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Fazendo Gênero 8 - Corpo, Violência e Poder. Florianópolis, de 25 a 28 de agosto de 2008

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Florianópolis, de 25 a 28 de agosto de 2008

Experiência etnográfica de fronteira: exploração sexual de crianças e jovens na tríplice fronteira - Argentina, Brasil e Paraguai

Keila de Moraes (UFSC); DrªMara Coelho Souza de Lago (UFSC) Exploração sexual; tríplice-fronteira; infanto-juvenil

ST 65 – Os paradoxos das migrações internacionais: suas dimensões étnicas, de classe e de gênero Crianças e jovens circulam pelas fronteiras brasileiras. Principalmente na tríplice fronteira entre Brasil, Argentina e Paraguai. Parte desta circulação é marcada pela exploração comercial de sexo, drogas ou mercadorias consideradas ilegais em que estas crianças e jovens são submetidos como instrumentos na mão de traficantes. Muitos são aliciados com a promessa de trabalho fácil e muito dinheiro, mas quando chegam nesta fronteira percebem que a realidade é outra. Precisam pagar com uma rotina árdua de trabalho muitas vezes em regime escravo para se alimentarem. Estes foram resultados de estudos da Organização Internacional do Trabalho, a OIT, que realiza investigações sob as formas de trabalho a que seres humanos são submetidos pelo mundo e buscam a promoção de projetos que possibilitem a melhoria na qualidade de vida dos trabalhadores e garantia de seus direitos. Estes dados também são referidos na Pesquisa Nacional de Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para Fins de Exploração Sexual Comercial (PESTRAF) de 2002, ressaltando que há mais de 4 mil crianças e adolescentes em situação de exploração sexual comercial, na fronteira entre Argentina, Brasil e Paraguai. Este artigo tem referencia numa pesquisa de mestrado realizada na tríplice fronteira com crianças e jovens em situação de exploração sexual.

A exploração sexual comercial de crianças e jovens provoca reações diversas em grande parte das pessoas. A mídia por sua vez contribui para dar visibilidade a um problema social posto pela legislação no campo das violências, ou seja, a exploração é considerada um crime pela constituição brasileira de 1988. Apesar das formas de controle pela Policia Federal de quem transita por estas fronteiras a mídia expõe o quanto é possível transpor estas barreiras sem grandes dificuldades.(Gazeta do Paraná, 20071) A exploração sexual de crianças e adolescentes é prevista no art.227, inciso 4º e dispõe que a lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual(Carvalho, Henrique e Sprandel, Adriana, 20042, p.15) Após a divulgação dos relatórios de rota de tráfico de crianças, adolescentes e mulheres em 2002 e de relatórios desenvolvidos pelo IPEC –Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil - e OIT alguns projetos foram desenvolvidos e financiados por organismos internacionais e pelos governos brasileiro, argentino e paraguaio, com o intuito de diminuir

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o número de crianças e jovens nesta situação. Mas circulando pelas fronteiras como turista ou pesquisadora, nota-se a continuidade dessas situações de abuso e exploração sexual, além do uso destas crianças e jovens para “passar” mercadorias principalmente de Ciudad de Leste/Paraguai para Foz do Iguaçu/Brasil e muitas vezes para outros lugares do Brasil. Esses sujeitos são conhecidos como “Laranjas”.

Crianças e adolescentes circulam na tríplice fronteira. Levam mercadorias, vendem objetos, emprestam seus corpos para variadas atividades. Alguns adultos são vistos atrás destas crianças pegando o dinheiro daquilo que levam, buscam, vendem, inclusive à prostituição. São meninos e meninas de idades variadas que segundo seus relatos lutam da maneira como podem para sobreviver. Convivem diariamente com o medo, mas sentem mais medo daqueles que deveriam protegê-los: a policia, os órgãos de atendimento.

Diante deste estranhamento enfrentado no campo de pesquisa, percebi que para entender este movimento precisaria compreender as legislações dos três paises sobre a exploração sexual infanto-juvenil. Para entender esta situação fez-se necessário “uma avaliação do campo em que se inscrevem as nossas práticas”(Rifiotis, 19973, p. 03). Este trabalho é apenas um ensaio e não pretende dar conta de todo o processo que cerceia estas legislações. O recorte a ser considerado é sobre o entendimento das violências nestes documentos.

