Universidade
Católica de Brasília
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO
STRICTO SENSU EM PSICOLOGIA
Mestrado
PERSONALIDADE DE CRIMINOSOS SEXUAIS: UM ESTUDO
COM O MÉTODO DE RORSCHACH E A ESCALA HARE PCL-R
Autora: Márcia Maria Pereira Santos
Orientadora: Prof
a. Dr
a. Deise Matos do Amparo
PERSONALIDADE DE CRIMINOSOS SEXUAIS: UM ESTUDO COM O MÉTODO DE
RORSCHACH E A ESCALA HARE PCL-R
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para a obtenção do Título de Mestre em Psicologia.
Orientadora: Dra. Deise Matos do Amparo
Ficha elaborada pela Coordenação de Processamento do Acervo do SIBI – UCB. Pereira Santos. – 2008.
148 f.: il. ; 30 cm.
Dissertação (mestrado) – Universidade Católica de Brasília, 2008.
Orientação: Deise Matos do Amparo.
requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Psicologia, defendida e aprovada, em 03 de dezembro de 2008, pela banca examinadora constituída por:
_________________________________________________________ Profa. Dra. Deise Matos do Amparo
Universidade Católica de Brasília - UCB Orientadora
_________________________________________________________ Prof. Dr. Andrés Eduardo Aguierre Antunes
Universidade de São Paulo - USP Examinador Externo
_________________________________________________________ Prof. Dr. Roberto Menezes de Oliveira
Universidade Católica de Brasília - UCB Examinador Interno
Agradeço imensamente aos meus pais pelo constante apoio ao longo de minha vida. Aos meus queridos irmãos pela tolerância e pelo carinho. A avó Alzira pelas orações e pelos cuidados desde a infância até os dias de hoje. E a todos os meus familiares, que mesmo de
longe torcem pelo meu sucesso.
A minha orientadora Profa. Dra. Deise Matos do Amparo pela inspiração, por acreditar no meu potencial e me estimular a encarar mais esse desafio. Além de ter me transmitido tantos conhecimentos valiosos, que se tornaram um diferencial na minha formação.
Aos professores, Cibelle Antunes Fernandes e Luciano Costa Espírito Santos pelas contribuições teóricas e práticas no decorrer do desenvolvimento dessa pesquisa.
Ao Prof. Dr. Roberto Menezes de Oliveira pelas contribuições no processo de qualificação desse trabalho e por ter aceitado o convite para participar da banca examinadora.
Ao Prof. Dr. Andrés Eduardo Aguierre Antunes pela disposição para participar da Banca Examinadora.
Aos meus colegas do grupo de pesquisa, “Patologias da sexualidade e desafios para o diagnóstico”, Elisson, Maria do Socorro e Monique, pelo apoio mútuo durante o desenvolvimento dessa pesquisa.
A minha querida amiga Aline Marques Cardoso pela parceria e pelo companheirismo durante este ano.
