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SERVIÇO SOCIAL PRESENTE: A luta pela descriminalização e legalização do aborto no Brasil

Jackeline Araujo Silva1

RESUMO:

O artigo visa analisar a problemática do aborto e sua criminalização como um problema social que faz parte da agenda de luta da entidade representativa do Serviço Social. Trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa, com método científico dialético por meio de análise bibliográfica de autores que discutem criticamente essa temática. O estudo constatou fragilidade e escassez de produção científica sobre essa temática no âmbito do Serviço Social, mas verificou que a entidade representativa da profissão apresenta uma compreensão favorável a descriminalização e legalização do aborto no Brasil, pois reconhece como uma questão de saúde pública e de justiça social.

PALAVRAS-CHAVE: Serviço Social. Descriminalização. Legalização. Aborto

ABSTRACT

The article aims to analyze the problem of abortion and its criminalization as a social problem that is part of the struggle agenda of the entity representing Social Service. It is a research of a qualitative nature, with a scientific dialectical method by means of bibliographical analysis of authors that critically discuss this theme. The study found fragility and scarcity of scientific production on this subject in the scope of Social Work, but verified that the representative entity of the profession presents a favorable understanding of the decriminalization and legalization of abortion in Brazil, since it recognizes as a matter of public health and justice social.

KEYWORDS: Social Service. Decriminalization. Legalization. Abortion

1 Mestranda em Políticas Públicas (UFMA), Especialista em Seguridade Social com Habilitação em Docência do Ensino Superior (FAR), Bacharel em Serviço Social (FSA) / jackearaujo-@hotmail.com

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I. INTRODUÇÃO

A temática do aborto é, sem dúvida, uma das questões mais polêmicas e de significância humana e social. A diversidade de opiniões a deixa ser evidente e atual. É um problema que envolve muitos aspectos, sejam eles: sociais, políticos, econômicos, demográficos, médicos, éticos, jurídicos ou religiosos. Desse modo, é necessária uma análise que relacione o movimento histórico da problemática, à realidade jurídica e clínica, para assim compreendê-la como uma temática que deve ser questionada, diante da atual conjuntura social e política do Brasil.

O presente estudo visa compreender sobre a problemática do aborto analisando sua criminalização enquanto norma, e, como um problema social que merece ser repensado, tendo em vista a mudança social apontando novos rumos do tratamento para a questão no Brasil. Apreende-se, assim, sua descriminalização e legalização, pois esta apresenta-se como pauta de luta da categoria profissional do Serviço Social.

Dessa maneira, inicialmente faz-se necessário analisar as características gerais sobre o aborto no Brasil, por conseguinte, compreender a discussão sobre a descriminalização e legalização do aborto, para finalmente, analisar como o Serviço Social de mostra presente na discussão sobre essa problemática e como essa se insere como pauta de luta da profissão.

Metodologicamente, a pesquisa trata-se de uma revisão de literatura, a partir de uma análise bibliográfica de natureza qualitativa, por meio de uma coleta seletiva de livros e artigos científicos de autores que discutem criticamente a temática no âmbito das ciências sociais e políticas a partir do método científico dialético.

II. CARACTERISTICAS GERAIS SOBRE O ABORTO NO BRASIL

As estruturas socioeconômicas e ideológicas de cada época e de cada país, de forma singular, refletem sobre as legislações do aborto no mundo, isso, devido à forma como cada país está estruturado, o nível de influência da religião no Estado, e, a relação do papel dado a mulher no desenvolvimento das sociedades. Apesar de leis contrárias e favoráveis a prática, a temática sempre será polêmica, não só devido à natureza do processo abortivo, mas pelas consequências religiosas, sociais, psicológicas, éticas e morais resultantes da interrupção da gravidez.

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Embora historicamente o aborto esteja associado a tabus e preconceitos, sua prática tem sido realizada ao longo dos séculos, mesmo caracterizada por crime, pecado ou imoralidade. A interpretação sobre o abortamento ocorre diante de um processo social e a diversidade de sua interpretação revela a oscilação de posicionamentos, contrário e concordante, sobre o ato de abortar.

