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Ética na comunicação em saúde: O papel da assessoria de imprensa durante um surto de Legionella

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Academic year: 2021

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Revista Comunicação Midiática ISSN: 2236-8000

v. 12, n. 2, p. 132-147, maio/ago. 2017

Ética na comunicação em saúde: O papel da assessoria de

imprensa durante um surto de Legionella

La ética en la comunicación para la salud: el papel de la oficina de

prensa de un brote de Legionella

Ethics in health communication: The role of the press

office during a Legionella outbreak

Ana Leonor Morais Santos

Docente do Departamento de Comunicação e Artes da Universidade da Beira Interior (Portugal). Investigadora associada LabCom.IFP - Comunicação, Filosofia e Humanida-des. Licenciada em Filosofia pela Universidade Católica Portuguesa, mestre e doutora

em Filosofia pela Universidade da Beira Interior. Área de atuação: Ética, Filosofia da Ação e Neurofilosofia. moraissantos.ana@gmail.com

Tâmela Medeiros Grafolin

Investigadora associada Labcom.IFP - Comunicação, Filosofia e Humanidades da Uni-versidade da Beira Interior (Portugal). Jornalista graduada pela UniUni-versidade Federal do Pampa (Unipampa), Brasil. Mestre em jornalismo e doutoranda em Ciências da

Co-municação pela Universidade da Beira Interior. Área de atuação: CoCo-municação e Sa-úde. tamelagrafolin@gmail.com

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RESUMO

Em novembro de 2014 o concelho de Vila Franca de Xira foi o centro do maior surto de infecção por Legionella já visto em Portugal. O surto levou os principais veículos de comunicação social à porta do Hospital de Vila Franca de Xira, instituição de referência para o primeiro atendimento aos doentes. Nesse contexto, procuramos evidenciar, através da presente pesquisa, o papel da assessoria de imprensa em instituições de saúde e as reflexões éticas que o setor precisa en-frentar em uma situação de surto de doença. Para o desenvolvimento do trabalho utilizamos conceitos de ética na comunicação em saúde, assim como os conceitos de Bardin (1977) e Hers-covitz (2007) para a análise de conteúdo que realizamos em um universo formado por 44 notí-cias, publicadas nos sites das três emissoras de televisão portuguesas (RTP1, SIC e TVI), nos me-ses de novembro e dezembro de 2014.

Palavras-chave: comunicação em saúde; ética em comunicação; assessoria de imprensa.

RESUMEN

En noviembre de 2014, el municipio de Vila Franca de Xira fue el centro del mayor brote de infección por Legionella que se haya visto en Portugal. El brote llevó a los principales medios de comunicación frente a la puerta del Hospital Vila Franca de Xira, una institución sanitaria de re-ferencia en atención primaria. En este contexto, procuramos destacar, a través de la presente investigación, el papel de la asesoría de prensa en las instituciones sanitarias y las consideracio-nes éticas que el sector debe enfrentar. Para el desarrollo del trabajo utilizamos conceptos de ética en comunicación sanitaria, así como los conceptos de Bardin (1977) y Herscovitz (2007) para el análisis de contenidos que llevamos a cabo en un universo formado por 44 noticias pu-blicadas en los sitios web de las tres cadenas de televisión portuguesas (RTP1, SIC y TVI) en los meses de noviembre y diciembre de 2014.

Palabras clave: comunicación sanitária; ética en comunicación; oficina de prensa.

ABSTRACT

In November 2014 the municipality of Vila Franca de Xira was the center of the largest outbreak of Legionella infection ever seen in Portugal. The outbreak brought the mainstream media to the front of the door of the Vila Franca de Xira Hospital, a reference institution for the first pa-tient care. In this context, we seek to highlight, through the present research, the role of the midia relations in health institutions and the ethical considerations that the sector must face. For the development of the work we use concepts of ethics in health communication, as well as the concepts of Bardin (1977) and Herscovitz (2007) for the analysis of content that we carry out in a universe formed by 44 news stories, published on the websites of the three portuguese TV stations (RTP1, SIC and TVI) in the months of November and December 2014.

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Introdução

Discutir ética sempre é fundamental para a prática da comunicação social e se ao longo dos anos a preocupação recaiu sobre “quem publicará primeiro” ou “quem publicará o assunto mais impactante”, hoje, com o advento de novos meios, e a reformulação de anti-gos, de propagação de informações, o público tem se tornado mais crítico, mais exigente e conhecedor dos seus direitos como consumidor da informação. Na área da saúde esse as-pecto é ainda mais delicado. Se médicos, enfermeiros e demais profissionais da área muitas vezes não conseguem se fazer entender e instigar na população a importância dos cuidados com a saúde e o bem-estar, caberá aos profissionais da comunicação social ajudar na for-mação da literacia em saúde, estejam esses profissionais nas redações dos meios de comuni-cação social ou atuando nos departamentos de comunicomuni-cação das instituições de saúde.

Em um departamento de comunicação de uma instituição de saúde a reflexão ética é um dever, não só para com a empresa para a qual se trabalha, mas principalmente para com os pacientes, seus direitos como pessoas em situação vulnerável e seus familiares. A dificul-dade, no entanto, surge quando em certos casos, como surtos de doenças, epidemias ou pandemia, é necessário encontrar um ponto de equilíbrio entre os direitos do paciente e o direito à informação da população envolvida. É na reflexão ética para o encontro desse ponto de equilíbrio que desenvolvemos o presente estudo.

