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FACULDADE CESMAC DO SERTÃO ARIELLE BARROS LOPES APLICABILIDADE DA JUSTIÇA RESTAURATIVA NO ÂMBITO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR

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Academic year: 2021

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ARIELLE BARROS LOPES

APLICABILIDADE DA JUSTIÇA RESTAURATIVA NO

ÂMBITO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR

PALMEIRA DOS ÍNDIOS – AL 2019

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APLICABILIDADE DA JUSTIÇA RESTAURATIVA NO

ÂMBITO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito final para conclusão do curso de Direito da Faculdade CESMAC do Sertão, sob a orientação do Prof. Me. Ronald Pinheiro Rodrigues.

PALMEIRA DOS ÍNDIOS – AL 2019

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HOUSEHOLD AND FAMILY VIOLENCE

Arielle Barros Lopes Graduanda do Curso de Direito ariellelopes@outlook.com

Ronald Pinheiro Rodrigues Coorientador e Mestre ronald.pinheiro.rodrigues@hotmail.com.br

RESUMO

O presente artigo trata a aplicabilidade da Justiça Restaurativa no âmbito da violência doméstica e familiar. Partindo deste pressuposto, o estudo buscará realizar um breve levantamento histórico acerca da violência contra a mulher, apontando os aspectos mais relevantes referente a tal tema, bem como os mecanismos legislativos disponibilizados pelo Estado para a proteção da mulher. Em seguida, o trabalho analisará a utilização da Justiça Restaurativa no âmbito penal. Por fim, a pesquisa adentrará na possibilidade de aplicação da Justiça Restaurativa na Lei nº 11.340/06, como instrumento capaz de reduzir as consequências negativas do atual sistema processual penal. Para o desenvolvimento do trabalho em epígrafe, utilizou-se do método de pesquisa bibliográfica, com o apoio de um vasto referencial teórico, bem como da própria legislação base, a saber, a Lei Maria da Penha. O resultado da pesquisa tem o viés de demonstrar que apesar do inegável avanço legislativo trazido pela Lei nº 11.340/06, a violência doméstica contra a mulher ainda é uma realidade no país, necessitando, portanto, de um fortalecimento dos atuais instrumentos legais, incluindo a possibilidade de aplicação da Justiça Restaurativa para a resolução dos conflitos.

PALAVRAS-CHAVE: Justiça Restaurativa. Punitiva. Retributiva. Violência doméstica.

ABSTRACT

This article deals with the applicability of Restorative Justice in the context of domestic and family violence. Based on this assumption, the study will seek to conduct a brief historical survey on violence against women, highlighting the most relevant aspects related to this theme, as well as the legislative mechanisms provided by the State for the protection of women. Next, the paper will analyze the use of Restorative Justice in the criminal sphere. Finally, the research will address the possibility of applying Restorative Justice in Law No. 11.340 / 06, as an instrument capable of reducing the negative consequences of the current criminal procedural system. For the development of the work in question, we used the method of bibliographic research, with the support of a vast theoretical framework, as well as the basic legislation itself, namely the Maria da Penha Law. The result of the research has the bias to demonstrate that despite the undeniable legislative advance brought by Law No. 11,340 / 06, domestic violence against women is still a reality in the country, thus requiring a strengthening of current legal instruments, including the possibility of applying restorative justice to conflict resolution.

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1 INTRODUÇÃO ... 6

2 METODOLOGIA ... 7

3 REVISÃO DE LITERATURA ... 7

3.1 A violência doméstica e familiar e a tutela penal no Brasil... 7

3.2 Justiça Restaurativa e sua aplicação no âmbito penal ... 15

3.3 Justiça Restaurativa e a violência doméstica e familiar ... 18

4 CONCLUSÃO ... 22

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1 INTRODUÇÃO

Considerada uma doença social que assola grande parte dos países, até mesmo os mais desenvolvidos, a violência contra as mulheres representa a cultura machista e patriarca que insiste em predominar na sociedade.

Realizando uma análise histórica acerca do fenômeno da violência contra a mulher, é possível perceber o desenvolvimento de uma cultura baseada em costumes e crenças que naturalizam a repressão e a ofensa física e moral, restringindo a liberdade das mulheres, desde os primórdios quando a Igreja Católica perseguia, torturava e queimava mulheres por acreditarem que estas teriam pacto com o Diabo.

Ultrapassada várias décadas, as mulheres continuam sendo violentadas e assassinadas de maneira inescrupulosas, geralmente com a utilização de meios e formas que impossibilitam a sua defesa da mesma.

Os causadores de tal violência de gênero são, majoritariamente, maridos, namorados, ex-companheiros, irmão, genro, vizinho, indivíduos com os quais a vítima possuía uma relação de afeto, tornando o conflito e sua respectiva resolução, mais complexa e delicada do que geralmente ocorre no sistema judiciário com outros tipos de conflitos ocorridos dentro de relações sem vínculo afetivo.

Partindo deste pressuposto, o trabalho a seguir visa analisar a possibilidade de adoção da Justiça Restaurativa, a partir do uso de técnicas autocompositivas de solução de conflitos, ao âmbito da violência doméstica e familiar como auxiliar ao atual sistema retributivo adotado pelo mecanismo processual penal, na busca da elucidação dos fatores que motivam a violência, para uma possível restauração.