Este estudo tem como objetivo, investigar a estrutura de personalidade de sujeitos que passaram ao ato pela violência sexual; pois esses são comumente rotulados como não humanos, ou considerados todos iguais, geralmente com personalidade perversa. Deste modo, vários estudiosos têm apresentado taxonomias com o propósito de diferenciar os autores de crimes sexuais. Essa tendência em compreender e diferenciar os sujeitos que cometem esse tipo de crime surge da discussão de que o crime não é suficiente para caracterizar a personalidade, pois existem outros fatores que influenciam na conduta delituosa. Este estudo foi realizado por meio de métodos quantitativos e qualitativos. Na parte quantitativa foram realizadas análises estatísticas e comparativas dos resultados objetivos. Já na parte qualitativa foi utilizado o estudo de caso. A amostra foi composta por dez sujeitos que cumpriam pena pelo cometimento de crime sexual no regime semi-aberto. Os instrumentos utilizados foram a Escala Hare PCL-R e o Método de Rorschach. Os resultados desse estudo foram divididos em duas partes. Na primeira, com o objetivo de caracterizar toda a amostra, efetuou-se, primeiramente, uma análise percentual e comparativa dos resultados provenientes da pontuação da escala e dos indicadores presentes nos protocolos do Rorschach, de acordo com os seguintes eixos clássicos: condições intelectuais; capacidade de adaptação e relacionamento humano; controle afetivo e impulsivo. Na escala encontraram-se os seguintes resultados: 40% dos sujeitos têm Transtorno Global de Personalidade; 50% Transtorno Parcial e 10% sem Transtorno de Personalidade. Já no Rorschach identificaram-se os seguintes indicadores: preservação da capacidade intelectual e de adaptação ao pensamento grupal; A% na média ou acima; G>K; G% elevado; D% rebaixado; F% na média ou rebaixado; F+% na média ou elevado; instabilidade emocional (FC<CF+C ou ausência de C); H% entre normal e alto; diversidade de conteúdo humano (H, (H), Hd). Na segunda parte realizaram-se três estudos de caso que foram selecionados a partir da classificação da escala Hare PCL-R: um com Transtorno Global (TG), um com Transtorno Parcial (TP) e outro sem Transtorno de Personalidade (NTP). Os resultados dessa etapa indicaram que o sujeito TG tem uma estrutura de personalidade perversa, caracterizada pela compulsão sexual e pela violência, relação de objeto parcial, superinvestimento no eu e onipotência narcísica, conduta impulsiva, superego enfraquecido e o predomínio do mecanismo da clivagem; já o sujeito TP apresentou uma estrutura perversa, com comportamentos anti-sociais, relação de objeto total, narcisismo salientado, conduta de oposição e impulsiva, superego pouco atuante e predomínio do mecanismo da clivagem; e, o sujeito NTP possui uma estrutura neurótica, com traços de inibição afetiva e dos impulsos, idealização narcísica, superego atuante e predominância do mecanismo do recalque. A partir dos resultados foi possível concluir que os criminosos sexuais não apresentam características de personalidade que permitam unificar o grupo e que a análise estrutural da personalidade representa um excelente recurso para os peritos forenses utilizarem em suas avaliações, principalmente para determinar a individualização da pena, a periculosidade e a probabilidade de reincidência desses criminosos.
This study has the objective to investigate the structure of personality of individuals who passed the act by sexual violence, because those are generally labeled as non-human, or considered all equal, usually with perverse personality. Thus, several scholars have presented taxonomies for the purpose of differentiating the authors of sexual crimes. This tendency to understand and distinguish individuals who commit this type of crime emerge from the fact that the crime is not sufficient to characterize the personality, because there are other factors that influence in the criminal behavior. This study was conducted through qualitative and quantitative methods. At the quantitative part were accomplished statistical and comparative analysis of the objective results. Already in the qualitative part the case study was used. The sample was composed for ten citizens that fulfilled penalty for the committal of sexual crime in the half-open regimen. The instruments used were the The Hare Psychopathy Checklist - Revised scale and Rorschach Method. The results of this study were divided in two parts. At first, with the objective of characterizing the entire sample, was made, firstly, a statistical analysis and comparative of the results from the scores of the scale, which found the following results: 40% of the citizens have Global Personality disorder; 50% Partial disorder and 10% without Personality disorder. In a second time, was realized the Rorschach analysis according to classic lines: intellectual conditions; the ability to adapt and human relationships; emotional and impulsive control. Thus, participants in general presented the following indicators: preserving the intellectual capacity and adaptation to thinking group; A% in average or above; G> K; G% high; D% demoted; F% in average or demoted; F +% in the medium or high, emotional instability (FC<CF + C or absence of C); H% between normal and high; diversity of human content (H, (H), Hd). In the second part, were realized three case studies that were selected based on the classification The Hare Psychopathy Checklist - Revised: one with Global disorder (GD), one with Parcial disorder (PD) and another without Personality disorder (WPD). The results of this phase indicated that the citizen with GT has a structure of personality characterized by perverse sexual compulsion and violence, relation partial object, over-invested in “I” and narcissistic omnipotence, impulsive conduct, superego weakened and predominance of the mechanism of cleavage; but the citizen PD presented a perverse structure, with anti-social behavior, relation of total object, accentuated narcissism, the opposition and impulsive conduct, superego somewhat active and predominance of the mechanism of cleavage; and the citizen WPD owns a neurotic structure, with traces of emotional and impulsive inhibition , narcissistic idealization, active superego and predominance of the mechanism of repression. From the results it was possible to conclude that sex offenders do not have uniform characteristics of personality and that the structural analysis of personality is an excellent resource for forensic experts to use in their assessments, primarily to determine the individualization of the sentence, the danger and probability of recurrence of such criminals.
