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Pressão externa e abertura comercial no Brasil

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(1)

PRESSÃO EXTERNA E ABERTURA COMERCIAL NO BRASIL

Banca Examinadora

Prof Orientador Luiz Carlos Bresser Pereira

Prof _

(2)

MARIANNE NASSUNO

PRESSÃO EXTERNA E ABERTURA COMERCIAL NO BRASIL

FundaçãO Getulio Vill •.g~5

Escola de Adminisnç.aO . de Empresas de Sêo Psulo

Biblioteca

~ \11'\\\\\1\11111\1\1111

1199600125

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação da FGV IEAESP Área de Concentração: Economia e Finanças Públicas

como requisito para obtenção do título de mestre em Administração Pública

Orientador: Prof. Luiz Carlos Bresser Pereira

SÃO PAULO

(3)

Graduação da EAESPIFGV, Área de Concentração: Economia e Finanças Públicas).

Resumo:Esta dissertação tenta analisar a influência da pressão externa sobre a abertura comercial brasileira. Define as condições nas quais a pressão externa se expressa, a partir da teoria da dependência e de autores de política internacional denominados "realistas". A pressão externa pode ser econômica ou ideológica.

Em seguida, são apresentados eventos ocorridos no sistema internacional, como o declínio relativo da hegemonia norte-americana, a ascensão dos países recentemente industrializados (NICs), a globalização da economia mundial, a crise da dívida, que aumentaram o potencial de conflito do Brasil com os países desenvolvidos nos anos 80. Para verificar se a pressão externa foi efetiva, a vulnerabilidade econômica e ideológica do Brasil foram também analisadas.

Palavras-Chaves: Dependência - Retaliações Comerciais - Condicionalidades - Declínio da Hegemonia Norte-Americana - Ascensão dos NICs - Vulnerabilidade Econômica - Crise da Divida Externa - Globalização

(4)

sUMÁRIO

INTRODUÇÃO

1

CAPÍTULO 1

23

CAPÍTULO 2

59

CO~NTÁRIOS

FINAIS

77

ABSTRACT

82

~,

83

REFERENCIAS BmLIOGRAFICAS

.

••

.•.

(5)

AGRADECIMENTOS

A elaboração desta dissertação não teria sido um processo tão interessante e gratificante, se não tivesse contado com a contribuição e o estímulo de várias pessoas.

Agradeço especialmente ao prof Luiz Carlos Bresser Pereira, meu orientador, que me incentivou a continuar a pesquisa, apesar de algumas discordâncias. Aos membros da banca de qualificação, profa. Lourdes Sola e prof Yoshiaki Nakano agradeço pelos comentários; e

à

profa. Regina Pacheco e aos colegas do curso de orientação monográfica pelo apoio moral.

Agradeço aos meus pais pelo apoio e incentivo constante.

Agradeço a Marcos Antonio de Macedo Cintra pelas sugestões bibliográficas e a Walter Simon pela ajuda na revisão e formatação.

Agradeço

à

Coordenadoria de Intercâmbio Internacional, organizadora do programa com a Hochschule St. Gallen e

à

CAPES pelo financiamento do Mestrado.

(6)

INTRODUÇÃO

o

objetivo desta introdução é apresentar o tema da dissertação, a justificativa para sua escolha, e a metodologia utilizada para sua análise; assim como, a forma como o tema será tratado nos diversos capítulos.

Na década de oitenta e no início da de noventa verificou-se um processo de redução das tarifas e eliminação das barreiras não-tarifárias no Brasil, que representou uma mudança na direção da política de importações adotada até então. Simultaneamente, no sistema internacional ocorreram e se consolidaram alterações na economia mundial, que levaram a um aumento da importância de políticas ligadas à redução da intervenção do Estado e à abertura dos mercados, que inclusive faziam parte do receituário das agências de financiamento internacional.

A ocorrência desses eventos no Brasil e no exterior suscita algumas questões, entre outras: em que medida o processo brasileiro está relacionado com a mudança na configuração do sistema internacional? Através de que canais eventos externos podem ter influenciado as políticas adotadas no Brasil?

o

presente trabalho pretende contribuir para a discussão de algumas dessas questões, mais especificamente, procura analisar a influência da pressão externa sobre o processo de abertura comercial no Brasil.

o

processo de abertura comercial tratado neste trabalho iniciou-se em 1988, quando Comissão de Política Aduaneira CCPA) realizou uma reforma com o objetivo de tornar a tarifa o instrumento principal da política de importações 1. Essa reforma envolveu a redução

das alíquotas de importação; a eliminação de regimes especiais de importação, com exceção dos vinculados a acordos internacionais, drawback, BEFIEX, desenvolvimento regional,

I A proposta da CPA se inseria no âmbito do Plano de Controle Macroeconômico. que complementava o

assim denominado plano Bresser. Nesse plano era apresentada uma mudança na estratégia de industrialização com o reconhecimento da importância das exportações (Braga, 1987). Para a promoção das exportações era prevista, de um lado, a agilização da administração da sistemática de exportações e o acesso a insumos a preços internacionalmente competitivos. De outro lado, era prevista a racionalização da política de importações. As diretrizes básicas da política de racionalização compreendiam: a reforma tarifária. a diminuição das isenções e reduções tarifárias, a redução gradual das barreiras não-tarifárias e a utilização de instrumentos modernos de defesa contra as práticas desleais de comércio de outros países (Ministério da Fazenda, 1987: 69).

(7)

compras do Tesouro Nacional e incentivo à exportação; e a incorporação nas tarifas do

imposto sobre operações financeiras (IOF, que incidia sobre operações de contrato de

câmbio), do adicional ao frete para renovação da marinha mercante (AFRMM) e da taxa

para melhoria dos portos (TMPf

..

Em 1989, o processo de revisão da política comercial prosseguiu, em função até de

compromissos estabelecidos nas discussões da reforma anterior, quando deixou-se claro que

novos estudos seriam realizados para aprimorar a tarifa. Essa nova reforma visava manter o

espírito da anterior, de não promover uma desproteção generalizada, mas sim de garantir

uma proteção adequada à indústria brasileira e reduzir o custo de produção. Devido à

exiguidade do prazo para sua realização, foram priorizados setores estratégicos da

economia brasileira como o metalmecânico, o químico, papel e celulose, construção civil,

têxtil e calçados, e agroindústria. A nova revisão tarifária resultou numa redução da tarifa

média e numa modificação da estrutura tarifária: 80% dos ítens passaram a ter alíquota igual

ou inferior a 40%; anteriormente, esse grupo representava 54% dos ítens. Além disso, a

reforma de 1989 promoveu reduções nas barreiras não-tarifárias, como a flexibilizaçãodos

prazos mínimos de financiamento externo e a redução dos produtos inclusos na relação de

produtos com guia de importação suspensa, o anexo C, criado em 1975 (Calmon Leme,

1989).

Em março de 1990, com o início do governo Collor, foram extintos o anexo C (lista de

produtos com importação suspensa), os programas de importação por empresa, a anuência

prévia para importação"; foi reduzido e posteriormente extinto o AFRMM (Adicional ao

Frete para Renovação da Marinha Mercante), foi extinto o Adicional de Tarifa Portuária

(ATP, criado em 1988 em substituição à Taxa de Melhoria dos Portos); e foram revogados

os regimes especiais de importação". A lista dos produtos de informática que necessitava de

anuência prévia para importação foi reduzida'.

-

2do custo de importação para todos os grupos de produtos. Kume e Patrício (1988), considerando urnaA reforma proposta mantinha a redundância tarifária em níveis menores, apesar de resultar numa redução amostra de 705 produtos, constataram urna redução da tarifa redundante de 41,2% para 17.8%. o que significava a manutenção da proteção existente.

3Portaria 56 do Ministério da Economia. Fazenda e Planejamento. de 15/3/90.

4Lei 8032. de 12/4/90. Foram mantidos apenas odrawback, programas para bens de informática. zonas de

livre comércio e de processamento de importações. Essa lei regulamentou a Medida Provisória 158. de 15/3/90.