Neste ínterim, ressalta-se que a pesquisa em comento fora motivada no intuito de demonstrar como, mesmo após a promulgação da Lei nº 11.340/06 – Lei Maria da Penha –, os índices de vitimização da mulher no Brasil continuam alarmantes, e a devida aplicação de técnicas da Justiça Restaurativa, ao invés do uso exclusivo das disposições legais, como o encarceramento do agressor, podem influenciar esses números, que contém vidas por trás.

Para tanto, o objetivo geral do trabalho em epígrafe é o de evidenciar como a Justiça Restaurativa pode ser um mecanismo eficaz para a redução dos índices alarmantes de violência doméstica contra a mulher no ordenamento brasileiro.

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Especificamente, o trabalho almeja realizar um breve levantamento histórico da violência contra a mulher, analisando os aspectos relevantes da violência doméstica, em especial o caráter retributivo da Lei Maria da Penha; analisar a utilização da Justiça Restaurativa no âmbito penal em geral e verificar a possibilidade de aplicação da Justiça Restaurativa na Lei nº 11.340/06.

2 METODOLOGIA

Buscando-se deixar claro o tema, a pesquisa se utilizará da metodologia de pesquisa bibliográfica, contando com o auxílio da legislação pátria, tal como a Lei nº 11.340/06 – Lei Maria da Penha, além de entendimentos doutrinários e de artigos científicos relacionados à temática.

A escolha por tal método justifica-se pelo fato de que através do mesmo é possível observar os tipos de violência doméstica e familiar praticadas contra a mulher, bem como os mecanismos de proteção tutelados pelo Estado e a eficácia dos mesmos no atual contexto.

Além disso, a metodologia utilizada é capaz de apurar a validade da aplicabilidade da Justiça Restaurativa no âmbito da violência doméstica contra a mulher, demonstrando claramente os benefícios desta para o ordenamento jurídico pátrio.

3 REVISÃO DE LITERATURA

3.1 A violência doméstica e familiar e a tutela penal no Brasil

Considerada um fator humano e social enraizado no mundo, a violência constitui um elemento histórico, presente tanto nos países mais subdesenvolvidos como nos mais desenvolvidos, se diversificando tão somente pelos mecanismos de proteção que tais países podem oferecer (MINAYO, 2005, p. 3).

Dada a gravidade de tal tema, no ano de 1996, a Quadragésima Nona Assembleia Mundial de Saúde declarou a violência como um problema de saúde pública no mundo, e solicitou que os Estados Membros considerassem a implantação de políticas públicas voltadas a sua redução (KRUG et. al., 2002, p. 19).

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Problema de saúde pública, pois a violência resulta em lesões, traumas físicos e/ou psicológicos, e em determinados casos, provoca até mesmo na morte da vítima (MINAYO, 2005, p. 2).

No sentido etimológico, o termo violência, provido do latim, violentia, significa o ato de violar um terceiro ou a si mesmo (PAVIANI, 2016, p. 8).

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a violência consiste no:

[...] uso intencional da força física ou do poder, real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha grande possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação. (KRUG et. al., 2002, p. 27).

Basicamente, tem-se que a violência é um conjunto de atos que retira a liberdade do outro e que contraria de certo modo a vontade deste último (PAVIANI, 2016, p. 8).

Tal fenômeno se reveste das mais diferentes formas, isto é, há a violência contra a criança, contra o adolescente, contra o homossexual, contra o idoso, a violência psicológica, física, racial, e uma das práticas mais recorrentes, a violência contra a mulher.

Ao presente trabalho interesse abordar sobre a violência praticada em face da mulher, em especial, a violência ocorrida dentro do âmbito doméstico e familiar.

Partindo deste pressuposto, de acordo com o Comitê Latino Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (1996, p. 6), considera-se violência contra a mulher “qualquer ato ou conduta baseada no gênero, causando morte, dano ou sofrimento de ordem física, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada.”

Por gênero entende-se a diferenciação social imposta sobre homens e mulheres, os colocando em posições diferentes onde o sexo masculino possui maior autoridade, superioridade do que o sexo masculino, gerando, portanto, uma discriminação, uma violação a mulher.

Realizando-se uma breve análise histórica da violência contra a mulher, verifica-se que esta, por mais que seja algo que venha crescendo no atual contexto, não pertence à contemporaneidade, ou seja, não é algo novo.

Neste ínterim, pode-se dizer que a sociedade vivência esta realidade desde a Antiguidade, quando não havia direitos que igualassem as mulheres aos homens.

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Um exemplo de tal fato ocorreu durante a Idade Média, no século XVII, onde a inquisição da Igreja Católica Romana torturava, queimava e decapitava mulheres acusadas de bruxaria, baseando-se tão somente no manual Malleus Maleficarum ou o Martelo das Feiticeiras, escrito pelos inquisidores da Igreja ainda no século XV, o qual acusava diretamente as mulheres de realizarem pactos com o diabo, heresia, e principalmente, de bruxaria (SILVEIRA, 2016, p. 112).

Em virtude de tal manual, há indícios de que cerca de 100 mil mulheres foram torturadas, perseguidas e mortas pela Igreja Católica somente na Europa, razão pela qual o período ficou conhecido como “caça as bruxas” (SILVEIRA, 2016, p. 113).

No Brasil, com a vinda da Família Real ao país, estabeleceu-se um padrão de família onde o homem ocupava o topo da hierarquia familiar, sendo considerado o

pater familia, isto é, aquele que impunha as regras aos demais, quais seja, a esposa

e aos filhos.

Posteriormente, o próprio Código Civil de 1916 demonstrava certa desvalorização da mulher frente à sociedade em geral, colocando a mulher sob o domínio do homem, de seu respectivo marido, cabendo a este último, inclusive, autorizar sua esposa a trabalhar ou não (art. 233, IV).

