DESIGN DE GAMES PARA UTILIZAÇÃO EM EAD
Vânia Marins Latec/UFRJ vania_marins@terra.com.br Cristina Hauguenauer Latec/UFRJ crisjh@terra.com.br Esteban CluaUniversidade Federal Fluminense esteban@ic.uff.br
Gerson Cunha
GRVa/Lamce/UFRJ gersoncunha@yahoo.com.br
RESUMO
Este artigo apresenta uma pesquisa em andamento cujo objetivo é a criação de uma metodologia de design de games, como aplicações de Realidade Virtual em Educação, empregando o conceito de objetos de aprendizagem e a tecnologia de motores de jogos (game engines). Essa metodologia prevê equipes interdisciplinares de desenvolvimento e instrumentalização do professor-autor para a criação dos objetos de aprendizagem. Utilizando os referidos conceitos, são apresentados os resultados de um estudo exploratório envolvendo o desenvolvimento de um protótipo com utilização do Unreal Game
Engine.
Palavras-chave: games, jogos educativos, educação a distância, sistemas em
Realidade Virtual.
1. Introdução
Embora ainda com altos índices de evasão, a EAD vem se mostrando uma resposta viável às demandas atuais por educação. A qualidade do material didático utilizado em contextos de EAD tem se beneficiado dos recursos computacionais e das TICs os quais são fortes aliados para a redução desses índices.
Pensadores como Lévy [10] e pesquisadores da área de educação como Clark [2] e Gee [5] apontam para o uso de simulações e realidades virtuais (games), como possibilidades de aproveitamento dos recursos computacionais disponíveis e conseqüente melhoria da qualidade dos materiais didáticos em contextos educativos ou EAD.
Neste artigo, objetivamos destacar a necessidade de pesquisar, desenvolver e aplicar métodos de engenharia de software e de design de games para a criação de uma metodologia para ambientes/objetos de aprendizagem, interativos e imersivos, os games, para EAD. Essa metodologia deve prever a utilização de motores de jogos (game engines), equipes interdisciplinares de desenvolvimento e valorizar a atuação do professor-autor, dando suporte à sua participação nas equipes desenvolvedoras de materiais didáticos.
2. Motivação para aprender e a qualidade do material didático
Instituições de educação, em todo o mundo, buscam oferecer ou já oferecem cursos a distância. Os cursos e os programas à distância têm se mostrado como a resposta mais adequada às exigências de educação e formação no mundo moderno. A possibilidade de estudar em “anytime, anywhere and
anypace” é bastante atraente e torna-se viável com os recursos das TICs.
Contudo, o alto índice de evasão de alunos, já esperado em EAD, assinala a necessidade de aprofundamento das pesquisas em torno de novas tecnologias, técnicas e metodologias. Segundo Clark [2], os altos índices de evasão em EAD não devem ser considerados necessariamente sinal de fracasso, pois, a modalidade a distância, centrada no aluno, encoraja a flexibilidade de acesso, permitindo entrar e sair a qualquer momento. Segundo ele, várias podem ser as razões para a evasão, até mesmo razões pessoais que nada tenham a ver com os métodos utilizados. Por outro lado, os índices podem apontar para uma relação tênue entre a instituição e o aluno ou uma certa frustração com os métodos utilizados e o material didático.
Dada a afirmação de Clark [2] de que a qualidade do material didático pode influenciar a decisão do aluno em abandonar o curso, e como esta é a possibilidade de intervenção mais próxima da área de atuação do professor, pesquisar novas técnicas e métodos para a criação de material didático para EAD, tendo em vista elevar a motivação do estudante [12] [2] e assim baixar os índices de evasão, é a opção mais indicada.
Lucena [8] observa que o maior problema encontrado por professores que desejam desenvolver materiais didáticos para EAD, utilizando as TICs, é o aprendizado de linguagens de programação ou de softwares de autoria, necessários a essa tarefa. Nessa mesma linha de pensamento, Fuks [8] afirma que, “para desenvolver conteúdos atraentes são necessários, além do
conhecimento do tema, habilidades pedagógicas e de design gráfico”, um
conjunto de habilidades que não fazem parte da formação dos professores. Nesse sentido, faz-se necessário o desenvolvimento de soluções e de técnicas para instrumentalizar o professor – autor.
3. Material didático para EAD e as TICs
Lèvy [10] afirma que “toda e qualquer reflexão séria sobre o devir dos sistemas
de educação e formação na cibercultura deve apoiar-se numa análise prévia da mutação contemporânea da relação com o saber”; segundo ele, as tecnologias
intelectuais suportadas pelo ciberespaço (TICs) ampliam, exteriorizam e alteram muitas funções cognitivas humanas, como memória (bancos de dados e hipertextos), imaginação (simulações), percepção (ambientes interativos e imersivos) e raciocínio (inteligência artificial), além de favorecer novas formas de acesso à informação.
