GLEYDSON KLEBER LOPES DE OLIVEIRA
APELAÇÃO NO DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Doutorado em Direito
PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
SÃO PAULO
GLEYDSON KLEBER LOPES DE OLIVEIRA
APELAÇÃO NO DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Direito, sob a orientação
PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
SÃO PAULO
Banca Examinadora
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AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, Laércio e Aldeíza, a justa e inesgotável
homenagem pela educação e lição de vida;
À minha esposa, Themis, pela compreensão e
companheirismo;
Aos meus irmãos, Gley e Karina, e cunhados, Geórgia e
Francisco, pelo convívio e amizade;
Ao meu pequeno sobrinho Enzo;
Aos mestres Arruda Alvim, Thereza Alvim, Nelson Nery
Junior, João Batista Lopes, Marcelo Navarro Ribeiro Dantas e Willis
Santiago Guerra Filho, pela dedicação e exemplo na árdua tarefa do
exercício da academia do direito;
À minha orientadora Teresa Arruda Alvim Wambier, pelo
apoio, presteza, e, acima de tudo, simplicidade, desde o ingresso no
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO... 09 CAPÍTULO I – SENTENÇA
1.1. Noções Gerais... 1.2. Requisitos de admissibilidade... 1.3. Pressupostos processuais... 1.4. Condições da ação... 1.5. Mérito... 1.6. Sentenças processuais... 1.7. Sentenças de mérito... 1.8. Elementos... 1.9. Classificação por sua eficácia... 1.10. Congruência entre sentença e pedido...
12 19 21 31 39 44 49 52 59 62
CAPÍTULO II – APELAÇÃO NO DIREITO COMPARADO E ANTERIOR 2.1. Recursos... 2.2. Antecedentes... 2.3. Direito comparado... 2.3.1. Direito Alemão... 2.3.2. Direito Italiano... 2.3.3. Direito Português... 2.3.4. Direito Argentino... 2.3.5. Código de Processo Civil Modelo para países Íbero-Americanos... 2.4. Direito anterior...
CAPÍTULO III – REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE
3.1. Cabimento... 3.2. Legitimidade recursal... 3.3. Interesse recursal... 3.4. Tempestividade... 3.5. Regularidade formal... 3.6. Preparo... 3.7. Inexistência de fato impeditivo e extintivo do direito de recorrer... 3.8. Apelação adesiva...
111 124 143 157 178 190 198 210
CAPÍTULO IV – EFEITOS
4.1. Efeito devolutivo... 4.2. Nulidade processual em grau recursal... 4.3. Questões novas de fato e documentos novos... 4.4. Produção de prova em grau recursal... 4.5. Efeito suspensivo... 4.6. Capítulos da sentença... 4.7. Agravo e sentença não recorrida... 4.8. Sentença e a eficácia da tutela de urgência... 4.9. Tutela antecipada em grau recursal... 4.10. Efeito translativo... 4.11. Efeito substitutivo... 4.12. Efeito regressivo...
222 255 264 268 279 302 313 317 321 324 327 330
CAPÍTULO V – PROCEDIMENTO
5.1. Poderes do relator... 5.2. Tramitação nos juízos a quo e ad quem...
CAPÍTULO VI – TENDÊNCIAS DO PROCESSO CIVIL CONTEMPORÂNEO
6.1. Busca pela efetividade... 6.2. Direito intertemporal... 6.3. Anteprojetos que visam alterar o CPC...
357 365 370
CONCLUSÃO... 376
RESUMO
A apelação é um importante recurso no âmbito do processo
civil que visa a impugnar o pronunciamento decisório intitulado sentença.
A presente tese sistematiza estudo acerca do recurso de apelação no direito
processual civil, com a análise dos múltiplos aspectos relacionados com a
matéria, à luz da legislação, da doutrina e da jurisprudência. Na primeira
parte do trabalho, aborda-se a sentença no âmbito dos pronunciamentos
judiciais. A sua segunda parte tem início com o estudo sobre o recurso de
apelação nos direitos comparado e anterior brasileiro, para, em seguida,
examinar os requisitos de admissibilidade (cabimento, legitimidade
recursal, interesse recursal, regularidade formal, ausência de fato extintivo
ou impeditivo do direito de recorrer, preparo e apelação adesiva); os efeitos
(devolutivo, suspensivo, translativo, substitutivo e regressivo); alguns
pontos polêmicos (nulidade processual em grau recursal, questões novas de
fato e documentos novos, capítulos da sentença, produção de provas em
grau recursal, agravo e sentença não recorrida e tutela antecipada em grau
recursal). Ao final, são analisados os poderes do relator, o procedimento
nos juízos de primeira e segunda instâncias, as tendências do processo civil,
o direito intertemporal e os projetos em trâmite no Congresso Nacional,
ABSTRACT
The appeal is an important resource in the scope of civil action
that aims to impugn the decisive pronouncement entitled sentence. This
study systemizes about the appeal in the civil procedural law, with the
analysis of the multiple aspects related to the subject, under the light of
legislation, doctrine and jurisprudence. The first part of this work copes
with the sentence in the scope of judicial pronouncement. Its second part
studies the appeal as a resource in the compared and previous Brazilian
law, for then, examine the requirements of admission (suit, resourceful
legitimacy, interest legitimacy, formal regularity, lack of extinctive or
impeditive fact of the right to appeal, preparation and adhesionappeal), the
effects (returnable, suspensive, transferable, substitute and regressive), and
some polemic points (procedural nullity in a resourceful level, new
questions and documents, chapters of the sentence, proof arrangements in a
resourceful level, aggravation and not appealed sentence and anticipated
guardianship in a resourceful level as well). Finally, the powers of the
relator are analyzed, as well as the procedure in judgments of first and
second instance, the trends of civil action, interpersonal law and the
projects in process in the National Congress, proposing alteration of the
INTRODUÇÃO
A apelação constitui um dos recursos mais importantes no
direito processual civil, exigindo da doutrina estudo sobre os múltiplos
aspectos da sua dinâmica.
Trata-se de temática de grande relevância na vida forense,
porquanto corresponde ao recurso que impugna a decisão judicial que põe
fim ao procedimento de primeira instância, apreciando a lide.
Apesar de existirem valiosos trabalhos sobre os recursos
cíveis, o exame da doutrina revela a inexistência de trabalhos monográficos
que sistematizem a apelação no direito processual civil.
A presente tese tem por objetivo a análise dos diversos
aspectos relacionados com o recurso de apelação cível, sistematizando
matéria tão importante e abordando temas até então não apreciados em
Nos primeiro e segundo capítulos, examinam-se a sentença,
que é pronunciamento decisório culminante do processo jurisdicional, e o
recurso de apelação no âmbito dos direitos comparado e anterior no Brasil.
Os requisitos de admissibilidade da apelação – cabimento,
legitimidade recursal, interesse recursal, tempestividade, regularidade
formal, preparo, inexistência de fato impeditivo e extintivo do direito de
recorrer e apelação adesiva – são analisados no capítulo terceiro, com
ênfase na distinção entre admissibilidade e mérito recursais.
No capítulo quarto, enfocam-se os efeitos devolutivo,
suspensivo, translativo e substitutivo, incluindo-se, ainda, a análise de
temas polêmicos e novos, tais como as questões novas de fato e
documentos novos, os capítulos da sentença, agravo e sentença não
recorrida, sentença e eficácia da tutela de urgência, nulidade processual em
grau recursal, produção de provas no âmbito recursal, tutela antecipada em
grau recursal, e efeito regressivo.