No entanto, cansadas de viverem sob o comando do sexo masculino, de não serem reconhecidas como sujeitos autônomos, capazes de controlar sua própria vida e, principalmente, sua vontade e liberdade, a partir do século XIX o até então “sexo frágil” começou a adentrar no mercado de trabalho brasileiro e a clamar por igualdade social entre os sexos masculino e feminino.

Apesar de muitas limitações sociais terem sido superadas pelas mulheres, bem como de terem muitos direitos reconhecidos, ainda nos dias atuais estas sofrem certo preconceito na sociedade, preconceito este espalhado em todos os lugares, quais sejam, no mercado de trabalho, no parlamento, na rua, e até mesmo dentro da própria casa.

Por vezes, este preconceito gera a violência, que tem como estopim o exercício do poder do homem sob aquilo que é caracterizado como o sexo mais frágil, retomando os resquícios de uma sociedade patriarcal no qual o sexo masculino, por diversas vezes, crê que prevalece sob o feminino.

Não se pode deixar de mencionar que tal fato decorre de uma questão cultural, onde ainda se impregna uma sociedade machista e com maior valorização do homem, o mantendo em posição de permanente conforto e privilégio, e estes, por

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muitas vezes, se vêem no direito de se impor em face das mulheres, principalmente, sobre aquelas que são suas dependentes financeiras.

Logo, depreende-se que esta desvalorização do sexo feminino faz gerar, um desrespeito à mulher, que pode vir a ser caracterizada como abuso e até mesmo violência doméstica e familiar, ambas revestidas das mais diversas maneiras.

Mais que isto, esta desvalorização só gera a necessidade do Estado criar mecanismos legislativos capazes de proteger a mulher das atrocidades dos homens, tal como a Lei nº 11.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha.

Historicamente, a Lei nº 11.340/06 nasceu em virtude do caso nº 12.051 da Organização dos Estados Americanos (OEA), de autoria da Maria da Penha Maia Fernandes, farmacêutica bioquímica que sofreu inúmeras agressões e abusos por parte do marido durante 23 anos (BRASIL, 2015).

Além das agressões sofridas, o marido, Marco Antônio Heredia Viveiros, tentou matá-la duas vezes, sendo que na primeira tentativa, utilizou-se de arma de fogo, vindo a tornar Maria da Penha paraplégica, e na segunda tentativa, tentou eletrocutá-la e afogá-la (BRASIL, 2015).

Apesar de todo o sofrimento perpassado por Maria da Penha, bem como das denúncias realizadas por esta, durante 15 anos a justiça brasileira nada decidiu acerca do caso (CIDH, 2001).

Desta forma, indignada com a situação e com a demora na aplicabilidade da lei penal brasileira, Maria da Penha denunciou o Estado brasileiro ao Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM) e ao Centro de Justiça pelo Direito Internacional (CEJIL) por aquele não haver tomado providências para processar e punir o agressor durante um período de 15 anos, bem como por ter violado dispositivos legais da Convenção Americana (art. 1º, 8º, 24 e 25), da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (art. II e XVIII), e da Convenção de Belém do Pará (art. 3º, 4º, alínea “a”, “b”, “c”, “d”, “e”, “f” e “g”, 5º e 7º) aos quais era signatário (CIDH, 2001).

Assim, representando os interesses da vítima, o CLADEM e o CEJIL providenciaram o encaminhamento desta mesma denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) pertencente à estrutura da OEA, que após quatro anos de tramitação, entendeu pela ineficácia jurisdicional do Brasil, e recomendou que este prosseguisse com uma investigação em face do marido da

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vítima, de modo a determinar sua responsabilização pelos abusos e tentativas de homicídios praticados (CIDH, 2001).

Além disso, a CIDH (2000) recomendou que o país adotasse medidas de proteção nacional para o combate a violência doméstica contra as mulheres.

Em razão disto é que, em 7 de agosto de 2006, o então Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, sancionou a Lei nº 11.340/06, que recebeu o nome de Lei Maria da Penha em homenagem a mulher que não mediu esforços para tutelar a segurança do sexo feminino.

Tal lei fora reconhecida pela Organização das Nações Unidas (ONU) como uma das três melhores legislações do mundo no combate à violência contra as mulheres (BRASIL, 2015).

Em uma breve análise a Lei Maria da Penha, verifica-se que esta considera como violência doméstica e familiar aquela ocorrida dentro da unidade doméstica da vítima, em ambientes familiares ou ainda em qualquer caso em que haja uma afinidade entre a vítima e o agressor, independentemente da orientação sexual ou laços dos mesmos, inclusive, de coabitação (art. 5º da Lei nº 11.340/06).

Ou seja, estará enquadrado em referida lei aquele que pratica violência doméstica contra a mulher, mesmo que não possua nenhum grau de parentesco para com ela.

Vale ressaltar que, para tanto, não é necessário que o agressor pertença ao sexo masculino, tendo em vista que a violência doméstica pode ser aplicada, inclusive, dentro de relações homossexuais, desde que a vítima seja mulher (art. 5º, parágrafo único da Lei nº 11.340/06).

A luz do caput do art. 5º da Lei nº 11.340/2006, pode-se extrair que a violência doméstica e familiar contra a mulher pode ser: i) física; ii) psicológica; iii) moral; iv) sexual; ou v) patrimonial.

