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DESENVOLVENDO O SENTIDO DA MULTIPLICAÇÃO E DIVISÃO DE NÚMEROS RACIONAIS. Resumo

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Desenvolvendo o sentido da multiplicação e divisão … H. Pinto

DESENVOLVENDO O SENTIDO DA MULTIPLICAÇÃO E DIVISÃO

DE NÚMEROS RACIONAIS

Hélia Pinto

Instituto Politécnico de Leiria - ESE e Ciências Sociais

hpinto@esel.ipleiria.pt

Resumo

Este artigo apresenta o excerto de uma trajectória de aprendizagem realizada por uma aluna no âmbito de uma investigação, que teve como objectivo estudar o desenvolvimento do sentido da multiplicação e divisão de números racionais não negativos1. O estudo decorreu da implementação de uma unidade de ensino, a uma turma do 6.º ano de escolaridade, que integrava a referida aluna. Esta foi um de três casos estudados, por ter apresentado fraco desempenho na resolução de pré-testes, que tiveram como objectivo avaliar o desenvolvimento do raciocínio multiplicativo e consequente sentido das operações de multiplicação e divisão, dos alunos da turma. Após um enquadramento do referido caso, surge uma análise das estratégias e procedimentos adoptados pela aluna e das dificuldades sentidas, antes e durante a resolução de tarefas de multiplicação de números racionais, em contexto de isomorfismo de medidas. A referida análise, evidencia o processo de matematização da Lúcia, ou seja, a aprendizagem progressiva do referido conceito de

multiplicação de números racionais.

1.

Introdução

De acordo com Lamon (2007), os números racionais são um dos temas do currículo escolar que “requer mais tempo para o seu desenvolvimento, o mais difícil de ensinar, o mais matematicamente complexo, o mais cognitivamente desafiador, o mais importante para o sucesso em Matemática e Ciências e um dos assuntos a carecer de mais investigação” (p. 629). Também Streefland (1991) e Behr, Lesh, Post e Silver (1983) consideram este assunto como o mais importante do currículo elementar porque promove o desenvolvimento das estruturas cognitivas que são cruciais à aprendizagem matemática futura. Dada esta importância, Lamon (2007) reivindica mais investigação nesta área, salientando que há mais de uma década que pouco se tem progredido na descoberta da complexidade do ensino e da aprendizagem deste tema.

Em Portugal, a investigação que tem sido feita no âmbito do ensino e aprendizagem dos números racionais e suas operações, é escassa e recente. Assim, são necessárias mais investigações que permitam perceber como se pode desenvolver o sentido do número racional, bem como o sentido das operações com números racionais. Importa continuar a desenvolver abordagens de ensino/aprendizagem que conduzam os alunos a uma interiorização significativa dos algoritmos, tentando perceber o seu percurso no âmbito dessas abordagens, nomeadamente, de como desenvolvem e usam os conceitos de multiplicação e divisão.

(2)

Desenvolvendo o sentido da multiplicação e divisão … H. Pinto 2 Consequentemente, e com o propósito de perceber como se pode desenvolver o sentido da multiplicação e divisão de números racionais em alunos do 6.º ano de escolaridade, realizou-se um estudo, decorrente da implementação de uma unidade de ensino. Assim, considerou-se pertinente fundamentar a referida unidade, nos princípios básicos da Educação Matemática Realista e Teoria dos Campos Conceptuais, principalmente, no que concerne ao desenvolvimento das estruturas multiplicativas. Foram ainda tidas em conta, componentes consideradas essenciais num ensino/aprendizagem significativos das referidas operações. Neste contexto, estudaram-se as trajectórias de aprendizagem de três alunos, com o objectivo de identificar e analisar o processo de desenvolvimento e uso significativo dos conceitos multiplicação e divisão de números racionais, realizado por cada um dos alunos. Concretamente, procurou-se identificar e analisar as estratégias e procedimentos adoptados pelos alunos e dificuldades sentidas, na resolução de tarefas de multiplicação e divisão de números racionais, em contextos significativos, durante, após e seis meses depois da realização de uma unidade de ensino envolvendo estes conceitos. Naturalmente, identificaram-se potencialidades e limitações da referida unidade de ensino ao longo da sua implementação.