O fortalecimento dos poderes do relator e o procedimento nos
juízos a quo e ad quem são abordados no quinto capítulo, com exame das
diversas regras procedimentais no processamento e julgamento da
No sexto capítulo, registra-se a tendência doutrinária da
efetividade do processo jurisdicional, com referência breve e meramente
ilustrativa dos projetos de lei em trâmite no Congresso Nacional, visando a
alterar a sistemática do recurso de apelação. Em face das constantes
mudanças legislativas, torna-se imprescindível o estudo sobre o direito
intertemporal.
Na bibliografia, somente estão consignados os artigos e os
livros citados ao longo desta tese, de modo que outros trabalhos
eventualmente consultados, porém não citados, deixam de constar das
CAPÍTULO I - SENTENÇA
1.1 - NOÇÕES GERAIS
A idéia do processo judicial repousa na aplicação da lei por
quem investido na função judicante aos fatos trazidos a conhecimento pelas
partes, com escopo de compor o litígio.
A sentença é o ato processual culminante do processo
jurisdicional, pelo qual o juiz emite uma resposta ao pedido das partes,
aplicando o direito à espécie, esgotando a função jurisdicional.1
Numa época em que as preocupações dos estudiosos do direito
estão voltadas, sobretudo, para a efetividade do processo de resultados, a
própria noção de tutela jurisdicional não mais corresponde simplesmente ao
ato processual de sentenciar.
A noção moderna de tutela jurisdicional assenta-se nos
resultados do processo em que a função jurisdicional é exercida, de sorte
que, ao lado das normas jurídicas atributivas de direitos subjetivos, é
1 Alfredo Rocco declara que “Essa pertanto può definirsi l’atto com cui lo Stato, a mezzo dell’organo
imprescindível que existam instrumentos processuais adequados e idôneos
que conduzam à realização prática.2
Na doutrina italiana, Andréa Proto Pisani declara que
“Si è già accennato nell’introduzione al carattere strumentale del processo rispetto al diritto sostanziale e si è detto como il processo civile si ponga, all’interno dell’ordinamento giuridico, quale sorta di contrapartita Che lo Stato dà ai cittadini a seguito della imposizione del divieto di farsi ragione da sé: uma símile constatazione comprta che questa contrapartita per essere effettiva, deve tradursi nella predisposizione di mezzi di tutela giurisdizionale (di procedimenti, provvedimenti e misure coercitive) adeguati ai bisogni di tutela delle singole situazioni di diritto sostanziale”.3
No direito brasileiro, a sentença é conceituada como
pronunciamento processual pelo qual o juiz põe fim ao processo, com ou
sem julgamento do mérito (CPC, art. 162, § 1º).
Decisão interlocutória vem a ser o pronunciamento decisório
proferido no curso do processo (CPC, art. 162, § 2º), enquanto que o
despacho consiste no pronunciamento jurisdicional desprovido de cunho
decisório, destinado a dar impulso ao processo (CPC, art. 162, § 3º).
O legislador adotou o critério topológico para definir os
pronunciamentos judiciais; isto é, o pronunciamento judicial é definido de
acordo com a finalidade para a qual se presta.4
Assim, se tem o condão de colocar termo ao processo,
denota-se que o pronunciamento judicial é definido como denota-sentença.
A doutrina não empresta uma definição clara e precisa do que
vêm a ser o processo e o procedimento. É bastante comum a afirmativa de
que o processo corresponde ao instrumento da jurisdição, entendida esta
como a atuação estatal em substituição às partes, voltada à composição dos
conflitos, por meio da aplicação do direito.5
A noção de processo reflete a relação jurídica travada entre as
partes e o juiz, e tem que ser acompanhada pelos objetivos social, político e
jurídico que visam a ser alcançados pelo Estado.
Nesse contexto, Cândido Rangel Dinamarco assevera que
“É vaga e pouco acrescenta ao conhecimento do processo a usual afirmação de que ele é um instrumento, enquanto não acompanhada da indicação dos objetivos a serem alcançados
4 Cf., por todos, Nelson Nery Junior, Teoria Geral dos Recursos, p. 238.
5 Sobre as características da jurisdição, ver Arruda Alvim, Tratado de Direito Processual Civil, vol. 1, p.
mediante o seu emprego. Todo instrumento, como tal, é meio; e todo meio só é tal e se legitima, em função dos fins a que se destina. O raciocínio teleológico há de incluir então, necessariamente, a fixação dos escopos do processo, ou seja, dos propósitos norteadores da sua instituição e das condutas dos agentes estatais que o utilizam. Assim é que se poderá conferir um conteúdo substancial a essa usual assertiva da doutrina, mediante a investigação do escopo, ou escopos em razão dos quais toda ordem jurídica inclui um sistema processual”.6
O processo visa, portanto, à consecução de escopos jurídico,
social e político.
A justa aplicação da lei aos fatos trazidos pelas partes, ao
conhecimento do Poder Judiciário, é o objetivo jurídico da jurisdição.
A pacificação social e a proibição da autotutela, por meio da
aplicação do direito, correspondem aos escopos sociais da jurisdição.
A afirmação do poder de o Estado impor as suas decisões, a
proteção das liberdades públicas e a participação popular nos destinos da
sociedade são os escopos políticos da jurisdição.
Na lição de Elio Fazzalari, o processo é conceituado como um
procedimento em que participam, com a incidência do contraditório, as
partes envolvidas no litígio.
Segundo o citado autor italiano,
“Come ripetuto, il processo è um procedimento in cui partecipano (sono abilitari a partecipare) coloro nella cui sfera giuridica l’atto finale à destinato a svolgere effetti: in contraddittorio, e in modo Che l’autore dell’atto non possa oblitare le loro attività. Non basta, per distinguere il processo dal procedimento, il rilievo che nel processo vi è la partecipazione di più soggetti, Che cioè gli atti lo costituiscono sono posti in essere non dal solo autore dell’atto finale, ma anche da altri soggetti. Como rilevato, quando si parla di procedimento plurisoggettivo ci si riferisce allo schema di attività in sequenza, poste in essere da più soggetti, ma lo si distingue dallo schema del vero e proprio processo”. 7
A rigor, a inserção do que se denomina relação jurídica no
conceito de processo justifica-se, sobretudo, pela incidência ampla e
irrestrita do princípio do contraditório imposto pela Constituição Federal
(art. 5º, inc. LV).
Já o procedimento vem a ser a exteriorização, o modo pelo
qual se desenvolvem os atos processuais; isto é, trata-se do aspecto exterior
da emissão, do desenvolvimento e da concatenação dos atos processuais e
da própria relação jurídica travada entre as partes e o juiz.
O processo vem a ser o procedimento com contraditório
voltado para consecução de objetivos social, político e jurídico da
jurisdição. Enquanto que o procedimento vem a ser o traço exterior da
emissão e desenvolvimento dos atos processuais.
A sentença é ato intelectual deduzido de forma lógica que
impõe ao magistrado a análise dos fatos trazidos pelas partes e a
identificação da norma jurídica incidente sobre a controvérsia.8
Segundo um difundido entendimento na doutrina, a sentença
vem a ser considerada um ato processual lógico, o qual é resultado de um
silogismo ou de uma série de silogismos sobre a norma, os fatos e a
conclusão derivada da subsunção dos fatos à norma.9
A atuação do juiz é visualizada em um esquema de silogismo.
A norma jurídica abstrata constitui a premissa maior, os fatos representam
a premissa menor, e a parte dispositiva seria a conclusão.
