• Nenhum resultado encontrado

Jovens, lutas por terra e permanência no campo / Young people, struggle for land and permanency in the countryside

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Jovens, lutas por terra e permanência no campo / Young people, struggle for land and permanency in the countryside"

Copied!
19
0
0

Texto

(1)

Jovens, lutas por terra e permanência no campo

Young people, struggle for land and permanency in the countryside

Recebimento dos originais: 10/10/2018 Aceitação para publicação: 19/11/2018

Elemar do Nascimento Cezimbra

Doutorando em Desenvolvimento Rural Sustentável pela UNIOESTE, campus Marechal Cândido Rondon

Instituição: Universidade Federal da Fronteira Sul - UFFS

Endereço: Rodovia BR 158, Km 405, CEP 85.301-970, Laranjeiras do Sul - PR, Brasil E-mail: elemar.cezimbra@uffs.edu.br

Inês Terezinha Pastório

Doutoranda em Desenvolvimento Rural Sustentável - DRS, pela UNIOESTE. Instituição: Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE

Endereço: Rua Pernambuco, 1777. Centro. CEP 85960-000. Marechal Cândido Rondon, PR, Brasil E-mail: inespastorio@gmail.com

Leonardo Pereira Xavier

Mestrando em Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável pela Universidade Federal da Fronteira Sul

Instituição: Universidade Federal da Fronteira Sul - UFFS

Endereço: Rodovia BR 158, Km 405, CEP 85.301-970, Laranjeiras do Sul - PR, Brasil E-mail: leopxavier@gmail.com

RESUMO

Este relato considera a importância da juventude, filhos de assentados, nas lutas sociais e políticas de ocupação de terras organizadas pelo MST. Será visto o caso da ocupação Herdeiros da Luta Primeiro de Maio na Araupel, Rio Bonito do Iguaçu, PR, que começou com mais de 1500 famílias em 2014. Nesse município já estão assentadas 1600 famílias desde 1997. A partir dos cadastros que o MST realiza constatou-se a presença de mais de 600 jovens filhos de assentados da região. Parte já tinha buscado emprego nas cidades, mas retornam devido ao desemprego e baixos salários, enquanto a renda mensal média dos assentados varia de 3 a 5 salários mínimos. Essa juventude retorna para o campo e envolve-se nas lutas de ocupação e mobilizações. O MST aposta na juventude como propulsora e dinamizadora das lutas e possibilita sua participação social e política. As constatações primárias vivenciadas nas diferentes esferas do MST demonstram o papel importante da juventude na luta da reforma agrária.

Palavras-chave: Juventude, MST, participação, ocupação, reforma agrária. ABSTRACT

This report considers the importance of youth, children of settlers, in the social and policies struggles of land occupation organized by the MST. It will be seen the case of the occupation Heirs

(2)

of the Struggle May First in Araupel, Rio Bonito do Iguaçu, PR, which started with more than 1500 families in 2014. In this municipality there are already settled 1600 families since 1997. From the records that the MST performs it was verified the presence of more than 600 young children of settlers of the region. Part had already sought employment in the cities, but returned because of unemployment and low wages, while the average monthly income of the settlers ranges from 3 to 5 minimum wages. This youth returns to the countryside and engages in struggles of occupation and mobilization. The MST bets on the youth as a propeller and energizer of the struggles and makes possible their social and political participation. The primary findings experienced in the different spheres of the MST demonstrate the important role of youth in the struggle for agrarian reform. Key words: Youth, MST, participation, occupation, agrarian reform

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo procura mostrar que a luta pela terra é um caminho para a juventude que provem de assentamentos, estando ainda com as famílias ou que já tenham migrado para as cidades em busca de trabalho e melhores condições de vida e, não encontrando isto, retornam para as ocupações de terra. E os jovens ainda no assentamento também vão para ocupações. Vamos considerar o acampamento Herdeiros da Luta Primeiro de Maio, em Rio Bonito do Iguaçu, na empresa Araupel S.A, que ocorreu em primeiro de maio de 2014. Grande parte dos ocupantes, em torno de 40% pelo levantamento do cadastro interno do acampamento, são filhos de assentados da região, especialmente dos assentamentos que já existem nas áreas retomadas pelo governo federal e que se transformaram em quatro projetos de assentamento (Ireno Alves dos Santos, Marcos Freire, Celso Furtado e Dez de Maio), no mesmo latifúndio, ora ocupado. Isto começa a acontecer desde as lutas de ocupações ocorridas a partir de 1996, e que tiveram sequência nos anos seguintes, que redundaram nos referidos assentamentos, que compreendem ao redor de 54.000 hectares de terra e abrigando mais de 2800 famílias assentadas. Herdeiros da luta por serem filhos dos assentados que sempre foram motivados pelo MST e pelos próprios pais a seguirem a luta contra este latifúndio. Os demais ocupantes são sem terras da região e entorno, muitos inclusive são parentes e conhecidos dos assentados antigos, que seguem o trabalho militante de ajudar os camponeses sem terra a lutar por terra. Visto ser este um compromisso assumido com o MST de continuar a luta por terra para quem ainda não tem. Os assentados seguem sendo parte do MST. Constituem uma espécie de retaguarda enquanto apoio e linha de frente nos momentos específicos das ocupações, devido ao acúmulo de experiências adquirido. A luta pela terra para a juventude acaba se transformando em parte do projeto de vida de continuarem vivendo no campo. Pois os assentamentos da região vêm tendo indicadores de melhoria de qualidade de vida, o que vem a ser um motivador de seguir a luta por terra, como veremos mais a frente ao verificarmos os resultados da reforma agrária na região e também a nível nacional. Por termos a presença maciça de jovens oriundos dos assentamentos, nas áreas antes controladas pela empresa Giacomet Marodin, hoje Araupel S.A, é que consideraremos