A EAD é modalidade de educação que mais tem se apropriado dos recursos das TICs. Isso se dá principalmente pela facilidade de acesso a conteúdos, a informações e a ferramentas de comunicação que a Internet oferece. Porém, muitas das suas potencialidades permanecem ainda pouco exploradas, principalmente quando se trata da utilização de ferramentas computacionais
para a criação de materiais didáticos.
É notável, em instituições como a Rede Internacional Virtual de Educação (RIVED), o interesse despertado pelos objetos de aprendizagem interativos. Esse tipo de aplicações é respaldado pelas teorias de aprendizagem construtivistas, que defendem a idéia de que o conhecimento é construído a partir das interações das pessoas com o meio em que vivem e com os objetos que as cercam.
As afirmações de Swales [15] de que os materiais didáticos para o EAD devem seguir uma abordagem focalizada no estudante, em vez de uma abordagem tradicional, focalizada no conteúdo dos livros, também sugerem um uso mais interativo e imersivo das TICs. A chave é o estudante. Ele precisa se sentir envolvido e motivado pelos materiais, e se apropriar das competências e dos conhecimentos que eles oferecem.
Uma linha de investigação, ainda pouco explorada no Brasil, capaz de contribuir significativamente para a EAD, é a dos ambientes/sistemas interativos e imersivos (realidades virtuais), os games. A idéia do uso de games em atividades educativas tem sido defendida por pesquisadores como Gee [5] e Clark [3]. O primeiro afirma que, embora os games sejam bastante complexos, principalmente para iniciantes, seus jogadores aprendem sem o auxílio de professores e ainda pagam por isso; o segundo explica que isso se dá porque os designers de bons games descobriram métodos de incentivar as pessoas a aprender e a gostar de aprender – “No teacher, no guidance, just
pure learning”.
Clark [3] enumera os seguintes aspectos pedagógicos observados na concepção dos games: (1) metas e submetas; (2) aprendizado através dos erros; (3) reforço; (4) feedback; (5) colaboração, à medida que os games podem ser jogados por vários jogadores ao mesmo tempo, em rede ou em um mesmo computador ou console de videogame, desde que esse possua a opção de multiusuário (multiplayer). Essa capacidade está alinhada com as teorias de aprendizagem que indicam a colaboração e a socio-interação [Vygotsky, 1987] como estratégias de aprendizagem em EAD; (6) aprendizagem centrada no aprendiz; (7) zona de desenvolvimento próximo. A noção de Zona de Desenvolvimento Proximal foi introduzida pelo pensador russo Lev Vygostky [16]; segundo ele, o ensino eficaz não é o que espera o desenvolvimento cognitivo completo; mas aquele que se antecipa ao mesmo, impulsionando-o. Tal idéia está presente na concepção dos games, à medida que eles permitem aos jogadores começarem a agir antes mesmo de estarem totalmente competentes para a tarefa [4].
Os games também permitem que os aprendizes explorem ambientes, processos ou objetos através da interação e da imersão, ou seja, dentro do próprio ambiente de estudo. Dessa forma, eles experimentam o conhecimento de forma interativa e aprendem um assunto a partir de sua imersão no próprio contexto deste assunto.
a motivação para aprender está diretamente relacionada com a qualidade do material didático e com a diminuição dos índices de evasão. Ela está alinhada com a proposta de utilização de objetos de aprendizagem interativos e imersivos (realidades virtuais), games, em cursos a distância, visando melhorar a qualidade dos materiais didáticos e assim aumentar a motivação de aprender.
4. Ambientes Interativos e Imersivos (Games) em EAD
Um game para uso educativo é um produto de software cujo desenvolvimento envolve uma equipe de profissionais com competências em diversas áreas. Laurel [9] afirma que o designer de tais sistemas precisa ser um superdesigner com as habilidades de um engenheiro, de um artista e de um psicólogo. No caso específico de sistemas interativos para a educação, o designer também precisa ter conhecimentos pedagógicos, pois o sistema deve se fundamentar em alguma teoria de como as pessoas aprendem [13].
Contudo, segundo Marins [11], mesmo um design que integre essas competências e habilidades não teria sentido sem a participação do professor, pois é a autoria dele que vai dar o acabamento final ao projeto. Assim sendo, é preciso também prever sua participação, abrindo espaço para sua criatividade e seu saber pedagógico.