INTRODUÇÃO 9
CAPÍTULO I - MULTIPLICIDADE DE CLASSIFICAÇÕES E INSTRUMENTOS DE
INVESTIGAÇÃO DE PERSONALIDADE DE CRIMINOSOS SEXUAIS 14
1.1 Crime sexual e a caracterização do criminoso 14
1.2 O criminoso sexual na Escala Hare PCL-R 24
1.3 O criminoso sexual no Método de Rorschach 26
CAPÍTULO II - A ESTRUTURA DE PERSONALIDADE COMO PROBLEMÁTICA
DESSE ESTUDO 29
2.1 Estrutura de personalidade 29
2.2 Elementos estruturais da personalidade 31
2.3 Indicadores da estrutura de personalidade em criminosos sexuais 32
2.3.1 Modo de relação de objeto 33
2.3.2 Incidência do narcisismo 35
2.3.4. Dinâmica psíquica 37 2.4 O Método de Rorschach e os indicadores estruturais 43
2.4.1 Modo de relações de objeto no Rorschach 44
2.4.2 Narcisismo no Rorschach 45
2.4.3 Dinâmica psíquica no Rorschach (Id, Ego e Superego) 47
CAPÍTULO III - MÉTODO 53
3.1 Delineamento da Pesquisa 53
3.2 Participantes 54
3.3 Instrumentos 54
3.3.1 Escala Hare PCL-R(Psychopathy Checklist – Revised) 55
3.3.2 Método de Rorschach 57
3.4 Procedimentos 58
3.4.1 Coleta de informações 58
3.4.2 Análise das informações 60 CAPÍTULO IV - RESULTADOS: ASPECTOS PSICOLÓGICOS E ESTRUTURA DE
4.1.2 Análise do Método de Rorschach de criminosos sexuais 64
4.1.2.1 Condições Intelectuais 64
4.1.2.2 Capacidade de adaptação e relacionamento humano 66 4.1.2.3 Controles afetivo e impulsivo 68
4.2 Estudos de caso 70
4.2.1 Estudo de Caso 1: Rafael, o Escultor 70
4.2.1.1 História de vida e criminal 70
4.2.1.2 Análise da entrevista 73
4.2.1.3 Análise do Método de Rorschach 80
4.2.1.4 Estrutura e psicodinâmica de personalidade de Rafael 85
4.2.2 Estudo de Caso 2: Rogério, o super-herói carrasco 87
4.2.2.1 História de vida e criminal 87
4.2.2.2 Análise da entrevista 89
4.2.2.4 Análise do Método de Rorschach 97
4.2.2.4 Estrutura e psicodinâmica da personalidade de Rogério 101
4.2.3 Estudo de Caso 3: Cássio, o foragido inibido 103
4.2.3.1 História de vida e criminal 103
4.2.3.2 Análise da entrevista 105
4.2.3.3 Análise do Método de Rorschach 109
4.2.3.4 Estrutura e psicodinâmica da personalidade de Cássio 112
CAPÍTULO V 115
CAPÍTULO V - DISCUSSÃO 115
CAPÍTULO VI - CONCLUSÃO 127
REFERÊNCIAS 131
ANEXO 138
INTRODUÇÃO
O crime é uma conduta que contraria a lei e é repudiada pela sociedade. Nesse sentido,
percebe-se uma aversão maior por aqueles sujeitos que cometem um crime hediondo,
principalmente quando é de natureza sexual. Essa reação é causada, primeiramente, porque esse
tipo de crime rompe com o livre arbítrio do outro, quando o autor trata a vítima como mero
objeto, meio para a satisfação do seu desejo; e em segundo lugar, por ser um ato geralmente
carregado de violência, atingindo a integridade física, psíquica e social da vítima.