(3)

as motivações dos jovens presentes nesta ocupação Herdeiros da Luta - Primeiro de Maio para mostrar a importância da juventude na continuidade das lutas por terra e reforma agrária e consequentemente a importância para a reprodução do campesinato pelas lutas. É a primeira geração de filhos de assentados nesta região, que seguem o caminho dos pais na luta pela terra. Todos ainda eram muito crianças e alguns adolescentes, quando da primeira ocupação realizada pelo MST neste latifúndio em questão, no ano de 1996. Ficaremos com o caso desta ocupação, para nossas considerações sobre a juventude filhos de assentados, visto que pudemos participar efetivamente em quase todos os momentos importantes de organização, decisão, discussão, métodos de lutas, etc. Isto desde o ano de 1993 participando no MST da região, como militante e dirigente regional e nacional. É importante mencionar que fenômeno semelhante acontece um ano depois, em 2015, no município vizinho de Quedas do Iguaçu com nova ocupação organizada pelo MST, o acampamento dom Tomás Balduíno, com mais de 1500 famílias, sendo também significativo o número de jovens filhos de assentados do município em questão, participando organicamente do processo organizativo da ocupação, o que vem a corroborar o papel da juventude. Não verificaremos este caso, mas está aqui mencionado porque nos ajuda a reforçar a constatação da forte participação dos jovens filhos de assentados nas ocupações. Além da participação e envolvimento direto, que nos proporcionam dados de vivência, observação e participação, vamos considerar trabalhos de dissertação e teses já realizados nesses assentamentos e sobre o MST regional na descrição deste processo participativo da juventude filhos de assentados que optam por continuar a luta por terra, bem como de trabalhos que abordaram outros aspectos decorrentes da luta pela terra e pela reforma agrária na região e que nos ajudam na compreensão dos fenômenos. Além de acompanhar passo a passo este processo levaremos em conta os levantamentos e cadastros que o acampamento uma vez efetivado realiza de todo pessoal acampado. Também foi feito um questionário com alguns jovens escolhidos de forma aleatória para detectar as motivações de por que se envolveram na ocupação e que expectativas têm.

Também verificaremos a situação da questão agrária regional e em específico do latifúndio em questão, Giacometi Marodin, hoje Araupel S. A, que o MST sempre tratou como um latifúndio grilado, pois também é de conhecimento público geral essa suspeita de grilagem. E que após muita pressão sobre o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), órgão encarregado da reforma agrária e sobre o judiciário federal, para que fizessem estudo da cadeia dominial a fim de verificar se a terra era de domínio público federal. Após estudos feitos pelos órgãos acima referidos, dos imóveis que a Araupel diz-se proprietária, verificou-se a grilagem como demonstraremos adiante. Constatada a suspeita, da grilagem das terras, isto tornou-se um fator de maior certeza da possibilidade do latifúndio tornar-se assentamento, como resultado da pressão das

(4)

ocupações e com acampamentos que de imediato começam o trabalho de produção de subsistência nas terras. Estes fatores animam os envolvidos nessas lutas e lhes dá confiança de obter vitórias. Pela grande quantidade de envolvidos diretos e indiretos nas lutas, o governo ficou na obrigação de intervir, segurando os despejos, tão comuns nestas situações. O latifúndio está ilegal e ilegítimo. Legítima é a luta e seus reclamos por reforma agrária. Isto certamente torna-se um atrativo muito forte para a juventude e para os demais sem terras vindos para as ocupações, pois como já mencionamos, proporciona uma grande confiança na vitória com assentamento futuro.

Abordaremos também neste trabalho os resultados da reforma agrária na região, que é um motivador importante para a participação dos jovens filhos de assentados na continuidade da luta pela terra, considerando a especificidade regional do grande número de assentamentos, o que constitui uma força social e política importante e, de certa forma, proporciona confiança, devido ao respaldo de massa efetivo nas horas difíceis das lutas. Gera uma sensação de que há força para a conquista, pois o número dos assentados envolvidos no apoio às ocupações e pelo fato de estarem contíguo às áreas de terra em conflito, garante rápida mobilidade para bloquear os despejos, criando um grande problema para as forças repressivas, para o governo e para o latifúndio. Isto força à negociação por uma solução pacífica e uma reforma agrária efetiva. Dá uma grande confiança na vitória, mesmo que o processo de lutas seja longo e uma vez, dentro das terras, é possível ir produzindo a subsistência e assim resistir melhor às adversidades da precariedade do dia a dia.

2 A QUESTÃO AGRÁRIA NA REGIÃO E AS AÇÕES DO MST E A PARTICIPAÇÃO DA JUVENTUDE.

Em artigo Roos mostra as disputas dos sem terras com Araupel e nos informa que a

[...] formação da Fazenda da empresa Araupel ocorreu no início da década de 1970, quando dois grupos do ramo madeireiro, a Madeireira Giacomet S.A. e a Marodin Exportação S.A. se uniram, formando a Giacomet - Marodin Indústria de Madeiras S.A. O objetivo da nova empresa era aquisição de terras no Centro-Sul do Paraná, como foi o caso das fazendas Pinhal Ralo, Rio das Cobras e Campo Novo, formando uma área com cerca de 85.000 ha, que abrangia cinco municípios paranaenses: Quedas do Iguaçu, Três Barras do Paraná, Rio Bonito do Iguaçu, Espigão Alto do Iguaçu e Nova Laranjeiras. Em 1997 a Giacomet - Marodin mudou sua denominação para Araupel S.A. (ROOS, 2013, p.2)” A constituição histórica do município de Rio Bonito do Iguaçu nos marcos atuais da modernização no Paraná das regiões Sudoeste-Oeste com uma das melhores terras do país. “Na década de 50 tinha a maior reserva de pinheiros araucária do Brasil e do mundo. Tais condições estimulam a chegada dos imigrantes de ‘zonas de ocupação antigas (RS e SC)’, como orientação da política de ocupação do Oeste brasileiro” (COLNAGHI, 1991, p. 34 apud JANATA, 2012, p. 54). Mas vai trazer o início da ocupação do município, resgatando a vinda de José Nogueira do Amaral em 1848 de SP, desterrado para o que hoje é o município de Laranjeiras do Sul, porém na época era

(5)

Guarapuava e o PR era território de SP, somente em 1850 vira Estado. A família Nogueira do Amaral vai receber uma sesmaria, chamada Laranjeiras. Rio Bonito do Iguaçu foi desmembrado de Laranjeiras do Sul em março de 1992. Tem uma área de 746 km, o censo demográfico de 2010 indica uma população de 13.660 habitantes, sendo 3.325 na cidade e 10.335 no campo (IBGE, 2010).