No Brasil o aborto é permitido por lei, apenas em três situações de gestação: a que promove risco de morte à gestante, resultante de estupro e a gestação com fetos anencéfalos. Adesse; Monteiro; Levin (2008) apontam que a tipificação do aborto como delito não impede que a mulher provoque o aborto, mas ocasiona a realização da prática de forma clandestina.

Compreende-se por aborto clandestino, o procedimento feito de forma ilegal, não previsto por lei. Pimentel; Pandjiarjian (2002, p. 75) admitem que “a criminalização do aborto [...] tem como principal consequência sua prática clandestina e em condições insalubres”.

A Organização Mundial da Saúde (2005, p. 157) define abortamento inseguro como “à interrupção da gravidez feita por pessoas sem as competências necessárias ou num ambiente sem os mínimos requisitos ou ambos”. Assim, entende-se por abortamento inseguro, procedimentos relacionados à interrupção da gravidez provocada sem acompanhamento médico treinado e sem condições de higiene necessárias, interferindo diretamente na qualidade de vida da mulher. À vista disso, Santos (2013) afirma que a condição de criminalidade e clandestinidade do aborto tem por consequência o abortamento inseguro.

É essencial ponderar uma diferença entre essas categorias. Nem sempre o aborto clandestino é considerado inseguro. Dessa maneira, Adesse; Monteiro; Levin (2008) revelam:

A prática do aborto inseguro, especialmente, evidencia as diferenças socioeconômicas, culturais e regionais diante da mesma ilegalidade do aborto. Mulheres com mais condições financeiras, geralmente nos grandes centros urbanos, têm acesso a métodos e clínicas de abortamento ilegais de maior higiene e cuidado. Já as mulheres mais carentes — a grande maioria da população feminina brasileira — recorrem aos métodos mais perigosos, com pouca precaução, resultando em alto índice de agravos à saúde. (ADESSE; MONTEIRO; LEVIN, 2008, p. 11).

Percebe-se, assim, que há dois tipos de abortamento clandestino: o inseguro e o seguro. O inseguro, já citado, é feito de qualquer forma, sem cuidados, podendo causar sequelas físicas às mulheres. Já o seguro, é aquele feito em clínicas com assistência adequada, condições de higiene e por médicos treinados, estes, atendem predominantemente mulheres das classes abastadas, uma vez que, é necessário que se pague pelo serviço, (ADESSE; MONTEIRO; LEVIN, 2008).

O abortamento clandestino revela uma desigualdade social, visto que a mulher que não dispõe de recursos econômicos suficientes para obter um procedimento seguro e que

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não coloque em risco sua vida, submete-se ao aborto inseguro. Assim, a prática do aborto clandestino e inseguro é um grave problema de saúde pública e de justiça social, (ADESSE; MONTEIRO; LEVIN, 2008).

Brasil (2013) aponta que na Razão da Mortalidade Materna (RMM) por tipos de causas, o aborto apresenta a 4ª causa da mortalidade materna, que segue infecção puerperal (infecção após o parto), hemorragia e hipertensão. Conforme os dados apontados, Santos (2013) afirma que o aborto clandestino e inseguro é considerado como problema de saúde pública, e que o alto índice de mortalidade materna é uma expressão do não atendimento à população feminina de serviços gratuitos e adequados para o procedimento.

É considerável assim, a relação direta da criminalização da prática, o abortamento inseguro/clandestino e o índice de mortalidade materna que desencadeia toda essa problemática. Segundo a OMS (2013), o abortamento inseguro e a mortalidade materna podem ser evitados na medida em que se têm serviços disponíveis e acessíveis, ao passo que a lei permitir. Além disso, Costa (2012, p. 1004) aponta que “além dos danos à saúde, a criminalização do aborto constitui uma violação aos direitos sexuais e reprodutivos, consequentemente aos direitos humanos”.

