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Os Novos Movimentos Religiosos no Brasil Analisados a Partir da Perspectiva da Teologia de Paul Tillich

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Academic year: 2021

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Brasil Analisados a Partir da Perspectiva

da Teologia de Paul Tillich

Leonildo Silveira Campos Introdução

O texto a seguir é mais pretensioso no título do que no conteúdo e tem por intenção reunir algumas contribuições do pensamento de Tillich para a análise da erupção de “novos movimentos religiosos” (NMR) entre nós. Isto não significa que advogamos o emprego de seu pensamento como uma espécie de panacéia ou de fórmula mágica para resolver todos os tipos de problemas, inclusive aqueles de origens sócio-culturais, os quais se expandiram intensamente nos trinta anos que se seguiram a sua morte em 1965.

Antes de mais nada é importante relembrarmos que Tillich nunca deixou de lado, em suas reflexões, os aspectos mais universalizantes do fenômeno místico. Essa preocupação com o místico aparece tam-bém nos textos editados de suas aulas sobre a história do pensamento cristão e dos movimentos teológicos dos últimos dois séculos. Por isso ele ressaltou as religiões de mistério na elaboração da teologia cristã primitiva, a reação montanista, a mística medieval, (incluindo-se aqui Joaquim de Fiori), o misticismo germânico, o pietismo e tantos outros momentos importantes da história do pensamento cristão [1] .

Uma grande contribuição de Tillich, segundo Carl E. Braaten, foi o de superar o preconceito protestante em relação a Idade Média, ao recuperar a importância do misticismo medieval. Inclusive, periodica-mente, ele chamava a atenção de seus alunos para a necessidade de se batizar o misticismo pelo cristianismo, abandonando-se o misticismo abstrato, tipo hinduísta, por um “misticismo concreto” baseado em Cristo [2] . Neste sentido, a missão da teologia, para Tillich, era a de servir como mediadora entre o eterno critério da verdade, manifestada em Jesus Cristo, e as mutáveis experiências e formas de se perceber a realidade dos indivíduos e grupos pertencentes as várias culturas.

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A prática de se fazer teologia acontecia, portanto, nesse movimento contínuo entre a fé e a cultura.

Para dar conta dessa nova metodologia, Tillich elaborou o que posteriormente passou a ser conhecido pelos nomes: “princípio da correlação” ou “teologia da resposta”. Através do emprego dessa met-odologia, o teólogo deveria levar a sério a situação histórica vivida pelo ser humano. O ponto de partida para se fazer teologia seriam as perguntas levantadas pelos seres humanos, em um contexto histórico, social e cultural, isto é, suas realidades concretas. Em conseqüência disso, exige-se que a teologia fale a linguagem da cultura na qual ela se encontra mergulhada e que o teólogo tenha um profundo conhecimento dessa cultura visto que “a religião é a substância da cultura e a cultura é a forma da religião” [3] .

1. O pluralismo e a história das religiões

O pensamento teológico de Tillich se estendeu ao longo de mais de meio século, período este possível de uma divisão em várias fases. Mircea Eliade acreditava que Tillich ao morrer, experimentava a última fase de seu pensamento criador, justamente quando estava seriamente preocupado com o futuro da religião. Tillich participou com Eliade, em 1964, de vários seminários sobre a história das religiões e a teologia sistemática. Era evidente a sua crescente preocupação com a sobrevivência do cris-tianismo diante de novos desafios históricos. Isto pode ser percebido em suas últimas conferências pronunciadas entre 1964 e 1965, reunidas no texto The future of religions [4] . Nelas foram analisados os efeitos da investigação espacial sobre a condição humana, a decadência da idéia de progresso e, finalmente, a significação da história das religiões para o teólogo sistemático. Tillich se sentia um homem de fronteira dentro de uma história que não cessa de apresentar ao teólogo novos desafios.

Mircea Eliade, numa cerimônia fúnebre em memória de Tillich, pronunciou palavras incorporadas na introdução do livro The future of religions, onde ele diz que foi muito significativo ter a última confer-ência pública de Tillich (12.10.65) versado sobre a situação do teólogo diante da história das religiões. Naquela conferência Tillich disse que se houvesse tempo gostaria de reescrever a sua “Teologia Sistemática” à luz do diálogo com a história das religiões.