8 Cf. Nagib Slaibi Filho, Sentença cível, p. 216 e ss.
9 Segundo Antonio Palermo, “Ora, secondo uma diffusa tendenza della douttrina, la sentenza viene
No entanto, esse silogismo é apenas o retrato lógico do
julgamento, a partir da verificação da sua motivação. A atividade do juiz
revela-se muito mais complexa e compreende momentos que não se
resumem à simples dedução lógica.10
Michele Taruffo averba
“Che la motivazione della sentenza non consista di um sillogismo o di una serie di sillogismi, e che sia priva di forme particolari, non significa che essa equivalga o sai paragonabile ad uma tranche di discorso comune, nella quale il giudice esprime liberamente ed informalmente le ragioni della decisione. Al contrario, la motivazione possiede solitamente un’apparenza di rigore lógico nel passagio dalle premesse di fatto e di diritto alle conclusioni, e nell’articolazione di tale passagio quando esso implica etappe intermedie. Se protrebbe anzi dire che il modello fondamentale, al qual ela maggior parte di giudici si ispira, è quello in cui la decisione appare come um prodotto conseguinete e necessitato dalle premesse e dalle inferenze che ne vengono tratte, ossia come l’única decisione logicamente e giuridicamente valida nel caso di specie”. 11
O ato de inteligência consubstanciado na análise, no exame
das alegações, das provas, enfim das questões de fato e de direito, é
denominado de cognição. 12
10 Cf. Teresa Arruda Alvim Wambier, Controle das decisões judiciais por meio de recurso de estrito
direito e de ação rescisório, p. 100 e ss.
11 “La fisionomia della sentenza in Itália”, La sentenza in Europa, p. 194-195.
12 Cf. Kazuo Watanabe, Da cognição no processo civil, p. 41. Ver da nossa autoria “Ações possessórias:
Para decidir a demanda, o juiz é forçado a efetuar uma
atividade intelectual investigativa e valorativa acerca das questões de fato e
de direito, com o propósito de se manifestar sobre o pedido deduzido na
petição inicial.
No direito brasileiro, em que há a distinção entre
admissibilidade e mérito, o juiz deve examinar três ordens de matéria, a
saber: os pressupostos processuais, as condições da ação e o mérito.13
1.2 - REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE
O CPC de 1973, adotando a teoria eclética de Enrico Tullio
Liebman, impõe a presença de pressupostos processuais e das condições da
ação, para que o mérito da ação possa ser examinado pelo juiz.
Deve-se a Oskar von Büllow o entendimento de que, no
processo judicial, há uma relação jurídica formada pelas partes e o juiz,
distinta da relação jurídica de direito substancial.14
13 Segundo José Carlos Barbosa Moreira, “Na perspectiva da lei brasileira, são dois os planos
preliminares que a cognição judicial tem de atravessar para atingir seu alvo final, o mérito da causa. E pode-se considerar definitivamente incorporada à nossa tradição doutrinária essa distribuição, em três patamares sucessivos, da matéria sujeita ao exame do juiz” (“Sobre os pressupostos processuais”, Temas de direito processual, quarta série, p. 83).
A legislação processual impõe aos atos postulatórios o
preenchimento de requisitos de admissibilidade do julgamento de mérito.
Numa perspectiva instrumental, o legislador impôs o
preenchimento das condições da ação e dos pressupostos processuais como
medida condizente com a economia processual.
Marcelo Navarro Ribeiro Dantas ressalta que a
admissibilidade
“impõe-se como uma espécie de ‘mecanismo de filtragem’, separando, dentre os pedidos que batem às portas do Judiciário, aqueles que se apresentam como possíveis de exame substancial do que podem, de pronto, ser descartados, já por questões respeitantes à existência e validade do processo, apenas, através do qual se desenvolve a ação, já por motivos que prenunciam ser esta mesma insusceptível de levar a uma decisão de fundo sobre o direito invocado”. 15
A matéria afeta à admissibilidade da demanda é uma questão
prévia à de mérito, visto que, no plano lógico, aquela deve ser decidida
antes deste.
É sabido que a questão prévia ao exame do mérito pode ser
preliminar ou prejudicial. Diz-se preliminar a questão prévia que, conforme
a apreciação possibilita ou não a análise da questão posterior. Enquanto
que a prejudicial é uma questão prévia ao exame do mérito que, uma vez
acolhida, condiciona o teor da questão posterior.16
À luz da definição, as condições da ação e os pressupostos
processuais são questões preliminares. De sorte que, constatada a ausência
de requisito de admissibilidade do julgamento de mérito, o juiz deve
extinguir o processo sem exame do mérito.
Por serem requisitos do julgamento de mérito, o CPC, nos
termos do art. 267, § 3º, e 301, § 4º, estabelece que o juiz pode examinar de
ofício, a qualquer tempo, e em qualquer grau de jurisdição, as matérias
afetas às condições da ação e aos pressupostos processuais.
1.3 - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Os pressupostos processuais são requisitos impostos pela lei,
para que a relação jurídica processual exista e se desenvolva validamente.
16 Cf. José Carlos Barbosa Moreira, Questões Prejudiciais e Coisa Julgada, p. 22; Thereza Alvim,
Adotando-se uma das várias classificações, são assim classificados os
pressupostos processuais: de existência, de validade e negativos.17
Os pressupostos processuais de existência são a petição inicial,
a jurisdição, a citação e a capacidade postulatória.
Em conformidade com o princípio da inércia da jurisdição, o
Poder Judiciário somente age após a provocação da parte (CPC, art. 2º),
não podendo, portanto, agir ex officio. Proposta a demanda, vige o princípio
do impulso oficial, devendo o juiz dar andamento ao feito.
A petição inicial deve ser proposta perante a autoridade
judiciária, isto é, o pedido deve ser deduzido perante um órgão judiciário.
A autoridade perante quem é proposta a ação há que estar, pois, investida
na função judicante.
O processo retrata uma relação jurídica formada entre autor,
juiz e réu, isto é, a relação processual é trilateral. A citação vem a ser o ato
de comunicação processual por meio do qual se dá conhecimento acerca da
propositura de uma demanda, oportunizando o direito de defesa (CPC, art.
213). Somente com a citação do réu, é que se forma a relação jurídica
processual.
Equipara-se à inexistência de citação, quando no processo a
referida comunicação é nula, e o réu é revel. Nessa situação, a rigor o réu
não foi instado a participar da relação processual, já que a citação viciada
não atingiu a finalidade para a qual é imposta pela lei.18-19
A capacidade postulatória vem a ser a exigência de o autor
pleitear em juízo por meio de advogado, salvo as exceções legais. O CPC, a
teor do art. 36, estabelece que os atos postulatórios devem ser feitos por
advogado, cuja atuação pressupõe a juntada aos autos do instrumento do
mandato.
O art. 37 do CPC permite que o advogado proponha ação e
realize atos processuais urgentes sem o instrumento do mandato, conquanto
que promova a juntada da procuração no prazo de 15 dias, prorrogável por
igual período mediante despacho do juiz.
18 Cf. Teresa Arruda Alvim Wambier, Nulidades do processo e da sentença, p. 356.
19 “RESCISÓRIA – VÍCIO DE CITAÇÃO NO PROCESSO DE CONHECIMENTO – ART. 741 DO
A urgência do ato processual é comprovada com a afirmação
do advogado, nos termos do art. 5º, § 1º, da Lei nº 8.906/94.20-21 No tocante aos recursos extraordinários, a súmula 115 do STJ firma o entendimento de
que “Na instância especial é inexistente recurso interposto por advogado
sem procuração nos autos”.