Uma metodologia para sistemas interativos e imersivos para EAD, que contemple a interdisciplinaridade exigida e a participação criativa do professor-autor, no contexto desta pesquisa, é definido por quatro elementos principais, a saber: (1) interação humano computador (IHC) e engenharia de software; (2)
design de games; (3) design instrucional para EAD e (4) autoria do professor.
Para dar forma à utilização dos games em educação foram selecionados: (1) o conceito de Objetos de Aprendizagem, que podem ser entendidos, segundo Bettio apud Martins [12], como um pedaço reutilizável de informação independente de mídia, construído com início, meio e fim, cuja maior vantagem é a sua capacidade de reutilização. Neste estudo, adotamos o padrão recomendado pela RIVED – Rede Internacional Virtual de Educação – um programa da Secretaria de Educação a Distância – SEED, ligado ao MEC, que tem por objetivo a produção de conteúdos pedagógicos digitais na forma de objetos de aprendizagem, e (2) a utilização de motores de jogos digitais. Os
games engines foram escolhidos por atender aos seguintes requisitos: (2.1)
encapsular códigos que podem ser reutilizados para diversos projetos com alguma semelhança entre si; (2.2) permitir uma perfeita integração entre os recursos de arte (modelos, imagens, texturas, sons etc.) e a programação; (2.3) tornar o desenvolvimento o mais independente possível de plataformas e tecnologias; (2.4) fazer com que a aplicação seja capaz de maximizar o uso dos recursos de hardware disponíveis (GPU, processamento distribuído,
hardware de áudio etc.); (2.5) permitir gerenciamento de projeto e (2.6)
disponibilizar mecanismos de suporte à autoria do professor. 5. Estudo exploratório
Um estudo exploratório, de utilização de motores de jogos em serious games, foi desenvolvido junto ao Grupo de Realidade Virtual aplicada, GRVa, da COPPE/UFRJ, com a criação de um protótipo de game educativo para ser utilizado no contexto de uma disciplina de Educação Artística. O game tem como objetivo instrucional oferecer ao aluno uma experiência imersiva em um ambiente surrealista. Para tanto, foram utilizados elementos de quadros de Salvador Dali.
Para a criação do game foi utilizado o game engine do jogo Unreal Tournament (Unreal Game Engine), cuja escolha se deu principalmente pelo fato de ser disponibilizado gratuitamente para uso educativo.
5.2 Estrutura do Game
O game desenvolvido é composto por um único nível, onde o aluno “caminha” por um cenário de deserto, inspirado no quadro “Persistência da Memória”, e encontra elementos que remetem a outras obras de Dali como, por exemplo, uma árvore em chamas inspirada no quadro “Girafa em Chamas”, olhos flutuantes no céu, extraídos do quadro “Olho”, dentre outros. A figura 1 mostra a imagem da área de trabalho do game engine e a figura 2, uma tela do ambiente do game. As figuras 3, 4 e 5 mostram as telas de Dali citadas acima.
Figura 1 – Área de trabalho do Unreal Game Engine
Figura 2 – Tela do game visualizada no
computador pessoal Figura 3 - “Persistência da Memória” Figura 4 - Girafa em Chamas” Figura 5 - “Olho”
5.3 Testagem do game
O protótipo de game foi testado na sala de visualização do GRVa/LAmce/Coppe/UFRJ, como é ilustrado na figura 6, a fim de se verificar a possibilidade de utilização de games desenvolvidos com motores de jogos em salas de visualização ou caves. A sala de visualização utilizada possui as seguintes características: (1) 7,0 metros de comprimento por 3,5 metros de largura; (2) cluster de computadores Xeon de 4 Gb de memória RAM, placa de vídeo NVIDIA FX 4500; (3) projetores de 3.500 NSI Lumens; (4) HoloSpace com 2 telas medindo 3x3 metros, cada mono podendo trabalhar em estéreo; (5) Tela para projeção em estéreo. A navegação no ambiente do game se faz através de um controle remoto manual semelhante ao que é utilizado em equipamento doméstico como DVD ou TV, não sendo necessário nenhum conhecimento técnico adicional para o usuário.
Figura 6 – Foto da sala de visualização do GRVa/LAmce/Coppe/UFRJ
durante a testagem do game.
A testagem do protótipo de game, na sala de visualização, confirmou a hipótese de flexibilidade do sistema, que pode ser utilizado tanto no computador pessoal como na sala de visualização, sem requerer adaptações no software.
A utilização do protótipo na sala de imersão resultou num aumento significativo no potencial afetivo e cognitivo do game. Essa constatação assinala a necessidade de pesquisar mais a fundo as diferenças em termos de cognição e de aprendizagem em função do grau de imersão e o tipo de ambiente imersivo a que está submetido o usuário.