(8)

Em 1991, foi anunciado o cronograma inicial de redução gradual das tarifas de importação para o período 1991-19946. Nesse cronograma previa-se tarifas nulas para bens com

evidente vantagem comparativa de custos ou sem similar nacional, tarifas de 10/15% para produtos ao longo das cadeias produtivas, tarifas de 20% para a maioria dos produtos, e tarifas na faixa de 30% a 40% para produtos como trigo, automóveis e bens de informática. A tarifa média reduzir-se-ia gradualmente passando de 32,2% em 1990 para 25,3% em

1991,21,2% em 1992, 17,1% em 1993 e 14,2% em 1994. O cronograma de redução das tarifas foi antecipado7: a redução prevista para janeiro de 1993 foi realizada em outubro de

1992 e a redução prevista para janeiro de 1994, em julho de 1993 (Lobo, 1993)8.

A tabela 1 permite verificar a situação da tarifa nas diferentes reformas realizadas e as alterações realizadas pelo governo Collor.

Tabela

1. Evolução da estrutura tarifária brasileira (1987-1993)

Média

Moda

Amplitude

1987*1 51 30 0-105 1988 41 40 0-85 1989 35 40 0-85 1990 32,2 40 0-85 1991 25,3 20 0-105 1992",2 21,2 20 01110/92 17,1 20 01107/93 14,2 20 0-40 . .1

Obs.

*

valores prevalecentes antes da reforma de 1988

*2valores previstos no Programa de Abertura Comercial. Os valores contidos na

última coluna estavam previstos para vigorar a partir de 01/01/93 e 01/01/94, respectivamente, mas foram antecipados para as datas indicadas no Quadro.

Fonte: Oliveira, 1993

,",'

6Portaria 58 do Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento, de 31/1/9l. 7Portaria 131 do Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento, de 18/2/92.

8 As medidas adotadas pelo governo Collor foram objeto de críticas no sentido de tinham eliminado os

instrumentos do regime de comércio anterior, sem definir um novo modelo de política industrial e tecnológica. A política comercial estaria sendo utilizada apenas como instrumento da política de estabilização (Fritsch, 1991; Suzigan, 1991). A política do governo Collor foi criticada sobretudo pela forma como foi conduzida e não pela direção apontada.

(9)

o

processo descrito anteriormente representa a mudança ocorrida na política comercial

brasileira que este trabalho pretende estudar. A forma de análise será discutida a seguir.

A política comercial é um instrumento de intervenção do Estado que provoca alterações na

alocação de recursos tanto intra países quanto entre países. Por essa razão, modificações na

política comercial podem ser explicadas a partir da verificação de qual esfera foi beneficiada

com a mudança: se a doméstica ou a internacional. Se a mudança da política comercial

beneficiou a esfera doméstica, a análise enfocará fatores domésticos. Se a mudança na

política comercial beneficiou o sistema internacional, a análise das relações com os outros

países e com as organizações internacionais será a abordagem adotada.

Como liberalização das importações pode beneficiar tanto o interesse nacional e os grupos

domésticos, quanto os países estrangeiros, o critério de escolha - esfera favorecida com a

mudança - não é suficiente para a definição do nível de análise a ser adotado para o estudo

da abertura comercial. Assim, a escolha do nível de análise vai ser determinada por aquilo

que se pretende analisar e não em função de características intrínsecas ao tema. Este

trabalho vai analisar o papel do sistema internacional na mudança da política comercial.

Com a escolha desse tema, não se está assumindo que fatores externos representam o único

ou o principal determinante da mudança. A liberalização das importações ocorrida no Brasil

pode ser explicada do ponto de vista doméstico, com o esgotamento do modelo de

substituição de importações. A percepção do esgotamento do modelo de desenvolvimento

anterior foi necessária para que novas políticas pudessem ser adotadas.

••

A necessidade de mudança da política comercial com o esgotamento do modelo de

substituição de importações foi analisada em vários aspectos. Para Camargos Moreira e

Barbosa de Araújo (1984), o acúmulo de instrumentos na política de importações - tarifas,

sobretaxas, regimes especiais de importação, barreiras não-tarifárias - inconsistentes e

contraditórios, porque eram destinados a atender diferentes objetivos, geraram a

necessidade de tomar a política comercial mais racional. Segundo Suzigan (1991), a

manutenção do processo de substituição de importações durante a década de 80, apesar de

seu esgotamento, fez com que a competitividade da indústria brasileira fosse baseada em

&tores "espúrios", havendo a necessidade de adotar uma política para adequar a estrutura

da indústria brasileira ao novo padrão industrial internacional. Fritsch e Franco (1990)

criticaram o processo de substituição de importações adotado por ter gerado ineficiência e

(10)

por ser inadequado para a implantação de novas indústrias de alta tecnologia no país.

Segundo Tavares de Araújo Jr. e outros (1990), a base industrial brasileira era

competítiva'', havendo necessidade de rever a proteção generalizada. Bresser Pereira

(1993d) afirma a existência de uma crise do Estado nos anos 80. Essa crise se expressou na

regulamentação excessiva da atividade econômica, que passou a gerar ineficiência e na

incapacidade de ação do Estado, decorrente de problemas de financiamento, tomando

inviávela manutenção do modelo de desenvolvimentoadotado até então.

Apesar de existirem fatores domésticos que explicam a mudança, a escolha por centrar o

foco de análise da mudança no papel da pressão externa se justifica pelo fato de a

importância de fatores externos ter aumentado durante a década de 80, sobretudo com a

crise da dívida, que alterou a relação de poder entre os pJães devedores e credores. O peso

das instituições financeiras internacionais e países credores nas decisões de política interna

dos países devedores tomou-se maior. Adicionalmente, ocorreram ou se consolidaram

outras mudanças na economia mundial, entre elas, a crescente internacionalização das

economias nacionais, o declínio da hegemonia norte-americana e a ascensão dos países

recentemente industrializados (NICs) e, além disso, a estrutura do sistema internacional e as

instituições internacionais também estiveram em processo de modificação. Em 1985, a

abertura comercial foi incorporada às condicionalidades para a concessão de empréstimos

pelo Banco Mundial; em 1986, iniciou-se uma nova rodada de negociações no âmbito do

GATT; em 1988, a legislação comercial norte-americana tomou-se mais rigorosa com

parceiros comerciais que prejudicassem interesses dos EUA; e, durante a década de 80,

consolidou-se o modelo neoliberal. Esses elementos mostram uma profunda alteração no

contexto internacional no qual o Brasil se inseria.

Apesar disso, as análises sobre as políticas adotadas nesse periodo enfatizaram o papel dos

fatores domésticos. Nelson(1989), ainda que reconheça a existência de fatores externos, dá

maior ênfase às especificidades internas de cada país, pois quer analisar as respostas

individuais e diferenciadas dos países à crise. Considera, entre outros, os seguintes fatores:

a percepção da crise pelos governos à luz da experiência passada; a capacidade técnica e

administrativa dos governos; a estrutura das instituições políticas e regras do jogo político;

os padrões de liderança, coalizões políticas e base de apoio do governo.

9 Com algumas exceções no complexo metalmecânico (naval), agroindústria (laticínios e álcool), têxtil e calçados (couro e peles), etc.

(11)

Bresser Pereira (1993e), na análise do processo de ajuste dos países latino-americanos após a crise da dívida também considera variáveis domésticas. Inclui a existência de um grupo estável e capaz de técnicos no governo, a dimensão da crise, a existência de um consenso na sociedade sobre o ajuste, a existência de uma liderança no governo e o fortalecimento do governo pós-eleições.

Sola (1993) reconhece a importância de fatores externos, sem entretanto analisá-los. Para explicar porque as reformas entraram para a agenda do governo Collor, o autor considera a hipótese da influência de quatro elementos: as condicionalidades das agências financeiras internacionais e países da OECD, a consciência dos novos desafios para a recuperação do crescimento, relacionada à exaustão do modelo anterior; o temor de uma crise hiperinflacionária; a legitimidade que as eleições diretas para a presidência conferiram a

Collor"

(Sola, 1993: 253).