Já o parágrafo único do art. 37 do CPC impõe que, não
havendo a ratificação no prazo, os atos processuais consideram-se
inexistentes. A capacidade postulatória não é exigida ao réu como
pressuposto processual de existência, já que, com a citação, em tese se
forma a relação jurídica processual.
À defesa do réu a legislação processual impõe a capacidade
postulatória, isto é, a defesa do réu para ser válida deve ser subscrita por
advogado legalmente habilitado.
Os pressupostos processuais de validade consistem na petição
inicial apta, na citação válida, no juízo competente, no juiz imparcial, na
capacidade processual e na legitimidade processual.
20 Cf. Paulo Luiz Netto Lôbo, Comentários ao Estatuto da Advocacia, p. 39.
21 Contra: “A interposição de recurso não é passível de enquadramento entre os atos reputados urgentes. É
É por meio da petição inicial que o autor insta a máquina do
Poder Judiciário que é inerte (CPC, art. 2º), e leva ao conhecimento do juiz
a pretensão insatisfeita ou resistida, narrando os fatos que conduzem à
conclusão.
Sobreleva a importância da petição inicial, em virtude da
incidência do princípio da congruência entre pedido e sentença, segundo o
qual o juiz deve decidir de acordo com o que foi pleiteado pelo autor, sendo
defeso decidir fora (extra), acima (ultra) ou abaixo do pedido (citra ou
infra), nos termos dos arts. 128 e 460 do CPC.
Prescreve o CPC, no art. 282, que a petição inicial deve conter:
do juízo, a que é dirigida; nomes e qualificação das partes; fatos e
fundamentos jurídicos do pedido; pedido com as suas especificações; valor
da causa; as provas e o requerimento de citação.
A petição inicial deve indiciar o juízo a que é dirigida,
cabendo observar as regras de direito processual sobre competência (CPC,
arts. 86 a 124).
A petição inicial dirigida a juízo incompetente não conduz à
deve remeter os autos ao juízo competente, sendo nulos os
pronunciamentos decisórios, a teor do que estabelece o art. 113, § 2º, do
CPC.
Na petição inicial, deve haver a indicação das partes e da
respectiva qualificação. Compete ao autor noticiar os fatos e fundamentos
do pedido, vale dizer, a demonstração de que os fatos descritos na petição
inicial e os seus respectivos fundamentos jurídicos conduzem à conclusão
pleiteada.
O objeto litigioso do processo, que corresponde ao mérito, é
delimitado pelo pedido formulado na petição inicial, sobre o qual recairá a
sentença (CPC, arts. 128 e 460).
Para Karl H. Schab,
“El litigio gira alrededor del contenido de sentencia solicitado por el actor. La clase de tutela jurídica pedida, su forma, no debe separarse de su contenido. La autorización de la tutela jurídica, dada bajo forma de una sentencia de prestación [condena], declaración o constitución, forma partge de la resolucióne solicitada por el actor. (...) El contenido de sentencia peticionado por el actor determina el alcance del objeto litigioso”.22
A causa de pedir é composta pelos fatos e fundamentos
jurídicos do pedido, e corresponde aos fatos jurídicos em razão dos quais o
autor postula em juízo uma pretensão de direito material.
O CPC adotou a teoria da substanciação, segundo a qual os
fatos e os respectivos fundamentos jurídicos correspondem ao fundamento
jurídico da demanda. A causa de pedir é, pois, composta pelos fatos que
são juridicamente aptos a justificar a conclusão formulada na petição
inicial.23
A causa de pedir é dividida em remota e em próxima. A
primeira diz respeito aos fatos jurídicos, enquanto que a segunda refere-se à
repercussão jurídica dos fatos.24
O autor deduz, na petição inicial, o pedido que é o bem
jurídico da vida solicitado. O pedido, que pode ser imediato (providência
jurisdicional solicitada) e mediato (bem da vida), delimita o objeto litigioso
do processo e corresponde ao mérito.
A toda causa deve ser atribuído um valor que corresponde ao
benefício econômico imediato ou mediato visado pelo autor. Nos casos em
que há critério legal fixado, é lícito ao juiz alterar de ofício o valor da
causa, uma vez que se trata de matéria de ordem pública consubstanciada
em um requisito da petição inicial (pressuposto processual).25-26
No tocante à comprovação dos fatos, o autor deve indicar as
provas com que pretende demonstrar a veracidade dos fatos. Apesar da
regra estatuída no art. 283 do CPC, é lícito ao autor proceder à juntada de
documentos no decorrer do processo.27
A partir da noção de que a relação processual somente se
forma com a citação do ré, o autor deve requerer a referida comunicação
processual. A teor do princípio dispositivo, o ato de requerimento de
citação do réu deve provir do autor, sendo vedado ao juiz agir ex officio.
Constatado que a petição inicial não preenche os requisitos
estabelecidos em lei, e em sendo possível a correção do vício, o CPC, em
seu art. 284, preceitua que o juiz deve oportunizar ao autor emendar a
petição inicial.28 Caso o autor se mantenha inerte, a petição inicial deve ser
25 Cf. Moniz de Aragão, Comentários ao Código de Processo Civil, v. II, p. 355.
26 “Nos casos em que há critério fixado em lei, pode o juiz alterar de ofício o valor da causa” (VI ENTA
66).
27 Cf. Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, Manual do processo de conhecimento, p.
388-389.
28 Em situação análoga, cumpre transcrever a lição de José Carlos Barbosa Moreira: “No sistema do
indeferida, com a conseqüente extinção do processo sem julgamento do
mérito.
À citação – entendida como a comunicação processual feita ao
réu, noticiando a propositura de uma ação e oportunizando o ônus da defesa
– o CPC prescreve a observância de requisitos formais. É, pois, nula a
comunicação processual, quando feita em inobservância das prescrições
legais (CPC, art. 247).
A competência, definida como a medida ou a delimitação da
jurisdição, é o atributo do órgão do Poder Judiciário para exercer parcela da
jurisdição, nos termos da legislação vigente. Na competência interna, o
legislador adotou alguns critérios de repartição da competência, a saber:
valor da causa, matéria, funcional e território.29
A partir do critério de sofrer ou não alterações, a competência
interna classifica-se em absoluta e relativa. A competência absoluta,
insusceptível de prorrogação, é definida pelos critérios material e funcional.
exame do mérito, com base nalgum motivo que poderia ter justificado o indeferimento” (“Decisões não fundamentadas: nulidade. Indeferimento de petição inicial. Condenação em honorários de advogado”, Direito Aplicado II, p. 307).
O Juízo há de ser absolutamente competente, para que a
relação jurídica processual possa validamente se desenvolver. Reconhecida
a incompetência absoluta, os autos devem ser enviados ao juízo
competente, sendo nulos os pronunciamentos decisórios, nos termos do art.
113, § 2º, do CPC.
O juiz há de ser imparcial, não devendo subsistir qualquer
motivo de ordem objetiva descrito no art. 134 do CPC.
Detém capacidade processual aquele que está no exercício dos
seus direitos. O CPC incorporou os critérios adotados na legislação civil, de
sorte que todos aqueles que estejam no exercício dos seus direitos detêm a
capacidade processual.
Já a legitimação processual é a manifestação da capacidade de
exercício no plano do direito processual. Os absoluta e relativamente
incapazes podem ser parte, mas são impedidos de praticar atos processuais.