O nosso tema de pesquisa se resume à análise do trabalho desenvolvido pela asses-soria de imprensa de hospitais no que se refere à reflexão ética para a divulgação de infor-mações durante um período de surto de doença. Escolhemos como caso para análise o de-partamento de Comunicação e Sustentabilidade do Hospital de Vila Franca de Xira no con-celho de Vila Franca de Xira, em Portugal, que foi a instituição de referência no atendimento de pacientes vítimas do surto de infecção por Legionella. O surto ocorreu entre os dias 7 e 21 de novembro de 2014 e atingiu 375 pessoas, das quais 12 acabaram por falecer. Nos anos seguintes - 2015 e 2016 - não foi observado nenhum surto dessa bactéria. O tema foi escol-hido devido à cobertura midiática do surto ter levantado questões tanto para a assessoria de imprensa do hospital quanto para a Direção Geral de Saúde portuguesa. Informar sem pre-judicar o direito à privacidade de pacientes e profissionais da saúde se tornou um desafio do departamento de comunicação durante os três primeiros dias do surto, nos quais os meios de comunicação social buscavam informações como: quantos pacientes estavam internados, quais os sintomas da doença, como ocorre o contágio e qual a origem do surto. Para anali-sarmos as informações fornecidas pelo departamento de Comunicação e Sustentabilidade do hospital, elaboramos um conjunto de critérios a ser observado, a partir de documentos cria-dos por autoridades portuguesas, que delimitam os direitos e deveres de profissionais da saúde, de pacientes e dos profissionais em comunicação.

Ética na Comunicação

A existência de princípios universais, que servem de base para a formação e a conduta éticas nas profissões da área da comunicação, encontra-se plasmada em códigos de ética, códigos deontológicos e códigos de conduta.

Historicamente, começou a se pensar na importância de uma ética da comunicação com a implantação da imprensa e o advento das restantes mídias favorecidas pela evolução

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tecnológica, “pelo aumento dos índices culturais das populações e pelo crescimento econômico” (Assis Ferreira, 2007, p. 33), contexto no qual cada órgão de comunicação se torna um fórum de cruzamento de diferentes pontos de vista sobre o mundo. Foi ao se tor-nar um instrumento de expressão do pensamento e, por consequência, de observação e di-vulgação do que acontecia no mundo, que surgiu uma necessidade de autodisciplina da mídia, atendendo ao poder que a ela é dado e à evidência que poder e responsabilidade evoluem numa proporcionalidade direta.

Sendo uma área de conhecimento da conduta humana, a ética aborda questões rela-tivas ao comportamento individual e coletivo, tendo atualmente, na sua vertente aplicada, uma forte presença em muitas áreas profissionais. Ela nos interpela e nos leva a refletir sobre as nossas atitudes e os nossos valores profissionais, enquanto indivíduos e enquanto classe profissional, que assume determinadas responsabilidades. No caso da comunicação, pode-mos avançar que a ética “atinge o verdadeiro núcleo da questão de por que tepode-mos um sistema de comunicação e do que pensamos que este deva realizar” (Plaisance, 2011, p. 45). As es-colhas consideradas corretas e a respectiva justificação estão, portanto, no cerne da ética.

Foi na década de 1970 que surgiram as primeiras preocupações e estudos sobre a ética aplicada à comunicação - meios de comunicação social e profissionais. Como exemplo dessa preocupação temos a publicação do Relatório MacBride, em 1980: a discussão sobre democratização da comunicação e as trocas desiguais nas indústrias culturais (Ladeira, 2012, p. 667), principalmente as diferenças na indústria da informação de países desenvolvidos e em desenvolvimento, fomentada durante os anos 1970, resulta na criação de tal relatório. “O Relatório MacBride propunha produzir uma Nova Ordem Mundial de Comunicação e In-formação, processo de criatividade social voltado a afirmar novas visões de mundo” (Ladeira, 2012, p. 668); propunha a revisão de valores e salientava a igualdade entre mídias de todos os países do mundo. Foi por meio do Relatório MacBride que passou a se pensar a ética da mídia de forma internacional, ultrapassando - ou avançando sobre - as pesquisas dominantes sobre ética.

Ética na comunicação em saúde

O estudo da comunicação em saúde, para além da linha médico-paciente, é um campo que se expandiu nos últimos 30 anos, “na procura de explicações para o poderoso papel desempenhado pela comunicação no melhoramento das condições de saúde das po-pulações” (Ruão; Lopes; Marinho, 2012, p. 277). Por ser um campo de estudo relativamente novo, a comunicação em saúde ainda possui diversas ramificações que necessitam de análise. Uma dessas ramificações é o estudo da ética aplicada à comunicação em saúde. Nesse sen-tido, queremos mostrar nesta pesquisa a importância do profissional de comunicação, e de sua reflexão ética, como agente fundamental na assunção da responsabilidade social das em-presas, no caso aqui específico, hospitais, e verificar como esses profissionais atuam perante a comunidade na divulgação de informações para o combate a epidemias, ações de profilaxia e de capacitação dos cidadãos para cuidarem da própria saúde. Refira-se que autores como Amy Guttman e Dennis Thompson comentam sobre ética na área da comunicação em saúde, mas se referem ao tema que abordamos como “ética da informação em saúde” ou “ética nas campanhas de cuidados com a saúde” (Guttman; Thompson, 2011, p. 294). En-tretanto, muitos dos temas e valores defendidos na ética da comunicação em saúde, na