..

Alguns autores discutiram a influência externa nas mudanças das políticas adotadas pelos países devedores durante a década de 80, entretanto, sem destacar a existência da pressão externa.

É

em relação a esse tipo de visão que este trabalho procura se contrapor.

Kahler (1992) considera que, apesar da mudança nas condições econômicas internacionais e do aumento da importância das instituições financeiras internacionais, sua capacidade de influenciar as políticas adotadas pelos países devedores através da condicionalidade não foi grande. O autor afirma que o papel das instituições internacionais não pode ser completamente compreendido com base na noção de que a concessão de empréstimos é um

lever usado para forçar mudanças nas políticas adotadas pelos devedores.

Segundo esse autor, a noção de empréstimo como lever é utilizada pelo "modelo de barganha". Nesse modelo, a principal questão é como fazer cumprir contratos estabelecidos entre bancos e devedores, que são países soberanos. Esses contratos são cumpridos pela

-10 Segundo Sola (1993), o ingresso dos temas liberalização comercial, desregulamentação e privatização

-na agenda gover-namental não foi resultado de uma nova correlação inter-na de forças favorável a essas mudanças, pois as reformas foram apoiadas por coalizões governamentais instáveis integradas por parlamentares e governadores que apresentavam pouca afinidade com o conteúdo liberalizante das políticas. Ao contrário, a mudança foi resultado de uma decisão das elites governamentais, em resposta às quais os grupos de interesse organizados tiveram que se adaptar. Essa idéia é confirmada por Barrionuevo (1995). Na análise sobre a atuação do setor empresarial brasileiro no processo de abertura comercial, o autor afirma que não havia entre os empresários uma expectativa consensual sobre a liberalização das importações após as reformas de 88 e 89, devido à existência da dívida externa e da necessidade de geração de excedentes cambiais; e que mesmo as associações que participaram da elaboração do programa pró-eleitoral de Collor não esperavam as reformas implementadas (Barrionuevo, 1995: 143).

(12)

existência de uma ameaça de rompimento da relação financeira e pela existência de

cross-conditionality,

através da qual a concessão de empréstimo por um credor é vinculada à concessão pelos demais.

Segundo Kahler, não se pode explicar a influência da pressão financeira (condicionalidades do FMI e Banco Mundial) sobre as mudanças nas políticas adotadas pelos países devedores na década de 80 a partir desse modelo, porque as instituições financeiras internacionais não conseguiram de fato implementar a condicionalidade. Foram incapazes de fornecer um mix consistente de suporte financeiro e condicionalidade aceitável pelos países devedores, de controlar fontes alternativas de recurso e de monitorar do cumprimento do acordo pelos devedores. Constata que a influência das instituições financeiras foi melhor sucedida quando existia um compromisso do governo com a mudança, o que tomava desnecessário o uso das instituições financeiras internacionais como "bode expiatório".

Assim, Kahler descarta a importância da condicionalidade explícita com base na ineficácia do próprio instrumento e na incapacidade dos credores de implementá-lo. Se considerarmos, entretanto, que a condicionalidade foi uma forma de influência que afetou todas as fontes de recursos externos disponíveis aos países devedores, configurando-se assim numa condicionalidade implícita11, pode-se dizer que a condicionalidade constituiu

um instrumento de influência de fato e importante.

Este trabalho procura mostrar a existência da pressão financeira e argumentar que a explicação para sua influência reduzida sobre a mudança está na situação dos países devedores, pouco vulneráveis a ela. Considera-se que a condicionalidade não teve influência sobre a mudança não porque ela deixou de ser implementada, como afirma Kahler; mas sim, porque mesmo tendo ela sido implementada, os países devedores eram pouco vulneráveis. Apesar de considerar a condicionalidade pouco importante para determinar a mudança, Kahler não descarta a influência das instituições financeiras internacionais. Essa influência

é

exercida através do diálogo, da persuasão e solução conjunta de problemas entre membros das instituições financeiras internacionais e membros do governo dos países devedores, no qual é construída uma base comum de conhecimento. A influência das instituições internacionais ocorre no que o autor denomina aprendizado social. "If policy change can be

11 A influência da condicionalidade implícita pode ser constatada pela redução do influxo de recursos

(13)

related to leaming, external actors, such as the IFIs12,may be able to influence or accelerate

such leaming" (Kahler,

1992: 125).

Kahler considera que o diálogo é, entretanto, insuficiente para induzir mudanças, na

ausência de esforços para se aliar diretamente com aqueles agentes dos governos nacionais

que estejam alinhados com as políticas preferidas pelas instituições financeiras

internacionais. Esses aliados referem-se a tecnocratas que estudaram no exterior. Nesse

ponto, o seu argumento aproxima-se ao dos autores que utilizaram a teoria da dependência,

que também será comentada neste trabalho.

No argumento de Kahler, a influência das instituições financeiras internacionais ocorre no

nível das idéias. "The IFIs and other externaI agencies have a strong interest in shaping the

process of leaming by national governments in directions that will lead to a greater

alignment with externaI policy preferences. Consensual knowledge, agreement on the

underlying features of the national economy and on the policy prescriptions best suited for

adjustment may explain the likelihood of cooperative outcomes between national

governments and the IFIs" (Kahler,

1992: 125).

o

argumento desenvolvido nesta dissertação também procura mostrar, entre outros, o papel

das idéias do consenso neoliberal na mudança da política comercial. Entretanto, ao

contrário de Kahler, que considera a difusão das idéias como um processo de aprendizado

neutro, este trabalho considera uma forma de pressão na qual os atores se diferenciam na

relação de poder e de dependência. E, além da crise da dívida e a resultante pressão

financeira, outras mudanças ocorridas no sistema internacional e outras formas de pressão

também são levadas em conta.

A explicação de Kahler implica também em considerar que o novo modelo de

desenvolvimento dos países devedores é o do consenso de Washington. Ainda que não seja

o objeto deste trabalho, nele considera-se que esse novo modelo de desenvolvimento ainda

está em formação.

(14)

ABORDAGEM TEÓRICA E DEFINIÇÕES PARA ANÁLISE DO TEMA

o

fato de a abertura comercial ser uma política que atende tanto a interesses domésticos quanto externos, implica a necessidade de se definir um método que permita enxergar a influência dos fatores externos em separado, pois os fatores domésticos estão atuando na mesma direção. Por isso, a discussão sobre a influência da pressão externa na mudança da política comercial brasileira deve incluir inicialmente a determinação das condições nas quais a pressão externa se expressa, que permitirão a apreensão isolada desse fator.

A pressão externa pode ser definida como a capacidade de um país A de forçar um país B a fazer algo que não faria, sem a existência de pressão. Essa definição tem como pressuposto a idéia de que a pressão externa leva um determinado país a seguir uma direção contrária aos seus interesses, ou seja, a pressão externa e o interesse nacional são elementos opostos na determinação de políticas. Para analisar a influência da pressão externa isoladamente é preciso assumir assim que a pressão externa é o único determinante da mudança, mesmo no caso brasileiro onde a abertura comercial pode ser explicada por fatores domésticos. Entretanto, o fato de a abertura comercial atender a interesses domésticos não exclui a possibilidade de influência da pressão externa no processo.

Esta parte apresenta uma discussão sobre o método utilizado na análise da influência externa sobre a mudança da política comercial. Para determinar as condições nas quais a pressão externa se expressa serão utilizadas duas abordagens que consideram fatores externos: a assim chamada "teoria da dependência't" e as análises de política internacional dos autores conhecidos como "realistas".