Na tríplice fronteira a OIT (Organização Internacional de Trabalho) em compromisso outorgado com a comunidade internacional com respeito à promoção e defesa dos princípios e direitos fundamentais no trabalho, realiza trabalhos de combate a exploração sexual comercial infantil, no âmbito do Programa Internacional para Erradicação do Trabalho Infantil. Dentro do conjunto de intervenções mundiais destinadas a eliminar e prevenir esta forma de exploração de crianças destaca-se a Convenção 182 sobre as piores formas de trabalho infantil aprovada em 01 de junho de 1999. Esta convenção foi aprovada por unanimidade durante a Conferencia Geral da Organização Internacional do Trabalho e ela é complementada pela Recomendação 190. Todos os membros que ratificaram esta Convenção deveriam adotar imediatamente medidas para eliminar e proibir as piores formas de trabalho infantil e entre elas estas exploração sexual comercial de crianças. Criança neste documento é entendida como qualquer pessoa menor de 18 anos. No artigo 2º da Convenção 182 as piores formas de trabalho infantil abrange(Sprandel, 2004)

“a)todas as formas de escravidão ou práticas análogas á escravidão, como a venda e o tráfico de crianças, a servidão por dividas e a condição de servo, o trabalho forçado ou obrigatório, incluído o recrutamento forçado ou obrigatório de crianças para conflitos armados;b) a utilização, o recrutamento ou a oferta de crianças para a prostituição, a produção de pornografia ou atuações pornográficas;c)a utilização, o recrutamento ou a oferta de crianças para a realização de atividades ilícitas, em particular a produção e o

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tráfico de estupefacientes, tal como se definem nos tratados internacionais pertinentes, e d)o trabalho, que por sua natureza ou pelas condições em que se executa, possa provocar danos à saúde, à segurança ou moralidade das crianças.(p.16)

Rifiotis questiona os estudos no campo das violências como muitas vezes um lugar marcado pelo discurso denúncia. Os discursos nas legislações e nos documentos já referidos, como a Convenção 182 e a Recomendação 190 possuem o teor de discurso denúncia. Porem quando se pensa em crianças em situação de exploração sexual a dimensão vivencial (Rifiotis, 1997) considera a dificuldade de olhar para um campo sem entrar em choque com questões culturais de indignação no uso de crianças para fins comercias, principalmente sexual. Por outro lado, nas ruas de todo o país e também na fronteira e do outro lado da fronteira, as pessoas passam por estas crianças, muitas conhecem a finalidade de sua circulação nas ruas, mas, parecem não vê-las. Em outro caminho analítico, não ver, possibilita um não enfretamento frente a uma realidade difícil de transformar por envolver questões da esfera privada e pública. Privada quando envolve família, aliciadores, pessoas que aprendemos culturalmente a não nos envolver para resguardar a própria vida. De outro lado, na esfera publica, as pessoas se dizem cansadas de tanto brigar, pagar e não verem seus direitos preservados. O olhar para a criança em situação de exploração sexual provoca reações de entendimento da existência de violências cometidas contra esta população, mas reverter este problema social é algo que grande parte das pessoas não conhece ou não quer se envolver.

Mas muitas coisas mudaram com relação à proteção a infância. A violência e exploração sexual no Brasil contra crianças e adolescentes tiveram maior visibilidade a partir da criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8069/90), preconizado na Constituição Federal de 1988. Até então, poucos estudos mostravam esta temática. Em 1991 e 1992 Gilberto Dimenstein reuniu depoimentos de meninas do centro e norte do Brasil que viviam a prostituição desde muito jovens (Dimenstein, 19924). No Brasil algumas estatísticas apontadas pelo Centro Brasileiro para Infância e Adolescência e divulgadas pelo Ministério da Ação Social estimam que existam mais de 500 mil meninas em exploração sexual no Brasil (Schreiber, 20015). Na tríplice fronteira estima-se mais de 4 mil e um dos motivos levantados pelo IPEC/OIT (2004) refere-se ao turismo intenso na região e a utilização das crianças e jovens para o transporte de drogas e outras mercadorias de contrabando.

Segundo Falleiros (20006) o conceito de exploração sexual comercial de crianças e jovens começou a ser utilizado após discussão do Estatuto da Criança e do Adolescente, mas antes da década de 90 o termo utilizado era prostituição infanto-juvenil. Com a realização de alguns estudos verificou-se o tráfico de crianças e o uso de pornografia infantil pela Internet e exploração do mercado do verificou-sexo. A partir destas questões o termo exploração sexual infanto-juvenil começou a ser utilizado por abranger

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mais áreas não se restringindo apenas a prostituição, mas também ao tráfico de crianças e jovens, redes de pedofilia na net, etc.