A região era território dos índios Kaingang e foi sendo povoada aos poucos por peões expulsos de fazendas, fugitivos da justiça de SC e RS e após a Guerra do Contestado de 1912 a 1916, vai receber muitos caboclos fugidos da perseguição da guerra. Argentinos e paraguaios também em busca da erva-mate vão povoar a região com alguns permanecendo na mesma, como mostram Ferreira (2006, apud JANATA, 2012) e Wachowicz (1985 apud JANATA, 2012). A maioria dessa população vai ocupando o território e formando posses sem legalização. É possível identificar entre os sem terras de hoje muitos descendentes desses primeiros moradores da região. Com a política de colonização do governo federal para ocupar o Oeste como foi mencionado, as terras eram cedidas a empresas de colonização, que promoviam a vinda de colonos do RS e SC, porém já haviam em parte das terras posseiros e índios, também o governo do PR, ao passar a controlar as terras devolutas pouco antes dos anos 1950, não reconhece o trabalho já feito das primeiras empresas colonizadoras, e revende as mesmas terras, isto criou um cenário de conflitos generalizados em várias partes do Estado do Paraná que se prolongam até a atualidade (JANATA, 2102). E acrescenta no seu estudo da região o modelo da modernização conservadora da agricultura que concentra mais as terras, gerando mais sem terras e lembra as construções das usinas hidroelétricas no rio Iguaçu, entre elas a de Salto Santiago, que afetou centenas de famílias que perderam as suas terras. Mas o impacto maior é causado pela usina hidroelétrica de Itaipu no rio Paraná, que afetou mais de 12 mil famílias no Oeste. Esse conjunto de fatores vai dar origem ao MST em 1984, num encontro de sem terras e envolvidos em conflitos de terra, organizado na cidade de Cascavel. Este encontro é o resultado da articulação de várias lutas e conflitos por terras, já organizados em movimentos locais, e que vão aglutinar-se, num trabalho coordenado principalmente pela CPT (Comissão Pastoral da Terra), que foi criada em 1975 para defender os camponeses nos conflitos por terra que ocorriam por todo o país. O encontro de 1984 chama o primeiro congresso nacional do MST que ocorreu em janeiro de 1985 na cidade de Curitiba, onde é tomada uma das decisões principais que é a nacionalização do movimento (STÉDILE; FERNANDES, 2005). O fato do PR acolher os dois momentos de fundação do MST mostra o quão importante é o estado do Paraná no tocante a conflitos por terra.

Voltando para o relato sobre a região e à compreensão da formação do latifúndio desta empresa madeireira, que tem o domínio de vários imóveis rurais, e que estão sendo contestadas

(6)

judicialmente pelo INCRA, desde o ano de 2003, onde o referido órgão, após estudo da cadeia dominial, concluiu pela ilegalidade da propriedade das terras pela Araupel. Sendo que o poder judiciário já se manifestou em duas instâncias pela nulidade dos títulos, portanto indicando que os mesmos são propriedade da união. E como tal passíveis de realização da reforma agrária, como reivindicam os sem terras.

Desde o ano de 1996, o MST vem desenvolvendo um processo organizado de ocupações contínuas pela realização de uma reforma agrária em todos os imóveis deste latifúndio, que na época pertenciam empresa madeireira Giacomet Marodin, duas famílias de madeireiros gaúchos que juntaram-se e nos anos 70 passaram a ter o domínio destas terras. E posteriormente, foram estendendo a grilagem, tomando as terras dos vizinhos posseiros à força empregando o uso da pistolagem, o que causava temor não só à vizinhança, mas aos sem terras que almejavam este latifúndio. O MST instala-se na região nos fins dos anos 1980 e logo conquista muitos assentamentos. Só nos municípios próximos a Rio Bonito do Iguaçu como Candói, Cantagalo e Laranjeiras do Sul, principalmente, são efetivados mais de 1500 famílias em assentamentos.

Coca (2011, p.155), com sua pesquisa no Território Cantuquiriguaçu (que compreende 20 municípios entre os rios Iguaçu, Piquiri e Cantu), onde estão situados os maiores conflitos de terra em andamento no Paraná, compreendendo a região do centro sul paranaense, nos informa que a atuação desses movimentos (MST) levou milhares de camponeses a deflagrarem uma luta em favor da reforma agrária, a partir dos fins dos anos 1980. De acordo com as informações levantadas pelo autor, entre 1988 e 2010, no Cantuquiriguaçu, ocorreram 63 ocupações, com a participação de 15.465 famílias. Destaca a ocupação do maior latifúndio contínuo do sul do Brasil (83 mil hectares) pertencente à empresa Giacomet Marodin, a Araupel, o qual estava presente em cinco municípios do território. Mas, o MST, suspeita que a quantidade de terras seja bem maior que as informadas pelo latifúndio. E o autor referenda a informação do MST que esta ocupação se caracterizou como a maior dentre as registradas no centro-sul brasileiro e no maior latifúndio do sul.

O MST acumula forças na região, na medida em que rapidamente consegue a efetivação de mais de 1500 famílias assentadas nos municípios da região logo nos inícios dos anos 1990 (PIRES, 1996). O acúmulo de forças representado pelo número de famílias e organização de assentamentos com associações e cooperativas, proporciona condições de ocupar no ano de 1996 este grande latifúndio Giacomet Marodin, com mais de 3000 famílias e um número de 12 mil pessoas, entre adultos, jovens e crianças, como informado acima. Ocupação está registrada pelas lentes do fotógrafo Sebastião Salgado (2007) no livro Terra, como reforça a informação Janata (2012, p.72). As seguidas ocupações realizadas no mesmo latifúndio a partir de 1996 pelo MST, além de ampliar as conquistas da reforma agrária na região, hoje são 5 projetos de assentamento só neste latifúndio

(7)

(Ireno Alves dos Santos e Marcos Freire em 1997, Dez de Maio em 2004 em Rio Bonito e o Celso Furtado em 2004 em Quedas do Iguaçu). O latifúndio muda de nome logo após a efetivação dos primeiros assentamentos, pois as denúncias de violência contra trabalhadores, violações ambientais e trabalhistas, devastação ambiental e mais a necessidade de rearranjos e readequações, na lógica do desenvolvimento capitalista no campo, obrigou a empresa a abrir o capital e passou se chamar Araupel S.A (JANATA, 2012, p. 66 a 70).

Para referendar as perspectivas dos jovens no MST, trazemos novamente a pesquisa de Janata, onde a juventude entre as várias definições de vida também opta por permanecer na militância, como vemos na citação a seguir:

[...] contraditoriamente, a cada fim de ano os jovens que encerravam o ensino médio corriam para a secretaria do colégio, solicitar seu histórico escolar, no intuito de irem embora do assentamento em busca de emprego. Por outro lado, mesmo não tendo turmas formadas, o curso de Formação de Docentes aparentemente possuía jovens com outras expectativas, mais ligadas ao assentamento e às lutas do MST. Haveria diferenças na formação de cada uma dessas modalidades de nível médio que demarcavam perspectivas distintas aos jovens? (JANATA, 2012, p. 26)

Também no mesmo sentido para apoiar a ideia de que a juventude busca alternativa nas lutas do MST, foi elaborado um questionário semiestruturado com questões abertas com um grupo de jovens. Foi aplicado com a colaboração da acampada, filha de assentados e estudante bolsista da educação do campo da UFFS, Laranjeiras do Sul, Rose Riepe, com uma amostragem de 23 jovens, de um dos núcleos dos acampamentos Herdeiros da Luta. Necessário sinalizar que após um ano de ocupação, o acampamento central se distribuiu em 7 núcleos para ter o domínio dos cerca de 20 mil hectares ocupados e para poderem produzir na terra ocupada, ficando mais próximo dos locais de produção. Também nos basearemos na própria experiência concreta de atuação no MST regional nas suas várias esferas e que aqui serão aproveitadas na forma de relatos de vivência.