Os pressupostos processuais negativos são a coisa julgada, a
A litispendência resta configurada, quando estão pendentes
ações idênticas (identidade de partes, causa de pedir e pedido).
A coisa julgada material vem a ser a qualidade que se agrega à
parte dispositiva da sentença que a torna imutável e imodificável. Assim,
proposta uma ação, cujos elementos coincidem com uma outra já trânsita
em julgado, mostra-se que a legislação processual impede a prolação de
sentença de mérito.
A cláusula compromissória vem a ser um ajuste feito pelas
partes no corpo de um contrato, com o propósito de submeter o eventual
litígio dele decorrente a um árbitro (ver Lei nº 9.306/97).
1.4 - CONDIÇÕES DA AÇÃO
O CPC de 1973 adotou a teoria eclética formulada por
Liebman, segundo a qual o direito de ação é autônomo, distinto do direito
material. Porém, vislumbrou-o como direito ao processo e ao julgamento
do mérito.
O direito de suscitar a prestação jurisdicional é reconhecido a
todos. Contudo, faz-se necessário configurar o titular do direito, bem como
O processo, à luz da doutrina de Liebman, é dividido em três
etapas ou “círculos concêntricos”: os pressupostos processuais, as
condições da ação e o mérito da causa.30
Deverá o autor preencher determinadas condições para que
haja direito de ação, quais sejam: legitimidade ad causam, interesse de agir
e possibilidade jurídica do pedido.31
A legitimidade ad causam é a atribuição, pela lei ou pelo
sistema, do direito de ação ao autor, possível titular ativo de uma dada
relação ou situação jurídica, bem como a sujeição do réu aos efeitos da
providência solicitada.
Para não se confundir com a relação de direito material, deve a
legitimidade ad causam ser auferida a partir da simples narração dos fatos
constante na peça vestibular, independentemente de qualquer investigação
probatória.32
A legitimidade ad causam corresponde à coincidência entre a
situação jurídica de uma pessoa e a situação legitimante prevista na lei para
30 Cf. Rodrigo da Cunha Lima Freire, Condições da ação, p. 75 e ss.
31 O doutrinador, nas edições 3ª e 4ª do seu Manual de Direito Processual Civil, suprimiu a possibilidade
jurídica do pedido como uma das condições da ação.
32
a posição processual.33 Aquele que afirma ser titular do direito material tem legitimidade para discuti-lo em juízo.34
Quer-se com isto dizer que a legitimação ad causam é apenas a
titularidade meramente afirmada do direito subjetivo – relação ou estado
jurídico – cuja existência ou inexistência se pretende tutelar no processo,
abstraindo-se, portanto, da efetiva existência ou inexistência desse mesmo
direito.35
O interesse de agir é o elemento material do direito de ação e
consiste no binômio necessidade-utilidade do provimento jurisdicional
solicitado.36
A necessidade consiste na obtenção, através do processo, de
proteção do interesse substancial. A utilidade é a relação de adequação
entre a afirmada lesão de um direito e o provimento jurisdicional
solicitado.37
33 Cf. José Carlos Barbosa Moreira, “Apontamentos para um estudo sistemático da legitimação
extraordinária”, in Direito Processual Civil (Ensaios e Pareceres), p. 59.
34 Cf. Nelson Nery Junior, “Condições da ação”, RePro n. 64, p. 35.
35 “Legitimação para a causa – Mérito. Afirmando o autor ser titular de uma relação jurídica, de que
sujeito passivo o réu, a decisão que o negue, recusando sua pretensão, terá decidido a lide, julgado o mérito. Nada importa, para isso, que se considere outro o devedor. Releva, para o processo, unicamente a lide a ele trazida. Admissibilidade, em tese, da rescisória, nada obstando tenha-se dado pela carência de ação, quando o julgamento foi de mérito” (STJ-3ª Turma, REsp 21.544-8-MG, rel. Min. Eduardo Ribeiro, RSTJ 4/263).
36 Cf. José Carlos Barbosa Moreira, “Ação declaratória e interesse”, Direito Processual Civil (ensaios e
pareceres). Rio de Janeiro: Borsoi, 1971, p. 17.
A exemplo do que ocorre com a legitimidade ad causam, o
magistrado controla o interesse de agir do autor a partir da análise dos fatos
constantes na peça vestibular, independentemente de investigação
probatória.38
Por possibilidade jurídica do pedido entende-se a
previsibilidade, em abstrato, do pedido. A pretensão há de ser admitida,
explícita ou implicitamente, pela ordem jurídica, ou seja, o pedido somente
será impossível, quando houver vedação explícita na ordem legal.
A apreciação desta condição – ao contrário das demais –
envolve matéria de mérito, pois, ocorre, inequivocamente, pronunciamento
acerca do pleito.39-40
A principal crítica apontada à teoria eclética de Liebman é a
de que as condições da ação não passam de aspectos da relação de direito
material.
38“Interesse processual – Condição da ação reveladora pela utilidade e necessidade do processo, a serem
analisadas em face da exposição fática trazida pela parte – Irrelevância do nome dado a ação – Carência da ação afastada” (TAPR-4º Grupo de C. Cíveis, EI 30680701, rel. Juiz Rotoli de Macedo, deram provimento, v.u., DJ 06.05.94).
39 Cf. J. J. Calmon de Passos, “Em torno das condições da ação – A possibilidade jurídica”, Revista de
Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 1961, v. 4, p. 63.
40 “Processo – Extinção – Carência de ação – Impossibilidade jurídica do pedido – Equiparação a
Há a alegação de que, se for adotada a ação como um direito a
uma sentença de mérito, como defende Liebman, reconhecer-se-á que não
cabe o exame das condições da ação senão na relação de mérito, para só
então concluir-se se a sentença deve ou não ser favorável.41
É de bom alvitre consignar que o próprio Liebman não
desconhece a relação entre as condições da ação e o direito material.
Assenta o processualista italiano que a ação tem por garantia constitucional
o genérico poder de agir, mas que em si mesma nada tem de genérico: ao
contrário, guarda relação com uma situação concreta, decorrente de uma
alegada lesão a direito ou a interesse jurídico do seu titular.42
O exame da legitimidade ad causam e do interesse de agir não
induz ao exame do mérito, porquanto inocorre pronunciamento acerca do
pedido com base no acervo probatório.
A aferição é, pois, estritamente superficial, tendo como
parâmetro a mera afirmação, que é tida como verdadeira (juízo meramente
hipotético). Ao contrário, pois, da impossibilidade jurídica do pedido ante o
pronunciamento acerca do pedido.
O conteúdo objeto do exame cinge-se, portanto, ao direito
substancial meramente afirmado, independentemente da sua efetiva
ocorrência, constituindo em técnica destinada a abortar, logo no início do
processo, o exame da relação material em atenção ao princípio da economia
processual.
O decreto de carência do direito de ação somente ocorrerá
quando, inequivocamente, estiver ausente a legitimidade ad causam ou
interesse de agir; ou seja, se houver dúvida, deve o magistrado passar à
análise do mérito.
A aferição efetiva e real das chamadas condições da ação
implica o exame de pontos que se encontram no âmbito da relação de
direito material posta à apreciação do juiz e, por via de conseqüência, ao
julgamento do pedido, que se consubstancia no mérito.43
É inegável a importância do direito de ação, autônomo e
desvinculado do direito substancial, para o surgimento e embasamento do
direito processual enquanto ciência, máxime diante da constatação de uma
43 “É de improcedência da ação possessória, e não de carência, a sentença que, após saneamento, tomada
relação jurídica de direito público travada em face do Estado, distinta do
direito substancial.