6. Conclusões
A definição de uma metodologia para a criação de games educativos é o primeiro passo para a evolução e a expansão do uso de Realidade Virtual em Educação, uma resposta possível aos questionamentos de Lèvy aos pesquisadores que se interessam por Educação e são sensíveis às potencialidades introduzodas pelas TICs.
Os resultados parciais desta pesquisa revelam a necessidade de desenvolver uma metodologia para aplicações de Realidade Virutal em Educação no formato de ambientes/sistemas interativos e imersivos, games, como objetos de aprendizagem que: (1) desenvolva novos conceitos de engenharia de
software aplicáveis a esses sistemas; (2) seja capaz de instrumentalizar o
professor-autor; (3) inclua aspectos interdisciplinares (IHC, engenharia de
software, design, arquitetura, design de games, cinema, psicologia, design
instrucional, teorias pedagógicas aplicáveis nesse contexto, dentre outros); (4) permita diferentes estilos de aprendizagem [13]; (5) ofereça alternativas em
software livre; (6) desenvolva uma arquitetura modular de design para os
ambientes e objetos, prevendo sua reutilização e padronização em todos os níveis; (7) aproveite a capacidade multiplayer dos games como proposta de aprendizagem colaborativa..
A análise do desempenho do protótipo desenvolvido aponta para a necessidade de avaliar outros motores de jogos (games engines) e validar a metodologia proposta tanto com o professor-autor quanto com os estudantes. A análise da utilização do protótipo na sala de visualização permite concluir pela necessidade de pesquisar mais a fundo as diferenças em termos de cognição e aprendizagem em função do grau de imersão e do tipo de ambiente imersivo utilizado.
7. Referências Bibliográficas
[1] BETTIO, R. W. & MARTINS, A. Objetos de Aprendizado – Um novo modelo direcionado ao Ensino a Distância. Disponível em
http://www.abed.org.br/congresso2002/trabalhos/texto42.htm Acessado em
2006.
[2] CLARK, Donald Motivation in e-learning. Epic, 2006. Disponível em:
http://www.epic.co.uk Acessado em 26 de maio de 2006.
[3] _____________ Games and e-learning. Epic, 2006. Disponível em:
http://www.epic.co.uk Acessado em 26 de maio de 2006.
[4] _____________ Simulations and e-learning. Epic, 2006. Disponível em:
http://www.epic.co.uk Acessado em 26 de maio de 2006.
[5] GEE, James P. Learning by design: Games as learning machines. University of Wisconsin-Madison. Disponível em:
http://www.ub.es/multimedia/iem Acessado em 26 de maio de 2006.
[6] __________________ Video Games, Mind and Learning. University of Wisconsin-Madison. In: The International Digital Media & Arts Association Journal, Florida, 2005.
[7] __________________ What Video Games Have to Teach Us About Learning and Literacy. New York: Palgrave Macmilla, 2004.
[8] GEROSA, M. Aurélio; LUCENA, C. J. P ; FUKS, H. Tecnologias de Informação Aplicadas à Educação – construindo uma rede de
aprendizagem usando o ambiente AulaNet. Laboratório de Engenharia de Software (LES) – Departamento de Informática, Pontifícia Universidade Católica. Rio de Janeiro, 2000.
[9] LAUREL, Brenda. The Art of Human Computer Interface Design. USA: Addison-Wesley Publishing Company, USA, 1990.
[10] LÉVY, Pierre Cibercultura. São Paulo: Loyola, 1999.
[11] MARINS, Vânia Projeto de Aprendizagem - Um Modelo de Interface Gráfico-Pedagógica de Conteúdos para e-Learning. Dissertação de Mestrado, NCE-UFRJ, 2003.
[12] MISANCHUK, Earl R. Preparing Instructional Text - Document Design Using Desktop Publishing. New Jersey: Educational Technology Publications, 1992.
[13] SANTOS, Neide. Interfaces de Ambientes Educacionais: Diretrizes de Projeto. Disponível em
http://www.ime.uerj.br/professores/neidenew/Interfaces.htm Acessado em
2003.
[14] SILVEIRA, Sérgio Amadeu & CASSINO, João. Software Livre e Inclusão. Conrad Editora do Brasil, São Paulo, 2003.
[15] SWALES, Christine. Edição e Revisão de Materiais para Ensino a Distância. The Commonwealth of Learning, 2003.
[16] VYGOTSKY, L. A formação social da mente. SP: Martins Fontes, 1987.
8. Agradecimentos
Agradecemos, à coordenação do GRVa/LAMCE/COPPE/UFRJ a permissão para utilizar a sala de visualização e, ao técnico César Costa, por ter participado na instalação do protótipo.