Como reflexo do que foi exporto até o momento, cabe avaliar as condições legais do aborto no Brasil, reconhecer a necessidade de repensar as leis proibitivas, ampliarem os permissivos legais e projetar políticas públicas tendo em vista evitar as complicações e mortes provocadas pelo abortamento inseguro, é nesse contexto que se insere a luta pela descriminalização e legalização do aborto no Brasil.

III. A DESCRIMINALIZAÇÃO E A LEGALIZAÇÃO DO ABORTO

Analisando a regulamentação jurídica do Brasil, normas e regras que prescrevem o aborto e relacionando à mortalidade materna, percebeu-se que a condição de ilegalidade da interrupção da gravidez, em casos não previstos pela lei, viabiliza que as mulheres façam o de maneira clandestina.

A criminalização e a clandestinidade do aborto não eliminam sua prática, mas desencadeia diversas problemáticas na vida das mulheres, afetando de forma significativa a saúde e a qualidade de vida daquelas que não tem acesso a métodos e procedimentos seguros.

O processo de descriminalização e legalização devem ocorrer juntos, o primeiro refere-se a não criminalização das mulheres que decidem não darem continuidade a gravidez, independente das situações previstas por lei, e, a segunda reporta-se à regulamentação do

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procedimento abortivo, com a criação de políticas públicas de saúde, as quais se estabelece um prazo-limite de semanas de gestação na qual se permite interromper2, formas de

acolhimento e realização do procedimento na rede pública de saúde e privada, além de garantir orientação e informação sobre planejamento reprodutivo e acesso a métodos contraceptivos, (MESQUITA, 2011).

A decisão por abortar reflete um dilema ético para a mulher que decide o fazer. A construção de opiniões acerca da aprovação, ou não do aborto pela sociedade, é feita basicamente pela Igreja Católica e pelos movimentos políticos e sociais, em destaque o feminista, sendo o primeiro desfavorável à prática e o segundo favorável, (MELO, 2005).

A avaliação da religião sobre o aborto “é clara, simples e taxativa”, Aguirre (2006, p. 13), a considera como algo ruim, pecado e crime. A igreja defende que existe vida desde a concepção, dessa forma equipara o aborto ao homicídio. Na verdade, a concepção da igreja sobre o aborto retrata a herança tradicional, ou seja, a percepção negativa sobre a sexualidade humana. A qual historicamente “condenou o desejo se o prazer sexual, vinculando o exercício da sexualidade à procriação e reduzindo assim, a mulher à função reprodutiva”, conforme Orozco (2009, p. 132).

Essa compreensão da igreja católica se mantém durante séculos por meio do seu poder simbólico. Conforme Citeli; Rosado-Nunes (2010, p. 6) o Brasil é o maior país católico do mundo e “seus valores religiosos atuam fortemente, pela subjetividade, no plano simbólico”. As mesmas autoras consideram que os valores religiosos em relação ao aborto se expressam como uma “violência simbólica” contra as mulheres, que por meio da coação ameaçam a autonomia, liberdade sexual e ao direito de decidir sobre a reprodução destas, via crenças e preconceitos legitimados.

Para o movimento político e social do feminismo, discutir sobre do aborto implica compreender a existência da violência em sociedade e contra a mulher de diversas formas. Assim, é necessário ampliar a discussão para esfera dos diretos humanos no sentido de proteção e garantia à dignidade dos direitos humanos das mulheres, (FREITAS, 2005).

De acordo com Ramírez-Gálvez (2005) o ponto principal das lutas feministas pelo aborto envolve os direitos humanos inerentes às mulheres em destaque os direitos reprodutivos e sexuais. É nesse espaço do campo reprodutivo por meio do exercício da autonomia que o movimento alicerça as reivindicações da capacidade das mulheres para regularem a reprodução e sua sexualidade. A proposta da defesa do aborto assume a “necessidade de se ter acesso legal e seguro à interrupção de um processo gestacional e

2 O presente estudo concorda que a gestação pode ser interrompida até a 12ª semana de gestação,

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constroem-se com base na ideia de ‘direitos’ de afirmação de liberdade e realização da cidadania”, afirma Rosado-Nunes (2006).