Neste artigo é apresentado um excerto da trajectória de aprendizagem de uma das alunas seleccionadas para o referido estudo, a Lúcia, que apresentou fraco desempenho na realização de pré-testes. É uma análise ao desempenho apresentado pela aluna antes e depois da resolução de tarefas de multiplicação de números racionais, em contexto de isomorfismo de medidas. São ainda tecidas algumas considerações finais sobre o processo de matematização da Lúcia, ou seja, o progresso apresentado pela aluna durante a aprendizagem da referida operação (Freudenthal, 1973, 1991; Treffers, 1991). Antes, é feito um enquadramento do referido caso.

2.

Estruturas multiplicativas

A análise do processo de desenvolvimento e uso significativo dos conceitos da multiplicação e divisão de números racionais, realizado por cada um dos alunos, fundamentou-se na Teoria dos Campos Conceptuais de Vergnaud (1983, 1988, 1996), mais especificamente, no que concerne ao Campo Conceptual das Estruturas Multiplicativas.

Segundo Vergnaud (1996), “uma abordagem psicológica e didáctica da formação dos conceitos matemáticos conduz-nos a considerar o conceito como um conjunto de invariantes utilizáveis na acção” (p. 166), requerendo a sua formação um conjunto de situações que lhe dão sentido e um conjunto de esquemas postos em acção pelos alunos nessas situações. Assim, considera que o estudo do desenvolvimento e uso de um conceito deve ser visto pelos investigadores como um conjunto de três elementos: C = (S, I, δ), onde: S representa o

conjunto de situações que tornam o conceito significativo (constituem o referente do

conceito); I representa o conjunto de invariantes operacionais (conceitos-em-acção, teoremas-em-acção e argumentos), conhecimentos contidos nos esquemas e desenvolvidos para tratar as situações, contribuindo para a sua operacionalização (constituem o significado do conceito); e δ representa o conjunto de representações simbólicas, pertencentes ou não à linguagem (por exemplo, linguagem, gráficos, diagramas, sentenças formais) que permitem representar simbolicamente os invariantes e consequentemente as situações e os procedimentos para lidar com elas (constituem o significante do conceito). Para Vergnaud (1988) “em termos psicológicos, S é a realidade e (I, δ) a representação dessa realidade. A representação pode ser considerada como dois aspectos de interacção do pensamento, o significado (I) e o significante (δ)” (p. 141).

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Desenvolvendo o sentido da multiplicação e divisão … H. Pinto 3 Segundo o autor, os conceitos-em-acção são funções proposicionais, susceptíveis de serem relevantes ou irrelevantes e indispensáveis à construção das proposições. São conceitos raramente explicitados pelos alunos, embora construídos por eles na acção. Os teoremas-em- -acção são proposições, susceptíveis de ser verdadeiras ou falsas, sendo na sua maioria implícitas. São as relações matemáticas tidas em conta pelos alunos, quando escolhem uma operação, ou sequência de operações, para resolverem uma situação. E, os argumentos em Matemática podem ser objectos materiais, personagens, números, relações e mesmo proposições.

O campo conceptual das estruturas multiplicativas é, segundo Vergnaud (1983, 1988), o conjunto de situações que envolve uma multiplicação, uma divisão, ou a combinação destas operações, sendo gerado por diferentes casos de proporção simples e de proporção múltipla que podem ser combinados de diferentes formas. Para o autor, a relação de multiplicação não constitui uma relação binária, mas quaternária que conduz a três classes de estruturas diferentes, no conjunto de situações das estruturas multiplicativas: (i) isomorfismo de medidas; (ii) produto de medidas; e (iii) proporção múltipla. No âmbito deste estudo foram apenas estudadas as estruturas: isomorfismo de medidas e produto de medidas.