Pois bem. No que se refere à violência física, atribui-se que esta pode ser compreendida como qualquer conduta que atinja a integridade ou saúde corporal da mulher (art. 7º, I da Lei nº 11.340/2006).

Dentre alguns exemplos de violência física, tem-se o espacamento, o ato de empurrar, atirar objetos na vítima, morder, mutilar, torturar, seja fazendo uso de armas brancas, como facas ou ferramentas, ou então de fogo (INSTITUTO PATRÍCIA GALVÃO, 2016).

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Na seara criminal, a lesão física causada em âmbito doméstico é punível com pena de detenção de três meses a três anos, com base no art. 129, § 9º do Código Penal (BRASIL, 1940).

A violência psicológica, por sua vez, é entendida como qualquer conduta que cause danos de natureza emocional a mulher, reduzindo a sua autoestima, perturbando seu desenvolvimento ou até mesmo degradando suas ações, comportamentos, crenças e decisões (art. 7º, II da Lei nº 11.340/06).

Tal violência pode ocorrer de maneira isolada como também pode ter ligação com outro tipo de violência já sofrida pela mulher, como é o caso de uma agressão física, onde, consequentemente, a vítima sofrerá um abalo de natureza psíquica.

Dentre todos os tipos de violência praticada contra a mulher, esta tende a ser a forma mais difícil de identificar, uma vez que não deixa sequelas externas.

Já a violência sexual é considerada como qualquer conduta que obrigue ou induza a mulher a manter, presenciar ou participar de relações sexuais contra a sua vontade, ou até mesmo condutas que impeçam a mulher de se utilizar de métodos contraceptivos, forçando-a a engravidar, e até mesmo em alguns casos, a abortar ou se prostituir (art. 7º, III da Lei nº 11.340/06).

Importante mencionar que a violência sexual pode acarretar, além de outras problemáticas, na transmissão de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), além da própria gravidez indesejada pós-estupro.

No caso de gravidez pós-estupro, é válido relembrar que o Código Penal não pune o aborto, se este for praticado por médico devidamente capacitado, e com o consentimento da gestante, ou se menor ou incapaz, de seu representante legal (art. 128, II).

Continuamente, entende-se por violência patrimonial como qualquer conduta que retenha, subtraia ou destrua os objetos pessoais, bens ou valores da mulher (art. 7º, IV da Lei nº 11.340/06).

E por fim, compreende-se como violência moral todos os atos que configurem calúnia, difamação ou injúria a mulher (art. 7º, V da Lei nº 11.340/06).

É o caso, por exemplo, o indivíduo acusar publicamente a mulher por atos não praticados, inventar histórias, de modo que prejudique a imagem da mesma perante terceiros, dentre outros (INSTITUTO PATRÍCIA GALVÃO, 2016).

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Apesar da análise isolada de cada forma de violência contra a mulher, relembra-se que, em regra, estas são cumulativas, tendo em vista que uma espécie costuma desencadear outra.

As consequências na saúde corporal e mental da vítima são inúmeras, podendo esta, a depender da violência cometida, sofrer dores, transtornos digestivos, náuseas, cólicas, insônia, pesadelos, falta de concentração, irritabilidade (BRASIL, 2001, p. 48).

Em certos casos, a vítima pode desenvolver crise de pânico, ansiedade, fobia, sentimentos de inferioridade, fracasso, insegurança, comportamento autodestrutivo, fazendo o uso em excesso de álcool e/ou drogas, isolamento social, acarretando na mudança constante de moradia ou emprego, e até mesmo, tentativas de se suicidar (BRASIL, 2001, p. 48).

Assim sendo, é importante ressaltar que a Lei Maria da Penha foi uma das grandes conquistas para as mulheres brasileiras, tendo em vista que delimitou novos contornos para a proteção da mulher dentro do âmbito doméstico e familiar, buscando preveni-la de todo e qualquer tipo de agressão, seja está realizada por um companheiro, com o qual ainda mantenha uma relação de afeto, por um ex, e até mesmo por membros da própria família, como pai, irmão, genro, mesmo que estes não coabitem o mesmo lar.

Apesar da Lei nº 11.340/06 ser considerada um dos melhores mecanismos de proteção à mulher, autores como Bandeira (2014) visualizam nesta um instrumento acentuado de justiça punitiva, em virtude do fato de que a mulher que fica sob a égide da lei, ao prestar denúncia, obriga a autoridade policial a encaminhá-la ao juiz dentro de um prazo máximo de 48 horas, a fim de que este último decida - também dentro de um período de 48 horas - por aplicar uma ou mais de uma medida protetiva de urgência.

Em regra, essas medidas protetivas consistem em: proibição do agressor de se aproximar da vítima, e em alguns casos, dos próprios filhos; afastamento do lar; restrição ao porte de arma; suspensão de visitas aos filhos menores, e até mesmo detenção do agressor mesmo nos casos em que o delito é considerado como de menor potencial ofensivo.

Neste ponto, é válido rememorar que, anteriormente à promulgação da Lei Maria da Penha, os conflitos envolvendo violência contra a mulher eram solucionados através dos Juizados Especiais Criminais (JECcrims), os quais,

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envolviam, em sua grande maioria, a violência doméstica conjugal contra a mulher, e apesar de consistir em um mecanismo falido, possibilitava a aplicação de medidas alternativas ao processo penal, tal como a conciliação, diferentemente da aplicabilidade da Lei nº 11.340/06 que na tentativa de frear as agressões contra as mulheres, fixou a possibilidade de prisão em flagrante do agressor, mesmo nas infrações de menor potencial ofensivo, as quais, em sua grande maioria, não se tornam casos futuros de homicídio (CNJ, 2018, p. 23).