É nesse contexto de afirmação dos direitos humanos, de liberdade e cidadania, é que a criminalização das mulheres por provocar o aborto é injusta, desumana e imoral, aponta Rosado-Nunes (2006), pois não se pode exigir das mulheres o prosseguimento de uma gestação compreendo-a apenas como capacidade biológica feminina. Nesse prisma, deve-se analisar a reprodução humana em sua totalidade, observando-a como resultado de um ato de escolha.

A capacidade do controle de reprodução é intrínseca à humanidade. Mulheres e homens decidem quando, quantos e se querem ou não ter filhos/as, esse movimento de pensar e refletir sobre trazer à vida outro ser humano é um ato plenamente humano. Assim

A reprodução humana como escolha, como resultado da decisão tão livre quanto possível, colocando-a, ao mesmo tempo, no campo dos direitos – direitos reprodutivos – permite-se cruzar o campo político da cidadania com o campo da ética e da moral. (ROSADO-NUNES, 2006, p. 32)

A consideração da consciência de escolha que a mulher deve ter sobre a interrupção ou não da gravidez e o entendimento sobre os direitos reprodutivos e sexuais compõe a base da luta pela descriminalização e legalização do aborto, tendo os movimentos feministas como principais atores de reprodução desse movimento.

Oliveira (2005) afirma que a luta da descriminalização e legalização do aborto apresenta quatro princípios éticos, sendo eles: o princípio da integridade corporal, da igualdade, da individualidade e da diversidade. O primeiro remete-se ao direito à segurança e controle do próprio corpo, em que se expressa à liberdade da mulher sobre a reprodução e a sexualidade. O segundo analisa a igualdade de direitos compreendendo que todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade. O terceiro reporta-se à capacidade moral de autonomia e decisões que as mulheres têm de decidir sobre a gestação, e, o quarto princípio refere-se ao respeito que se deve ter às diferenças culturais e de valores na qual as mulheres possuem.

Pimental; Pandjiardjian (2002) concordam e apontam a questão da descriminalização e legalização do aborto como forma legítima de direitos humanos, devendo ser respeitados, além dos princípios citados anteriormente, também a dignidade humana, a não-discriminação e a solidariedade por aqueles que têm entendimento diferenciado sobre a questão. Dessa forma

A descriminalização não vai obrigar a ninguém praticar o aborto. Assim, a consciência individual será finalmente respeitada e os princípios mais

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elementares de nosso ordenamento jurídico tornar-se-ão, enfim, realidade palpável e ao alcance de toda mulher, sem distinção nem privilégios. (PAIXÃO, 2006, p. 210)

Uma legislação que garanta um procedimento abortivo seguro, gratuito e de qualidade dará a mulher a possibilidade de um procedimento que não ponha em risco sua integridade física e mental, sua saúde e sua qualidade de vida. Assim, a descriminalização e legalização do aborto não obrigarão nenhuma mulher a realizá-lo, mas dará suporte àquelas que decidirem por interromper a gravidez.

A questão da descriminalização e legalização do aborto não deve ser apenas um assunto dos movimentos feministas ou das mulheres, deve ser para todos. Mesmo sendo um assunto inerente à possibilidade da mulher de exercer sua liberdade de decisão, autonomia sexual sem ameaça à sua saúde reprodutiva, é também conteúdo de democracia, que pertence a toda sociedade. Assim Ardaillon (2005) aponta que no Brasil o discurso sobre aborto deve-se aprofundar sobre princípios de democracia, tais como:

A tolerância, o pluralismo, a autonomia. Tolerância para um diálogo tão intransigente entre modalidades diferentes, pluralismo de opiniões e respeito à autonomia das decisões das mulheres no campo da reprodução. (ARDAILLON, 2005, p. 280) Nesse viés, uma sociedade que não conceder condições para que mulheres possam decidir de forma livre e consciente, continuar ou não com uma gestação é uma sociedade moral e eticamente questionável. Somente quando a liberdade de escolha passar a ser um valor moral básico na sociedade, as mulheres poderão agir como seres plenamente humanos. (ROSADO-NUNES, 2006).