Oskar von Bülow, autor de obra que é o verdadeiro marco do
direito processual, declara que
“el tribunal no sólo debe decidir sobre la existencia de la pretensión jurídica en pleito, sino que, para poder hacerlo, también debe cercio rarse si concurren las condiciones de existencia del proceso mismo”.44
O extraordinário avanço científico do direito processual nas
últimas décadas não teve o condão de aniquilar ou, ao menos, elidir a
insatisfação com a não efetividade do processo; pelo contrário,
proporcionou a desconfiguração do processo enquanto instrumento
concebido à realização do direito substancial, em face da exacerbação do
formalismo da técnica processual.
A supremacia do processo sobre o direito substancial, em
última análise a supremacia da forma sobre a substância, fez com que os
doutrinadores defendessem a ligação do processo com o direito material em
prol da efetividade.
A influência do direito substancial sobre o direito processual é
efeito lógico do caráter instrumental do direito processual, pois, tratando-se
de ciência instrumental, não é possível concebê-la sem a perfeita
identificação dos problemas existentes na sua área de atuação.
O excesso de formalismo e a utilização da técnica processual -
como se constituíssem fim em si mesmos - constituem um mal, pois
desconsideram o objeto na construção do instrumento.
Na lição de Proto Pisani,
“la tutela giurisdizionale non è una forma astratta, indifferente alle caratteristiche della situaziones sostanziales bisogna de tutela, ma all’opposto è un quid di estremamente concreto che si modella – spesso in modo estremamente articolato – sulle particolarità e sulle esigenze di tutela della situaziones sostanziale dedotta in giudizio”. 45
Nessa ordem de idéias, abandonou-se o entendimento de que o
direito de ação significa apenas direito à sentença de mérito, pois essa
concepção não mais se coaduna com as novas realidades, as quais exigem
do Estado tutela efetiva das situações conflitivas concretas, nos termos do
inc. XXXV do art. 5º da Constituição Federal.46
45 “Tutela giurisdizionale differenziata e nuovo processo del lavoro”, Studi di diritto processuale del
lavoro, p. 101-102.
O direito de ação implica, pois, o dever do Estado em dar a
quem tem direito tudo aquilo e precisamente aquilo a que tem direito, de
forma eficaz e temporalmente adequada.47
O preceito constitucional da inafastabilidade da jurisdição (art.
5º, inc. XXXV) não exprime, somente, a idéia de acesso formal ao Poder
Judiciário, mas, sim, do acesso à ordem jurídica justa e efetiva, conquanto a
efetividade do processo constitui condição sine qua non para a garantia real
e concreta de qualquer interesse individual ou coletivo assegurado pelo
ordenamento jurídico, vinculando o operador do direito em geral, e
obrigando-o à leitura das normas infraconstitucionais, à luz do citado
princípio constitucional.
1.5 - MÉRITO
Na petição inicial, o autor traz ao conhecimento do Poder
Judiciário uma situação de direito substancial – geralmente um conflito de
interesses -, e postula uma providência jurisdicional, mediante a aplicação
do direito à espécie.
47 Rogério Lauria Tucci e José Rogério Cruz e Tucci, Devido processo legal e tutela jurisdicional, p.
Em conformidade com os princípios dispositivo e da
congruência (CPC, arts. 2º, 128 e 460), a sentença judicial é emitida,
obedecendo aos limites e aos parâmetros postos na petição inicial.
Os três elementos da ação servem como limites ao
pronunciamento decisório pelo qual o juiz põe fim ao procedimento de
primeiro grau de jurisdição, uma vez que identificam a sua natureza
(cautelar, execução e conhecimento), delimitam o objeto (pedido) e os
fundamentos de fato e jurídicos (causa de pedir remota e próxima), e
indicam o alcance subjetivo almejado (partes).
Mérito no processo civil vem a ser o pedido, isto é, a pretensão
deduzida pela parte na petição inicial. O objeto litigioso do processo, que
coincide com o mérito, corresponde ao pedido formulado na petição inicial,
sobre o qual recairá a sentença.48
Ultrapassada a fase de admissibilidade do processo, o juiz
deve emitir pronunciamento decisório sobre o mérito, acolhendo ou
rejeitando o pedido formulado pelo autor.
48 cf. Cândido Rangel Dinamarco, “O conceito de mérito em processo civil”, Fundamentos do processo
O mérito da ação é fixado pelo autor na petição inicial, no
instante em que formulada a pretensão. Na petição inicial, o autor deve
noticiar ao juiz os fatos em razão dos quais se impõe a conclusão pleiteada,
ou seja, é necessário que se opere uma relação de causa e efeito entre os
fatos e a pretensão.49
Na contestação, compete ao réu impugnar, especificamente, os
fatos e a pretensão deduzida na petição inicial, fixando os pontos
controvertidos, ou aduzindo fatos novos, extintivos, impeditivos ou
modificativos do direito do autor. Não há, portanto, uma ampliação do
objeto litigioso.50
Nesse contexto, o objeto litigioso é delimitado pelo autor, ao
formular o pedido na petição inicial. De outro lado, o réu fixa os pontos
controvertidos, suscita questões de fato e de direito, mas não aumenta o
objeto litigioso, salvo se formular pedido por meio da reconvenção ou de
ação declaratória incidental.51
49 Cf. Cândido Rangel Dinamarco, “Causa de pedir e ônus de afirmar”, Fundamentos do processo civil
moderno, tomo II, p. 933.
50 Cf. Kazuo Watanabe, Da cognição no processo civil, p. 81.
Ponto, no direito processual civil, vem a ser alegação do
fundamento de fato ou de direito suscitado pela parte que, existindo
controvérsia, surge a questão.52
No decorrer da relação jurídica processual, o juiz deve
examinar os pontos relevantes suscitados pelas partes e resolver as questões
de fato e de direito.
Na formação da sentença, o juiz terá que efetuar o exame dos
fatos e do direito, a fim de que, subsumindo os fatos à norma jurídica,
extraia a conclusão.53
Elio Fazallari afirma que
“nel processo di cognizione si svolgono attività dirette ad allegare fatti, a raccogliere le relative prove, a inquadrare i fatti nelle norme sostaziali, cosicché il giudice possa conoscere qual è, nel caso concreto, la situazione sostanziale: citoè rendersi conto se sussista la fattispecie da cui la norma fa sorgere um obbligo e il corrispondente diritto soggettivo; se questo obblito è stato violato e il diritto è rimasto insoddisfatto. In base alla convinzione cosi formata, il giudice civile saprà se deve
52 Cf. Francesco Carnelluti, Instituições do Processo Civil, vol. 1, p. 86.
53 Segundo Enrico Tullio Liebman, “Ridotta alla sua struttura elementare, la decisione del giudice consta
emettere la sentenza di accoglimento della domanda (e, quindi, di condanna, o di accertamento, o costitutiva), oppure rifiutarla (sentenza di rigetto)”.54
A despeito de distribuir o ônus da prova, o CPC, em seu art.