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Esse desejo mostra que entre a elaboração da “Teologia Sistemáti-ca” e sua morte, Tillich encontrou, além do vazio existencial do Oci-dente, a dinâmica das religiões Orientais e do mundo primitivo. Essa preocupação com a mística oriental se acentuou, ainda segundo Mircea Eliade, desde a visita de Tillich ao Japão, quando lá ele se encontrou e dialogou longamente com sacerdotes e eruditos budistas e xintoistas, experiência essa descrita por Eliade da seguinte forma: “O impacto dessa visita sobre sua vida e pensamento foi tremenda. Pela primeira vez se havia submergido no dinâmico e extremamente variado universo religioso, totalmente diferente das tradições mediterrâneas e judeo-cristãs” [5] . Realmente, Tillich se sentiu muito impressionado com a religião xintoista e sua concepção cósmica, assim como com o budismo e suas escolas zen. Parte desse impacto se refletiu num livro de 1963, em que se reuniu as conferências proferidas por ele dois anos antes, na Universidade de Colômbia, sob o sugestivo título: “O cristianismo e o encontro das religiões do mundo”.

Com essa viagem ao Oriente começou a curta e última fase do pensamento de Tillich, caracterizada por Eliade como uma demonstra-ção de sua enorme capacidade de renovademonstra-ção do pensamento diante de ideologias ou situações históricas diferentes. Mesmo a sua “Teologia Sistemática” teria surgido em conseqüência dessa capacidade de ren-ovação diante de uma situação de rápido processo de secularização no Ocidente. Agora, o idoso teólogo sistemático, se defrontava com a aproximação de uma cultura planetária, mundializada, a qual exigia o diálogo e o abandono do gheto em que os cristãos ocidentais sobre-viveram durante tanto tempo.

Por outro lado, vivia-se no Ocidente, com intensidade, o fenômeno de secularização. Pensava-se que rapidamente seria eliminado do ser humano o sentimento religioso e as necessidades místicas. Conseqüente-mente esperava-se que o relativismo iria dissolver todas as certezas, deixando para a ciência a oportunidade de moldar a experiência de vida das pessoas. Porém, a reação mística não se fez por esperar e imediata-mente começaram a brotar, por todos os lados, processos de ressacraliza-ção do mundo, gerando no campo religioso um pluralismo como antes nunca visto. Assim, os NMR passaram a disputar clientela com religiões historicamente estabelecidas, empregando para isso, muitas vezes,

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es-quemas de marketing. Novos temas para debate surgiram, tais como: a fragmentação do universo religioso, o avanço das religiões não-cristãs, a incapacidade das religiões ocidentais institucionalizadas em responder aos novos desafios culturais então propostos, e a perda do monopólio do campo religioso por parte de católicos e protestantes históricos.

As respostas teológicas, apresentadas nas décadas anteriores a de Tillich, por Barth e Brunner, foram rechaçadas. Não mais se podia aceitar a recusa barthiana da teologia natural e a radical separação entre a identidade de Deus e a humana. Abandonavam-se também os pressupostos teológicos que se fundamentavam na exclusividade da revelação cristã, na desconsideração de outras religiões e na impossi-bilidade de se pensar numa teologia da secularidade ou de uma religião não-religiosa.

Entretanto, nessa época, muitos teólogos, ainda influenciados por Barth, defendiam a idéia de que toda religião se constitui numa vã intenção humana de se chegar até Deus. Diante dessa ênfase, Tillich proclamou em sua última conferência, que “as experiências revelatórias são universalmente humanas” e que “existem poderes reveladores e salvificos em todas as religiões” Porque o homem “recebe a revelação no contexto de sua finitude” e, por isso mesmo, “a recebe de um modo distorcido”. Por isso mesmo, resta ao teólogo sistemático, o exercício de uma crítica que seja mística, profética e secular, possibilitando a elaboração de uma teologia concreta, que tenha uma significação uni-versal [6] .

