos relatos absorvidos por eles, sem qualquer juízo de direito, mas apenas de fato.

Desta maneira, restam impasses de que a aplicabilidade do instituto do Tribunal do Júri é eficiente, a ponto de consentir que desconhecedores decidam o futuro de acusados por executar crimes dolosos contra a vida.

Considerando os aspectos relatados, tal como as sessões de julgamento presenciadas, chega-se à conclusão de que, independente do caráter subjetivo do julgamento, em virtude de o Conselho de Sentença ser formado por leigos, os quais julgam segundo a sua crença, o Tribunal do Júri é constitucionalmente previsto, nos termos do art. 5º, XXXVIII.

A razão da criação do Tribunal do Júri foi fazer com que os indivíduos que cometeram algum crime doloso contra a vida fossem julgados por iguais. Contudo, esse julgamento pode permanecer prejudicado pelo fato de o jurado não ter técnica para contestar os quesitos que lhe são apresentados, além de não necessitar justificar o motivo do seu voto.

Consequentemente, encerra comprometendo por vezes a questão legal, para dar margem à condenação ou absolvição definida por desconhecedores de conhecimento técnico.

O Tribunal do Júri representa democracia, e levantar a ideia de sua eliminação representaria um verdadeiro retrocesso a ela; portanto, não se trata de defender a extinção dele, podendo, para alguns, ao levantar referidas questões, por um momento, despertar essa distorcida ideia.

Mas há a imperiosa necessidade de modificação na estrutura desse Tribunal, não de forma a emudecer, mas sim de aprimorá-lo, de maneira que os juízes leigos, aos julgarem seus pares de forma mais convicta e, consequentemente, proferindo uma decisão mais apta e precisa.

Na sua grande maioria, os juízes do Tribunal do Júri são cidadãos leigos, selecionados dentre os mais variados segmentos sociais para desempenharem a função de julgar seus pares pelas práticas de crimes dolosos contra a vida.

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Os membros do Conselho de Sentença deverão ser escolhidos entre cidadãos que possuem “notória idoneidade”, e sendo essa apenas a qualificação exigida pela lei, com previsão no artigo 436 do diploma legal.

3. FALTA DE CONHECIMENTO TÉCNICO-JURÍDICO DOS JURADOS

A falta de conhecimento técnico-jurídico por parte dos juízes de fato do Tribunal do Júri resulta na falibilidade dos jurados, que, por meio de erros ou enganos, colocam em perigo a credibilidade e garantia dessa instituição.

Nas palavras de Aury Lopes Junior (2004, Pág. 171):

A falta de profissionalismo, de estrutura psicológica, aliados ao mais completo desconhecimento do processo e de processo, são graves inconvenientes do Tribunal do Júri. Não se trata de idolatrar o juiz togado, muito longe disso, senão de compreender a questão a partir de um mínimo de seriedade científica, imprescindível para o desempenho do ato de julgar.

O Júri retrata uma das mais grandiosas instituições que representam a democracia, pois este atribui competência a pessoas leigas para julgarem seus semelhantes como se fossem juízes togados. Os jurados possuem o papel de decidirem o futuro do acusado, para absolvê-lo ou condená-lo, cobertos de total autonomia, e a decisão que tomam não tem necessidade de fundamentação, sendo a mesma protegida pela soberania da decisão dos jurados, com previsão no artigo 5º, XXXVIII, da Constituição Federal.

Esta decisão, apesar de possuir força definitiva, não é absoluta, porque, quando o Júri profere decisões que vão contra os autos, que, nesse específico caso, a decisão tomada poderá ser alvo de nulidade e, por consequência, ser designado novo júri. Este é basicamente o motivo das várias discussões em relação à falta de preparo intelectual, pois os jurados não possuem conhecimento dos autos processuais e muito menos dos termos técnicos utilizados pelos magistrados, representantes do parquet e advogados.

É incumbido a esses juízes de fato do Tribunal do Júri decidir sobre a materialidade e a autoria do delito imputado ao acusado, e ainda mais decidir

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sobre alguma excludente de ilicitude, de culpabilidade ou de minorante, que, eventualmente, possa vir a incidir.

Há uma grande problemática nisso tudo, uma vez que a maioria dos jurados são desprovidos de conhecimento técnico-jurídico para exercer essa função, que é de grande relevância, por se estar decidindo sobre o futuro do acusado que está no banco do réu, e a quantidade de pessoas carentes de conhecimento técnico-jurídico é bastante. Esse fator acaba por dificultar cada vez mais. Sobre isso, entende NUCCI, (1999, Pág. 183):

“A missão de julgar requer profissionais e preparo, não podendo ser feita por amadores. É impossível constituir um grupo de jurados preparados a entender as questões complexas que muitas vezes são apresentadas para decisão no Tribunal do Júri.”