Vergnaud (1983, 1988) refere o isomorfismo de medidas como uma estrutura que consiste numa proporção directa simples entre duas grandezas M1 e M2, por exemplo, pessoas

e objectos, bens e custos, tempo e distância. Dentro desta estrutura distingue situações de multiplicação, divisão como partilha equitativa, divisão como medida e a regra de três, esta última não considerada neste estudo.

Dá alguns exemplos de situações onde a multiplicação surge com o significado de isomorfismo de medidas, do tipo: “o João quer comprar 4 cadernos que estão marcados a 1,75 € cada um. Quanto terá de pagar?” e apresenta um esquema representativo deste significado da multiplicação (figura 1), onde para o exemplo apresentado, M1= número de cadernos e M2

= euros.

Figura 1: Multiplicação como isomorfismo de medidas (Vergnaud, 1983)

O autor considera alguns procedimentos multiplicativos que envolvem diferentes processos de pensamento, ou seja, teoremas-em-acção, para a resolução de situações com o referido significado da multiplicação. Assim, para a resolução da situação apresentada, o procedimento 4×1,75, envolve o teorema-em-acção “4 cadernos custam 4 vezes mais que um”, ou seja, em que os alunos recorrem ao operador escalar. Já no procedimento 1,75×4, o teorema-em-acção envolvido “multiplicar o preço de um caderno pelos 4 cadernos”, traduz o recurso ao operador funcional. Para o autor, os alunos podem ainda recorrer a um procedimento, em que multiplicam 4×1,75 ou 1,75×4, por terem reconhecido a situação como sendo de multiplicação e cujo teorema-em-acção passa por considerarem apenas os números e não as grandezas. Vergnaud (1988) considera ainda um outro procedimento, a redução à unidade, cujo procedimento apresentado é funcional, mas tem carácter escalar, já que o teorema-em-acção envolve o recurso ao valor da unidade. Ou seja, os alunos apresentam como procedimento 1,75×4, mas justificam o mesmo com base no teorema-em-acção “4

(4)

Desenvolvendo o sentido da multiplicação e divisão … H. Pinto 4 cadernos custam 4 vezes mais que um”. O autor alerta para o facto da adição sucessiva não ser um procedimento multiplicativo.

Ainda no contexto do isomorfismo de medidas, conforme já foi referido, o autor considera dois significados para a divisão, a divisão como partilha equitativa e a divisão como medida. A divisão como partilha equitativa surge em situações cujo objectivo é encontrar o valor unitário, ou seja, o valor que “cabe” a cada um dos elementos do divisor. Assim, por exemplo, “O João quer partilhar igualmente os seus berlindes com o Pedro e a Maria. Tem 12 berlindes, com quantos berlindes ficará cada um?”, onde M1 = número de crianças e M2 =

número de berlindes, pode ser representada por um esquema que Vergnaud (1983) considera representativo da operação envolvida (figura 2).

Figura 2: Divisão como partilha equitativa (Vergnaud, 1983)

O autor refere dois procedimentos de carácter multiplicativo para a resolução de tarefas que envolvem este significado da divisão: (i) a inversão do operador escalar, que envolve o teorem-em-acção “dividir os 12 berlindes pelas 3 crianças” e (ii) o factor em falta, ou seja, tentativa e erro, que envolve o teorema-em-acção “qual é o número que multiplicado por 3 dá 12?” Segundo o autor, embora este procedimento evite a dificuldade conceptual da inversão, só é válido para números inteiros pequenos. Vergnaud (1983) não considera como procedimento multiplicativo a distribuição um-a-um.

Na divisão como medida, o dividendo e o divisor são da mesma natureza. Pretende-se determinar o número de grupos, sabendo a dimensão de cada grupo. Por exemplo, “O Paulo tem 15 € para gastar na compra de carros miniaturas para a sua colecção. Cada carro custa 3€, quantos carros pode comprar?”, onde M1 = número de carros e M2 = euros, pode ser

representada por um esquema que Vergnaud (1983) considera representativo da referida operação (figura 3).