Outros autores como Martins, destacam que

a juventude esteve presente na própria constituição do MST, pois muitas das lideranças que contribuíram para forjar o Movimento eram jovens ligados sobretudo à militância na Igreja Católica. Nos anos 1990, com a consolidação dos acampamentos e assentamentos, formaram-se jovens com características diferenciadas, que participaram das primeiras ocupações ainda na infância. A partir de meados da década de 1990, emergem questões internas de demandas dessa juventude por escolarização, trabalho, lazer, participação nas decisões e, especialmente, pela necessidade de continuidade na luta do Movimento (MARTINS, 2009 apud JANATA, 2012).

Neste sentido, Janata também destaca em seu trabalho o perfil que o MST propõe para a educação da juventude:

(8)

Capacidade de entender profundamente a realidade, relacionando a teoria e a prática. Identificar-se como camponês e como Sem Terra, valorizar o campo como espaço de produção da vida e trabalhar pela superação da antinomia campo-cidade. Desenvolver uma postura crítica (organizar a rebeldia) e criativa (tomar posição, demonstrar pensamento autônomo. Desenvolver uma visão de mundo na perspectiva da classe trabalhadora. Compreender os processos de produção da existência social. Construir sensibilidades e habilidades específicas relativas ao mundo da cultura, da arte, dos esportes [...] Construir sensibilidades e habilidades específicas relativas ao mundo do trabalho. Realizar uma ação/atuação política: militância na organização. – Este é um dos traços reforçados no perfil esperado para os estudantes dos cursos específicos do MST (MST, 2006, p. 153 apud JANATA, 2012, p. 28 e 29).

Há vários trabalhos mostrando os resultados da reforma agrária nos assentamentos do Brasil e também sobre a região e que apontam não só para melhorias nas condições econômicas e sociais das famílias, bem como melhores padrões de desenvolvimento inclusive para os municípios e região, como veremos ao longo do artigo. Este é um fator decisivo para atrair os jovens para as lutas por terra e reforma agrária, inclusive retornando da cidade para o campo. Nas entrevistas também é possível ver a condição de trabalho no setor urbano em termos de ganhos salariais, que não aponta perspectivas de melhoras e a situação das famílias dos jovens casais e mesmo solteiros que foram para a cidade em diversos momentos de tempo, saindo dos assentamentos, e que, em momentos de visitas aos familiares, vão constatando que quem ficou melhor nos últimos anos, foram os que ficaram na terra, nos assentamentos. No trabalho organizativo para as ocupações o MST estrategicamente trabalhou forte junto aos assentados para que fizessem o convencimento dos seus filhos maiores de idade, para que participassem maciçamente das novas ocupações em andamento. Como já em 2003 a justiça federal de Cascavel emitiu parecer pela anulação dos títulos de propriedade da terra contra a Araupel, o que possibilitou ao INCRA realizar o assentamento Celso Furtado em Quedas do Iguaçu, isto gerou uma grande expectativa agora pela anulação total de todos os títulos dos demais imóveis controlados pela referida empresa. Este fato foi um grande motivador para o envolvimento dos pais assentados, a colaborar nos processos organizativos em Rio Bonito do Iguaçu e região, pelo envolvimento dos seus filhos na luta, com a possibilidade de vitória concreta, assim vislumbrando a possibilidade de aglutinar a família, trazendo os filhos para as ocupações. Os assentamentos do Rio Bonito do Iguaçu, com mais de 1600 famílias assentadas, interligados com o assentamento Celso Furtado, de Quedas do Iguaçu, com 1200 famílias assentadas, passa a ser um respaldo logístico de apoio altamente significativo para as novas ocupações. Acabam se tornando um incentivo e convite para que retornem e envolvam-se nas novas ocupações, praticamente irrecusável para a juventude. E isto é o que acabou acontecendo com um número significativo de novos acampados, filhos de assentados, fato que os registros e cadastros dos acampados comprovam. É uma força de massas apoiando no território que por um lado proporciona segurança aos acampados e por outro lado, obrigam o governo a negociar, pois ações repressivas seriam de um

(9)

alto risco de perda de controle, pois a resistência e o conflito de grandes proporções seriam inevitáveis e incontroláveis, além de abrangerem um amplo território conflagrado. O conflito já foi instalado pelo simples fato da ocupação, assim entende o MST e os ocupantes, cabe ao governo o estudo da cadeia dominial e o cumprimento da reforma agrária sobre a terra grilada. A grande quantidade de famílias assentadas mudou a configuração político e social da região. O latifúndio foi atingido com força e ficou frágil frente a ampliação e fortalecimento do MST e frente os resultados da reforma agrária do ponto de vista econômico e social muito mais vantajosos para a sociedade regional do ponto de vista de um desenvolvimento mais distributivo e que melhora o IDH da população como veremos na sequência.

Feitas as ocupações, devemos destacar o envolvimento dos jovens nos processos organizativos internos nos acampamentos. A responsabilização por tarefas, inclusive de coordenação e direção, processos de formação em cursos do MST dentro das ocupações e nos centros de formação fora do Estado e até fora do país, em intercâmbios com outras organizações da Via Campesina Internacional (Rede de organizações camponesas e indígenas da qual o MST cumpre importante papel articulador). Essa perspectiva político social torna-se também um fator importante de motivação para a juventude vir para as ocupações e permanecer nos acampamentos e futuro assentamento. Isto demonstra claramente que há um futuro no campo para a juventude, com participação política e cidadã. Serão camponeses com mentalidade nova, com horizonte mais amplo de experiências de vida e de lutas, parte deles com noção do que é o urbano e do que é o rural. Um número significativo desses jovens além de terem concluído o ensino médio, já estão frequentando a universidade, principalmente nos cursos em alternância e em menor proporção em cursos regulares. Como é o caso dos cursos de educação do campo em alternância oferecidos pela UFFS, no campus de Laranjeiras do Sul, que é um dos mais frequentados por conta do regime de alternância. Mas também há jovens do acampamento em outras universidades. O MST tem como política o direito a educação e incentiva que a juventude estude, inclusive há uma linha de crédito no INCRA, o PRONERA- Programa Nacional de Educação da Reforma Agrária, que possibilita dezenas de cursos em parceria com universidades em todo país. São apoiados cursos desde a educação de jovens e adultos até cursos de mestrado nas mais diversas modalidades.