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perspectiva anteriormente citada de médico-paciente, podem servir de base para a reflexão ética na divulgação de informações pelos profissionais da comunicação em saúde. Temos como um dos exemplos a “confidencialidade” que é exigida na relação entre médico e pa-ciente. Se analisarmos o direito à dignidade humana e o valor da vida humana, defendidos na maior parte dos códigos de conduta e na Declaração Universal dos Direitos Humanos, po-demos destacar que os profissionais da comunicação devem respeitar o direito do paciente ao zelo pela sua imagem, pela sua saúde e pelo seu direito à privacidade. E assim como os médicos, os profissionais da comunicação em saúde também enfrentam o dilema de informar ou não, quando isso ferir o direito à privacidade, mas ao mesmo tempo essa privacidade colocar em risco a saúde de outras pessoas. Nesse caso, parece caber mais uma análise dos valores morais do paciente, da reflexão ética desse paciente e não dos profissionais em si. Conforme Guttman e Thompson:

Tornou-se mais comum entre vários profissionais de saúde e organizações de seguros propor, e alguns realmente criaram, o que eles chamam de “car-tilha do paciente” sobre as responsabilidades do doente. Estão especifica-dos nessas cartilhas coisas como as obrigações das pessoas para manter, melhorar e restaurar a saúde e contribuir para o funcionamento eficiente dos serviços de saúde. (...) Algumas das cartilhas incluem responsabilidade para com os outros, por exemplo, como uso de preservativos para preve-nir a propagação de infecções e cuidar de crianças. (Guttman; Thompson, 2011, p. 297)

Outros valores éticos respeitantes à relação entre médico e paciente que podem ser adotados na ética do profissional de comunicação em saúde são: a obrigação para com a verdade (truth-telling), o cuidado com a comunicação de risco (risk communication) e a manipu-lação de informações. Além disso, e de acordo com Guttman e Thompson (2011), a ética na comunicação social da saúde também precisa levar em consideração o pluralismo e a diver-sidade dos contextos em que se insere.

Para além destas referências, há pouca literatura sobre a conduta dos profissionais da comunicação na área da saúde, especificamente assessores de imprensa que atuam em hos-pitais, clínicas ou centros de saúde, literatura essa que permitiria avaliar a postura ética e deontológica dos profissionais, designadamente a respectiva concordância com um código deontológico específico do setor. Por sua vez, as nomenclaturas sobre ética na saúde também variam, não existindo uma “ética do profissional da comunicação em saúde”, mas sim, como já dito, “ética da informação em saúde” e a “ética das campanhas sobre cuidados em saúde”. Ora, estes conceitos não são sobreponíves.

Apesar das circunstâncias notadas, é possível estabelecer alguns valores que um pro-fissional atuante na comunicação empresarial na área da saúde deve avaliar perante decisões relativas a o que informar ao público, tendo em consideração o seu papel na orientação desse público sobre como prevenir doenças, cuidar da própria saúde e da de seus próximos, res-peitando a autonomia que essas pessoas devem ter na tomada de decisões. Valores como a confiabilidade e precisão das informações, sem exageros ou apelo ao medo e ao pânico ge-neralizados; informar com responsabilidade e respeitando a dignidade humana dos envolvi-dos - como os doentes e familiares durante o surto de Legionella em Vila Franca de Xira -, para que não sejam vítimas de preconceito ou marginalizados pela sua condição; não utilizar

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a informação como meio de manter o controle sobre aqueles que não a possuem e assim os manipular; entre outros. Embora na prática alguns profissionais justifiquem o uso da comu-nicação de maneira oposta à citada acima como sendo a única forma de incentivar o público a cuidar da própria saúde, outros dizem o contrário e apontam questões éticas sobre a mani-pulação de informações, uso de práticas persuasivas, uso do medo e da ansiedade. Para Gu-ttman e Thompson (2011), por exemplo, é moralmente errado manipular emocionalmente as pessoas, porque, ao fazê-lo, negamos a essas pessoas o direito de se engajar de forma autônoma na prevenção de doenças e propagação da saúde. Além disso, os autores apontam que provocar o medo ao divulgar informações pode fazer com essas informações sejam com-preendidas de forma equivocada. Na verdade, do ponto de vista ético, a manipulação pode ser sempre condenada por pressupor a negação da autonomia do outro, da mesma forma que o recurso a uma “heurística do medo” suscita dúvidas na sua legitimidade, ainda que sustentada em boas intenções.

Ação da assessoria de imprensa em âmbito hospitalar

A ética em ambientes empresariais deixou de ser um tema abstrato para de fato ter relação, inclusive, com o desempenho financeiro das instituições, organizações e empresas, pois a ação irresponsável e antiética de funcionários e dirigentes acarreta a perda de confiança dos públicos da empresa, e até a desmotivação de empregados. Como resultado da perda de confiança surge a queda no número de consumidores, de fornecedores e a diminuição do ritmo de trabalho de funcionários. Conforme Formentini e Oliveira, “entre as razões que têm promovido a ética no ambiente empresarial destacam-se os altos custos de escândalos” (Formentini; Oliveira, 2002, p. 5), associados a comportamentos antiéticos. Em uma reali-dade na qual a competitivireali-dade costuma fazer com que os valores éticos sejam revistos e até ignorados, o público - como sociedade - passou a exigir das instituições, além da qualidade nos serviços que oferecem, um comportamento que demonstre preocupação com a socie-dade e ações que tenham consideração por valores e princípios éticos fundamentais. Para Formentini e Oliveira (2002), esse relacionamento com a comunidade precisa seguir padrões éticos, no sentido de estimular o compromisso social das empresas.