Figura 3: Divisão como medida (Vergnaud, 1983)

Quanto aos procedimentos de resolução de tarefas que envolvam este significado da divisão, o autor considera de carácter multiplicativo: (i) a inversão do operador funcional, que envolve o teorem-em-acção “dividir os 15 € por grupos de 3 €”; e (ii) a aplicação do operador escalar que envolve o teorema-em-acção “quantas vezes 3 cabe em 15”, que evita raciocinar em termos de quocientes inversos das grandezas. Segundo o autor, a adição ou subtracção sucessivas não são procedimentos multiplicativos.

(5)

Desenvolvendo o sentido da multiplicação e divisão … H. Pinto 5 O produto de medidas é uma estrutura multiplicativa que consiste na composição cartesiana de duas grandezas, M1 e M2, para encontrar uma terceira, M3. A esta estrutura

pertencem problemas relativos à área, volume, superfície, produto cartesiano e outros conceitos físicos. Dado que existem, pelo menos, três variáveis envolvidas, Vergnaud (1983) refere que esta estrutura não pode ser representada por uma simples tabela de correspondência como a usada para o isomorfismo de medidas, mas por uma tabela de dupla entrada. Também nesta estrutura o autor identifica situações de multiplicação e de divisão.

A multiplicação como produto de medidas envolve situações onde são dadas duas grandezas elementares e se pede o valor do produto dessas grandezas (figura 4). Por exemplo, “Qual é a área de um quarto rectangular que tem 6,5 m de comprimento e 4 de largura?” onde

M1 = largura, M2 = comprimento e M3 = área.

Figura 4: Multiplicação como produto de medidas (Vergnaud, 1983)

No que concerne aos procedimentos adoptados para a resolução de tarefas que envolvem a multiplicação em contexto de produto de medidas, Vergnaud (1983) considera que a solução a × b = x não é fácil de analisar em termos de operador escalar ou funcional, já que aqui surge um produto de duas grandezas nos aspectos dimensionais e numéricos: área (m2) = comprimento (m) × largura (m); volume (dm3) = área (dm2) × altura (dm).

Na divisão como produto de medidas, pretende-se encontrar o valor de uma grandeza elementar, dado o valor da grandeza de um produto e o valor de outra grandeza elementar (figura 5). Por exemplo “Para encher uma piscina com uma área de 150 m2, são necessários 320 m3 de água. Calcula a altura média da água.”, onde M1 = altura, M2 = área da base e M3 =

volume.

Figura 5: Divisão como produto de medidas (Vergnaud, 1983)

Vergnaud (1983) salienta que também o procedimento para a resolução de situações de divisão como produto de medidas, tal como para a multiplicação desta estrutura, não é facilmente descrito por um operador escalar ou funcional. É que, a grandeza da medida a ser encontrada, é o quociente da grandeza do produto pela grandeza da outra medida elementar, isto é, volume (m3) ÷ área (m2) = altura (m).

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Desenvolvendo o sentido da multiplicação e divisão … H. Pinto 6

3.

Metodologia de investigação

A metodologia adoptada para o estudo seguiu o paradigma interpretativo com design de estudo de caso múltiplo (Ponte, 2006), tendo sido realizados três estudos de caso. Para a recolha de dados recorreu-se a técnicas como a observação com registos vídeo e áudio, à análise documental e a entrevistas em profundidade com registos áudio e documental (Yin, 2003). As entrevistas foram realizadas antes, durante, no fim e seis meses depois do estudo da multiplicação e divisão de números racionais, aos três alunos seleccionados para o estudo.

No estudo, para além da investigadora, participou uma professora do 2.º ciclo do ensino básico, que implementou a unidade de ensino (contexto do estudo), a uma das suas turmas do 6.º ano de escolaridade. A trajectória hipotética de aprendizagem (Simon, 1995) que integrou a unidade de ensino foi pensada e elaborada pela professora e pela investigadora, em sessões de trabalho antes e durante a sua implementação.