Os acampamentos passam a normatizar a saída desses jovens acampados para estudar, onde os mesmos assumem compromissos com tarefas no acampamento e participação nos momentos importantes das lutas e mobilizações, principalmente no tempo em que ficam nos seus locais de moradia, quando não há aulas. Assim ficam garantidos seus cadastros como acampados aptos para receberem lotes quando conquistados os assentamentos. Essa é uma posição política do MST e que está expressa em vários documentos internos em especial no Programa Agrário do VI congresso

(10)

Nacional do MST em 2014, de que os jovens devem estudar e qualificar-se não só profissionalmente, mas também pra as lutas políticas e a educação como um direito de todos e não só uma questão de mérito.

3 RESULTADOS SÓCIO ECONÔMICOS DA REFORMA AGRÁRIA - BRASIL E REGIÃO

A reforma agrária, que altera a estrutura fundiária num determinado território, em primeiro lugar visa beneficiar os assentados, mas também é um fator decisivo para o desenvolvimento regional sustentável em muitos espaços do país, onde vigora o latifúndio, que via de regra é a principal causa de atraso e entrave para um efetivo desenvolvimento regional. A simples distribuição da terra já é um grande avanço pelo fato de possibilitar começar a produzir subsistência, mesmo que em situações desfavoráveis. Pois o fato de acessar à terra, já dá um pequeno grau de autonomia aos trabalhadores rurais, que antes, quando sem terras, tinham dependência total do patronato rural. Como demonstra Martins (1986), terra no Brasil é sinônimo de poder político.

A distribuição de terras acompanhada de políticas de desenvolvimento econômico, cultural, educacional, profissional, ambiental e social, poderá pôr em outro patamar humano e de sociabilidade as populações rurais, que além de saírem da situação de dependência completa das oligarquias rurais, passam a produzir sua subsistência e inserirem-se no mercado local. As políticas de desenvolvimento implicam na transferência de recursos federais para essa regiões reformadas, que antes, sem a reforma agrária, jamais viriam e potencializam todo o mercado local e regional (LEITE; MEDEIROS, 1998).

E quando feita em volume expressivo, passam a causar um grande impacto não só nos aspectos sociais, econômicos, ambientais, mas também políticos (LEITE, 2004; SPAROVEK, 2003). Há um fomento nas trocas mercantis e na circulação da riqueza regionalmente. Provocam o repovoamento do interior criando muitas comunidades, o que vai demandar muitos investimentos em infraestrutura, com recursos federais investidos, visto ser a reforma agrária uma atribuição do governo federal. Isto é, há uma grande transferência de riquezas na forma de investimentos em infraestrutura, bem como produtivos e de fomento a produção agropecuária, para essas regiões, que permitem uma forte estruturação produtiva por parte dos assentados, como já se verificou em outros trabalhos sobre a reforma agrária (LEITE; MEDEIROS, 1998) alavancando o desenvolvimento local e regional. E trazendo o pensamento de Sauer,

a luta pela terra, o acesso a ela, seja pelas ocupações e assentamentos, seja pela garantia de posse e reconhecimento de territórios - representa um processo de reinvenção do campo e da sociedade - não se restringe a uma simples justaposição social e cultural do arcaico e do

(11)

moderno (e uma suposta desordem pós-moderna), mas se constitui em um novidade social e política que reconstrói e amplia as “concepções ordenadoras da vida social”, (SAUER, 2010, p.14)

E segue o autor contrapondo com “a urbanização e a deterioração das cidades muito evidentes na atualidade brasileira. O deslocamento forçado de milhões de pessoas do campo para a cidade gerou crescimento artificial dos grandes centros urbanos” (SAUER, 2010, p.25). Tamanho êxodo rural e em tão pouco tempo, impossibilita qualquer cidade do terceiro mundo, onde os recursos são escassos a fornecer serviços de infraestrutura, tais como asfalto, energia elétrica, saneamento básico, etc. Também são precários os serviços de saúde e educação. Isto gera situações de existência sub-humanas nas periferias urbanas. O tema da segurança, da violência, da delinquência, da droga, da prostituição desde a infância, do tráfico e do crime organizado e da ausência quase total do estado neste meio e o desemprego, piora em muito as condições de vida neste meio. Tudo contradiz a lógica moderna de que “o êxodo rural deveria libertar as pessoas das amarras comunitárias e do atraso do campo. Segue o autor mostrando que o “desenvolvimento agropecuário” da Revolução Verde foi planejado e implantado em uma contraposição entre o campo e a cidade. Isto resultou em um modelo agroindustrial concentrador, predatório e excludente. Este modelo seguiu a lógica dominante de privilegiar os investimentos no setor industrial voltado para o desenvolvimento dos centros urbanos, transformando o ‘atraso do meio rural’ no contraponto ideal, imagem e representação de como o desenvolvimento moderno não deveria ser”, (SAUER, 2010, p. 30).

Outros estudiosos do rural, são buscados por Sauer (2010) na discussão da ruralidade que de diferentes modos defendem a mesma perspectiva, (WANDERLEY, 2000 e 2001; CARNEIRO, 1997), desenvolvimento territorial (ABRAMOVAY, 2000), neo-ruralismo (GIULIANI, 1990) e desenvolvimento sustentável (DUARTE, 2000), constituem exemplos que retomam o rural e as relações rural urbanas sob outras perspectivas. E segue a reflexão com o pensamento crítico de Giuliani a mentalidade “modernidade-desenvolvimentista” (SAUER, 2010, p. 35). Importante mencionar, ainda com o autor, que ressalta que a luta dos movimentos sociais por terra no campo, não são só pela propriedade da terra e por manter “valores tradicionais”, se transformam em um processo de construção de sujeitos políticos, e Stédile menciona em suas falas, que a maior contribuição do MST é ensinar os camponeses a “levantar a cabeça”, assim recria “relações sociais e transforma o espaço rural na constituição de uma nova ruralidade” (SAUER, 2010, p. 36).