Quando a empresa atua na área da saúde, a atenção à comunicação e divulgação de informações para seu público deve ser redobrada, dado que essas instituições trabalham com prestação de serviços como diagnósticos, tratamentos, contenção de doenças, realização de programas de conscientização sobre patologias e divulgação de informações essenciais para a literacia sobre saúde da população, pois, como define Malagón-Londoño et al (2003), o hospital é:

(...) uma parte integrante da organização médica social, cuja função é pro-porcionar à população atenção médica completa, tanto preventiva como curativa, e cujo serviço de consultas externas (extra – hospitalar) alcança a família em seu lar. O hospital é também um centro de preparação e trei-namento de profissionais de saúde, de pesquisa biossocial. (Malagón-Lon-doño et al, 2003, p. 5)

E se no princípio os hospitais, conforme Malagón-Londoño et al (2003), trabalhavam de forma direta no tratamento de recuperação da saúde, com ações isoladas e autônomas, de

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forma desarticulada da responsabilidade que não envolvesse o procedimento imediato para recuperação da saúde, atualmente os hospitais estão incorporados aos sistemas integrados de saúde.

Quanto ao papel informativo de uma instituição de saúde, Kreps et al ainda comen-tam que “evidências sugerem que os problemas com a prestação de cuidados com a saúde estão relacionados de forma próxima à falta de comunicação e à desinformação, uma falha de cooperação entre provedor-consumidor e um pobre compartilhamento de informações sobre saúde” (Kreps et al, 2011, p. 15). Embora os autores façam referência à comunicação médico-paciente ou instituição de saúde-paciente, os efeitos da desinformação são devasta-dores na sociedade como um todo. O caso do surto de Legionella em Vila Franca de Xira pode ser citado como um exemplo quando, em um primeiro momento, os meios de comu-nicação divulgaram que a bactéria causadora da doença era transmitida pela água encanada, orientando a população local para que não bebesse essa água. Na verdade, a bactéria era transmitida por gotículas de água que se encontravam no ar de centros de ventilação de fá-bricas contaminadas da região.

Após a finalização dos estudos e com a definição de que a bactéria era transmitida pelo ar, dezenas de pessoas já se encontravam internadas no Hospital de Vila Franca de Xira. A partir desse momento, a assessoria de imprensa da instituição passava a ter um papel im-portante na divulgação de informações, como o estado de saúde dos pacientes, qual o tempo de evolução da doença, a faixa etária das pessoas infectadas e até o gênero dos internados - informações que os meios de comunicação social utilizaram para criar, por conta própria, um suposto perfil dos doentes e das pessoas que estariam em risco.

Em casos como esse, quando o setor de comunicação da instituição é acionado, o responsável pelo relacionamento com a imprensa deve agir tendo em consideração os direi-tos e deveres dos profissionais da saúde e dos pacientes. Além de considerar que as ações da assessoria de imprensa estimulam o compromisso social das empresas ao divulgar as infor-mações necessárias para a prevenção de doenças, em casos de surtos, epidemias, pandemias, etc., essas ações precisam ser orientadas por questões como: a informação causará danos à alguém? É essencial informar tal fato? Não informar poderá causar danos a alguém? Como informar de maneira que seja útil e não prejudicial? Que fontes internas são autorizadas a falar e podem complementar as informações? Estas questões, que se revelam claras e eviden-tes na sua formulação, podem não suscitar respostas igualmente óbvias, tanto mais se tiver-mos em atenção o pluralismo e as diferenças de contexto, aludidos antes.

O relacionamento com a mídia

Mesmo que a organização de saúde possua meios próprios de comunicação com seus públicos, tais como website oficial, informativos impressos ou em áudio e vídeo, é essencial manter um relacionamento com a mídia baseado na transparência, na verdade, na precisão e no respeito pelo trabalho desenvolvido. Agir de forma ética na divulgação de informações propicia mais credibilidade à organização perante a mídia e, por consequência, para seus pú-blicos.

De forma geral, as organizações têm pautado as suas ações comunicacionais pelo uso do modelo tradicional de características informacionais, de transferência de informação (An-drade, 2015). Esse modelo comunicacional de transferência de informação é classificado por Eisnberg e Goodall (2004) como linear, simplificado e incompleto, pois determina que cabe

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ao emissor definir o significado das mensagens, repassando-o aos demais. No entanto, na sociedade em que vivemos, as relações com os meios de comunicação podem e devem ser um modelo simétrico de duas mãos (Andrade, 2015), entendendo-se que os meios de comu-nicação social são organizações - que contam com colaboradores como jornalistas, editores e chefes de redação, entre outros-, e também são um dos públicos prioritários no envio e na recepção de informações por parte de uma assessoria de imprensa. Nesse sentido, a relação simétrica de duas mãos ocorre “mantendo um contato constante com os colaboradores dos media, primeiramente por meio do envio de press-releases necessários e interessantes aos media e a toda a sociedade, sendo as organizações parte delas” (Andrade, 2015, p. 273).