Quando os juízes de fato do Tribunal do Júri proferem suas decisões, baseiam-se a partir das características do réu, e não específica e efetivamente no delito que o acusado cometeu. Sustentam suas decisões não apenas nas características do acusado, mas também em seus antecedentes criminais e sua conduta ante a sociedade.

Os jurados pronunciam suas decisões de forma a manifestar o seu livre convencimento, uma vez que a falta de conhecimento técnico-jurídico ínfimo sobre o que é exposto em plenário pelo representante do Ministério Público, pelos advogados e pelo juiz, prejudica a decisão tomada. Nesse sentido Miguel Reale JR. (1983, Pág.81) corrobora:

A íntima convicção despida de qualquer fundamentação permite a incoerência de que alguém seja julgado a partir de qualquer elemento, o que violenta a segurança social e o respeito aos direitos humanos, haja vista que o objetivo é conciliar a tutela da segurança social com respeito à pessoa humana.

O uso técnico excessivo é uma das razões que causam mais problemas e atrapalham o Tribunal do Júri, a julgar pelas expressões técnicas que são utilizadas e a maneira que é redigida. Por esse motivo, certos aspectos têm acarretado nulidade em Tribunais Estaduais e Superiores. Vejamos:

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a) incongruência nas respostas, que demonstrou a perplexidade dos jurados b) proposição confusa e complexa

c) induzimento dos jurados a equívoco em consequência da falta de técnica de redação

Destarte, faz-se necessária uma prévia qualificação destes jurados, que, em sua grande maioria, são leigos no que se refere ao conhecimento técnico-jurídico, para que possam atuar de maneira mais segura no Tribunal do Júri. Em uma crítica, observa, acerca do Tribunal do Júri, Luiza Nagib Eluf (2003. Pág. 16):

A instituição do Júri Popular, que julga somente os crimes dolosos contra a vida, precisa ser repensada. Há decisões estapafúrdias que só ocorrem em julgamentos de crimes de competência do Júri. A atuação dos profissionais da acusação e da defesa conta muito no convencimento dos jurados, que, às vezes, decidem levados pela eloquência de um ou de outro. Não raro, sentenças que contrariam as provas dos autos são anuladas pelos Tribunais de Justiça dos Estados e novos júris têm de ser realizados para julgar a mesma pessoa, pelo mesmo crime.

A crítica ora referida está relacionada com a condição de jurados leigos, do ponto de vista técnico-jurídico, que são incumbidos de uma responsabilidade tamanha. Vale lembrar que ausência de conhecimento técnico-jurídico não impede que se criem outras figuras penais, como, por exemplo, a legítima defesa da honra, em que diversos crimes, em que, na sua grande maioria, os autores são homens, em crimes passionais, foram absolvidos sob a égide da honra ofendida pela traição.

Vale destacar que, se o jurado tiver a intenção de absolver o acusado, não terá importância qual tese ele irá seguir. Pode-se observar, assim, o sistema de apreciação da prova íntima de convicção, porque não se poderá identificar qual tese o jurado seguiu e nem o motivo de adotar esse caminho.

Não se pode negar, pois, que o júri possibilita argumentos com fundamentos emocionais, e não apenas de forma técnica e se de alguma forma os jurados perceberem que deverão fornecer ao acusado uma “segunda chance”, concedendo-lhe, assim, o perdão pelo crime praticado; será lícito fazê-lo. Os jurados, se dessa forma quiserem, podem absolver o réu com base na clemência. Sendo esse um dos motivos pelo qual o legislador instituiu de forma obrigatória esse referido quesito. Por esse motivo, por mais que a defesa sustente no plenário somente uma causa de

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diminuição de pena, como, por exemplo, o homicídio privilegiado, antes de ser votado o terceiro quesito, deverá o juiz-presidente clarificar aos jurados que eles são livres para, em conformidade com sua convicção, se for de sua vontade, absolver o acusado.