130, confere ao juiz amplos poderes instrutórios, devendo participar
ativamente do conjunto probatório, a fim de efetuar, nos limites da lide, a
justa aplicação do direito.55
José Carlos Barbosa Moreira ressalta que
“Em matéria de instrução, prevalece igualmente nas leis contemporâneas a tendência a confiar papel ativo ao juiz, deferindo-lhe ampla iniciativa na verificação dos fatos relevantes para a solução do litígio, tal como submetido a sua cognição, isto é, nos limites do pedido e da causa de pedir. Nada mais natural: é intuitivo, em linha de princípio, que um bom julgamento descansa na correta aplicação da norma a fatos reconstituídos com a maior exatidão possível; e julgar bem é preocupação que não pode ser estranha ao órgão judicial. Nessa perspectiva, ao contrário do que insinuam certas fórmulas tradicionais, recusar-lhe a possibilidade de comprovar espontaneamente os fatos parece tão pouco razoável, afinal de
54 Istituzioni di diritto processuale, p. 121.
55 “Recurso Especial. Processual Civil. Prova. Produção. Iniciativa. Princípio dispositivo. Igualdade das
partes. Ordem de oitiva das testemunhas. Admite-se no processo moderno a iniciativa probatória do juiz, pois
contas, quanto negar-lhe a de procurar por si mesmo a norma aplicável: o conhecimento daqueles não lhe é menos necessário que o desta para cumprir sua função essencial de modo satisfatório”. 56
Na sentença, o juiz é compelido a apreciar os pontos
suscitados pelas partes e a decidir sobre todas as questões surgidas no
processo, devendo a conclusão recair sobre o objeto litigioso.
1.6 - SENTENÇAS PROCESSUAIS
Constatada a ausência de algum requisito do julgamento de
mérito da demanda – condições da ação e pressupostos processuais -, a
sentença coloca fim ao procedimento de primeiro grau de jurisdição sem
julgamento do mérito.
As sentenças processuais têm o condão de propiciar coisa
julgada formal, não impedindo que, com a correção do defeito processual,
o conflito possa ser novamente examinado pelo Poder Judiciário.
56 “Os poderes do juiz na direção e na instrução do processo”, Temas de direito processual, Quarta Série,
Entretanto, as hipóteses de sentenças processuais não se
resumem à ausência das condições da ação ou dos pressupostos
processuais. Há, ainda, outros motivos que conduzem à extinção do feito
sem exame do mérito.
Estão previstas no art. 267 do CPC as hipóteses em que o juiz
deve emitir sentença pondo fim ao procedimento sem exame do mérito.
Vejamos os incisos do art. 267 do CPC.
De acordo com o inc. I, o processo deve ser extinto sem
julgamento do mérito, quando o juiz indeferir a petição inicial. Trata-se de
vício que afeta um dos pressupostos processuais de validade (petição inicial
apta) e impede a formação válida da relação jurídica processual.
Deferida a petição inicial, nada obsta a que o juiz possa
extinguir o feito sem julgamento do mérito, uma vez que inocorre
preclusão quanto ao exame das matérias afetas à admissibilidade da
demanda (CPC, arts. 267, § 3º, e 301, § 4º), isto é, em relação às matérias
de ordem pública não há preclusão pro judicato.57
57 “A circunstância de não ter o juiz indeferido liminarmente a inicial não o impede de extinguir
Preceitua o art. 295 do CPC que a petição inicial deve ser
indeferida, na hipótese de: inépcia (falta de pedido ou causa de pedir,
inexistência de relação de causa e efeito entre os fatos e o pedido, pedido
juridicamente impossível e pedidos incompatíveis); ausência de condições
da ação (ilegitimidade de parte e ausência de interesse processual);
inadequação do procedimento; e falta de requisitos formais (arts. 39, par.
único, e 284).
Registre-se que é de mérito a sentença que indefere a petição
inicial, em virtude da configuração de decadência ou prescrição.58
O inc. II prescreve que deve ser extinto sem julgamento do
mérito o processo que, em virtude da contumácia das partes, permanecer
sem andamento durante mais de 1 ano. A paralisação do processo por tal
período tem que advir da inércia das partes, para que possa o feito ser
extinto sem exame do mérito.
É lícito ao juiz de ofício extinguir o feito sem julgamento de
mérito na hipótese do inc. II do art. 267 do CPC, ressalvada a providência
58 “Quando o juiz indefere a petição inicial por motivo de decadência ou prescrição, há encerramento do
de intimação pessoal da parte para suprir a omissão (§ 1º do citado preceito
legal).59
O inc. III dispõe que, havendo abandono da causa pelo autor
por mais de 30 dias, o processo deve ser extinto sem julgamento do mérito,
se o juiz for instado a se pronunciar pelo réu, nos termos da súmula 240 do
STJ: “A extinção do processo, por abandono da causa pelo autor, depende
de requerimento do réu”.60
Estabelece o CPC, no art. 267, § 1º, que somente haverá a
extinção do processo sem julgamento do mérito pelos motivos descritos
nos incs. II e III, se a parte, instada a se pronunciar por meio de intimação
pessoal, permanecer inerte.
59 “A extinção do processo, sem julgamento do mérito, poderá ser decretada de ofício, na hipótese do item
II do art. 267” (SIMP-concl. XIV, RT 482/271); “Execução. Extinção do processo com base no art. 267, II e III, do Código de Processo Civil. Súmula nº 240 da Corte. 1. Extinto o processo também com fundamento no inciso II do art. 267 do Código de Processo Civil, não se aplica a Súmula nº 240 da Corte, que alcança, apenas, a extinção por abandono da causa pelo autor, objeto do inciso III do mesmo artigo. 2. Recurso especial não conhecido” (STJ-3ª Turma, REsp 554.773-MG, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 04.05.2004, v.u., DJ 21.06.2004, p. 218).
60 “PROCESSUAL CIVIL. EXTINÇÃO DO PROCESSO POR ABANDONO (ART. 267, III, § 1º,
Os incs. IV, V e VII estabelecem que, ausente algum dos
pressupostos de existência, validade ou negativo, o processo deve ser
extinto sem julgamento do mérito. Inclui também a perempção, que vem a
ser a perda do direito de ação pela desídia do autor que deu motivo por 3
vezes à extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 268 do CPC).
O inc. VI prescreve que, ausente alguma das condições da
ação (legitimidade para a causa, interesse de agir e possibilidade jurídica do
pedido), o processo deve ser extinto sem julgamento do mérito.
O inc. VIII dispõe que, em o autor requerendo a desistência da
ação, o processo deve ser extinto sem análise do mérito. Pelo princípio do
contraditório, impende destacar que, após a citação, o réu tem que anuir ao
pedido de desistência formulado pelo autor, para que o feito seja extinto
sem análise do mérito. A impugnação do réu quanto ao pedido de
desistência tem que ser motivada, não obstando a extinção a negativa
genérica.
O inc. IX estipula que, quando o direito de ação for
intransmissível, o feito deve ser extinto sem exame do mérito. A rigor, a
material discutido em processo judicial for intransmissível por disposição
legal.
O inc. X prescreve que, ocorrendo confusão entre autor e réu,
o processo deve ser extinto sem julgamento do mérito. Nos termos do art.
1.049 do CC, extingue-se a obrigação quando se confundem na mesma
pessoa as qualidades de credor e devedor.
1.7 - SENTENÇAS DE MÉRITO
Presentes os requisitos de admissibilidade do processo –
condições da ação e pressupostos processuais -, o juiz passa a examinar o
mérito, isto é, deverá prestar a tutela jurisdicional nos limites da demanda
(CPC, arts. 2º, 128 e 460).
No processo civil, mérito vem a ser o pedido formulado na
demanda, de sorte que a sentença de mérito aprecia o objeto litigioso da
Por isso é, a rigor, de mérito a sentença que, a despeito de se
pronunciar sobre o pedido, põe fim ao feito sem julgamento de mérito.61
A sentença de mérito, ao contrário da processual, tem o
condão de formar coisa julgada material, de sorte que o comando ou parte
dispositivo do referido pronunciamento decisório torna-se, em regra,
imutável e imodificável.