Além dos modelos de ação de uma assessoria de imprensa, alguns autores também categorizam modelos de relacionamento com os meios de comunicação social, de modo que a resposta da mídia e, por consequência, do público depende do modelo adotado. Duarte (2006), por exemplo, dividiu em quatro categorias, ou padrões, o relacionamento de uma assessoria de imprensa - organização - com os meios de comunicação social: 1) Cooperativa: quando se estabelecem e qualificam processos de convivência profissional, mesmo que tensa, com os jornalistas, buscando-se atender suas demandas e irradiar informações de interesse público no meio social; 2) Instrumental: a imprensa é utilizada para obter promoção, visibili-dade, imagem positiva ou ser ferramenta no jogo do poder. O atendimento é feito conforme a conveniência do momento; 3) Defensiva: posição de retração, partindo do pressuposto de que jornalistas são um tipo de problema a evitar; 4) Beligerante: a imprensa é tratada como inimiga; há uma enorme lista de argumentos utilizados para sustentar este comportamento, nem sempre expostos explicitamente.

Como o próprio autor salientou, o modelo de comunicação “Cooperativa” aparenta ser o ideal para organizações ou instituições da área da saúde, pois busca “irradiar infor-mações de interesse público”, uma atitude importante para o enfrentamento de surtos de doenças que precisam ser contidos com a divulgação de informações para prevenir a patolo-gia. A relação cooperativa com os profissionais dos meios de comunicação social se revela não só essencial para o público e para os próprios meios de comunicação, como também para a organização em si, no enfrentamento de períodos de risco e de crise. Na comunicação de/do risco, por exemplo, cabe à assessoria de imprensa - ou de comunicação - informar, sensibilizar e conscientizar (Reis, 2015) a população sobre fatores de risco aos quais está, ou poderá vir a estar, exposta. A comunicação do risco tem como características a sinceridade, a precisão e a clareza, além de princípios de transparência e responsabilidade. Trata-se de um tipo de comunicação que exige de seu comunicador ser proativo e antecipar questões que podem se tornar problemáticas e barreiras para o objetivo da comunicação do risco. Con-forme Reis, existem questões a colocar para antecipar possíveis falhas na comunicação:

(...) a metodologia a seguir deve iniciar-se pela antecipação das questões e preocupações das pessoas, a identificação do público-alvo e stakeholders, por forma a organizar mensagens bem direcionadas e precisas. Como prin-cípio orientador propõe-se que as mensagens respondam às três coisas mais importantes que queremos que o público saiba, três coisas mais im-portantes que o público gostaria de saber e às três coisas mais imim-portantes que o público teria maior probabilidade de se equivocar. (Reis, 2015, p. 315)

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No gerenciamento da comunicação de crise também é essencial uma interação com os meios de comunicação social, que, não podemos deixar de o considerar, se encontram sob pressão. A interação com os meios facilita a transmissão da informação, “contribuindo para a eliminação de ruídos facilitadores de informações desfavoráveis” (REIS, 2015, p. 316). Nesse sentido, a comunicação de crise parte da assessoria de imprensa - ou comunicação - da empresa e atua por meio de um conjunto de ações de comunicação seguidas pela organi-zação para proteger a sua imagem e reputação perante seus públicos. Note-se, contudo, que a preocupação com a imagem e reputação não deve ser colocada como fim em si mesma – o que enviesaria as questões éticas –, mas antes como meio de garantir a confiança dos pú-blicos, necessária à atenção e credibilidade que possam ser dadas às informações. É, por isso, um meio ao serviço do bem geral.

O surto de infecção por Legionella: análise da assessoria de imprensa do Hospital de Vila Franca de Xira

Em novembro de 2014 o concelho de Vila Franca de Xira enfrentou o maior surto de Legionella já presenciado em Portugal e o terceiro maior no mundo. O número de pessoas contaminadas chegou a 375, tendo morrido 12. Os casos de infecção por Legionella foram considerados um surto pelas autoridades de saúde portuguesas por se tratar de uma doença que teve seu aparecimento rápido, assim como pelo aumento no número de casos em um curto espaço de tempo.Os primeiros pacientes diagnosticados com infecção por Legionella apareceram no Hospital de Vila Franca de Xira (de agora em diante referido como HVFX) na madrugada do dia 7 de novembro de 2014. Para atender à demanda de informações sobre a contaminação pela bactéria, o hospital criou um Gabinete de Crise composto pela Direção de Comunicação do HVFX; pela diretora de comunicação do Grupo José de Mello Saúde (administrador do HVFX), Margarida Gonçalves; pelo diretor clínico, médico Carlos Ra-baçal; pela direção de enfermagem; pelos serviços farmacêuticos; e pela Comissão Executiva da instituição.

Para análise do papel da assessoria de imprensa do hospital selecionamos as notícias publicadas sobre o surto de Legionella nos websites das emissoras de sinal aberto de Portugal: Rádio e Televisão de Portugal (RTP1), Sociedade Independente de Comunicação (SIC) e Televisão Independente (TVI) - no período que corresponde ao início da cobertura midiática sobre o surto - 7 de novembro de 2014 - e o fim da mesma no dia 16 de dezembro de 2014. Utilizamos o método de Análise de Conteúdo proposto por Bardin (1977), e de análise de conteúdos jornalísticos proposto por Herscovitz (2007) para o estudo das 568 notícias re-colhidas, sendo 191 notícias publicadas no site da RTP1 (http://www.rtp.pt), 146 notícias no site da SIC (http://sicnoticias.sapo.pt) e 231 notícias no site da TVI (http://www.tvi24.iol.pt). A recolha ocorreu por meio de pesquisa por palavra-chave nos portais das emissoras. A palavra-chave utilizada foi “Legionella”; posteriormente, buscou-se notícias com referência ao ano de 2014; e, por fim, no período entre novembro e dezembro.