As mulheres devem ser entendidas como sujeitos de direitos que buscam a liberdade e autonomia como suporte para que possam decidir livremente. Dessa forma a sociedade deve mudar o sentido e o significado da compreensão sobre o aborto no Brasil e perceber que as atitudes individuais interferem no coletivo. Se cada sujeito se questionar e refletir sobre a realidade do aborto no país, perceber a necessidade da mudança de valores sobre o aborto, consequentemente poderão influenciar na mudança das normas que prescrevem essa problemática social.

IV. SERVIÇO SOCIAL PRESENTE: O ABORTO COMO PAUTA DE LUTA

É nesse contexto de luta pela alteração da legislação sobre o aborto no Brasil é que a entidade representativa da categoria profissional do Serviço Social, representada pelo conjunto de conselhos Federal e Regionais CFESS/CRESS, apresenta uma compreensão

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favorável a descriminalização e legalização do aborto “por reconhecer que aborto inseguro é uma gravíssima questão de saúde pública, e, que as mulheres constituem seres éticos capazes de fazerem escolhas de forma consciente e responsável”, como afirma Mesquita (2011, p. 115).

O conjunto CFESS/CRESS, como entidades representantes legais dos assistentes sociais em todo Brasil, reconhecendo as dimensões na qual se insere o aborto, manifestam apoio às lutas os Movimentos Feminista e de Mulheres e pretendem fortalecer as ações do movimento na medida em que discutem sobre a temática em seus fóruns consultivos e deliberativos, afirmam Matos; Mesquita (2014). No ano de 2001 por meio da 40º Encontro Nacional CFESS/CRESS, foram deliberadas diversas ações para integrar a luta pela descriminalização/legalização do aborto no Brasil, sendo elas:

1.Dar continuidade às ações políticas para a divulgação do posicionamento favorável à legalização do aborto considerando como questão de saúde pública e direito das mulheres[...] 2. Acompanhar os projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional, manifestando posição favorável aos que descriminalizam o aborto[...] 3. Criar material para difundir a norma técnica do Ministério da Saúde sobre o aborto legal e seguro como um direito reprodutivo, constitutivo dos direitos humanos. (MATOS; MESQUITA, 2014, p. 46-47)

Dessa maneira, a entidade representativa apoia a agenda de luta dos movimentos políticos e sociais feministas na qual exigem a alteração da lei punitiva do aborto respeitando a autonomia feminina sobre a reprodução e a garantia de uma política de saúde universal e integral às todas as mulheres por parte do estado. Defende-se que a mulher deve exercer de forma livre e consciente o direito de prosseguir ou não com uma gestação, reproduzindo-se como seres plenamente humanos, que gozam da liberdade de escolha.

A compreensão e o reconhecimento do projeto ético-político da profissão dos princípios postos pelo Código de Ética de 1993 possibilitam que os/as assistentes sociais façam intervenções pautadas no reconhecimento da emancipação humana, e, plena expansão dos indivíduos como demanda inerente à liberdade. Dessa forma, a profissão defende à mulher o direito de decidir com liberdade sobre dar, ou não, prosseguimento a uma gestação e o estado deve garantir àquelas que decidirem um procedimento seguro, gratuito e de qualidade.