Por outro lado, Tillich se preocupava em reclamar o caráter particu-lar do cristianismo com a sua missão universal. Para o exercício dessa reflexão ele pensava que as preocupações com a história das religiões e particularmente com a teologia dessa história das religiões, seria de bom proveito para o teólogo. Pois assim, o teólogo sistemático, poderia não somente compreender o movimento presente e a natureza de sua própria situação histórica, como também, as implicações particulares e universais do cristianismo.

Naquela última conferência, Tillich recusou a afirmação de Teil-hard de CTeil-hardin de que o cristianismo incorporaria todos os elementos espirituais do futuro, através de uma consciência universal, centrada na divindade [7] . Para Tillich “não existe um desenvolvimento progressivo

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que evolui de maneira constante, senão que há elementos da experiên-cia da sacralidade que sempre estão presentes” nas religiões, criando assim um estilo religioso particular. É justamente esta “experiência de sacralidade dentro da finitude” que se torna “a base religiosa universal”, considerada a “base sacramental de todas as religiões”, a ser vista, ou-vida e analisada, aqui e agora, apesar de seu caráter misterioso [8] .

Tillich, contudo, enfatizava a impossibilidade dessa sacralidade se esgotar em suas exteriorizações, visto que elas se referem a algo que se encontra mais além do que se pode perceber. A percepção desse “algo mais elevado”, o “Último”, impede a transformação da associação de religiosos em mero clube de moralidade, no qual se perdeu, como em muitos tipos de protestantismo, o senso de sacralidade. Para evitar esse perigo, Tillich propunha o surgimento de uma religião que, por valorizar a base sacramental, impediria a sua demonização, isto é, a mera redução do invisível e transcendental ao visível. Essa religião poderia ser chamada de “Religião do Espírito Concreto”, cuja mis-são seria entre outras, a de unir o elemento extático ao racional numa síntese, entendendo-se aqui por estrutura racional a moral, o legal, o cognoscitivo e o estético. Neste sentido, a história das religiões seria o palco onde a “Religião do Espírito Concreto” estaria sendo gerada por causa de uma “luta de Deus desde a religião e contra ela” e do Christus Victor “contra as implicações demoníacas da religião” [9] .

Nessa época já se percebia claramente os limites da tese da cres-cente secularização. Tillich observava a “incapacidade da secularidade de viver por si só”, a despeito dela ter sido o ponto alto na luta contra a hegemonia da sacralidade [10] . Contudo, tornava-se evidente que a secularidade estava perdendo a luta contra as “semi-religiões”. Elas, to-davia, estavam começando a exercer sobre o ser humano, uma opressão semelhante aquela exercida pelos elementos demoníacos das religiões.

2. Os novos movimentos religiosos e o fim da “era protestante”

Uma das teses mais originais de Paul Tillich foi a de que o Oci-dente, a partir do Renascimento e Reforma, teve a sua cultura plasmada pelo ressurgimento de um princípio revolucionário e profético, respon-sável pela recusa de todo espírito de intolerância e dogmatismo das instituições humanas. A esse tipo ideal de comportamento ele chamou

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de “espírito protestante”; o novo período histórico inaugurado, a “era protestante” e o conjunto institucional resultante, “instituições prot-estantes”. Essas instituições deveriam ser a visibilização do princípio baseado no questionamento da tentação absolutista e de todos os pro-cessos inquisitoriais.

Porém, com o passar do tempo, as “instituições protestantes” pen-saram ser proprietárias do “espírito protestante”, julgando possuir os limites de posse e de atuação desse espírito. Foi assim que, a síntese medieval, se reproduziu no interior do protestantismo, causando a imig-ração do “espírito protestante” para outras instituições e movimentos. Daí a pergunta feita por Tillich, já em texto datado de 1937: “vive-mos o fim da era protestante?” Em outras palavras: assisti“vive-mos o fim do protestantismo juntamente com o desaparecimento das condições sócio-econômicas e culturais que lhe deram origem? Ao responder positivamente ele passou a enumerar as razões para isso, ressaltando os seguintes sinais: dissociação do ideal das massas operárias da cultura capitalista de influência protestante, o risco do desemprego estrutural, a cisão entre o poder produtivo e aquisitivo das massas, o conflito entre a liberdade individual e a submissão as leis do mercado. Para ele, estava em marcha um processo amplo de desintegração de uma cultura com a conseqüente liberação das massas para o sonho totalitário, do qual Hitler era uma das expressões mais evidentes [11] .