Serão comentadas inicialmente análises de autores que utilizaram a teoria da dependência, incorporando fatores externos para explicação de políticas em países dependentes, que constituem o ponto de partida para a determinação das condições de expressão da pressão externa. Entretanto, a análise pela teoria da dependência não é suficiente para explicar todos

13Além da teoria da dependência, a abordagempatron-client tem sido utilizada para explicar as relações

entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos. "Cliency is a mutually beneficiai, security-oriented relationship between the states of two countries known as the patron and the client, which differ greatIy in size, wealth, and military and políticaI power. (...) Cliency relationships are determined by conditons bearing on the security of the patron and the client, such as the existence of hostile neighbors and the protection of vitally-important resources" (Gasiorowski, 1986: 52). A abordagem patron-client dá maior ênfase a forças políticas internacionais e questões de segurança nacional para compreender a política dos países latino-americanos, enquanto que pela teoria da dependência, a análise de questões políticas deve ser iniciada com o estudo da posição do país na economia mundial. Este trabalho dá maior ênfase a fatores econômicos, e por essa razão, utiliza a abordagem da teoria da dependência.

(15)

os elementos envolvidos com a situação de pressão externa, como a nova situação de

conflito no sistema internacional na década de 80 e o uso de instrumentos específicos de

pressão. Para a análise desses fatores serão utilizados autores de política internacional

"realistas".

Stallings (1992) analisa a influência de fatores externos sobre as mudanças nas políticas de

ajuste dos países endividados na década de 80 sob a perspectiva da teoria da dependência.

Os fatores externos que explicam as mudanças ocorridas são as relações econômicas

internacionais, a existência de idéias e interesses comuns entre as elites dos países

desenvolvidos e em desenvolvimento

(linkage)

e a assimetria de poder entre os países no

sistemainternacional

(leverage).

..

As relações econômicas internacionais dos países em desenvolvimento representam fatores

de influênciaporque os países em desenvolvimento necessitam de recursos externos". Esses

recursos externos podem ser obtidos através de empréstimos e investimentos dos países

desenvolvidos, e através de exportações. Os países desenvolvidos representam a principal

fonte de recursos financeiros e também o principal destino das exportações dos países em

desenvolvimento. Os recursos externos, provenientes de receitas de exportação não

dependem apenas das quantidades vendidas, mas também dos preços no mercado

internacional,sendo os países em desenvolvimento "price-takers".

A dependência econômica dos países em desenvolvimento se expressa pela influência dos

países desenvolvidos às duas formas de obtenção de recursos financeiros externos: os

empréstimos e investimentos, e as exportações. Além disso, a integração por intermédio da

transferência de capitais externos restringe a autonomia do sistema econômico nacional e as

decisões de políticas de desenvolvimento. IIOS mecanismos de controle da economia

nacional escapam parcialmente do âmbito interno na medida em que certas normas

universais do funcionamento de um sistema produtivo moderno, impostas pelo mercado

universal, não permitem alternativas: a unificação dos sistemas produtivos leva

à

padronização dos mercados e a seu ordenamento supranacional

11

(Cardoso e Faletto, 1970:

130).

14 Esses recursos dizem respeito tanto a recursos financeiros quanto tecnologia. A análise de Stallings

restringe-se aos recursos financeiros. A questão tecnológica está incorporada no capítulo I, onde é comentada a globalização da economia mundial.

(16)

A teoria da dependência, mais do que incorporar fatores externos. na explicação, considerando os processos domésticos como um reflexo direto e imediato dos externos, está preocupada em caracterizar "o modo de relação entre os grupos sociais no plano nacional, que depende do modo de vinculação ao sistema econômico e aos blocos políticos internacionais" (Cardoso e Faletto, 1970: 21). A existência de grupos sociais domésticos que estão vinculados ao sistema internacional faz com que a situação de dependência tenha uma contrapartida interna, de forma que "os interesses externos radicam cada vez mais no setor de produção para o mercado interno (sem anular, por certo as formas anteriores de dominação) e, consequentemente, se alicerçam em alianças políticas que encontram apoio nas populações urbanas. Por outro lado, a formação de uma economia industrial na periferia do sistema capitalista internacional minimiza os efeitos da exploração tipicamente colonialista e busca solidariedade não só nas classes dominantes mas no conjunto dos grupos sociais ligados à produção capitalista moderna: assalariados, técnicos, empresários, burocratas, etc." (Cardoso e Faletto, 1970: 142).

A existência de interesses comuns entre grupos nos paises desenvolvidos e em desenvolvimento é denominada

linkage

por Stallings (1992). Esses grupos incluem empresários, tecnocratas, militares e a classe média. Têm relações de interesse econômico complementadas por experiências educacionais comuns e viagens, de forma que incorporam o paradigma dominante no conhecimento específico relevante para a sua profissão, além dos padrões de vida e de consumo. No caso dos mais ricos, os interesses comuns são adicionalmente complementados com a propriedade de bens no exterior. Ambições de consumo e estilo de vida dos paises desenvolvidos são difundidos também através da mídia. Moon (1987) explica a semelhança da política externa dos paises dependentes com a dos EUA através dessas relações de interesse e visões de mundo comuns entre grupos nos dois paises. Afirma que a política externa dos paises dependentes coincide com a dos dominantes porque existe um consenso entre esses países. Esse consenso é criado pois, em primeiro lugar, o pais dependente é ligado por relações econômicas ao pais dominante, através das quais, eventos externos exercem sua influência. Em segundo lugar, as elites dos países dependentes e dominantes são vinculadas por relações econômicas de comércio e investimento e absorvem valores e percepções do mundo, através de educação no exterior. A educação e a transmissão de informações aumentam a possibilidade da criação do consenso. Os princípios de economia política e política internacional são transmitidos pelos sistemas educacionais dominados pelas idéias dos paises dominantes. Através de serviços de

(17)

informação, dados diários sobre os eventos mundiais são difundidos, de forma que "world

as seen from dependent states is remarkable similar to the world seen by the North

American population" (Moon, 1987: 308). O problema da análise de Moon é que não

explica porque, apesar da existênciade coincidência de interesses, o país dominante tem que

usar instrumentos de pressão externa especificos, como a concessão de ajuda externa, para

exercer influência.

A partir do que foi dito até agora sobre a teoria da dependência, a mudança na política

comercial pode ser explicada pela mudança nas condições vigentes na economia

internacional, na década de 80, e pela formação do consenso neoliberal. Surge uma nova

concepção para o papel do Estado e através da

linkage

ela é transportada para os países

dependentes. Dessa forma, a mudança das políticas de ajuste estrutural pode ser explicada

mais pela existência de um consenso de interesses entre os paises em desenvolvimento e os

desenvolvidos.Esses elementos não explicam totalmente a existência da pressão externa.

A situação de dependência nas nações subdesenvolvidas é, entretanto, mais complexa.

Existem vinculos econômicos e de interesse entre os países desenvolvidos e os em

desenvolvimento mas esses não são os únicos determinantes da situação econômica dos

países dependentes. Constitui-se uma situação ambígua: "a situação de subdesenvolvimento

nacional supõe um modo de ser que por sua vez depende de vinculações de subordinação

ao exterior e da reorientação do comportamento social, político e econômico em

função de interesses nacionais" (Cardoso e Faletto, 1970: 30, grifos meus). Dessa forma,

coexistem nos países dependentes dois conjuntos de forças contraditórias mas

interdependentes: os relativos a pressões e vinculações externas, e os relacionados ao

interesse nacional. Existe a possibilidadede o interesse nacional de países dependentes não

ser coincidente com o dos países dominantes. O conflito de interesses daí resultante, pode

ser resolvido com o uso de recursos de poder.

Isso é incorporado na análise de Stallings (1992) com a consideração de um terceiro fator

externo, além das relações econômicas internacionais e da

linkage,

para explicar a mudança

nas políticas adotadas nos países endividados: a assimetria de poder no sistema internacional

(leverage). Leverage

"involves the direct use of power, with a promise of reward (or a

threat of punishment) for carrying out (or not) a desired policy. Leverage is most effective

when resources are scarce, creditors are unified, and the incentives they offer are credible"

(Stallings, 1992: 55).

(18)
(19)

o

fato de Stallings apontar condições nas quais a pressão é mais efetiva, indica que a

circunstância de poder representa uma relação situação-específica. Isso explica porque a

relação dos paises em desenvolvimento com os desenvolvidos mudou entre a década de 70

e a de 80, apesar dos paises em desenvolvimento serem dependentes nos dois periodos. Um

dos elementos que caracteriza a dependência é a necessidade de recursos externos. Essa

necessidade se verifica tanto nos anos 70 quanto nos 80; o que muda é a relação de poder.