Após a formulação das hipóteses e dos objetivos, segundo a estrutura de Bardin (1977), partiu-se para a referenciação dos índices para delimitação das notícias que foram analisadas na abordagem quantitativa. O índice formulado foi a menção do HVFX como fonte nas notícias. Dessa forma, constatou-se que 44 notícias, das 568, utilizaram o HVFX como fonte de informação. Essas 44 notícias formam o corpus da pesquisa. Além da análise das notícias, o estudo contou com a realização de uma entrevista semi-estruturada, realizada

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com a diretora do departamento de Comunicação e Sustentabilidade (a partir de agora refe-renciado como DCS) do hospital, Filipa Almeida, com o intuito comparativo em relação aos resultados obtidos na análise das notícias. A entrevista foi realizada em duas fases, sendo a primeira por telefone e a segunda por e-mail. No total foram feitas vinte e uma perguntas, as quais tinham como tema a estrutura do DCS do hospital, as tarefas de responsabilidade do setor, o papel do departamento durante o surto de Legionella, e quando, como e que infor-mações eram fornecidas aos meios de comunicação social sobre a doença e os pacientes que se encontravam na instituição.

Das 44 notícias que compõem o corpus desta pesquisa, as quais, como referimos, uti-lizam informações passadas pelo HVFX, 13 foram veiculadas no portal na internet da emis-sora de televisão RTP1, 11 notícias no portal na internet da SIC, e 20 no portal da TVI. Nota-se, de início, que a participação do HVFX como fonte ocorre, principalmente, nos dois primeiros dias do surto - 7 e 8 de novembro de 2014. Esses dois primeiros dias concentram 26 das 44 notícias que possuem o HVFX como fonte de informação.Essa constatação co-rrobora a informação fornecida pela diretora do DCS do hospital de que os meios de comu-nicação social procuraram a assessoria de imprensa da instituição nos primeiros dias do surto, já que com a formação da taskforce pelas autoridades de saúde portuguesas, no dia 8, foi de-finido que apenas a Direção Geral de Saúde (pasta inserida no Ministério da Saúde do go-verno português) seria responsável por informar a imprensa sobre o surto.

As 44 notícias foram divididas em quatro categorias definidas pelo tipo de infor-mação passada pelo HVFX. Algumas notícias enquadravam-se em mais de uma categoria. Partindo desse pressuposto, temos as categorias: “Pacientes” - na qual se enquadram as in-formações sobre internações, altas hospitalares, quadro clínico e em que unidade se encon-tram os doentes; “Legionella” - na qual temos a descrição dos sintomas da infecção pela bac-téria, e de como ocorre a contaminação e transmissão da patologia; “Óbito”- mencionamos de que forma o hospital revelou como aconteceram as mortes por Legionella; e “Estrutura” - na qual constam as informações sobre a preparação do hospital para lidar com o surto, como ocorreu o atendimento aos pacientes e qual foi a resposta dos serviços de urgências da insti-tuição para o fluxo de doentes.

Na análise pudemos averiguar que a categoria que comporta o maior número de tícias é a categoria “Pacientes”. Os meios de comunicação social publicaram mais de 30 no-tícias, utilizando o HVFX como fonte, para referenciar o número de pacientes internados com a doença ou com sintomas suspeitos, assim como o quadro clínico destes doentes. A este propósito, não foram suscitadas questões éticas, já que não foram citados nomes nem foi referido qualquer tipo de informação que pudesse colocar em causa a privacidade do paciente. Apenas foram transmitidas informações úteis para a comunidade, como a faixa-etária que poderia estar em risco, tendo em conta os doentes internados.

Algo surpreendente, durante nossa análise, foi observar que a categoria “Legionella” era a categoria com menos notícias incorporadas, pois apenas 15 notícias utilizavam o hos-pital como fonte para informar sobre os sintomas e a forma de contágio da doença. Além disso, as primeiras informações divulgadas pelos meios de comunicação social citados na pesquisa davam conta de que o contágio pela bactéria “poderia” ocorrer pela ingestão de água. Nesse momento, o hospital mostrou-se disponível para esclarecer as informações equi-vocadas sobre contágio que haviam sido divulgadas nos meios de comunicação social, no dia 7 de novembro principalmente, conforme refere Filipa Almeida em entrevista:

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Em primeiro lugar, consideramos importante informar corretamente e es-clarecer a população, bem como desmistificar algumas questões sobre a Legionella, que estavam a criar um alarmismo desnecessário na população, como a questão do contágio entre pessoas, que não se verifica nesta doença, e desmistificar que beber água não constituía um perigo, mas sim a inalação de aerossóis. (Almeida, em entrevista por e-mail em 11 de maio de 2016)

O mesmo se pode observar na coletiva de imprensa dada pelo diretor clínico e porta-voz do HVFX, Carlos Rabaçal, no primeiro dia do surto. Até o momento da coletiva, às 20 horas do dia 7 de novembro, as principais informações que chegavam ao público eram de que deveria ser evitado o contato com pessoas doentes e a não ingestão de água canalizada – o que mostra, simultaneamente, a falta de rigor jornalístico na abordagem do caso e a importância da comunicação em saúde sustentada na autoridade científica.