4. SUGESTÕES PARA UMA MELHOR INSTRUMENTALIDADE DO TRIBUNAL DO JÚRI

Assim sendo, em face do exposto e experiência observacional, e com base em toda a pesquisa feita acerca do tema, buscando possíveis soluções para a problemática apresentada, seguem certas possíveis mudanças que, de certo modo, se fazem fundamentais do ponto de vista de aprimoramento do grandioso instituto do Tribunal do Júri, quais sejam:

a) A formação definitiva do Núcleo de Estudos e Orientação Psicológica do Tribunal do Júri, sendo coordenada pelo Tribunal de Justiça do Estado, em cada respectiva comarca e no decurso de determinado período do ano, para todas as pessoas integrantes da lista geral dos jurados, com o objetivo de capacitação de instrução e conhecimento mínimos, mas imprescindíveis para um mais efetivo entendimento dos debates, provas, normas e quesitação exposta, proporcionando-lhes, assim, mais adequados recursos e suporte para suas decisões. Nesse Núcleo, terá que ser fornecido apoio psicológico, além de capacitação técnica no intuito de distanciar o medo, bem como para fazê-los ter consciência do dever que exercem e que lhe são atribuídos, de maneira a se sentirem mais estimulados a cooperar com a administração da Justiça, combatendo abusos e suprimindo a impunidade, resguardando, dessa forma, a democracia no seu mais elevado patamar.

Nesse entendimento, é de grande valor a entrevista produzida por Semira Adler Vainsencher (1997, Pág. 135) acerca do depoimento de certo jurado:

O desconhecimento da terminologia jurídica dificulta o entendimento dos jurados. Acho que deveria haver um curso para ensinar a terminologia jurídica; como funciona um processo do início ao fim, para eles terem as condições mínimas de julgar.

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b) Conceder as cópias de todos os autos aos 25 jurados, desde o momento em que a ação penal for introduzida na pauta de julgamentos, com o propósito de que previamente os juízes de fato venham a tomar conhecimento dos fatos e os direitos apresentados pelas partes, como também as provas contidas no caderno probante. Acerca do apresentado, declarou determinado jurado, conforme traz Vainsencher (1997, Pág. 135-136):

O jurado deveria acompanhar o processo desde o início. Pelo menos, que se fizesse isso em um processo, para poder ter a vivência: desde o depoimento na polícia até a fase final. Muitos jurados chegam ali pensando que tudo aquilo pode ser um conto de fadas. Inclusive ter um mínimo conhecimento de medicina legal. Como é que um jurado pode entender que um tiro dado a seis metros de distância provoca chumascamento no corpo da vítima, se ele nunca teve revólver, nem tem conhecimento de nada? Não é preciso ser um técnico, mas é preciso ter uma noção.

c) Empregar um vocabulário mais apropriado e conveniente em plenário, de maneira que a compreensão dos jurados e também do público presente possa ser maior e efetiva, para que, dessa forma, os quesitos possam ser respondidos com mais clareza, e a redação dos quesitos poderiam ser formuladas de forma mais simplificada e precisa. É uma exigência elementar a simpleza na redação dos requisitos, visto que a quesitação, sendo elaborada dessa forma, contribui para um ato processual mais sublime por meio de uma maior eficiência nas respostas dos jurados.

Possibilitando, assim, a abertura de um amplo espaço de modo a reestruturar o Tribunal do Júri, a fim de uma mais adequada instrumentalidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer deste trabalho, foi possível ponderar sobre os aspectos da democracia do Tribunal do Júri, desde seu surgimento na sociedade até os dias atuais, abordando o conceito do instituto e seus aspectos históricos.

Compreende-se por meio deste trabalho que o Tribunal do Júri reflete um dos maiores exemplos de democracia do nosso país, pelo qual as pessoas na sociedade

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exercem diretamente o seu direito de sufrágio, empregadas na função de julgadores dos crimes de maior relevância para o Direito Penal.

Quanto aos aspectos sociológicos do Tribunal do Júri, puderam-se traçar breves considerações acerca de como o Júri é recepcionado na sociedade e o papel desempenhado pelos jurados no julgamento do Júri Popular.

Uma breve comparação do Júri brasileiro com o Júri de outro países, como Inglaterra, Itália, Portugal, e o júri norte-americano, no tocante às principais características, considerando o direito à democracia e nos julgamentos, bem como a competência para todos os crimes do ordenamento jurídico dos Estados Unidos.

A respeito do papel dos jurados no Tribunal Popular, pôde-se concluir que a falta de conhecimento técnico-jurídico por parte dos juízes de fato do Tribunal do Júri resulta na falibilidade dos jurados, que, por meio de erros ou enganos, colocam em perigo a credibilidade e garantia dessa instituição.

Os aspectos abordados no presente artigo estabelecem elaboração substancial ao raciocínio do Direito Constitucional, Penal e Processual Penal, tendo condão para alçar uma estrutura do Tribunal do Júri mais exigente, sendo, assim, mais eficaz e menos passível de erros e nulidades.

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