J

I

Segundo Stallings (1992), nos anos 70, as possibilidades de obter recursos externos pelos

paises em desenvolvimento eram maiores. As elevadas taxas de crescimento dos países

desenvolvidos ampliaram o mercado para exportações dos países em desenvolvimento, e,

sobretudo, havia uma disponibilidade maior de empréstimos externos. A abundância de

empréstimos externos nos anos 70 reduziu a influência das empresas multinacionais, os

atores mais importantes segundo a teoria da dependência, e possibilitou que os governos

dos países em desenvolvimento tomassem autonomamente decisões de investimento. Do

lado da saída de recursos, as taxas de juros eram menores. Esses fatores compensaram a

deterioração dos termos de troca. Nos anos 80, a queda do crescimento econômico nos

países desenvolvidos, a redução dos empréstimos estrangeiros, a manutenção da

deterioração dos termos de troca, de um lado, e, de outro, o aumento das taxas de juros

internacionais, fizeram com que as restrições potenciais externas passassem a representar

restrições de fato.

1

Assim, se o capital é abundante e quem tem capital não tem instrumentos para exercer

influência, a propriedade do capital não confere poder para influenciar políticas adotadas

domesticamente. A década de 70 foi uma década de abundância de recursos na qual a

propriedade de recursos não representou poder. Os principais fornecedores de recursos, os

bancos comerciais privados, não tinham interesse ou instrumentos para impor condições

sobre políticas domésticas. "After reappearing on the scene in the 1970s as a major source

of finance for the Third World, the private banks disbursed large amounts of loans and

attached very few strings to them. In general they had neither the will nor the capacity to

impose conditions. The goal was to turn their new petrodollars deposits into profits, not to

reform Third World economies. In fact, they undermined the attempts of the Bank and the

Fund to do so" (Stallings, 1992: 56). A propriedade de recursos toma-se poder apenas a

partir da crise da dívida, quando os recursos tomam-se escassos e os bancos desenvolvem

uma estratégia de ação conjunta com as instituições financeiras internacionaise os governos

credores.

(20)

Apesar de considerar a importância da assimetria de poder no sistema. internacional e identificar uma circunstância específica em que é alterada nos anos 80 - a crise da dívida -, Stallings não determina a forma como a assimetria de poder no sistema internacional pode ser um determinante da mudança porque considera apenas um dos lados envolvido na relação de poder: o dos credores. Para que o poder explique a mudança é preciso verificar se do lado dos devedores (paises em desenvolvimento) havia vulnerabilidade. Além disso, a análise do autor concentra-se em elementos financeiros, não considerando explicitamente outras mudanças e situações de conflito no sistema internacional que ocorreram durante a década de 80. Mais especificamente, no escopo da teoria da dependência, não considera a nova estratégia das empresas multinacionais com a gIobalização da economia mundial. um elemento mais estreitamente relacionado com a necessidade de abertura comercial. Essa estratégia, que provocou um aumento no comércio intra-firma, impôs a necessidade de abertura comercial sob pena de os paises, que não a adotassem, ficarem excluídos desse processo. A globalização e a sua relação com o processo de abertura comercial serão tratadas no capítulo 1.

Uma abordagem que tenta especificar melhor a relação entre assimetria de poder no sistema internacional, o uso de instrumentos específicos de pressão e mudanças nas políticas domésticas é a dos autores "realistas": a teoria da estabilidade hegemônica (Gilpin, 1981, 1987; Krasner, 1976; Keohane, 1984). Esses autores assumem como ator o Estado nacional, que age como ente autônomo para maximizar o interesse nacional.

o

foco da análise da teoria da estabilidade hegemônica é o sistema internacional: estudam o papel do poder e das instituições internacionais e como esses elementos influenciam as relações entre os Estados. Enfatizam, ainda, o uso de pressão externa para restrição de certas ações e a existência de compromissos. Os autores estão preocupados em explicar a cooperação no sistema internacional e identificam a cooperação com a ordem econômica liberal sob a hegemonia da Inglaterra no seco XIX e dos Estados Unidos no seco XX (Gilpin,

1987). Na anarquia do sistema internacional, políticas nacionalistas tendem a prevalecer, gerando conflito e perda de bem estar, porque o principal objetivo dos Estados diz respeito ao seu interesse próprio. Essa situação, em termos de comércio internacional, significa que do ponto de vista de cada Estado individualmente, a melhor opção de política é proteger a sua indústria e ter livre acesso aos mercados dos demais países. Como resultado da ação de Estados nacionais tentando maximizar o interesse nacional, os Estados passam a proteger o seu mercado, gerando uma situação que é prejudicial a todos.

(21)

15

Os autores realistas divergem quanto a possibilidade de manutenção do livre comércio no sistema internacional. Para Gilpin (1981, 1987) é preciso que um país hegemônico crie as instituições e regras que garantam essa ordem e fiscalize e puna os países transgressores, através de incentivos positivos e negativos. Para outros autores (Keohane, 1984; Krasner, 1976), existem outras possibilidades: a fiscalização e punição dos transgressores pode ser realizada pelo conjunto de países interessado na sua manutenção, ou seja, existe possibilidade de manutenção do livre comércio "after hegemony".

Segundo os autores realistas, o país hegemônico cria e mantém a ordem econômica liberal porque dela obtém beneficios líquidos, que são entretanto decrescentes. De um lado, o controle sobre o sistema internacional pelo país hegemônico aumenta o seu poder à medida que mais recursos tomam-se disponíveis e passam a existir ganhos proporcionados por economias de escala. De outro lado, manter a ordem internacional envolve o dispêndio de recursos em forças militares, financiamento de aliados, ajuda externa e outros custos associados com a manutenção dessa ordem. O uso desses recursos não é economicamente produtivo. Por isso, a dominação requer a existência contínua de um excedente econômico. No início, esse excedente cresce mais do que os custos da expansão, pois caso contrário, não haveria incentivo para expandir. Com o tempo, os custos aumentam e os recursos diminuem, limitando a continuação da expansão. Toma-se mais dificil gerar receitas suficientes para cobrir os custos de proteção e esses, aumentam com o tempo.

Ainda que a ordem econômica liberal reflita basicamente os interesses do Estado hegemônico, ela proporciona oportunidades de crescimento e expansão a outros Estados. Num primeiro momento, denominado polarização, ela gera beneficios para o poder hegemônico; depois, na difusão, gera beneficios para os demais Estados (Gilpin, 1987: 94).

o

crescimento diferenciado de poder entre os Estados aumenta consideravelmente os beneficios potenciais ou diminui os custos potenciais para um ou mais Estados ascendentes procurarem mudar o sistema internacional. O poder dominante combate a ameaça de mudança pelo poder ascendente no sistema internacional alterando suas políticas para tentar recuperar o equilíbrio no sistema internacional. O poder dominante tem duas estratégias de ação possíveis para recuperar o equilíbrio do sistema: atuar sobre os recursos ou sobre os compromissos e os custos a eles associados (Gilpin, 1981).

(22)

Atuar sobre os recursos pode significar: (1) procurar gerar novos recursos diretamente

através de aumento da tributação doméstica e extração de tributos de outros Estados; ou

(2) utilizar meios indiretos, como, por exemplo, fazer uso de políticas inflacionáriase tentar

manipular os termos de troca com outros Estados; (3) aumentar a eficiência no uso dos

recursos existentes. Através de inovações organizacionais, tecnológicas e outras, o Estado

pode economizar os recursos à sua disposição ou aumentar o montante total de recursos

disponíveis.

..