Ocorre que o modelo de justiça punitivo adotado pela Lei Maria da Penha, isto é, o de retribuir ou punir o agente delituoso pelo ato ilícito causado a vítima, não promove justiça se aplicado isoladamente.

Ao revés, o mesmo acaba prejudicando a finalidade principal da execução da pena, qual seja, a ressocialização do agressor, que consiste na reeducação do indivíduo de modo que este consiga retornar a sociedade livre dos estigmas presentes do atual sistema penitenciário brasileiro.

Neste sentido, cita-se o entendimento consubstanciado de Mello, Rosenblatt e Medeiros:

Ao se fechar à possibilidade restaurativa, vedar a aplicação das medidas despenalizadoras e introduzir inúmeras outras alterações no sistema jurídico penal, a Lei nº 11.340/2006 se valeu de estratégias nitidamente retributivas voltadas para um modelo de justiça que já vem sendo criticado há muito tempo por não alcançar os ideais de ressocialização e prevenção, por reproduzir as desigualdades sociais e, mais ainda, por não solucionar os problemas que se propõe a erradicar. (MELLO; ROSENBLATT; MEDEIROS, 2018, p. 439).

Além disso, tal sistema punitivo tem o poder de tornar ainda mais cruel a situação de certas mulheres, que a depender do emocional, continuam a manter relações com seu companheiro, e consequentemente, acabam sofrendo as consequências do encarceramento de seu parceiro.

Deste modo, Marília Montenegro, aponta que o caráter punitivo da Lei Maria da Penha apresenta, basicamente, duas consequências, sendo uma para a própria vítima e outra para o agressor.

Neste sentido, a autora explica que:

Para a vítima, a primeira consequência ao entrar na Justiça Criminal tradicional é que o seu problema deixa de lhe pertencer. Não poderá deter a ação pública, nem opinar sobre a medida que deve ser aplicada ao agressor, bem como ignorará tudo o que acontecerá a ele depois do

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processo. Para o agressor, configura-se um processo de despersonalização, pois tudo que acontecerá será friamente abstrato, baseando-se no fato praticado, ignorando a sua história de vida. (MONTENEGRO, 2015, p. 187).

Assim sendo, na busca por instrumentos capazes de reduzir as consequências tanto para a vítima como para o acusado, bem como os índices de violência no país e a alarmante crise no sistema de justiça criminal brasileiro, tem-se inserido a proposta de uma Justiça Restaurativa (PALLAMOLLA, 2009, p. 193).

3.2 Justiça Restaurativa e sua aplicação no âmbito penal

Amplamente difundida na América do Norte, em especial no Canadá e nos Estados Unidos, bem como na Nova Zelândia, Austrália, África do Sul e diferentes países da Europa nas décadas de 70 e 80, a Justiça Restaurativa, sob o viés clássico, é definida como um “processo pelo qual as partes envolvidas em uma específica ofensa resolvem, coletivamente, como lidar com as consequências da ofensa e suas implicações para o futuro” (CNJ, 2018, p. 249).

Para Howard Zehr (2012, p. 49), autor considerado como o pioneiro da Justiça Restaurativa, esta consistiria em um processo que envolveria, na medida do possível, todos aqueles que possuem interesse na resolução de determinada ofensa, de modo a identificar os danos causados e as obrigações daquele que o causou, buscando promover de uma maneira simplificada o restabelecimento das partes.

Dentro de uma perspectiva penal, a Justiça Restaurativa caracteriza-se como um:

[...] procedimento de consenso, em que a vítima e o infrator, e, quando apropriado, outras pessoas ou membros da comunidade afetados pelo crime, como sujeitos centrais, participam coletiva e ativamente na construção de soluções para a cura das feridas, dos traumas e perdas causados pelo crime. (SLAKMON; VITTO; PINTO, 2005, p. 20).

Trata-se, portanto, de um mecanismo informal, auxiliar do sistema processual penal formalizado, onde as partes, com a assistência de mediadores e conciliadores tentam solucionar a demanda por meio de uma transação que supra as necessidades de ambas às partes e acarrete benefícios não só para a vítima,

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mas também para o próprio infrator delituoso, em especial no que se refere a sua ressocialização (SLAKMON; VITTO; PINTO, 2005, p. 20).

Ou seja, através da Justiça Restaurativa, busca-se restaurar o dano, e não retribuir ao agressor o mal por este praticado (CNJ, 2018, p. 250).

No que tange ao caráter restaurativo, cumpre mencionar que em 1990, Howard Zehr publicou uma obra intitulada de Changing Lenses: A New Focus for

Crime ad Justice, defendendo fielmente a reparação dos danos por intermédio da

Justiça Restaurativa, bem como propondo uma troca de lentes, de modo a fazer com que a sociedade deixe de enxergar o crime não apenas como uma violação da norma penal incriminadora, merecedor de pena em caráter retributivo (CNJ, 2018, p. 250).

Para referido autor, a Justiça Restaurativa é dotada de três passos, sendo eles:

O primeiro passo na justiça restaurativa é atender às necessidades imediatas, especialmente as da vítima. Depois disso a justiça restaurativa deveria buscar identificar necessidades e obrigações mais amplas. Para tanto o processo deverá, na medida do possível, colocar o poder e a responsabilidade nas mãos dos diretamente envolvidos: a vítima e o ofensor. Deve haver espaço também para o envolvimento da comunidade. Em segundo lugar, ela deve tratar do relacionamento vítima-ofensor facilitando sua interação e a troca de informações sobre o acontecido, sobre cada um dos envolvidos e sobre suas necessidades. Em terceiro lugar, ela deve se concentrar na resolução dos problemas, tratando não apenas das necessidades presentes, mas das intenções futuras. (ZEHR, 2008, p. 24).

