O CÓDIGO DAS ÁGUAS
Lindolf Bell, Timbó, 1938
Gênero: Poesia lírica
34 poemas, divididos em cinco
partes: Poemas, Desterro,
Minifúndio, Poema do Andarilho,
Poemas Finais
Publicação 1984
Literatura Catarinense
Influências
Barroco – paradoxos, oxímoros e antíteses,
razão x emoção, material x imaterial,
Simbolismo, Cruz e Souza – sonoridade,
musicalidade, sinestesias, aliterações,
assonâncias, paronomásias, fluidez;
Modernismo – verso livre, liberdade formal,
concisão 2ª fase, Cecília Meireles – imagens
ligadas à fluidez água, mar, rio, musicalidade;
Pais lavradores: sua poesia apresenta o urbano e o campo.
É a partir de Lindolf Bell que a poesia catarinense recupera o teor
de originalidade, legado por Cruz e Souza, e passa a sugerir
algo novo. Não dita normas para o fazer literário, não restringe o
campo de ação do poeta. Mas amplia, posto que, opondo-se a
algumas teorias estéticas das vanguardas de 50 e 60, pressupõe a permanência do vínculo entre o poeta e o seu poema. Exigindo do poeta a divulgação direta com o público, tornando-se um
intermediário vivo entre o poema e o seu consumidor, a poesia realimenta-se de suas atribuições originais de laudos e
desempenho social.
1964, Catequese Poética: possibilita a agregação de poetas das
mais variadas tendências, num convívio sem conflitos estéticos “...o lugar do poema deve ser onde possa inquietar”
Em O Código das Águas, 1984, afirma-se a trajetória
desempenhada pelo poeta enquanto peregrino em busca da poesia ideal (Andarilho). A palavra, aí, é o instrumento capaz de
apreender a essência do universo criado. O código das águas reelabora o ideário estético de Lindolf Bell, que tem a ver
unicamente com o fluir irredutível, ininterrupto e inclassificável de sua poesia - águas - insubmissa a códigos, exceto o das águas, cuja, codificação nega a si mesmo, exigindo-se a mutabilidade, o dinamismo constante.
Análise da Obra
O Código das Águas é uma poesia que celebra o
refazer-se, a mudança, a transição e o
caráter transitório de tudo pela 'palavra/
quem em breve/ será a palavra dentro em
breve./ A palavra/ que se reveste de linho real/ na linha real da vida:/ enfermidade, /
efemeridade'.
O título da obra fala de uma
impossibilidade, uma contradição: suas águas
são aquelas do rio heraclitiano, puro movimento, irrepetíveis. Portanto, impossíveis de serem
codificadas, pois um código é sempre forma, constância, conjunto de regras e padrões
estáveis.
Em seus primeiros livros, Bell apresentava-se
como poeta que denunciava a perda de laços
de fraternidade e de densidade humanística
Uma característica deste livro em contraste com
os dois anteriores, é a sua descontinuidade
aparente. As Annamarias e As Vivências Elementares
são quase um poema só, divido em partes, algo como variações sobre o mesmo tema. Aqui, não: temos
partes bem distintas, coexistindo poemas,
enfermidade, efemeridade, com outros lineares e despojados, parecendo até uma abdicação do uso de determinados recursos poéticos. E outros,
ainda, que se caracterizam pela brevidade e concisão, como na série Minifúndios.
Ou seja, onde seus dois livros anteriores têm uma
estrutura fechada, quase com começo, meio e fim,
desta vez temos uma obra que, mesmo conservando
sua unidade, também apresenta algo de incluso e aberto - justamente por registrar uma passagem, um processo de transformação.
O Código das Águas é poesia em movimento e
este movimento é ultrapassar-se, ir além. E,
Alguns textos remetem igualmente ao não mais
existente e ao imemorial, como o Inseto de Lagoa
Santa, ou o índio do veemente Poema para o Índio Xokleng, que 'emudeceu entre castanhas, bagas e conchas/ de seus colares de festa'.
A linguagem para falar do imemorial e do anterior
à memória também é outra: requer uma palavra anterior à palavra. Este é um tema constante, que atravessa o livro: 'Não é a palavra fácil/ que
procuro./ .../ Procuro a palavra fóssil./ A palavra antes da palavra./ .../ Esta que me antecede / e se antecede na aurora/ e na origem do homem'. Por isso, 'procuro desenhos/ dentro da palavra./.../Sinais,
vendavais,silêncios./ Na palavra enigmam restos,
rastros de animais,/ minerais da insensatez'. Não mais 'mero esboço de um desenho inacabado de homem,/ inadequado, por certo, na forma de chegar e falar / das coisas do mundo e de mim'.
Busca-se, portanto, a escrita primordial, rastro e
inscrição e ao mesmo tempo, movimento: 'Entendi
Há passagens que são verdadeiras profissões de fé
ou declarações de princípios poéticos, que, na sua
visão da escrita, como se despojar e deixar de ser,
aproximam-se do que Elliot diz nos Quatro Quartetos: 'Para possuíres o que não possuís / Deves seguir pelo caminho da despossessão./ Para chegares ao que não és / Deves seguir pelo caminho onde não estás. / E o que não sabes é a única coisa que sabes / E o que
possuis é o que não possuis / E onde estás é onde não estás'.
A trajetória de Bell é um caminho na direção de um
território insondável, ' a face inversa da luz / onde
me extravio / e não cessarei jamais. / Pois menor que meu sonho / não posso ser'. Isto implica viver o
'Desterro. Desterra./ ali se resume a vida. / e nada é em vão./ Ainda que pareça o contrário'. Percebe-se, lendo O Código das Águas, como Lindolf Bell sabe que o caminho da poesia é um caminho da perda,
percorrendo o avesso e a negação da realidade
instituída e aceita. Sua poesia trilha o caminho da