Martins (1994, p.159), também insiste que a luta por terra, é uma luta por “libertação e emancipação humana [...] reivindicam integração política, com libertação dos vínculos de dependência e submissão, de reconhecimento como sujeitos de seu próprio destino e de um destino próprio, diferente, se necessário”. Sauer (2010) também traz Celso Furtado que retoma a

(12)

perspectiva da “terra de trabalho”, onde coloca a terra na perspectiva de combate ao desemprego em massa, que é o grande dilema da sociedade moderna (SAUER, 2010, p. 36). Stédile e Novaes (1997 apud SAUER, 2010, p.38) destacam que a experiência de luta e de acesso à terra, para além das melhorias e bem estar sociais, impulsionam transformações culturais, simbólicas, novos valores, permitem transformações nas relações com o meio ambiente, com o lugar e com as pessoas. Do pensamento sociológico moderno, para Guiddens (1995 apud SAUER, 2010), a luta pela terra, não está em contraposição a globalização, mas que vai revalorizar a importância do lugar e do local. É uma luta em que se busca um pedaço de terra para trabalho, moradia, cidadania e de vida. ‘Resultado de conflitos sociais e disputas políticas, os assentamentos são lugares identitários, históricos e relacionais” (AUGÉ, 1997 apud SAUER, 2010, p. 41 e 42) a luta dos sem terra é uma luta por “heterotopia”, (FOUCAULT, 1984, apud SAUER, 2010, p. 43), um “outro lugar” qualitativamente diferente, que resiste a desterritorialização imposta pelo modelo agropecuário implantado no Brasil.

Numa perspectiva marxista o futuro tem que apontar para uma sociedade distributiva do que é produzido abundantemente, graças ao desenvolvimento das forças produtivas, que para Marx, em última instância, não visa a produção infinita de bens, como é na lógica capitalista, mas visa a redução da jornada de trabalho e para sobrar mais tempo livre para as pessoas poderem desenvolver-se nas qualidades verdadeiramente humanas, (LOWY, 2002).

Voltando-se para a região do território Cantuquiriguaçu, ou centro sul de uma forma um pouco mais ampliada, Cezimbra (2013), estudando os resultados sociais, econômicos e ambientais do projeto de assentamento Oito de Junho em Laranjeiras do Sul, também vai constatar os resultados positivos da reforma agrária. Este assentamento está localizado a 20 km da área do acampamento Herdeiros da Luta Primeiro de Maio e dos assentamentos já realizados dentro das áreas retomadas pelo governo federal da madeireira Araupel S.A, com condições de solo, clima e capacidade de produção praticamente iguais. O ano da implantação deste assentamento (2000) acontece no mesmo período dos assentamentos feitos na Araupel S.A., visto que resulta do mesmo processo de lutas e de ocupações. A ocupação no que hoje é o assentamento Oito de Junto se deu no ano 1997 e foram 3 anos de resistência até o assentamento definitivo das famílias. Um ano depois da primeira grande ocupação da Giacomet Marodin. No estudo feito verificou-se que a renda média das famílias no assentamento Oito de Junho, no ano de 2013 ficou em torno de 24.000 e 36.000 reais anuais, o que demonstra uma faceta positiva da reforma agrária (CEZIMBRA, 2013, p. 77). Essa condição podemos estender para os assentamentos feitos na Giacomet Marodin, pois a área de terra produtiva fica em torno de 14 hectares e as atividades produtivas são as mesmas: produção de leite, grãos, e cultivos de subsistência. Essa condição de renda para o campesinato é um fator

(13)

atrativo para a reforma agrária. As ocupações permanentes na região e massivas, mostram o interesse dos sem terras, dentre os quais a juventude do campo. A qual constitui uma parcela importante como se verifica nas ocupações realizadas e nos cadastros feitos pelo MST nos acampamentos. E repetindo que o público jovem é o principal destinatário do MST para assumirem a militância na luta pela terra e demais formatos organizativos que daí decorre no seu andamento.

4 OS JOVENS NO ACAMPAMENTO HERDEIROS DA LUTA- PRIMEIRO DE MAIO

O nome do acampamento tem o significado relacionado aos filhos dos assentados da região que na sua grande maioria são os acampados que ocuparam as terras em 1996 no latifúndio da Araupel, e agora os filhos também estão ocupando latifúndios, herdando a luta de seus pais, e 1° de maio é o dia que o acampamento começou a se compor.

A juventude camponesa presente no acampamento Herdeiros da Luta de 1º de Maio é associada à continuidade da luta do MST. Esta juventude reafirma sua identidade camponesa, como trabalhadores do campo que lutam por terra e por direitos. Parte dessa juventude, que mora com os pais no assentamento, vê-se restringida nas possibilidades de renda e oportunidades, pois no lote o mando do que fazer ou não fazer, do que produzir, como produzir, via de regra é do pai. Os jovens têm pouco espaço de decisão. E em famílias com muitos filhos, apresentam menores condições e perspectivas a partir da vida com a família. Por isso muitos jovens vão para a cidade em busca de emprego e alternativa de futuro. Os assentamentos de Rio Bonito do Iguaçu possuem boa estrutura educacional até o ensino médio nas escolas do campo. E os assentamentos estão razoavelmente atendidos com estrutura de saúde e de lazer, estradas e acesso fácil ao meio urbano da sede municipal. A telefonia celular e internet abrange praticamente todo o assentamento. Estes fatores fazem com que grande parte da juventude, permaneça nos assentamentos. Nos governos de Lula também foram criadas políticas públicas voltadas para a juventude no meio rural, como nos mostram estudos de Weisheimer (2005) e Castro et al. (2013), que de cada 100 jovens 84 querem ficar no campo. No caso específico dos acampamentos do MST, como é o caso em questão, o PNRA (Plano Nacional de Reforma Agrária) contempla a juventude nos assentamentos. Os mesmos podem ser beneficiários da reforma agrária, podendo receber um lote de terra e todos os direitos que a lei de reforma agrária propicia. Convém destacar que o MST faz uma defesa contundente junto ao INCRA ao serem efetivados os assentamentos para que todos os jovens acima de 18 anos acessem a terra. E em Rio Bonito do Iguaçu já são mais de 1600 famílias assentadas, em Quedas do Iguaçu, município contíguo, estão assentadas mais de 1100 famílias, sendo que os próprios assentamentos estão contíguos entre si formando uma região reformada de mais de 54 mil hectares. O latifúndio madeireiro, a empresa Araupel S.A., sofre um processo judicial de nulidade dos títulos de terra, que

(14)

teriam sido oriundos de grilagem no passado e suspeita-se que ainda possua mais de 50 mil hectares sob seu domínio e igualmente griladas. Esta situação levou o MST a trabalhar sistematicamente junto com os assentados e seus filhos, a continuidade da luta contra o latifúndio até que seja todo ele destinado para a reforma agrária. E a juventude, filhos dos assentados com apoio dos seus pais dariam sequência às lutas e ocupações. Isto explica a permanência de muitos jovens no assentamento na expectativa das próximas ocupações. Intenção esta reavivada em todas as comemorações de aniversário do assentamento e encontros da juventude organizados pelo MST. E mesmo os jovens que partiam para as cidades, ficavam na expectativa dessas ocupações para poderem retornar e na terra fazer o seu projeto de vida e ficar próximo das famílias e parentes.