Portanto, diante de tais ameaças, a “era protestante” certamente estava no fim, até por sua absoluta impossibilidade de manter as atitudes e formas tradicionais de organização social. Pairava no ar uma forte tendência para o coletivismo das massas, gerando uma desintegração da vida pessoal de cada indivíduo. Esse conjunto de insegurança e in-certezas levaria os indivíduos aos braços de “qualquer agitador capaz de usar e abusar das leis da psicologia das massas” e a uma aspiração por “líderes, símbolos e idéias acima de qualquer crítica”. As massas, conseqüentemente, passariam a crer “na possibilidade do entusiasmo, do sacrifício e da auto-sujeição a idéias e atividades coletivas” [12] .

Havia, não somente na Europa do período anterior a Segunda Guerra, mas em todas as partes do mundo ocidental, uma recusa das maneiras de pensar e agir fundadas na liberdade e autonomia. Assim, “os indivíduos tendo perdido os objetivos, tornam-se acessíveis às

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in-fluências de qualquer tipo de apelo”, predominando nesse contexto, a falta de esperança e de sentido para a vida. “Em tal situação as antigas tradições não subsistem, e no estado de fluxo perpétuo não se podem criar novas tradições” [13] .

O protestantismo estava se deteriorando e, se quisesse sobreviver, teria de ser uma “Igreja das massas”, sendo necessário a experimen-tação de “mudanças fundamentais”. Entre elas, a aquisição de “uma nova compreensão dos símbolos e de todas as coisas”, classificadas por Tillich como “objetividades sagradas”. Somente assim, o protestantismo poderia atingir “os que vivem num mundo desintegrado em busca de reintegração”, oferecendo a estes uma perspectiva crítica face aos novos poderes escravizadores do ser humano [14] .

Nas décadas seguintes a esperança de Tillich não se concretizou, pelo menos no que se relaciona ao protestantismo histórico, dada a incapacidade protestante de produzir mudanças que corrigissem a rota e recuperasse o ímpeto criador do “espírito protestante”. Assim, o protestantismo foi perdendo espaço para os NMR na geração e dis-tribuição de símbolos e esquemas capazes de reinterpretar a vida. Por outro lado, mesmo a expectativa de Tillich, de que a ênfase católica nos sacramentos e símbolos poderia levar o protestantismo e catolicismo a uma renovação, se mostrou impossível de realizar.

3. São os Novos Movimentos Religiosos herdeiros do “princípio protestante” proposto por Tillich?

Com a perda de hegemonia por parte do catolicismo e protes-tantismo sobre o campo religioso, surgiram e cresceram, como já foi afirmado acima, os Novos Movimentos Religiosos, tanto os de tradição cristã como os de origem oriental ou “selvagem”. Na América Latina se expandiu, com notável rapidez, o neopentecostalismo, movimento religioso que busca encarnar a criatividade e o espírito profético, ao lado de movimentos religiosos e filosóficos oriundos de filosofias budista, hinduísta ou pagãs. Nos meios cristãos surgiu também a percepção de que o universo religioso encontra-se fortemente fragmentado, exigindo-se o diálogo com outras religiões e culturas. Aumentando-exigindo-se também a preocupação com uma reflexão teológica sobre a “salvação dos não-cristãos”, que se expressa num “ecumenismo integral” ou

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“macroecu-menismo”, valorizando-se a contemplação e a mística como a base na construção da visão de que a “oikoumene é de todos” [15] .