Atuar sobre os custos pode significar: (1) eliminar a causa dos aumentos dos custos. O

poder declinante pode lançar uma guerra preventiva para destruir ou enfraquecer o Estado

ascendente enquanto a vantagem militar ainda está ao seu favor. (2) Continuar o processo

de expansão. O poder dominante espera reduzir os seus custos de longo prazo obtendo

posições defensivas menos custosas. (3) Reduzir os compromissos de política externa, para

o que existem três possibilidades: (3.1) abandono unilateral de alguns compromissos

externos. (3.2) Formar alianças ou procurar aproximação com poderes médios. Isso

significa fazer concessões a outro Estado e concordar em repartir os beneficios do

status

quo

em troca da repartição dos custos de sua manutenção. (3.3) Fazer concessões ao poder

ascendente.

O poder hegemônico declinante deixa de manter a ordem liberalporque ela não mais atende

seus interesses. Para recuperar a sua posição no sistema internacional,o Estado hegemônico

pode adotar práticas predatórias: fazer uso de poder para atingir seus próprios interesses de

forma prejudicial aos demais Estados. "It can become coercive and attempt to improve its

own position through the use of optimum tariffs, currency manipulations, or other

interferences in economic relations" (Young citado por Gilpin, 1987: 89).

Os autores realistas concordam que o declínio do poder hegernônico provoca um aumento

do conflito no sistema internacional, mas divergem no que diz respeito às

consequências

desse aumento do conflito. Para Gilpin, o declínio do poder hegemônico leva a um aumento

do conflito no sistema internacional de forma que a cooperação fica comprometida. O

equilíbrio no sistema será recuperado através de uma guerra hegemônica. Para Keohane e

Krasner, a cooperação pode existir sem um país hegemônico, pois o aumento do conflito

potencial faz com que os países tenham interesse em atuar coordenadamente.

(23)

Para Keohane, o aumento do conflito no sistema internacional decorrente do declínio do

poder hegemônico e da ascensão de outros países, é agravado com a crescente

interdependência econômica. A interdependência leva os países a expandirem a atuação do

Estado para proteger a economia nacional das flutuações da economia mundial. "When this

state activity takes the form of seeking to force the costs of adjustment onto foreigners,

international discord results" (Keohane, 1984: 6). E, com a ampliação do conflito

internacional, aumenta o interesse dos Estados em ajustar suas ações para reduzi-lo. Por

essa razão, o autor considera a cooperação possível.

,.

A situação no sistema internacional com o declínio do poder hegemônico, ascensão de

novos poderes e crescente interdependência é diferente da harmonia. "Harmony refers to a

situation in which actors' policies (pursued in their own self-interest without regard for

others) automatically facilitate the attainment of others' goals" (Keohane, 1984: 51). Na

inexistência de harmonia é necessário que os Estados individuais realizem ajustes nas suas

políticas através de negociações para que os efeitos negativos da política de um Estado

sobre os demais sejam evitadas, reduzidas ou contrabalançadas (Keohane, 1984: 51). No

processo de negociação os Estados procuram induzir uns aos outros, através de pressão, a

ajustar as políticas para permitir o alcance do seu interesse próprio. O uso de pressão

externa para os Estados tentarem influenciaras políticas uns dos outros está ligado assim à

existência de conflito.

Segundo a teoria da estabilidade hegemônica, o uso de pressão externa para induzir

mudanças nas políticas pode representar tanto a prática de um país hegemônico declinante,

utilizando-se de instrumentos predatórios para maximizar o interesse próprio, quanto

representar formas de induzir à cooperação num sistema internacional interdependente,

onde ocorre aumento do conflito.

A partir dos autores realistas, as condições nas qUaISa pressão externa se expressa

envolvem a existência de conflitos entre países. Esses conflitos geram o interesse em

pressionar. A pressão se efetiva caso um país tenha capacidade para exercer pressão e outro

país, pressionado, seja vulnerável.

Capacidade de pressão pode ser definida como um conjunto de instrumentos e instituições

que permitem a realização de ações sobre outros países. Além disso, está ligada à

organização da ação coletiva pelos agentes, que determina posições de poder. O interesse é

(24)

definido em termos de aumento de beneficios e/ou redução de custos. A vulnerabilidade é relativa. Na existência de uma relação de interdependência, mais vulnerável é a parte é mais prejudicada com o rompimento da relação. A vulnerabilidade

à

pressão é importante para explicar se a pressão tem ou não influência sobre a mudança. Mesmo que ocorram ações concretas, ou seja, que um país tenha capacidade e interesse em pressionar, se não houver vulnerabilidade, essas ações concretas não passarão de tentativas de influência.

Para a análise do interesse e capacidade dos países desenvolvídos na abertura comercial brasileira serão considerados os elementos do sistema internacional que explicam porque o conflito no sistema internacional amplia na década de 80, aumentando assim o interesse dos desenvolvídos em pressionar. A utilização de pressão externa na área comercial pode surgir em diversas situações: quando um país perde competitividade; quando surgem novos competidores no sistema internacional; e quando as oportunidades dos produtos dos dois países se encontrarem (e disputarem) mercado aumentam. O interesse dos países desenvolvídos em pressionar os países em desenvolvímento para abrir os seus mercados está ligado assim ao declínio da economia norte-americana, à ascensão dos NICs (países recentemente industrializados) como exportadores de manufaturados, e ao processo de globalização da economia.

A crise da dívída é outro elemento que aumentou a possibilidade de utilizar pressão externa. Nas negociações sobre a dívída externa, o poder ficou do lado dos credores, que com isso puderam exigir dos devedores a adoção das políticas por eles preferidas. Ainda que no início, os credores usassem pressão para a manutenção do pagamento do servíço da dívída -que passou a ser realizado concretamente com a obtenção de superávítscomerciais, através do aumento das restrições às importações -

à

medida em que essa estratégia prejudicou interesses de exportadores e produtores domésticos dos países desenvolvídos que tiveram o acesso ao mercado dos devedores restrito, ou que enfrentaram a competição nos mercados domésticos, aumentou a importância da liberalização comercial".

15Adicionalmente, a crise da dívida foi incluída neste trabalho porque ela representa uma situação de uso de

pressão externa com duas finalidades diferentes: garantir a manutenção do pagamento do serviço da dívida pelos devedores e provocar mudança nas suas políticas domésticas. Como a mudança da política comercial brasileira pode ser explicada tanto por fatores domésticos como por externos, para avaliar-se a importância relativa desses dois fatores, é necessário ter uma referência de comparação na qual os mesmos fatores estejam envolvidos. A influência relativa da pressão externa no processo de abertura comercial brasileira vai ser avaliada em relação àsua influência relativa para o pagamento do serviço da dívida.

(25)

Williamson (1989), no início do artigo que abre a coletânea de análises sobre as reformas adotadas pelos países devedores reconhece a relação entre a questão da dívida e as reformas. "No statement about how to deal with the debt crisis in Latin America would be complete without a call for the debtors to fulfill their part of the proposed bargain by setting their houses in order, undertaking policy reforms, or submitting to strong conditionality"(Williamson, 1989: 7).

o

interesse em pressionar se expressa através de instrumentos concretos de pressão em situações de conflito. Os instrumentos aqui analisados serão as retaliações comerciais e as condicionalidades. Serão consideradas as possibilidades de retaliação comercial previstas no Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio (GATT), em caso de subsídios e

dumping; na legislação comercial norte-americana; e o uso de condicionalidades com a crise

da dívida. Esses instrumentos expressam a pressão econômica - comercial e financeira -, que só será efetiva se o país apresentar vulnerabilidade econômica.

...

A pressão econômica não é, entretanto, a única forma de pressão. Existe também a pressão ideológica, discutida a seguir. A pressão ideológica, da mesma forma que a econômica, só é efetiva se for complementada pela existência de vulnerabilidade ideológica no país pressionado.

Instrumentos de pressão econômica como retaliações comerciais e condicionalidades são, segundo Baldwin (1985), instrumentos de

economic statecraft. Economic statecraft

representa tentativas dos governos de influenciar outros atores no sistema internacional com o uso de instrumentos econômicos.