O que eu vos posso dizer, enfim, utilizar os vossos meios de comunicação para dizer às pessoas, é que esta doença não se transmite pelo consumo de água, como já foi dito, não se transmite por contato entre pessoas. E portanto, sob este ponto de vista, as pessoas podem ficar tranquilas. (Ra-baçal, diretor clínico e porta-voz do HVFX, em entrevista coletiva cedida à imprensa em 7 de novembro de 2014, às 20h)

Os jornalistas ainda têm em fontes como médicos, instituições de saúde e represen-tantes de órgãos públicos de saúde, uma forma de legitimar as informações que utilizam em suas produções, como defende Kuscinsky (2002, p. 96). Esse fato aumenta a responsabili-dade das instituições de saúde, dos médicos e demais profissionais que trabalham em tal instituição, pois é importante que todos os profissionais envolvidos no atendimento dos pa-cientes, mesmo respeitando princípios como a confidencialidade e respeito pela dignidade humana, participem do esclarecimento sobre a doença - no caso Legionella -, seja explicando as formas de contágio, seja na explicação dos sintomas.

Na categoria “Óbito” foram 15 as notícias incorporadas. Nessa categoria, o hospital também não originou problemas éticos, tendo em consideração que em nenhum momento foi divulgado o nome das pessoas, foi feita exposição de sua imagem, nem foi melindrada sua dignidade. Ainda assim, a instituição decidiu divulgar esse tipo de informação para alertar que a doença poderia ser fatal.

A categoria “Estrutura” foi a segunda categoria com maior número de notícias: 19 no total. Os meios de comunicação social demonstravam interesse em saber se o hospital possuía capacidade física para receber e atender com qualidade os pacientes que ali chegavam. Dentro desse aspecto as notícias também abordaram a resposta do hospital, para o que os meios de comunicação consideraram a lotação das urgências e também a qualidade do aten-dimento aos doentes com suspeita de infecção por Legionella. Neste caso, o tipo de infor-mação ao longo dos dias variou, começando pelo contato com as autoridades de saúde, pas-sando pela reorganização das urgências, solicitação de mais profissionais para atender os pa-cientes e terminando em como de fato acontecia o atendimento dos doentes.

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A partir da análise de conteúdo das notícias já mencionadas, notamos que a partici-pação do hospital como fonte de informação durante o surto de Legionella em Vila Franca de Xira aconteceu principalmente nos dias 7 e 8 de novembro de 2014, também tendo alguma relevância nos dias 9 e 10 de novembro. Como também pudemos observar, o médico Carlos Rabaçal, diretor clínico do hospital, atuou como porta-voz da instituição para prestar infor-mações aos meios de comunicação social. De acordo com a diretora do DCS do hospital, é uma norma da instituição o diretor clínico fornecer informações aos meios de comunicação social quando o assunto abordado é referente a temas de natureza clínica – o que suporta a nossa afirmação da importância da autoridade científica na transmissão de informações rela-tivas a saúde pública. A imagem do diretor clínico e as informações por ele fornecidas esti-veram presentes em 20 notícias das 44 analisadas. As demais informações ou foram transmi-tidas por nota oficial ou não faziam referência clara e direta ao diretor clínico.

De acordo ainda com as notícias analisadas, em 9 casos as informações foram envia-das à imprensa por meio de notas oficiais do hospital, notas habitualmente divulgaenvia-das por volta das 12 horas durante os primeiros dias do surto. O conteúdo expresso no material enviado pela assessoria de imprensa continha dados como o número de pacientes internados com Legionella, quantos se encontravam em estado mais grave, faixa etária desses pacientes, gênero e número de transferências para outras instituições de saúde. É de ressaltar que todas as informações passadas pelo hospital, seja pelo seu porta-voz, seja por meio de nota, respei-taram valores para reflexão ética na área da comunicação em saúde, como a transparência, responsabilidade, cidadania, respeito pelos direitos dos pacientes, dos profissionais de saúde, assim como a responsabilidade pela formação da literacia em saúde da comunidade. Notou-se a preNotou-sença de uma rigorosa estrutura da informação baNotou-seada em pressupostos deontoló-gicos não só da profissional de comunicação da instituição. A partir da entrevista realizada com a diretora do departamento de Comunicação e Sustentabilidade do HVFX chegamos a algumas considerações quanto à forma de atuação da assessoria de imprensa do hospital. Se, em um primeiro momento, a assessoria de imprensa assume uma característica “reativa”, pois atuou de maneira a confirmar os casos de internação sem disponibilizar mais pormeno-res - pelo fato de não se ter confirmado, na altura, que os casos se tratavam de infecção por

Legionella -, em um segundo momento assume uma postura de proatividade tendo em

consi-deração a responsabilidade do hospital de instruir a população do concelho.

Não obstante a notada observância de valores éticos na comunicação em saúde, não foi possível apurar o grau de linearidade com que tais valores foram atendidos. Sabemos que a complexidade do real nem sempre acompanha a abstração conceitual e se, por um lado, os valores éticos podem revelar-se incompatíveis numa determinada situação – configurando casos de dilemas –, por outro, as escolhas que venham a ser feitas dependerão de uma hiera-quia axiológica que, no exercício de uma profissão, deve articular o êthos individual, a pers-pectiva dos colegas envolvidos e a deontologia profissional. Neste sentido, mesmo um acordo teórico acerca dos princípios que devem nortear uma escolha e uma ação não garante um procedimento isento de dilemas, nomeadamente em contextos de crise.