As legislações dos três paises possuem leis que punem o uso de crianças. As violências cometidas são entendidas como crimes passiveis de punição. O termo violência contra a criança e adolescente é entendido nestas legislações como uso e maltrato de crianças, principalmente que prejudiquem o desenvolvimento destas. Nestas legislações e na Convenção 182 e a Recomendação 190 prevê que para modificar o quadro de exploração sexual de crianças principalmente na fronteira há necessidade de combate ao crime organizado. Nos encontros da OIT e do IPEC com organizações governamentais e não-governamentais e nas discussões analíticas das legislações fica claro a dificuldade de implementação de políticas publicas ou de leis que possam combater o crime transnacional. Segundo estes órgãos, as leis estão defasadas quanto ao crescimento e a sofisticação do crime organizado que ultrapassam fronteiras. Por toda a legislação o que vemos são leis voltadas para os crimes contra os costumes e a penalização de quem infringi as leis não afasta os ditos criminosos de suas vitimas. O discurso da vitimização percorre todo o texto legislativo, mas também é recheado de valores e preconceitos que confundem o leitor e pode se traduzir em considerar alguns atos de acordo com a população ou o lugar no qual se encontra. Como exemplo disto é o que coloca o Decreto Lei n° 2848 de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal brasileiro do titulo VI - dos crimes contra os costumes, no capitulo 1 – dos crimes contra a liberdade sexual ( Sprandel, Coord. 2004, p.37) sobre o termo mulher honesta: alguns art como o 216 dispõe que “induzir mulher honesta, mediante fraude, a praticar ou permitir que com ela se pratique ato libidinoso diversa da conjunção carnal: pena – reclusão de 1 (uma) a 2 (dois) anos” . Se for menor de idade a pena duplica. Mas o que pode ser considerado como mulher honesta levanta margens a uma série de condutas morais perigosas para quem julga, a saber considerar sua vestimenta, seus comportamentos, seu estilo de vida. São questões históricas que atravessam as leis e que mudam lentamente, e sabemos que são percepções também de vários grupos.

Outra construção de lei interessante de se observar historicamente é na Argentina. Os antecedentes normativos da lei sobre tráfico de mulheres com fins a prostituição remonta a 1915 e dispõe sobre trafico de brancas. Atualmente a prostituição na Argentina não é considerada um crime, mas algumas formas de proxenetismo(engano, abuso, poder, ameaça ou outra forma de coerção, ou formas de favorecer ou facilitar a prostituição) são passiveis de penalização, principalmente se houver menores de 18 anos envolvidos.

No Paraguai, os autores que analisaram as legislações e outros documentos que visam ao combate ao uso de crianças para a prostituição (Sprandel, Mourão, Carvalho, 2004) perceberam que há uma preocupação com a prevenção mas não com a repressão. Notou-se também pouca efetividade no

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combate a estas formas de crimes contra os costumes. Isto ficou evidente quando estive em pesquisa no Paraguai nos pontos considerados de prostituição de crianças em que via várias delas circulando e indo fazer programas a céu aberto. Em todo o momento em que estive em campo não pareceu que a “ronda” em que policiais ou agentes circulam para coibir estas ações se fizesse presente nestes locais. Isto talvez explique também haver poucas denúncias sobre meninas e meninos em exploração sexual comercial na região.

Uma das questões que envolvem estes estudos e a criação de medidas de prevenção, principalmente pelo Mercosul – Mercado Comum do Sul – sendo que estes problemas sociais afetam o estreitamento de laços comerciais entre os países. A sociedade se torna então mais previsível e previdente (Rifiotis, 1997) preocupadas com o índice de incerteza, tentam se proteger sancionando leis, protocolos, redes de proteção, reafirmam o discurso de acabar com a miséria social para que assim as violências tão marcantes e evidentes nestes lugares possam ceder. Este enfoque na miséria social é outra área de conflito de estudos e de ações. As tentativas dos governos de compreender e combater algumas formas de violências, principalmente o crime organizado não são tão eficazes por talvez se distanciarem e não reconhecerem a dimensão vivencial de grupos que vivem nestas fronteiras.

Referências bibliográficas

1 Jornal Gazeta do Paraná. Foz requisita a Força Nacional para combater a criminalidade na fronteira, 2007, p.3.

2 Sprandel, M. Mourão, A, CarvalhoIPEC, OIT.(2004) Programa de Prevenção e Eliminação da Exploração Sexual de

Meninas, Meninos e adolescentes na fronteira do Paraguai –Brasil. Financiado pelo departamento de trabalho dos Estados Unidos, Cdrom.

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Rifiotis, Theophilos. Antropologia em Primeira Mão. Nos campos da violência: diferença e positividade. Departamento de Antropologia. Laboratório de Estudos das Violências (LEVIS). 1997

4Dimenstein, Gilberto (1992). Meninas da Noite – A prostituição de meninas escravas no Brasil. São Paulo, Editora Ática. 5Schreiber, Elizabeth.(2001) Os direitos fundamentais da criança na violência intrafamiliar. Porto Alegre: Ricardo Lenz. 6 Faleiros, Eva T. Silveira e Campos, Josete.(2000) Repensando os conceitos de violência, abuso e exploração sexual de

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