Os alunos desta turma já tinham trabalhado o conceito de número racional, sua adição e subtracção no 5.º ano de escolaridade. Durante o estudo do conceito de fracção, foram confrontados com os seus diferentes significados, resolvendo tarefas em contextos significativos, onde a fracção surgiu como partilha, razão, operador, medida e parte-todo. Foi ainda dada ênfase ao conceito de unidade.

Os alunos do estudo integravam a referida turma e foram seleccionados a partir dos desempenhos apresentados na realização de pré-testes pela turma. Estes tiveram como objectivo diagnosticar o nível de desenvolvimento do raciocínio multiplicativo e consequente compreensão e uso da multiplicação e divisão de números inteiros e decimais. Assim, foi seleccionado um aluno que obteve bom desempenho nos referidos pré-testes, outro que obteve desempenho médio e um terceiro que obteve fraco desempenho.

A análise de dados das diferentes fontes e respectiva triangulação, para cada um dos casos estudados, foi feita com base nas categorias de análise que constam das Tabelas 1 e 2. Da Tabela 1 constam indicadores do desenvolvimento das estruturas multiplicativas: (i) procedimentos; (ii) estratégias; e (iii) dificuldades (Vergnaud, 1983, 1988). Da Tabela 2 constam as componentes consideradas chave no desenvolvimento do sentido das operações: multiplicação e divisão (Huinker, 2002; MacIntosh, Reys & Reys, 1992).

(7)

Desenvolvendo o sentido da multiplicação e divisão … H. Pinto 7 Tabela N.º 1 (cont.) - Categorias de análise: Estruturas multiplicativas

Diferentes significados das operações

Reconhece a operação em situações que envolvem diferentes significados Descreve situações da vida real que envolvem os diferentes significados Símbolos e linguagem matemática

formal significativas

Relaciona os símbolos com acções e conhecimentos informais

Encontra um enunciado para uma expressão que envolve a multiplicação ou a divisão.

Permuta de representações

Faz conexões entre diferentes representações (decimal, fracção e numeral misto)

Conexões entre operações Reconhece a divisão como a operação inversa da multiplicação Propriedades das operações

Apresenta estratégias de cálculo mental baseadas nas propriedades das operações

Razoabilidade dos resultados

Verifica dados e resultado

Relaciona o contexto com os cálculos efectuados

Conhece o efeito de uma operação sobre um par de números

Tabela N.º 2 - Categorias de análise: Sentido das operações: multiplicação e divisão

4.

O caso da Lúcia

Desempenho antes da unidade de ensino. A Lúcia apresentou um fraco desempenho na

realização dos pré-testes. Porém, a aluna denotou ter raciocínio multiplicativo, já que identificou a operação envolvida, na maioria das tarefas que resolveu, não obstante os diferentes significados. Assim, as causas do fraco desempenho apresentado pela aluna, ficaram a dever-se, essencialmente, a dificuldades em algumas das componentes que caracterizam uma boa compreensão e uso da multiplicação e divisão de números inteiros e decimais, ou seja, com o desenvolvimento do seu sentido das operações.

Consequentemente, a Lúcia não conseguiu encontrar enunciados para expressões que envolviam as referidas operações. Também a divisão como operação inversa da multiplicação não era um conceito completamente adquirido pela Lúcia, já que só a identificou como tal, em

(8)

Desenvolvendo o sentido da multiplicação e divisão … H. Pinto 8 situações cujo contexto induzia o modelo rectangular (figura 6), por exemplo: “Um

rectângulo tem 1,5 m2 de área e 10 m de comprimento. Calcula a sua largura? Descreve o processo que usares para responder à questão.”, não a identificando em contextos

meramente numéricos, como por exemplo: “Qual é o número que multiplicado por 0,75 tem

como resultado o número 12? Descreve o processo que usares para responder à questão.