Por tais razões, olhar mais especificamente para a juventude é fundamental, para buscarmos compreender como o acampamento contribui para a juventude ir para o campo, considerando que, em sua maioria, saem do campo e vão para a cidade em busca de trabalho e renda. Mas estas expectativas são invariavelmente quebradas pelo subemprego e remuneração salarial precária, com salário mínimo ou pouco mais. Pois a industrialização atrai do campo os jovens e demais pessoas para se tornaram mão de obra barata, devido a pouca experiência e a falta de currículo em termos educacionais e formação profissional. Por isso se submetem a empregos que mal dá para sobreviver, em condições mínimas, desta forma, conquistar uma casa própria, ter estabilidade financeira é algo que dificilmente é realizável.

De acordo com a pesquisa realizada com 23 acampados (as), sendo 09 mulheres e 14 homens, em um dos pontos de acampamento, podemos identificar sobre os dados pessoais que 65% deles são casados e possuem família, enquanto que 35% são solteiros (as). Sobre a escolarização, 14% dos entrevistados não são alfabetizados, enquanto 26% possuem o ensino médio, 52% possuem o ensino fundamental e somente 0,8 % estão cursando ensino superior.

Cumpre examinarmos nesse aspecto que a escolarização e profissionalização são fatores importantes para ter um mínimo de estabilidade no trabalho e financeira no meio urbano. Pois Ga concorrência é muito grande num país que mantém em geral altos índices de desemprego, neste sentido é notório que a falta de escolarização e profissionalização voltada para demanda urbana destes acampados é algo que ajuda na escolha de voltar para o campo em busca de alternativas de vida, ainda mais levando em conta a situação muito particular aqui examinada, de um latifúndio cercado de assentamentos, o que constitui uma logística formidável em termos de apoio ao processo de lutas. Somando a isto o fato da grilagem e o processo de retomada por parte da união das terras, com decisões judiciais já favoráveis na justiça federal.

Todos entrevistados estavam no meio urbano e foram para o campo com a constituição do acampamento em meados de 2014, porém 56% deles sempre residiu na cidade, enquanto 14% eram

(15)

sitiantes e devido a pouca terra não conseguiam produzir sua subsistência optando por ir para cidade em busca de melhorar sua renda mensal, 30% são filhos (as) de assentados que foram para a cidade em busca de empregos e independência financeira.

Em comum a situação de todos foi de não atingirem seus objetivos, de conseguirem emprego relativamente estável no meio urbano, devido à insuficiência de oportunidade e carência de escolarização. E com renda baixa, não supriam as necessidades básicas de aluguel, luz, água e alimentação. Com um salário mínimo não sobrava para fazer investimentos, sem nenhuma possibilidade de conquista da casa própria e o equilíbrio financeiro para a família. Neste sentido, a reforma agrária e a luta pela terra têm a potencialidade de inserção social de indivíduos hoje excluídos do trabalho urbano. Esta abertura não se limita a fatores econômicos, mas representa a construção de uma identidade social, agora camponesa, com o direito à terra e ao trabalho digno. Que garantem não só a sobrevivência desses trabalhadores, mas também o acesso a melhores condições de vida e a identidade camponesa (DAL MORO, 2002).

Para superar o problema do desemprego e a renda escassa, o acampamento seria uma alternativa para a conquista da casa própria, do trabalho autônomo, a produção da subsistência e acima de tudo a conquista da terra e a segurança financeira. Todos acampados almejam uma vida melhor no futuro assentamento, ressaltam que para além da terra, ter a oportunidade de trabalhar no que é seu, produzir seus próprios alimentos, faz com que resistam no acampamento. Pois o período de acampamento é complicado, difícil e só permanecem as famílias que tem convicção de seus objetivos, que têm alguma forma de apoio de parentes ou pessoas próximas, e sabem que em outro espaço dificilmente teriam as oportunidades que o futuro assentamento poderá lhes proporcionar. E isto é visível nos assentamentos ao redor, onde muitos já viviam ou viveram, ou agora têm a oportunidade de ver e certificar-se que vale a pena a luta. Pois são alguns milhares que ali já vivem e apoiam a luta. E o trabalho do MST passa confiança a essas famílias que se resistirem mais cedo ou mais tarde chegarão a ter a sua terra. Atingirão o sonho camponês.

O período de acampamento é um teste de resistência por conta das dificuldades e as muitas contradições que surgem, como assinala Turatti (1999), em estudos com acampamentos do Estado de São Paulo. A resistência prepara o acampado para receber a terra. Neste espaço, é trabalhada a pertença dos integrantes em relação à organização do MST, inserindo-os nos processos organizativos do acampamento. De acordo com a pesquisa, 47% dos entrevistados já tinham vinculo com o MST antes de se inserir no acampamento, enquanto 52% não tinham vinculo com nenhuma organização social.

Cumpre observar que a organização do acampamento aproxima os acampados dos princípios organizativos, políticos, ideológicos do MST. Já desde o começo do acampamento,

(16)

mostra a pesquisa, que uma parcela significativa dos jovens se insere nos processos organizativos do acampamento, sem mesmo conhecer ainda mais a fundo o que é o MST. Acampam com o principal objetivo a conquista da terra e é no processo de inserção que vai se identificando com as bandeiras da organização. Passando a compreender que a luta vai muito além da conquista da terra, pois o MST enquanto movimento social almeja também direitos, como educação de qualidade articulada com a realidade do campo, saúde, produção de alimentos saudáveis, agroecologia, trabalho cooperativo, assim como lazer e espaços de interação social, tais como os centros comunitários, enfim um outro projeto de campo, como aponta o Programa Agrário aprovado no VI Congresso Nacional do MST realizado em Brasília em 2014 com mais de 15 mil participantes.

Como se observa, a inserção no acampamento acontece de forma gradativa e a juventude no acampamento assume responsabilidades na organização, os dados da pesquisa nos traz que 78,3% dos entrevistados estão atuando em setores do acampamento como setor de comunicação, saúde, gênero, juventude, educação, disciplina, produção, coordenação de grupo e direção, enquanto 21,7% não estão envolvidos em cargos atualmente, mas, em outros momentos, estavam com atividades de coordenação de núcleo de base, disciplina dentre outros.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Talvez o mais indicado seja reforçar resumidamente o papel da juventude no MST e a

insistência com que o MST trata o tema da juventude e sua participação nas mais diferentes esferas

de direção e dos setores organizativos. A insistência para levar a juventude para as ocupações

implica força jovem nos assentamentos também para o desenvolvimento da produção, a constituição de famílias jovens, com ciclo longo do campesinato em contraponto ao envelhecimento e a masculinização do campo, como já se constata em muitas comunidades rurais pelo país afora. Mas os jovens estão mais livres para assumirem tarefas, mais abertos para novos valores aprendidos no calor das lutas e tem menos amarras familiares, tais como filhos e esposa e podem dedicar-se quase totalmente às lutas. E de fato assim o fazem, como constatamos no dia a dia principalmente dos acampamentos e em especial no acampamento Herdeiros da Luta, Primeiro de Maio. Dedicação esta facilitada por serem filhos de assentados e receberem apoio das famílias para sua subsistência enquanto durar o processo de lutas. E também devido ao trabalho educativo feito nas escolas do assentamento como nos mostra Janata (2010) ao desenvolver sua tese sobre a juventude e a escola Iraci Salete no assentamento Marcos Freire. Muitos assentados que tem filhos os acompanham no acampamento em várias atividades orgânicas internas ao próprio acampamento e na produção nas áreas ocupadas, fornecendo maquinarias, sementes e insumos e também apoiam com trabalho. Vê-se a continuidade do envolvimento dos asVê-sentados o qual já vem desde a preparação da ocupação,