Contudo, ao se falar sobre NMR esbarramos, antes de mais nada, em dificuldades na terminologia. Tradicionalmente, desde Weber e Troeltsch tem se usado a dicotomia “seita” e “igreja”. Mas, como en-quadrar todos os NMR que surgiram no Ocidente nos últimos 30 anos na categoria “seita”? Este termo somente é entendido em contraposição a “igreja”, na medida em que “seita” denota cisão de um grupo minori-tário por meio da contestação da ortodoxia majoritária de tipo “igreja”. As “seitas”, por outro lado, desenvolvem um ascetismo de negação e abandono da sociedade. São grupos que enfatizam, no dizer de Tro-eltsch, as “realizações pessoais nos campos da ética e da religião, um radical companheirismo de amor, igualdade religiosa e amor fraternal, indiferença em relação à autoridade do Estado e às classes dominantes, aversão às leis técnicas e juramentos, separação entre a vida religiosa e os conflitos econômicos através do ideal da pobreza e da frugalidade.... crítica dos teólogos e guias espirituais oficiais....” [16] É claro que uma tipologia excludente, que valorize apenas esses dois pólos, deixa de lado várias formas de expressões religiosas, principalmente as que valorizam a prática do “misticismo”.

Também, ao se referir aos NMR pode-se perguntar pelo temo “novo”. Em que sentido são novos tais movimentos? Não se trata de trazer à luz do presente movimentos, alguns deles tão antigos quanto a história da humanidade? Certamente eles são “novos” apenas quanto a sua presença intensa no campo religioso do mundo ocidental, há dois milênio dominado hegemonicamente pelo cristianismo em suas várias formas. Pode se perguntar também por seus aspectos religiosos, porque, alguns deles não somente recusam ser assim designados como também se apresentam como “filosofias de vida”.

Mesmo com relação ao neopentecostalismo deve-se observar o seu caráter mutante quanto as suas origens protestantes e pentecostais. Isto porque ele recusa a ética herdada dos movimentos de santidade, a negação pura e simples da política e vida econômica. Privilegiam rituais e práticas comuns no catolicismo rústico e popular, nas religiões mágicas e nas práticas xamânicas de antigas culturas, sincretizando tudo num modelo temperado com as aspirações de prosperidade econômica,

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própria das classes médias inferiores e dos excluídos de uma sociedade que pretende ser de abundância. Esse pentecostalismo perdeu também a sua vocação escatológica pre-milenista, pois, desperta em seus mem-bros o sonho da construção de um Reino de Deus dentro das próprias fronteiras da sociedade de consumo.

Os NMR, a despeito de suas origens, teologias e práticas, apre-sentam algumas das características abaixo mencionadas:

Adesão através da conversão e do abandono dos antigos universos de discursos que davam sentido à vida dos indivíduos.

Exclusivismo e dogmatismo que resultam na estratégia de “donos da verdade”.

Abandono da postura passiva na produção e consumo dos bens religio-sos por intermédio da introdução da espontaneidade e criatividade no culto.

Ênfase na expansão contínua do movimento por meio de proselitismo. Atitude ambígua quanto a sociedade politicamente organizada, que vai da indiferença ou hostilidade até à defesa intransigente do arranjo político-institucional vigente.

Oferta de redes de apoio emocional e calor humano às pessoas carentes de valorização numa sociedade que privilegia tão somente as conquistas materiais.

Cooptação de pessoas para “ilhas de certezas”, de onde emanam rígi-das categorias de pensamento e normas éticas, destinarígi-das a eliminar as inseguranças provocadas pelo relativismo próprio da modernidade e pós-modernidade.

Se fundamentam na autoridade suprema e inquestionável de uma lider-ança carismática, cuja obediência permite a perda do Eu e a aceitação não-crítica de suas ordens e determinações.

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Oferecem uma perspectiva “holistica” de vida, eliminando a fragmentação decorrente da análise cartesiana predominante na cultura ocidental. Permitem a combinação contínua de fragmentos de visões de mundo anteriores, dentro de uma unidade em que se relativizam as diferenças e contrastes, ofertando-se fórmulas simplistas de enquadramento e orien-tação dos problemas concretos da vida quotidiana.