No Brasil, é possível encontrar práticas implícitas da Justiça Restaurativa no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), no Estatuto do Idoso e, inclusive, na Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, mesmo que o ordenamento jurídico pátrio adote o princípio da indisponibilidade e da obrigatoriedade da ação penal pública em determinados casos (SLAKMON; VITTO; PINTO, 2005, p. 20).

Implícitas, pois não há dispositivo legal prevendo de maneira expressa a adoção da justiça restaurativa aos procedimentos processuais penais.

No ECA, por exemplo, a justiça restaurativa se faz presente no instituto da remissão, que permite o Ministério Público em perdoar certas infrações cometidas pela criança ou adolescente (SLAKMON; VITTO; PINTO, 2005, p. 29).

No Estatuto do Idoso, a justiça restaurativa prevê que é possível a aplicabilidade da conciliação para os crimes contra idosos cuja pena privativa de liberdade não ultrapasse quatro anos (SLAKMON; VITTO; PINTO, 2005, p. 29).

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Por fim, no que tange a Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais – Lei nº 9.099/95 – esta, por força do art. 98, I da Constituição Federal de 1988, permite a justiça restaurativa, isto é, a conciliação, em procedimento oral e sumaríssimo, de infrações penais de menor potencial ofensivo, assim considerado como os crimes cuja pena máxima seja de até dois anos (SLAKMON; VITTO; PINTO, 2005, p. 29).

As mais recentes tentativas de implantação de técnicas de justiça restaurativa no país datam, no entanto, dos últimos dez anos, a partir da Resolução nº 125/10 que dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Judiciário, e especialmente da Resolução nº 225/16, que dispõe sobre a Política Nacional de Justiça Restaurativa no âmbito do Judiciário, ambas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

De todo modo, apesar de existirem resoluções tratando sobre a temática, fato é que a Justiça Restaurativa ainda é algo implícito na legislação pátria, devendo ser concedida como uma alternativa as partes, que deverão aderi-la de maneira voluntária.

Uma vez aderido pelas partes, o indicado é a instauração de uma audiência conciliatória em um ambiente informal, na presença de mediadores ou facilitadores, que sejam, preferencialmente, psicólogos ou assistentes sociais, para auxiliarem de maneira imparcial na restauração dos danos – finalidade principal da Justiça Restaurativa (SLAKMON; VITTO; PINTO, 2005, p. 45).

Assim, num país que possui um dos sistemas prisionais mais caóticos do mundo, sendo caracterizado pela falta de investimentos públicos na área, déficit estrutural, superlotações, falta de preparo por parte dos agentes penitenciários, vivendo num chamado Estado de Coisas Inconstitucional, em virtude das claras violações generalizadas de direitos fundamentais dos presos, indo contra a uma série de dispositivos constitucionais, como assim já definiu o próprio Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da Ação Direta de Preceito Fundamental (ADPF) 347 MC/DF, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, ocorrido em setembro de 2015, a justiça restaurativa se mostra um caminho extremamente viável para o combate a violência, e consequentemente, a redução do índice de encarcerados e de presos provisórios no país (CUNHA, 2019, p. 16).

Partindo deste pressuposto, primordial analisar a aplicabilidade da Justiça Restaurativa nos casos de violência doméstica e familiar, a qual, conforme verificado

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anteriormente adotou a pena em seu caráter puramente retributivo, deixando de lado a reparação do dano em si.

3.3 Justiça Restaurativa e a violência doméstica e familiar

A luz do disposto anteriormente, a aplicabilidade da Justiça Restaurativa no Brasil é plenamente possível, inclusive no âmbito processual penal, sendo um mecanismo capaz de reduzir a violência e eventuais mazelas do atual sistema retributivo.

Apesar de ser um sistema que, a depender do caso, supre e repara os danos causados a vítima sem, contudo, prejudicar gravemente o acusado, deixando-o a margem do sistema penitenciário brasileiro e todas as mazelas oriundas deste, ainda na atualidade, em situações que o legislador julgou de antemão serem mais ofensivas, não há sequer previsão implícita da Justiça Restaurativa, tal como é o caso da Lei nº 11.340/06.

Pelo contrário, é possível que mesmo nos crimes de menor potencial ofensivo, o agressor seja preso o que deixa explícito o caráter retributivo da Lei Maria da Penha.

Acerca do caráter retributivo, a doutrina pátria coloca que tal sistema encontra-se um tanto quanto defasado. Isto porque, o mesmo é voltado, basicamente, ao interesse público, deixando as decisões sobre o monopólio da justiça criminal, sem direito a uma participação ativa dos envolvidos.

Além disso, o sistema retributivo demonstra-se indiferente as reais necessidades da vítima e do próprio infrator, seguindo um ritual formal e solene, onde o processo decisório cabe tão somente as autoridades do Poder Judiciário.

Ou seja, acarreta em danos não só para o infrator, ou no caso da Lei Maria da Penha, para o agressor, como também gera consequências negativas para a própria vítima, que em sua grande maioria possui laços afetivos com aquele.