A escolha por instrumentos econômicos para exercício da pressão é feita levando em consideração custos e beneficios a eles associados, e em relação aos beneficios líquidos associados a outros instrumentos para exercer influência, como a diplomacia e a intervenção militar. Baldwin considera a pressão econômica importante pela sua relação custo-beneficio. Usar instrumentos de pressão econômica é maís barato do que a intervenção militar e

é

mais efetivo do que a diplomacia.

Com relação aos beneficios, afirma que é necessário considerar que a pressão econômica tem um objetivo maior além de causar um eventual prejuízo econômico. O prejuízo econômico

é

um objetivo intermediário na tentativa de influência. "Economic sanctions may

(26)

have diplomatic, psychological, political, military, or other effects even when their economic effect is niIl" (Baldwin, 1985: 63).

Para Baldwin, o principal beneficio a ser considerado para avaliar a pressão econômica é aquele relacionado com a mensagem que ela transmite. A pressão econômica tem um efeito simbólico importante.

É

instrumento para a transmissão de mensagens de advertência, de desacordo, da menor tolerância, ou de prescrição de determinadas políticas. "Economic instruments may be used to signal narrowly specific intentions or to project general foreign policy orientations" (Baldwin, 1985: 102).

À medida em que entre os países com interesse em utilizar pressão externa surge um consenso sobre um conjunto de políticas a serem prescritas, a mensagem contida na pressão econômica assume o caráter de ideologia. A pressão econômica transforma-se assim, em um instrumento de pressão ideológica, identificada na análise de Baldwin, sem utilizar esse nome.

Com o consenso neoliberal, uma série de medidas visando a redução da intervenção do Estado na economia, incluindo a liberalização comercial, passaram a ser consideradas

"certas'i".

A necessidade de redução da intervenção do Estado para um determinado padrão estava ligada

à

globalização. Para reduzir os efeitos de variáveis externas sobre a economia nacional ou aumentar os beneficios resultantes da ampliação do mercado mundial e da internacionalização do capital, os Estados poderiam adotar políticas para atrair capital e investimentos. Essas políticas aumentariam o bem-estar econômico do pais que as adotasse com a globalização, à custa dos demais e só seriam bem-sucedidas se o pais for o primeiro e/ou o único a adotá-las. A pressão ideológica pela redução da intervenção do Estado estava relacionada com a manutenção da estabilidade global, mas também com a maximização do interesse próprio de alguns poucos países, desincentivando os países a usar políticas que poderiam reduzir os beneficios dos demais países.

16 O assim denominado "consenso de Washington" incluía, além da liberalização das importações para

reduzir o custo do insumo importado e para eliminar a ineficiência decorrente da proteção, as seguintes medidas: disciplina fiscal; redução dos gastos públicos, sobretudo dos subsídios; reforma fiscal, preferencialmente aumentando a base de tributação e mantendo as taxas marginais do imposto moderadas: definição da taxa de juro pelo mercado; manutenção de uma taxa de câmbio competitiva, consistente com o objetivo de permitir um aumento das exportações; privatização, com base na idéia de que a empresa privada é mais eficiente que a pública; desregulamentação; para aumentar a competição; proteção dos direitos de propriedade intelectual; permissão para o ingresso de investimentos estrangeiros diretos (Williamson,

(27)

A pressão ideológica é subjacente à pressão econômica pois, conforme Baldwin (1985), os atos concretos de pressão externa são importantes para expressar uma mensagem de um país para outro. A mensagem contida nos atos de pressão econômica assume o caráter de ideologia quando consolida-se entre os países desenvolvidos um padrão para a atuação do Estado e a restrição da ação estatal a esse padrão atende aos interesses desses países.

A mensagem concreta contida na condicionalidade dos organismos financeiros internacionaís incluía a liberalização comercial, a privatização e a desregulamentação. Na resolução de controvérsias do GATT, dizia respeito à redução de barreiras ao comércio; no código de subsídios e dumping, à redução das práticas desleais de comércio, à redução da penetração nos mercados externos e ao questionamento da política protecionista.

A pressão externa analisada neste trabalho está assim relacionada com a existência de conflitos entre países e inclui a pressão econômica e a pressão ideológica. A pressão econômica pode ser subdividida em comercial e financeira, dependendo do instrumento utilizado para exercer a pressão, se retaliações comerciais ou se condicionalidades associadas a empréstimos. A pressão ideológica é subjacente à econômica, à medida em que representa uma das formas dos países transmitirem mensagens uns aos outros. A pressão ideológica não é, entretanto, exclusivamente associada à econômica, podendo assumir outras formas.

Para verificar a ocorrência de pressão externa no caso brasileiro é necessário assim analisar, de um lado, elementos do sistema internacional que explicam o aumento do conflito com outros países e seu interesse na abertura comercial brasileira. Os instrumentos pelos quais esses interesses são colocados, referem-se às retaliações comerciais e às condicionalidades. De outro, para verificar a efetividade da pressão externa

é

preciso analisar a existência de vulnerabilidade no Brasil, tanto econômica quanto ideológica. A análise sobre a pressão externa na abertura comercial brasileira será dividida da seguinte forma.

•..

No capítulo I serão abordadas as principais mudanças ocorridas no sistema internacional, que provocaram aumento do conflito internacional, do interesse e da capacidade dos países desenvolvidos em utilizar a pressão externa. Essas mudanças referem-se ao declínio da hegemonia norte-americana, à ascensão dos NICs, à globalização da economia, à crise da dívida e à formação do consenso neoliberal.

(28)

No capítulo 2 serão analisados fatores domésticos para verificar se o uso dos instrumentos de pressão externa pelos países desenvolvidos representa pressão de fato. Esses fatores dizem respeito à vulnerabilidade econômica do Brasil - comercial e financeira - e à vulnerabilidade ideológica. Para análise da vulnerabilidade econômica foram levantados dados sobre as relações comerciais e financeiras do Brasil com os países desenvolvidos para avaliar qual o país que mais perderia com o rompimento da relação. Constata-se que havia vulnerabilidade comercial, mas não financeira. No caso da vulnerabilidade ideológica, serão apenas indicados os elementos que podem configurar tal situação, com base em análises de outros autores.

Nas Considerações Finais serão retomados os principais elementos que explicam a influência da pressão externa sobre a mudança na política comercial brasileira.

(29)

CAPÍTULO 1

Neste capítulo, eventos ocorridos no sistema internacional, que aumentaram o conflito com outros países durante a década de 80, serão tratados. Esses eventos provocaram tanto o aumento do interesse e da capacidade dos países desenvolvidos em pressionar, quanto alterações na economia mundial, que reduziram as alternativas

à

disposição dos países em desenvolvimento.

o

interesse representa, segundo os autores "realistas", a razão pela qual um país exerce pressão sobre o outro. Um país exerce pressão sobre outro para maximizar o interesse nacional e quando se encontra numa situação de conflito com outros países. O declínio relativo da hegemonia norte-americana, a ascensão dos NICs, a globalização da economia mundial, e a crise da dívida são os elementos que explicam o aumento do conflito no sistema internacional.

Dado o caráter amplo dos eventos considerados neste capítulo, a análise aqui realizada vaí se ater apenas aos elementos que permitem a compreensão do tema discutido, qual seja, a pressão externa e a abertura comercial .

(30)

DECLÍNIO RELATIVO DA HEGEMONIA NORTE AMERICANA

o

declínio relativo da hegemonia norte-americana pode ser verificado na diminuição da sua participação no Pffi e nas exportações mundiais; no aumento do seu déficit comercial (Tabela 2).

Tabela

2. EUA: Indicadores da situação econômica.

Participação no Participação nas Balanço comercial

PIB mundial exportações (US$ bilhões)

(%) mundiais (%)

1965

40,1

-

-1966

-

16,8

-1970

-

15,4

-1981

29,2 14,3 (39,6)

1985

36,7 10,7 (148,5)

1986

32,3 9,7 (169,8)

1987

29,7 10,6 (169,8)

1988

28,5 12,0 (143,4)

1989

25,8 11,9 (144,6)

.

Fonte:

Banco Mundial, Relatóno sobre o Desenvolvimento Mundial, cálculos próprios; Boletim do Banco Central.