A categoria profissional aparece nesse contexto como trabalhador social que analisa criticamente a estrutura social e opta pela transformação dessa realidade. Conforme preconiza Freire (2011) o assistente social enquanto educador social não deve silenciar seu posicionamento sobre essa problemática e nem se amarrar em uma neutralidade, caso contrário, este profissional acaba por trabalhar pela preservação do status quo. Dessa forma:

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O trabalhador social que opta pela mudança não teme a liberdade, não prescreve, não manipula, não foge da comunicação, pelo contrário, a procura e vive. Todo seu esforço de caráter humanista centraliza-se no sentido da desmistificação do mundo, da desmistificação da realidade. (FREIRE, 2011, p. 67)

O profissional que se empenha em desvelar a realidade, perceber que ela é transformável e optar pela mudança da realidade sobre o aborto no Brasil, compreende-se que este está reproduzindo os valores de liberdade e emancipação preconizados pelo Código de Ética atual da profissão e fortalecendo o projeto ético-político da profissão.

Sendo assim, identificar o aborto como um direito de saúde, respeitando a autonomia das mulheres e a liberdade, garantindo uma sociedade mais democrática, reconhece-se os direitos das mulheres. A nova legalidade do aborto só será conquistada como um direito se forem mantidas as articulações dos sujeitos que estão em luta contínua para a consolidação desse direito humano.

O presente estudo observa que há poucos estudos e uma escassez de debates que envolvam a problemática no âmbito do Serviço Social, muito embora, o assistente social possa lidar com essa questão em sua prática profissional. Dessa maneira, reconhece-se necessário investimentos em produção de estudos acerca do tema na tentativa de potencializar e fortalecer reflexões teóricas sobre a temática.

V. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente artigo teve como proposta uma análise sobre problemática do aborto e como a discussão sobre a descriminalização e legalização se inserem como pauta de luta do Serviço Social, que por meio de sua entidade representativa legal, conjunto CFESS/CRESS, apresentam uma compreensão favorável e manifestam apoio às lutas os Movimentos Feminista e de Mulheres na busca de fortalecer o debate.

Nesse sentido, foi possível constatar que no Brasil mesmo com a limitação da legislação sobre o aborto, as mulheres não deixam de fazê-lo. Pelo motivo de sua criminalização, as mulheres o fazem de forma clandestina e, na maioria dos casos, submetendo-se a métodos inseguros para interromper a gravidez ocasionando o agravamento de problemas sociais que refletem diretamente na saúde pública.

O estudo reconhece a necessidade da alteração das leis brasileiras proibitivas em busca da ampliação dos permissivos legais e planejamento de políticas públicas que atendam as mulheres que abortam como forma de evitar mortes provocadas pelo abortamento inseguro e considera que a mulher é um ser humano-genérico que deve exercer de forma livre e consciente o direito de escolher prosseguir ou não com uma gestação.

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Dessa forma, a sociedade deve mudar o sentido e o significado da compreensão sobre o aborto no Brasil e perceber que as atitudes individuais interferem no coletivo. Se cada sujeito questionar e refletir sobre a realidade do aborto no país e perceber a necessidade da mudança de valores sobre o aborto, consequentemente poderão influenciar na mudança das normas que prescrevem essa problemática social.

É a partir da construção de novas formas de pensar a realidade que é possível redefinirem a prática do abortamento, tirando-o da esfera da imoralidade e incluindo-o na esfera do direito da liberdade da mulher poder escolher realizá-lo ou não, sem sofrer retaliação morais ou judiciais. O presente estudo pretende contribuir com a possibilidade de reflexão sobre a criminalização do aborto enquanto norma, como um problema social que merece ser repensado, tendo em vista o progresso moral e a mudança social apontando novos rumos do tratamento da questão no Brasil, ou seja, objetivando sua descriminalização e a legalização.

Nesse contexto de luta pela alteração da legislação sobre o aborto no Brasil, é que a entidade representativa da categoria profissional do Serviço Social apresenta uma compreensão favorável a descriminalização e legalização do aborto, pois a reconhece como uma questão de saúde pública incluindo assim a problemática e suas pautas de luta.

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