(17)

começando dentro de casa ao convencerem seus filhos a ir a luta e buscar mais gente de fora do assentamento, tais como vizinhos, antigos conhecidos e parentes.

A participação da juventude na luta pela terra se torna um fator importante de renovação do campo, formarão famílias, darão continuidade ao campesinato e agricultura familiar, além de carregarem um importante aprendizado político, social e organizativo dos trabalhadores. E é possível sugerir que serão importantes para o desenvolvimento rural sustentável, pois ao discutir o desenvolvimento do futuro assentamento este tema é colocado, no PDA – Plano de Desenvolvimento do Assentamento, exigido por lei.

REFERÊNCIAS

Advocacia Geral da União. Confecção da Cadeia Dominial. Quedas do Iguaçu PR: processo administrativo n.54200.001292/2015 – 65. 2015.

Cartilha Programa Agrário do MST- Lutar, Construir Reforma Agrária Popular. VI Congresso Nacional do MST. Brasília - DF, 2014.

CASTRO, A. M. G. et al. Juventude Rural, agricultura familiar e políticas de acesso à terra no Brasil. Brasília, Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2103.

CEZIMBRA, E. N. Desenvolvimento Socioambiental do Assentamento Oito de Junho. 112 f. Programa de Pós-Graduação Desenvolvimento Regional e sustentabilidade da Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Pato Branco, 2013.

COCA, E. L. F. Um estudo da diversidade e atualidade da reforma agrária: análise dos tipos de assentamentos do Território Cantuquiriguaçu. 2011. 231 f. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Tecnologia, 2011.

COSTA, F. L. M. Dinâmica socioeconômica e a juventude do assentamento Florestan Fernandes. Londrina, 2010. Dissertação (Mestrado em Agronomia),Universidade de Londrina, Centro de Ciências agrárias, Programa de Pós- Graduação em Agronomia, 2010.

DAL MORO, M. Reforma Agrária e a Luta do MST: uma Alternativa de Inclusão? Dissertação (Doutorado em Serviço Social). UFRJ. Rio de Janeiro. 2002.

(18)

JANATA, N. E. “Juventude que ousa lutar!”: trabalho, educação e militância de jovens assentados do MST. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal de Santa Catarina, Santa Catarina, 2012.

LEITE, S.; MEDEIROS, L. S. A Reforma Agrária e a Luta do MST. Petrópolis: Vozes, 1998.

LEITE, S. P. et. al. Impacto dos Assentamentos: um estudo sobre o meio rural brasileiro. Brasília: IICA: NEAD, São Paulo: Unesp, 2004.

LÖWY, M. A Teoria da Revolução no Jovem Marx. Petrópolis, RJ. : Vozes, 2002.

MARTINS, José de Souza. Os Camponeses e a Política no Brasil. Petrópolis : Vozes, 1986.

MEDEIROS, L. S.; LEITE, S., org. A Formação dos assentamentos rurais no Brasil: processos sociais e políticas públicas. Porto Alegre/Rio de Janeiro : Ed Universidade?UFRGS/CPDA, 1999.

PIRES, A. J. Assentamentos de Sem Terras em Guarapuava: Histórico e Cotidiano. 149 f. Mestrado em História Universidade Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, São Paulo. 1996.

SAUER, S. Terra e Modernidade: a reinvenção do campo brasileiro. São Paulo: Expressão Popular, 2010.

SPAROVEK, G. A Qualidade dos Assentamentos da Reforma Agrária Brasileira. Projeto de Cooperação Técnica MDA/FAO. FAO. Brasília/DF, 2003.

STÉDILE, J. P; FERNANDES, B. M. Brava Gente: A trajetória do MST e a luta pela terra no Brasil. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2005.

ROOS, D. Da Fazenda Araupel ao assentamento Celso Furtado: Disputas Territoriais entre Campesinato e Agronegócio em Quedas do Iguaçu -PR. VIII Semana Acadêmica e VIII Expedição Geográfica e: ensino, práticas e formação em Geografia, 04 a 06 de setembro de 2013.

(19)

TURATTI, M. C. M. Acampamento do MST, uma discussão crítica sobre sociabilidade e poder. Paper apresentado no GT14, “Processos e movimentos sociais no campo”, integrante da programação do XXIII Encontro Anual da ANPOCS, Caxambu, MG, outubro de 1999.

WEISHEIMER, N. Juventudes rurais: mapa de estudos recentes. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2005.

Referências

Documentos relacionados

Os valores médios de capacidade de campo efetiva e operacional (Figuras 3 e 4) indicam de modo geral, que as grades off-set tiveram os melhores resultados para as

Química - Licenciatura - Integral - 12 vagas 1º Mariana Pacheco da Silva. CAMPUS CAÇAPAVA

As principais contribui¸c˜ oes deste trabalho s˜ ao: a caracteriza¸c˜ ao de documentos legais como objetos complexos; a especifica¸c˜ ao de um metamodelo para especifica¸c˜ ao

Os resultados encontrados nas três diferentes concentrações permitem constatar que os valores médios de SST das amostras encontram-se abaixo do recomendado por Brasil

Em resumo, a Competição de Avaliação 2012 tem como foco as funcionalidades oferecidas pelo Facebook para controle de privacidade dos dados por parte dos usuários.. O usuário pode

No Agrupamento de Escolas de Oliveira de Frades a prática pedagógica supervisionada para o primeiro e para o segundo período contempla um total, em cada período, de

Pretende-se apresentar uma análise das produções de uma criança, dos 08 aos 16 meses de idade, com o intuito de categorizá-las, não de acordo com os padrões da língua adulta

Não poderíamos deixar de transcrever trechos das avaliações discentes porque comprovam a importância de atividades interacionais, comunicativas e participativas. Quando os