Neste ínterim, Slakmon, Vitto e Pinto (2005, p. 26) bem colocam que consistem em alguns efeitos da justiça retributiva para a vítima a não participação ativa desta nos processos, assim como a pouca assistência psicológica, social, econômica ou jurídica por parte do Poder Público, o que acaba gerando em si uma frustração com o próprio sistema processual penal.

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No mesmo sentido, Rosenblatt e Mello (2015, p. 101) apontam que a vítima, em virtude do modelo tradicional de justiça criminal que insiste em prevalecer no país, acaba sendo revitimizada.

Do mesmo modo, a doutrina pátria esclarece que para o infrator, muitas vezes os efeitos do sistema retributivo da pena é ainda mais dramático. Isto porque, a este não é dado o direito a participar do processo, devendo se comunicar por intermédio de advogado ou defensor público, sendo desestimulado a dialogar com a vítima e punido pelos danos causados, se tornando um sujeito intocável perante a sociedade a mercê de um cárcere lotado (SLAKMON; VITTO; PINTO, 2005, p. 27).

Dentro deste contexto, explana Assis (2007, p. 75), em crítica ao sistema retributivo que a situação dos presos brasileiros acaba gerando em uma dupla penalização do condenado, qual seja a pena por si só, e o estado lamentável de saúde que o mesmo adquire durante o período de encarceramento, circunstância esta que torna extremamente difícil a ressocialização do indivíduo.

Em contraponto aos obstáculos encontrados no sistema retributivo é que uma gama de autores defendem a aplicabilidade da Justiça Restaurativa no âmbito da Lei nº 11.340/06, considerando esta não só um mecanismo inovador em tal seara, como também uma necessidade urgente no ordenamento jurídico pátrio (ROSENBLATT; MELLO, 2015, p. 99).

Necessidade, pois mesmo após a implantação da Lei Maria da Penha, o número de violências contra as mulheres continuam elevados no país, chegando a serem registrados, somente em 2017, 82.568 mil relatos de violência contra a mulher, sendo este índice associados em grande parte à violência física e psicológica (BRASIL, 2017, p. 22).

Além de ser um mecanismo insuficiente, na visão das próprias vítimas de violência doméstica e familiar, que muitas vezes buscam um procedimento simples tal como o conciliatório ao invés do sistema de justiça criminal, em virtude da afinidade que possui com o agressor.

Em decorrência dessas relações íntimas e de afeto existentes, diversas pesquisas apontam que as mulheres violadas, ao tornarem público o conflito doméstico e familiar, normalmente não querem retribuir o mal causado pelo agressor, criminalizando-o e o punindo-o. Elas desejam apenas romper o ciclo de violência e restabelecer o pacto familiar e a paz no lar. Até mesmo as mulheres que querem a separação, no caso de violência conjugal, não almejam a persecução penal do agressor; elas preferem que a coesão

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familiar seja mantida, especialmente quando há filhos envolvidos. (CNJ, 2018, p. 281).

Neste sentido, Rosenblatt e Mello (2015, p. 99) chamam a atenção para o fato de que o legislador pátrio ao instituir a Lei nº 11.340/06 não levou em consideração que, na maioria dos casos de violência doméstica e familiar, a vítima possui um laço de afinidade com o agressor, sendo comum esta acabar retomando o vínculo, mesmo se o eventual parceiro estiver encarcerado.

Tal situação acaba trazendo maiores consequências a própria vítima, que além de ter a sua renda diminuída em virtude da prisão do parceiro, e tão logo se encontra desamparada pelo Poder Público, passa a se sentir culpada pelo deslinde processual (ROSENBLATT; MELLO, 2015, p. 102).

Todavia, a falha do deslinde processual não pode recair perante a vítima, e nem sequer perante o agressor, razão pela qual se defende a adoção da Justiça Restaurativa no âmbito da violência doméstica e familiar, que dentre inúmeros benefícios, possui o potencial de: i) empoderar a vítima, ao permitir que esta possa falar e ouvir seu agressor através de um procedimento conciliatório; ii) permitir a discussão de conflitos subjacentes à violência, mas que de certo modo foram determinantes ou influenciaram para a prática do delito; iii) condicionar uma alteração do comportamento agressor mediante o diálogo, e não por meio do encarceramento do mesmo, o qual, na visão do próprio STF, não servem à ressocialização dos presos, fomentando, em verdade, no aumento da criminalidade, pois transformariam pequenos deliquentes em “monstros do crime” (CUNHA, 2019, p. 16).

Além disso, estudos empíricos chegaram a apontar que a utilização da Justiça Restaurativa no âmbito da violência doméstica e familiar evita a prática de novas agressões, bem como reduzem os níveis de estresse pós-traumático da vítima.

Para a aplicação desta no âmbito da Lei Maria da Penha, é necessário, todavia, observar certas práticas, como assim aponta o CNJ:

1) a participação da vítima e do infrator seja voluntária; 2) o mediador seja devidamente treinado (em práticas restaurativas) e experiente no trabalho com vítimas e, mais especificamente, vítimas de violência doméstica; 3) as partes sejam devidamente preparadas antes de qualquer encontro restaurativo, através da realização, por exemplo, de “pré-círculos”; e 4) o agressor reconheça a sua responsabilidade por pelo menos parte dos fatos alegados. (CNJ, 2018, p. 272).

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Assim sendo, tendo em vista que mesmo após a promulgação da Lei Maria da Penha a violência doméstica e familiar contra a mulher continua se perpetrando, mesmo após significas reformas legislativas, verifica-se que uma possível solução a sua redução estaria na aplicabilidade da Justiça Restaurativa a tais casos, ao invés do fadado modelo tradicional retributivo.