Figura 6: Produção para a resolução de uma tarefa de divisão como produto de medidas Outra dificuldade apresentada pela aluna foi ao nível do cálculo dos algoritmos, tanto da multiplicação como da divisão (p. ex.: figura 6), facto que não lhe permitiu chegar às respostas correctas de algumas tarefas onde recorreu à multiplicação e em nenhuma das tarefas onde recorreu à divisão. A Lúcia não apresentava estratégias de cálculo mental, não recorrendo às propriedades das operações para gerar situações de cálculo equivalente. Apresentou dificuldades em reconsiderar e reflectir sobre cálculos e resultados e em conectar o contexto com os cálculos efectuados. Por exemplo, durante a resolução da tarefa “Vai haver

uma reunião na escola onde estarão presentes 19 encarregados de educação. Poderão sentar-se 4 encarregados de educação em cada mesa. Quantas mesas vão ser necessárias para sentar todos os encarregados de educação presentes?”, comentou:

L: Então, 19 a dividir por 4! Então, é 4×4 dá 16 [conta pelos dedos até 19 e conclui que o resto] dá 3. Já está!

I: E qual é a resposta que dás? L: Vão ser necessárias 4 mesas!

I: Mas, sobram-te 3! O que representa aquele 3? L: O 3!!!

Ante esta resposta, a investigadora voltou a confrontar a aluna com os dados do problema, com os cálculos que efectuou e com que propósito. No entanto, só depois de modelar a situação a Lúcia conseguiu perceber e chegar à resposta correcta (figura 8).

Figura 7: Produção onde a Lúcia recorre à modelação para conectar cálculos efectuados com contexto da tarefa

(9)

Desenvolvendo o sentido da multiplicação e divisão … H. Pinto 9 A aluna evidenciou ainda dificuldades no conhecimento do efeito das operações, evidenciando a ideia de que multiplicar aumenta e dividir diminui. Por exemplo, na tarefa “Lê

o seguinte diálogo entre dois alunos, passado na aula de Matemática: - Posso multiplicar 6 por um número e obter, como resultado, um número que é menor do que 6 – afirmou o Pedro. – Não, não podes – respondeu a Maria. – Quando multiplicas 6 por outro número, o resultado é sempre um número maior do que 6. Qual dos dois alunos tem razão, o Pedro ou a Maria? Explica o teu raciocínio (podes dar exemplos).”, a Lúcia deu razão à Maria (figura 8).

Figura 8: Produção reflecte o mal-entendido de que a multiplicação aumenta

Nas tarefas que envolviam a multiplicação como isomorfismo de medidas, a Lúcia adoptou, por norma, o operador escalar como procedimento multiplicativo, como por exemplo, na resolução da tarefa: “No 2.º ciclo há 208 alunos. Quanto custariam os bilhetes,

para uma ida ao circo, de todos os alunos do 2.º ciclo?” (figura 9).

Figura 9: Produção com recurso ao operador escalar

Este procedimento teve por base o teorema-em-acção “ 208 bilhetes custam 208 vezes mais do que 1”. Dentro deste significado da operação, houve apenas uma tarefa onde a Lúcia não identificou a multiplicação, tendo recorrido a um esquema como única estratégia de resolução.

Na resolução das tarefas que envolviam o conceito de números racionais, sua adição e subtracção, a Lúcia deixou evidente o seu conhecimento dos diferentes significados da fracção, dado que não errou nenhuma das tarefas que envolviam os referidos significados. Não teve dificuldades em tarefas de reconstrução da unidade, na identificação de fracções equivalentes e evidenciou ainda conhecimento do conceito de unidade. Teve dificuldades na conexão de algumas fracções com a sua representação decimal, na comparação e ordenação de números racionais e consequentemente, evidenciou falta de compreensão da densidade dos referidos números. Já a adição e subtracção de números racionais não suscitou dúvidas à aluna.