Os crimes sexuais rompem com as regras e as normas éticas e morais predominantes na
sociedade. Dessa forma, a população costuma destituir os sujeitos que cometem tais delitos
daquilo que os tornariam humanos. Daí a freqüência com que são comparados a seres
sobrenaturais, passando a adquirir várias rotulações, como por exemplo: tarados, monstros,
endemoniados, lobisomens e similares na mitologia popular (DUQUE, 2004).
Os rótulos equivocados atribuídos a tais sujeitos não são exclusividade dos leigos.
Durante um longo período no meio científico, diversos autores e estudiosos consideraram esses
criminosos como pertencentes a uma única classe, ou seja, eram considerados sujeitos
possuidores de personalidade e caráter idênticos, não havendo variação de motivações para o
crime, comportamentos e atitudes entre eles. Desse modo, os criminosos sexuais eram
identificados, indiscriminadamente como: perversos, psicopatas, sociopatas, anti-sociais etc.
Além disso, indivíduos que cometiam algum tipo de crime sexual eram considerados sujeitos de
índole “perversa” (MARQUES, 2005; CHAGNON, 2008).
Todavia, é evidente a impossibilidade de considerar iguais todos os sujeitos que cometem
crimes sexuais, principalmente porque o tipo e a natureza do crime não são os mesmos em todos
os casos, e muitas vezes esse tipo de crime pode ou não estar associado com outros de natureza
anti-social como roubo, estelionato, homicídio etc.
O Código Penal Brasileiro apresenta uma taxionomia dos crimes, diferenciando-os a partir
das características do ato cometido. Autores das Ciências Jurídicas nomeiam os delitos de caráter
sexual, de crimes sexuais, enquadrando nessa categoria todos os crimes que constam no Capítulo
I do Título IV do Código Penal, intitulado “Dos crimes contra os costumes”, são eles: estupro,
assédio sexual e corrupção de menores. Além desses, considera-se também os crimes de ato
obsceno (Art. 233) e escrito ou objeto obsceno (Art. 234).
No entanto, a diferenciação dos tipos de crime não é suficiente para distinguir os sujeitos
e compreender as motivações implícitas atuantes no cometimento de tais atos. Desta forma, os
pesquisadores da área estão mais atentos para as diferenças existentes entre os sujeitos que
cometem crime sexual. Vários autores de diversas áreas do conhecimento como Duque (2004);
Gijseghem (1980); Gonzáles et al (2004); Abreu (2005); Iencarelli (2002) têm pesquisado e
apresentado taxonomias com o propósito de diferenciar os autores de crimes sexuais.
A tentativa de compreender e diferenciar os sujeitos que cometem crimes sexuais, indica a
diversidade de características psicossociais que podem ser atribuídas àqueles que cometem tal
tipo de ato. Além disso, existem diversos comportamentos categorizados como crimes sexuais,
que divergem em termos de suas características como, por exemplo, o modo como o ato ocorreu,
as características da vítima, o contexto do ato etc. Estes aspectos indicam que o ato por si só não
define o funcionamento da personalidade, nem o diagnóstico clínico do sujeito que comete algum
tipo de crime sexual. Deste modo, frente à heterogeneidade desse grupo, surge a necessidade de
diferenciar tais sujeitos, com o intuito de eleger as alternativas mais adequadas para a
reintegração social do criminoso.
Para auxiliar as decisões dos juristas, os peritos forenses fazem uso da avaliação
psicológica, porque já há consenso no contexto jurídico, de que não é o tipo de crime que define
o reincidente criminal, mas sim a sua personalidade, ou seja, o detento não deve ser analisado
apenas pelo seu comportamento explícito, mas sim pela dinâmica dos seus processos psíquicos
(MORANA, 2003).