Tal mecanismo seria uma forma de beneficiar a própria vítima, dando-lhe a possibilidade de através do diálogo estabelecer uma relação sadia com o eventual agressor.

Na oportunidade, vítima e agressor, gozariam de uma escuta ativa onde ambos poderiam expor os sentimentos que rodeiam aquela relação, para que venha a tona as razões, as angústias e os prejuízos envoltos no determinado conflito.

De acordo com o ministro Enrique Ricardo Lewandowski:

Por meio dessa metodologia, o magistrado, antes de solucionar unilateralmente o litígio, procura alcançar o consenso, reconstruir relações e recompor os danos emergentes. [...] A partir da chamada “escuta ativa” das partes, busca se fazer com que compreendam melhor as respectivas responsabilidades apontando os caminhos ou a convivência pacífica. (CNJ, 2016).

Nesse sentido, observa-se que a mediação penal, uma das principais ferramentas da Justiça Restaurativa, fornece um novo horizonte de possibilidade se utilizada de forma cuidadosa e corente, sendo, desse modo, um instrumento que deságua na consecução de direitos fundamentais, quais sejam, acesso à justiça, dignidade da pessoa humana e o exercício da cidadania.

Tem-se, nessa conjuntura, um caminho para a paz social através do acolhimento, atento às subjetividades e especificidades de cada história que chega ao Poder Judiciário, que permite ao sistema de letra fria em papel, o experimentar e sentir dos dissabores humanos.

Conforme resume Zehr (2008, p.6):

A Justiça Restaurativa coloca as necessidades da vítima no ponto de partida do processo. A responsabilidade pelo ato lesivo e a obrigação de corrigir a situação devem ser assumidas pelo ofensor, que assim deixa de ser um criminoso estigmatizado para se tornar um protagonista.

Desse modo, sob o olhar da Justiça Restaurativa, todos os envolvidos no crime são ouvidos a respeito de suas necessidades particulares, em busca de uma

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resolução que vai muito além de uma simples punição, mas que alcança o problema do desenvolvimento social de cada ser humano afetado direta ou indiretamente pelo crime, possibilitando a restauração de vínculos e humanização do processo penal.

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4 CONCLUSÃO

Ante todo o exposto, pode-se que concluir que a violência contra a mulher ainda é uma realidade alarmante no Brasil, mesmo após o advento da Lei nº 11.340/06 – Lei Maria da Penha –, sendo, inclusive, um problema de saúde pública, e que necessita ser atacado por meios de instrumentos eficazes, tais como a Justiça Restaurativa.

É sabido que, a partir do século XIX, o cenário começou a se alterar, após muito tempo de sofrimento e preconceito, vez que as mulheres começaram a adentrar no mercado de trabalho de maneira formal, passando a exigir de certa maneira, os mesmos direitos que o sexo masculino gozava.

Entretanto, verifica-se que apesar de grandes melhorias terem ocorrido desde os primórdios até os dias atuais, não se pode olvidar que a mulher ainda é discriminada, ou ainda é tida como um “sexo frágil”, isto porque, frequentemente repercute na mídia informações de que uma mulher foi abusada, pois se negou a ter relações com alguém, porque terminou um relacionamento, e até mesmo, por motivos desconhecidos.

Como forma de barrar esta violência crescente contra o sexo feminino, o Brasil, no ano de 2006, promulgou a Lei nº 11.340, denominada de Lei Maria da Penha.

Ocorre que mesmo após a promulgação de referida lei, o país continuou sendo o cenário de atrocidades cometidas contra o sexo feminino.

Parte da doutrina passou então a realizar críticas a Lei nº 11.340/06, em especial ao caráter puramente retributivo desta, isto é, mesmo nos casos de menor potencial ofensivo, a lei em questão não possibilitou de maneira expressa a possibilidade de conciliação entre as partes, quais seja vítima e agressor.

Desta feita, em defesa a aplicabilidade de mecanismos mais céleres e que focam na ressocialização do agressor, e não apenas em sua punição, considerável parcela da doutrina passou a defender a aplicação da Justiça Restaurativa no âmbito da violência doméstica e familiar.

Em resumo, tal mecanismo tem como enfoque a restauração do dano, o qual é realizado mediante a liberalidade das próprias partes: vítima e agressor.

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Referido instrumento já se faz presente em certos países, bem como de maneira implícita na legislação pátria, todavia, não há qualquer sinal do mesmo na Lei Maria da Penha.

Desta feita, tendo em vista o elevado número de violência contra a mulher, bem como o fato desta em sua grande maioria ter como agressor pessoas íntimas daquela, é primordial a aplicação de um mecanismo, tal como a Justiça Restaurativa, para encontrar e resolver de maneira sadia o dando causado a vítima.

Isto porque, o caráter retributivo adotado pela Lei Maria da Penha tem trazido não apenas danos ao agressor, que em virtude de um ato caracterizado como de baixo potencial ofensivo é deixado a mercê de um sistema penitenciário em flagelo, como também a própria vítima, que a ver muitas vezes seu parceiro encarcerado, acaba sendo revitimizada pelo atual sistema processual criminal.

Neste sentido, verificou-se que a aplicação da Justiça Restaurativa no âmbito da violência doméstica e familiar é uma forma de trazer uma responsabilização ativa os eventuais agressores dos danos causados, além de um empoderamento da vítima, sem piorar a situação tanto desta e de seu agressor.

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