Considerações finais

A questão problema de nossa pesquisa interroga se a assessoria de imprensa do HVFX teve em consideração uma reflexão ética para a definição sobre o que deveria e o que

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não deveria ser divulgado sobre os pacientes internados contaminados com Legionella. Sobre esse aspecto, ao analisarmos as notícias e as compararmos com o que foi dito em entrevista pela diretora do DCS, é possível verificar que, de fato, o hospital respeitou valores e princí-pios para reflexão ética do que deveria ser informado. Em nenhum momento houve expo-sição de nomes e imagens de pacientes, assim como as idades não foram expostas caso a caso, mas sim apresentadas como “faixa etária”, uma informação ampla. Os conteúdos mais complexos e que mais exigiram do profissional de assessoria de imprensa do hospital, e por consequência do porta-voz, foram os relativos aos óbitos e quadro clínico dos pacientes, pois a Carta dos Direitos e Deveres dos Pacientes (1998), publicada em Portugal, deixa claro que todas as informações relativas à pessoa doente – como situação clínica, diagnóstica e dados pessoais – são confidenciais.

A presente pesquisa é oriunda de um trabalho mais amplo que resultou em uma dis-sertação de mestrado, na parte que aqui apresentamos defendemos que a assessoria de im-prensa na área da saúde deve considerar valores como responsabilidade, respeito, honesti-dade, verdade e cidadania, não só relativamente à instituição, mas também às pessoas que nela trabalham e àquelas que recebem seus serviços. Foi partindo deste pressuposto que re-colhemos os dados que foram objeto dessa análise.

Observou-se na divulgação dos óbitos por parte do hospital uma referência às pato-logias que os pacientes apresentavam antes de contrair a infecção por Legionella. Devido ao contexto da doença, no qual pessoas com outras enfermidades associadas tinham o risco de morte aumentado, era importante manter a comunidade alerta para esse fato de forma a incentivar o cuidado com a saúde e a prevenção de Legionella por essas pessoas consideradas “grupo de risco”. Prestar esclarecimentos sobre a preparação e a organização do hospital para receber os pacientes com Legionella foi uma ação positiva e acertada da assessoria de imprensa, pois dessa maneira transmite confiança para a comunidade.

Durante o período que coube ao hospital informar sobre o surto de Legionella, a ins-tituição o fazia por meio de um porta-voz para assuntos clínicos, o médico Carlos Rabaçal. O porta-voz atuava em parceria com a assessoria de imprensa na recolha, discussão e prepa-ração do conteúdo a ser divulgado. Esta interatividade é muito importante em contextos que envolvem questões éticas, pois o diálogo ilumina tanto perguntas quanto respostas. Na aná-lise das ações, de acordo com os valores para reflexão ética que defendemos no referencial teórico, verificou-se respeito pelo que deve ser a comunicação em saúde. Inclusivamente, a própria diretora do DCS esclareceu que as informações sempre estiveram de acordo com os valores da profissão e do hospital, os quais incluem o respeito pela dignidade humana. Ca-beria discutir, a este propósito, questões como a forma como se conciliam eventuais enten-dimentos diferentes acerca do que é a dignidade, se a transparência nas informações deve ser limitada em algumas circunstâncias e com que critérios, se a obrigação com a verdade é ab-soluta ou deve ser mediada em função de consequências eventualmente nefastas, entre ou-tras. Embora nuclear, este questionamento é paralelo ao foco da nossa pesquisa, pelo que configura um problema a abordar em trabalhos futuros.

Naquilo que nos ocupou, acabamos por concluir que todas as hipóteses levantadas no início da pesquisa se confirmaram. O Departamento de Comunicação e Sustentabilidade (assessoria de imprensa) do Hospital de Vila Franca de Xira de fato seguiu normas internas e externas para a divulgação dos conteúdos. Quando referimos normas internas, falamos sobre os valores defendidos pelo hospital, mesmo não se tratando explicitamente de um

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código de ética. Já ao referirmos as normas externas expomos os valores propostos pelas autoridades nacionais de saúde, as quais atuaram em conjunto com a assessoria de imprensa do hospital na definição do que poderia ou não ser divulgado.

Devemos, contudo, registar um aspecto negativo em relação à difusão de infor-mações sobre o surto de Legionella por parte do hospital: a sua pequena participação, a qual foi limitada a dois dias, não deixando margem para a realização de um trabalho de conscien-tização junto à comunidade – mesmo se tivermos em consideração o Plano Pós-Alta elabo-rado pelo HVFX –, já que em muitas notícias que analisámos, o público entrevistado quei-xou-se da falta de informações por parte das autoridades de saúde, ou colocou em dúvida as informações fornecidas pelos órgãos governamentais como a DGS.

Por fim, quando tomámos conhecimento dos critérios de noticiabilidade utilizados pela assessoria de imprensa e realizámos um comparativo com o que os meios de comuni-cação social analisados utilizaram, verificámos que, mesmo sem existir um código de ética para profissionais da comunicação na área da saúde, alguns dos valores que definimos em nosso referencial teórico como essenciais para a reflexão ética foram respeitados. O Hospital de Vila Franca de Xira, assim como sua assessoria de imprensa, agiram com responsabilidade, honestidade, respeito pelo paciente e pelo profissional de saúde, e tiveram em consideração a população, prezando sobretudo a verdade das informações, o que revela sua aptidão para a cidadania.

Recebido em: 30 maio 2017 Aceito em: 26 jul. 2017

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