Desempenho durante a aprendizagem. A Lúcia denotou ter-se apropriado da estratégia

mais eficiente para a resolução das tarefas que envolvem a multiplicação em contexto de isomorfismo de medidas, dado que recorreu sempre à multiplicação como estratégia de resolução, tendo recorrido ao modelo rectangular, como suporte de raciocínio, apenas na resolução da tarefa “A Maria está a bordar um quadro. Durante as férias bordou metade do

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Desenvolvendo o sentido da multiplicação e divisão … H. Pinto 10

quadro. Desde que começaram as aulas bordou ¼ do que faltava bordar. Que parte do quadro bordou a Maria depois das férias? Qual das expressões seguintes: A. ½-3/4, B. 3/4×1/2, C. ½+1/4, D. 1/4×1/2, representa a área do quadro que ficou por bordar? Justifica a tua resposta.”.

Figura 10: Produção com recurso ao modelo rectangular

Enquanto recorria ao modelo rectangular, para modelar a primeira situação apresentada na tarefa, a Lúcia ia descrevendo o seu raciocínio, que evidenciou o teorema-em-acção “multiplico a parte que lhe faltava bordar pela parte que bordou”, do procedimento multiplicativo adoptado, o operador funcional. De salientar, que este foi o procedimento mais usado pela Lúcia, nesta fase, para a resolução das tarefas que envolviam a multiplicação como isomorfismo de medidas. Terminada a modelação, passou à representação do algoritmo e sua resolução. Quando questionada acerca de como resolveria aquele algoritmo, caso não tivesse modelado a situação, respondeu de imediato que “multiplicava o 1 pelo 1 e o 2 pelo 4”. Para a resolução da segunda situação da tarefa, voltou a recorrer ao modelo rectangular e com base neste, eliminou as hipóteses C e D, concluindo que a resposta correcta seria a B (figura 10).

Na resolução da tarefa: “O Tiago leva, em média, ¼ de hora a percorrer 1 km. Quanto tempo precisa para percorrer 2 ½ km, ou seja, o percurso de casa à escola? Justifica a tua resposta.”, a Lúcia recorreu à multiplicação como estratégia de resolução fundamentada num procedimento funcional, não tendo apresentado qualquer dificuldade na resolução do algoritmo, recorrendo à propriedade distributiva da multiplicação em relação à adição para facilitar o cálculo do produto (figura 11).

(11)

Desenvolvendo o sentido da multiplicação e divisão … H. Pinto 11 Tarefas onde era solicitada a encontrar um enunciado para uma expressão que envolvesse a multiplicação como isomorfismo de medidas já não levantaram qualquer dúvida à aluna, bem como tarefas em que tinha de conectar contexto com expressões numéricas e vice-versa. Também não apresentou qualquer dificuldade no cálculo de expressões numéricas com o recurso às propriedades da multiplicação. Quando solicitada a calcular mentalmente produtos de inteiros por decimais, a Lúcia recorreu à representação dos decimais em fracção, por considerar que este procedimento lhe facilitaria o cálculo mental. Recorreu ainda às propriedades da multiplicação. Assim, para calcular o produto de 16 × 0,25, começou por o igualar a 16 × ¼ e comentou:

L: Multiplicar 16 por ¼ é o mesmo que dividir por 4.

Perante a expressão 0,25 × 160 e após a igualar a ¼ × 16, comentou:

L: É como cá em cima [o resultado da anterior] e acrescenta-se um zero!

Para calcular o produto de 32×0,5, voltou a mudar a representação decimal para fracção e comentou:

L: Metade de 32, que é metade de 30 … mais metade de 2! Dá 16!”

Na resolução da tarefa: “Lê o seguinte diálogo entre dois alunos, passado na aula de Matemática: – Posso multiplicar 4 por um número e obter, como resultado, um número que é menor do que 4 – afirmou a Ana. – Não, não podes – respondeu o Manuel. – Quando multiplicas 4 por outro número, o resultado é sempre um número maior do que 4. Qual dos dois alunos tem razão, a Ana ou o Manuel? Explica o teu raciocínio.”, a Lúcia admitiu que a “Ana é que tem razão, porque quando se multiplica um número por 4 não dá sempre maior” exemplificando com fracções unitárias. No entanto, ainda não conseguiu generalizar, já que conclui que “dá maior quando se multiplica por uma fracção”.