Conclusão

Admite-se atualmente em ciências da religião que os Novos Movimentos Religiosos expressam um processo de reencantamento do mundo. Também afirma-se que está em operação uma situação de “deslocamento” das certezas anteriores, um quadro cultural típico de “pós-modernidade”. Assim, do esforço de se superar o individualismo, o hedonismo e as incertezas, brotam movimentos que fazem da mística a sua base comum, encontrando na devoção do sagrado a motivação para a vida. Crê-se também que o fim das utopias, que secularmente embalaram o sono profundo de multidões de pessoas, abre novos espaços para os quais a religião institucionalizada não se encontrava preparada. Outra vez os NMR buscam ocupar esses espaços, empurrando as “instituições protestantes” em direção ao passado. Resta saber até que ponto esses NMR não restabelecerão novas tiranias sobre as pessoas e conseguirão levá-las a obter um conhecimento espiritual mais profundo que as in-stituições cristalizadas deixaram de permitir.

Retornando ao pensamento de Tillich é possível sintetizar os seguintes pontos:

As igrejas históricas se esqueceram que a experiência mística se dá através de uma articulação entre o “vertical” (significado eterno) e o “horizontal” (realização temporal desse significado) e que, ao privilegiar o horizontal (se contentando com o caráter moral, humanitário e político) elas perderam a dimensão transcendental, deixando de ser morada do “espírito protestante”.

Multiplicam-se, entretanto, no mundo atual, formas de misticis-mos descomprometidos com a transformação do velho em novo ou do

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status quo. Tais misticismos não proporcionam a necessária libertação para a construção de um mundo melhor e nem podem ser considerados herdeiros do “princípio protestante”. Assim, como o protestantismo histórico, esses NMR também correm o risco de se cristalizarem num dogmatismo intolerante e empedernido.

O protestantismo, como espírito de inquietação, está em todos os lugares onde se proclama o novo ser, a situação limite. Isto é, onde a criatividade se encontra a serviço da realização de utopias libertado-ras. Obviamente isto não está acontecendo no interior das instituições tradicionalmente identificadas com o rótulo “protestante”.

Por tudo isso que foi dito, ficou claro que os NMR ganham penetra-ção junto as massas, por causa de seu poder de operar com símbolos, de sua criatividade que valoriza a intuição e de sua facilidade em capturar o imaginário coletivo, plasmando através desta nova mística, maneiras diversas de se perceber e interpretar o mundo cotidiano. Muitos desses elementos estão presentes nas recentes versões de pentecostalismo, batizados entre nós de neopentecostalismo.

Leonildo Silveira Campos é professor de graduação e pós-gradu-ação na UMESP, Universidade Metodista de São Paulo.

NOTAS

[1] Paul Tillich, História do pensamento cristão, S.Paulo, ASTE, 1988 (pp. 27,50,166, 187 e 257).

[2] Carl E.Braaten, Paul Tillich e a tradição cristã clássica, in Paul Tillich, Perspectivas da teologia protestante nos séculos XIX e XX, S.Paulo, ASTE, 1986 (pp.11-28).

[3] Paul Tillich, Systematic Theology, J.Nisbet & Co. Ltd. 1951, p.3. [4] Paul Tillich, El futuro de las religiones, (introdução de Mircea Eliade), Buenos Aires, Aurora, 1976.

[5] Mircea Eliade, op. cit. p.8.

[6] Paul Tillich, Idem, ibidem, pp. 97,98. [7] Idem, ibidem, p.106.

[8] Idem, ibidem, p.107.

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[10] Idem, ibidem, p. 112.

[11] Paul Tillich, A era protestante, S.Paulo, Ciências da Religião, 1982 (pp.239-252).

[12] A tomada do poder pelas forças irracionais na Alemanha, Itália e Rússia, provocou profundas repercussões no pensamento teológico e na própria trajetória biográfica de muitos teólogos de origem européia. Tillich refletiu em seus textos a tragédia que abateu sobre o seu povo em decorrência da liderança carismática de Adolf Hitler, assim como também os pensadores articulados ao redor da “Escola de Frankfurt”. [13] Paul Tillich, Idem, p.241.

[14] Idem, ibidem, p.245.

[15] Julio de Santa Ana, Em favor de um ecumenismo integral, in Tempo e Presença, Ano 15, n.271 (pp.21-22); Leonildo S.Campos, O ecumenismo e os novos movimentos religiosos, in Tempo e Presença, Ano 17, n. 279 (pp.22-24).

[16] Ernst Troeltsch, The social theaching of the christian churches, New York, Harper & Brothers, 1960 (pp.331-343).

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