Esse declínio está ligado ao fato de que os compromissos externos, assumidos pelos EU A a partir da 2a. Guerra Mundial, quando se tomou o poder hegemônico do sistema internacional, tomaram-se maiores do que os recursos à disposição do pais para mantê-los. Os compromissos externos dos EUA foram assumidos ao longo do tempo e, na maioria dos casos, a razão da presença norte americana não diminuiu. Assim, os EUA tinham na década de 80 aproximadamente a mesma série de obrigações pelo mundo que há 25 anos atrás, entretanto, sua parcela do PNB mundial, da produção manufatureira, do dispêndio militar e com pessoal das forças armadas eram muito menores (Kennedy, 1989).

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(31)

Segundo Gilpin (1987), o declínio é uma situação inerente à condição de país

hegemônico.

No caso dos Estados Urudos, ocorreu pela combinação de vários fatores. Os EUA aproveitaram o fato de que sua moeda era a principal divisa internacional, para financiar sua posição global. Criaram liquidez internacional através de déficits no balanço de pagamentos, financiados pela Europa Ocidental e pelo Japão. Em troca, os EUA toleravam não apenas a discriminação contra suas exportações pela CEE e pelo Japão, mas também suas estratégias agressivas de exportação. Entretanto, a persistência desse déficit no longo prazo acabou por minar a confiabilidade do dólar e o seu papel como divisa internacional. Resultou na aceleração da inflação, no desequilíbrio das taxas de câmbio, na perda de confiança no dólar e no aumento da especulação, redundando no fim do sistema de taxas fixas de câmbio. A mudança para o sistema de taxas de câmbio flexíveis e a integração dos mercados financeiros ampliou significativamente o impacto das políticas macroeconômicas norte-americanas sobre o resto do mundo.

Nesse contexto, a política orçamentária adotada pelo governo Reagan realizou aumentos em grande escala com defesa e reduções consideráveis nos impostos, sem diminuir os gastos federais em outros setores, provocando um aumento do déficit público. Para financiá-lo, os EUA absorveram volumes elevados de capital externo, que provocaram a valorização do dólar e exerceram efeitos negativos sobre as exportações norte-americanas e sobre setores da indústria norte-americana. (Gilpin, 1987).

O declínio da indústria do país não ocorreu apenas em setores tradicionais (têxteis, ferro, aço e construção naval), mas também em setores de alta tecnologia. Adicionalmente, surgiram novos concorrentes ao setor agrícola: a Comunidade Européia e em menor escala os países subdesenvolvidos. Como resultado, os preços mundiais caíram, assim como as exportações americanas. A falta de competitividade dos produtos industriais norte-americanos no exterior e as exportações agrícolas decrescentes produziram o elevado déficit comercial.

A piora na situação comercial provocou um aumento do sentimento protecionista. "Os defensores de uma maior proteção queixam-se de que práticas desleais pelos estrangeiros, de dumping de artigos a preços abaixo do custo no mercado norte-americano, e de enormes subsídios aos agricultores estrangeiros, o que, sustentam eles, só pode ser respondido com o abandono da política de

laissez-faire

no comércio exterior e a adoção de rígidas contra-medidas" (Kennedy, 1989: 498).

(32)

Bhagwati (1993) afirma que a percepção do declínio da hegemonia americana é maior do que a realidade. Os EUA estão sofrendo da "síndrome do gigante diminuído" (diminished

giant

syndrome), que é reforçada pela existência dos déficits comercial e público e pela

redução no crescimento do padrão de vida na década de 80. A percepção do declínio tem, entretanto, consequências reais sobre a política econômica internacional dos EUA. A política comercial e as concessões comerciais norte-americanas a seus parceiros comerciais são consideradas maiores do que as que recebeu em troca. Essa crença leva à posição de que os EUA precisam adotar uma política de demandar concessões unilaterais dos outros países.

Assim, o declínio da hegemonia, provocou o aumento do conflito dos EUA com seus parceiros comerciais, seja sob acusação de práticas desleais (dumping, subsídios), seja porque a troca de concessões entre os EUA e seus parceiros não foi considerada equilibrada, passando a exigir reciprocidade nas trocas de concessão.

O interesse nacional dos EUA declinante passou a ser atendido por práticas predatórias. Na área de comércio exterior isso significou: forçar a abertura de mercado de seus parceiros comerciais, ou seja, combater práticas protecionistas dos outros países mesmo que fizesse uso das mesmas práticas; e utilizar as regras existentes de comércio de forma distorcida, como o uso de medidas contra

dumping

e subsídios sob alegações falsas.

Adicionalmente, com a expansão global do setor de serviços, especialmente financeiros e de telecomunicações e das indústrias de alta tecnologia, que constituíam os setores dinâmicos da economia norte-americana, os EUA passaram a demandar que os outros países abrissem suas economias para as empresas de serviço norte-americanas e garantissem os direitos de propriedade intelectual.

Assim, durante a década de 80, com o aumento do conflito comercial decorrente do declínio da hegemonia norte-americana, aumentou o interesse dos EUA em utilizar os dispositivos de sua legislação comercial para realizar atos de pressão comercial. Durante esse período inclusive, ocorreu uma modificação na sua legislação comercial que ampliou a sua capacidade de pressão.

A legislação comercial norte americana prevê seis casos para o governo realizar ações contra os parceiros comerciais (GATT, 1990). Três deles correspondem a instrumentos previstos no Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio:

(33)

- Salvaguardas (seção 201 do Trade Act de 1974, emendada), se as importações causarem dano material

à

indústria doméstica. Está prevista a realização de ações diretas sobre as importações (imposição de sobretaxas, restrições quantitativas; negociação de um acordo de restrição voluntária, etc.), bem como, a adoção de incentivos ao ajuste da indústria ou setor prejudicado pelas importações. O prazo de vigência máximo dessas medidas foi alterado pelo Omnibus Trade Act de 1988, de 5 para 8 anos.

- Dumping (subtítulo B do título VII do Tariff Act de 1930, emendado), se os importados

estiverem sendo comercializados a valor abaixo do valor justo e provocarem dano material

à

indústria doméstica ou dificultarem o estabelecimento de uma indústria.

- Subsídios (subtítulo A do título VII do Tariff Act de 1930, emendado e seção 303 do Tariff Act de 1930), se a competitividade dos bens importados for decorrente de subsídio e causar dano material à indústria doméstica'". Com a modificação na legislação comercial norte-americana, em 1988, foram introduzidas várias emendas para facilitar a utilização de taxas anti-subsídios eamidumping.

Os demais casos para a realização de ações contra os parceiros comerciais são específicos da legislação norte-americana. Incluem:

- Práticas desleais de comércio (seção 301 do Trade Act de 1974, emendada). Esse caso autoriza e requer que o Executivo 18 tome medidas retaliatórias para ampliar o acesso de

bens e investimentos norte-americanos em mercados estrangeiros, e para proteger direitos de propriedade intelectual. No Ato de 1988 foi introduzida a provisão "super 301" visando combater práticas de comércio através da identificação de práticas e países prioritários, com vigência até 1990. Os países incluídos nesse grupo teriam de eliminar ou compensar os EUA da prática prejudicial em até três anos, caso contrário, eram previstas retaliações. Foram também incluídas a provisão "special 301" para investigações contra violações nos direitos de propriedade intelectual e uma nova lei "Telecommunications Trade Act of 1988" para a negociação com países prioritários sobre comércio em telecomunicações. Nesses dois casos também estavam previstas retaliações.

17 No caso da seção 303, a tarifa anti-subsídio pode ser imposta mesmo se não houver dano material: vale

para países não signatários do Código de Subsídios da Rodada de TÓQuio.

18 O Ornnibus Trade Act de 1988 transferiu a autoridade para determinação, tomada de decisão e

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Tabela 1. Evolução da estrutura tarifária brasileira (1987-1993)
Tabela 2. EUA: Indicadores da situação econômica.
Tabela 3. Composição da pauta de exportações de NICs. (%)
Tabela 4. Balança comercial Brasil-EUA (US$ milhões)
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Referências

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