O percurso da Lúcia no que concerne ao desenvolvimento das suas estruturas multiplicativas e sentido da operação: multiplicação como isomorfismo de medidas, pode resumir-se ao conteúdo das Tabelas 3 e 4 que se seguem.

Estruturas multiplicativas Multiplicação

Isomorfismo de medidas

Desempenho precedente (números inteiros e decimais) Desempenho durante o ensino/aprendizagem (números racionais) Procedimentos (% tarefas) Operador escalar (33%) Redução à unidade (17%) a e b como números (17%) Operador escalar (25%) Operador funcional (75%) Estratégias (% tarefas) Esquemas (17%) Multiplicação (67%) Multiplicação (100%) Dificuldades (% tarefas)

Não identifica a operação (17%)

Erra os factores - dificuldade em relacionar noções temporais. (16%)

(12)

Desenvolvendo o sentido da multiplicação e divisão … H. Pinto 12 Tabela Nº 4 - Percurso da Lúcia no desenvolvimento do sentido da operação

5.

Considerações finais

A análise e discussão de dados apresentada, refere-se apenas a um excerto do trajecto de aprendizagem realizado pela Lúcia, no âmbito do estudo referido. Assim, foca apenas o percurso feito pela aluna, durante o ensino da multiplicação de números racionais em contexto de isomorfismo de medidas. No entanto, os resultados apresentados preconizam um progresso nas aprendizagens realizadas pela aluna.

Ao nível do desenvolvimento do raciocínio multiplicativo, não se verificaram melhorias significativas na identificação da operação envolvida, bem como, nos teoremas-em-acção que fundamentam os procedimentos multiplicativos adoptados, uma vez que a Lúcia denotou raciocínio multiplicativo no desempenho precedente. Assim, no seu desempenho precedente a Lúcia identificou a multiplicação nas tarefas em que esta estava envolvida, com excepção de uma situação, onde recorreu a um esquema como estratégia de resolução. Durante a aprendizagem, a aluna identificou sempre a operação envolvida tendo recorrido à multiplicação como estratégia de resolução. Os procedimentos adoptados pela Lúcia durante o desempenho precedente passaram na sua maioria pelo recurso ao operador escalar, enquanto que durante a aprendizagem dominou o recurso ao procedimento funcional.

No que concerne ao desenvolvimento do sentido da operação de multiplicação a Lúcia denotou melhorias significativas. Durante o seu desempenho precedente, a aluna apresentou dificuldades em algumas das componentes essenciais para uma compreensão significativa da operação, nomeadamente, (i) em encontrar um enunciado para uma expressão que envolve a multiplicação; (ii) em fazer conexões entre diferentes representações (decimal, fracção e numeral misto); (iii) em apresentar estratégias de cálculo mental baseadas nas propriedades das operações; (iv) em verificar dados e resultado; (v) em relacionar o contexto com os cálculos efectuados; (vi) em conhecer o efeito de uma operação sobre um par de números; e (vii) em comparar e ordenar números racionais. Já durante a aprendizagem, a única dificuldade apresentada pela Lúcia, foi generalizar o efeito da operação sobre um par de números.

Sentido da operação Multiplicação Isomorfismo de medidas

Desempenho precedente (números inteiros e decimais)

Desempenho durante o

ensino/aprendizagem (números racionais)

Dificuldades

Encontrar um enunciado para uma expressão que envolve a multiplicação ou a divisão. Fazer conexões entre diferentes representações (decimal, fracção e numeral misto)

Apresentar estratégias de cálculo mental baseadas nas propriedades das operações Verificar dados e resultado

Relacionar o contexto com os cálculos efectuados

Conhecer o efeito de uma operação sobre um par de números

Comparar e ordenar números racionais

Generalizar o efeito da operação sobre um par de números

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Desenvolvendo o sentido da multiplicação e divisão … H. Pinto 13

6.

Referências

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Referências

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