Nos incisos do art. 269, o CPC enumera as hipóteses em que a
sentença extingue o processo com o exame do mérito.
O inc. I estabelece que é de mérito a sentença que acolhe ou
rejeita o pedido formulado na demanda. Nesta hipótese, o juiz analisa o
mérito, julgando procedente ou improcedente o pedido, nos limites da
demanda e da contestação.
O inc. II prescreve que, havendo o reconhecimento jurídico do
pedido pelo réu, a sentença põe fim ao processo com julgamento de mérito.
O reconhecimento jurídico do pedido consiste num ato processual praticado
pelo réu que admite, total ou parcialmente, a procedência do pedido
61 “Para verificar se houve exame do mérito, há que pesquisar se a pretensão formulada foi decidida. Isso
formulado na demanda, e recai sobre o direito – in casu, disponível -, ao
contrário do que ocorre com a confissão que vem a ser admissão da
veracidade de um fato que lhe é desfavorável.
O inc. III dispõe que a transação vem a ser uma das
modalidades de extinção das obrigações, pela qual as partes em concessões
recíprocas põem fim ao litígio. A exemplo do que ocorre com o
reconhecimento jurídico do pedido, a transação pressupõe direitos
disponíveis, isto é, somente os direitos passíveis de renúncia é que podem
ser objeto de transação. A transação pode ser firmada judicial ou
extrajudicialmente e produz efeitos imediatos (CPC, art. 158), sendo a
coisa julgada material condicionada à sua homologação.
O inc. IV prescreve que, em havendo declaração de prescrição
ou decadência, a sentença examina o mérito da demanda. A rigor, como é
sabido, a prescrição e a decadência são questões prévias da espécie
prejudicial ao mérito. Nada obstante, o legislador brasileiro optou por
equiparar a pronunciamento de mérito a declaração de prescrição ou
Por fim, o inc. V reza que é de mérito a sentença, na hipótese
de o autor renunciar ao direito material em que se funda a ação. Trata-se de
ato jurídico, pelo qual o autor abre mão de direitos disponíveis.
1.8 - ELEMENTOS
O CPC, no art. 458, estabelece os elementos que devem estar
presentes nas sentenças judiciais. Vale dizer, a lei dispôs sobre as partes
componentes e essenciais da sentença, para que sejam produzidos os efeitos
jurídicos.62
Faltante um dos elementos, a rigor o ato processual inexistirá,
já que a ausência de um requisito essencial implica inexistir parte da
própria essência.63
Por ser a sentença o ato culminante do processo, pelo qual o
juiz define, por meio da aplicação da lei ao caso concreto, a norma jurídica
individual que efetua a justa composição do conflito, o legislador houve
62 Giuseppe Tarzia assinala que “In quest’ordine di idee si è perspicuamente osservato che regolare la
forma de in atto vuol dire indicarne i caratteri giuridicamente rilevanti, nel senso che solo in quanto il singolo atto li possieda, lo effeto giuridico se ne produca, e che, pertanto, la determinazione dell’effetto giuridico avuto di mira non può mai mancare” (Profili della sentenza civile impugnabilie, p. 17).
63 Cf. Arruda Alvim, “Sentença no processo civil – as diversas formas de terminação do processo em
por bem inserir elementos essenciais, sem os quais o pronunciamento
padece de grave vício.
Impôs o legislador que a sentença conterá o relatório, a
motivação ou fundamentação e o dispositivo.
O relatório vem a ser o resumo dos atos processuais praticados
no processo, com a exposição dos fatos, dos fundamentos jurídicos da
demanda, do pedido, dos fatos e dos fundamentos de defesa. No relatório, o
juiz efetua a exposição da história relevante do processo e o registro dos
atos processuais nele praticados.
Feito o relatório, no qual não há emissão de juízo de valor, o
juiz passa a expor a fundamentação ou motivação da sentença, examinando
as alegações de fato e de direito, os pontos controvertidos, as questões
prévias e aquelas propriamente de mérito.
Pela Constituição Federal de 1988 (art. 93, inc. IX), a
motivação foi erigida em princípio constitucional, em razão do qual os
pronunciamentos decisórios emanados do Poder Judiciário devem ser
Esta regra posta na Constituição Federal implica que todas as
decisões judiciais devem ser explícitas e motivadas. Inexiste, no direito
brasileiro, decisão implícita.64
Motivar significa expor as razões de fato e de direito que
convenceram o juiz a proferir o pronunciamento decisório, devendo ter
implicação substancial acerca dos fatos, dos fundamentos e dos
requerimentos postos na demanda e na defesa.65
A cognição do juiz recai sobre os fatos, as provas produzidas
em juízo e os fundamentos jurídicos suscitados pelas partes.
Elio Fazzalari assenta que
“Il giudice deve, innanzitutto, ricostruire la situazione di fatto (che struttura la situazione giuridica sostanziale, oggetto di questione) in base alle allegazioni ed alle prove. Questa parte del giudizio si suole indicare – l’abbiamo rilevato – como giudizio di fatto: essa mette capo allá affermazione o negazione, da parte del giudice, della esistenza dei fatti rilevanti nella specie, i quali si possono chiamare, perciò, fatti principali... Il giudizio di diritto, cioè la valutazione dei fatti in base alle norme sostanziali, è l’ulteriore addendo del giudizio”.66
64 Cf. João Batista Lopes, “Breves considerações sobre o instituto da preclusão”, RePro, n. 23, p. 53. 65 Cf. José Carlos Barbosa Moreira, “A motivação das decisões judiciais como garantia inerente ao Estado
de Direito”, Temas de direito processual civil, segunda série, p. 86-87.
A motivação do pronunciamento decisório envolve uma
operação complexa, em que o juiz exerce esforço intelectual na análise e na
valorização da verdade jurídica que emana das provas produzidas em juízo,
para, em seguida, efetuar a justa aplicação da norma jurídica.67
É assente, no direito brasileiro, que os atos postulatórios
podem exigir do juiz a análise da admissibilidade e do mérito.
As condições da ação e dos pressupostos processuais
consistem em matéria prévia da espécie preliminar ao exame do mérito,
isto é, o juiz somente analisa o mérito, desde que estejam presentes os
mencionados requisitos de admissibilidade. Ausente um dos requisitos, o
juiz sequer passa ao exame do mérito.
Assim, antes de analisar o mérito, o juiz, independentemente
de manifestação das partes, deve examinar se estão presentes as condições
da ação e dos pressupostos processuais (CPC, arts. 267, §3º, e 301, §4º).
67 Segundo José Augusto Delgado, “A atividade desenvolvida pelos Juízes de entregar a prestação
Há, ainda, as matérias prévias da espécie prejudicial que, se
acolhida, tem o condão de condicionar o conteúdo do mérito. Os exemplos
típicos de matéria prejudicial são a prescrição e a decadência, as quais, se
acatadas, têm o condão de condicionar o mérito da demanda.
Ultrapassada a admissibilidade da demanda, passa o juiz a
examinar os fatos e fundamentos jurídicos suscitados pelas partes na
petição inicial e na contestação.
O exame dos fatos e dos fundamentos jurídicos suscitados
pelas partes e a resolução das questões de mérito se situam nos
fundamentos ou motivos da decisão.68
68 A palavra questão é utilizada como sinônimo de ponto controvertido, isto é, é a matéria a respeito da