Os aspectos manifestos na consciência e expressos pelos comportamentos são essenciais
para classificar os crimes e aplicar as penalidades. No entanto, a análise exclusiva desses aspectos
não permite acessar as motivações dos indivíduos para o cometimento do crime, bem como são
imprecisas para inferir as possibilidades recidivas do condenado. Deste modo, percebe-se a
necessidade de um estudo mais aprofundado do dinamismo psíquico do sujeito, buscando
alcançar a base do seu funcionamento psicológico, ou seja, sua estrutura de personalidade.
De acordo com Bergeret (1988), a estrutura de personalidade ou estrutura de base
corresponde ao modo de organização permanente e mais profundo do indivíduo, a partir do qual
estrutura da personalidade é uma organização estável e irreversível, com uma atitude fixada de
modo repetitivo diante da realidade. Martins (2005), baseado nos estudos de Jacques Schotte e
Szondi, afirma que o ser humano apresenta um funcionamento psíquico que o caracteriza, onde
se sobressaem aspectos que determinam um modo fixo de se relacionar com o mundo. Deste
modo, tanto Bergeret (1988) quanto Martins (2005) postulam que os sujeitos funcionam
psiquicamente de acordo com sua estrutura de personalidade de base. Assim, com base nos
autores supracitados é que se avalia a importância da análise da estrutura da personalidade para a
compreensão de aspectos que impulsionam o comportamento do sujeito.
A partir da análise da estrutura de personalidade é possível obter um amplo leque de
elementos que permitem conhecer melhor o sujeito e assim inferir sobre sua periculosidade e
probabilidade de reincidência, ou seja, a análise da estrutura de personalidade permite uma
melhor previsão de conduta do sujeito.
Tendo em vista a complexidade da estrutura da personalidade, os estudiosos costumam
selecionar alguns de seus elementos para realizar a sua análise. Bergeret (1988) cita uma série de
elementos componentes da estrutura de personalidade, dentre os principais ele destaca: modo de
constituição do ego, tipo de relação de objeto, investimentos narcisistas, relação com a realidade,
mecanismos de defesa, entre outros.
Deste modo, esta pesquisa teve como objetivo analisar a estrutura de personalidade de
criminosos sexuais, a partir dos seguintes eixos: a) modo de relação de objeto; b) investimento
narcísico; e c) dinâmica psíquica. Além disso, procurou-se avaliar a psicopatia por meio da
Escala Hare PCL-R e identificar indicadores no Rorschach que discriminem essa população.
Para alcançar esses objetivos foram selecionados dois instrumentos bastante utilizados no
contexto forense, o Método de Rorschach e a Escala Hare PCL-R.
A utilização do Método de Rorschach justifica-se por ser uma técnica considerada por
vários autores como Rovinski (2006), Gamboa (2006), Morana (2003), menos suscetível a
manipulação pelo examinando. Segundo Rovinski (2006), na população carcerária há uma
prevalência de situações em que ocorrem distorções conscientes e intencionais (simulação) das
informações dadas aos peritos. Desta forma, a referida autora argumenta que a garantia da
precisão da informação é uma questão fundamental para a segurança da qualidade da avaliação
realizada. Frente ao exposto, existem instrumentos que são menos susceptíveis de manipulação,
possibilitam vantagens sobre aquelas de auto-relato, muito mais susceptíveis de serem
manipuladas, com a possibilidade de produzir respostas de maior aceitabilidade social. Além
disso, um dos fatores principais para a escolha dessa técnica é que o Rorschach permite alcançar
os elementos da estrutura de personalidade do sujeito. Por ser uma técnica projetiva, o sujeito ao
emitir uma resposta, acaba verbalizando aspectos que permitem acessar pontos específicos do seu
funcionamento psicológico. Já o uso da Escala Hare PCL-R, justifica-se por sua ampla utilização
em outros países, na caracterização da psicopatia em presos (MORANA, 2003). Essa escala
investiga aspectos relacionados à maneira como o sujeito se relaciona com os outros, suas
características afetivo-emocionais, sem deixar de relacionar com as condutas anti-sociais, ou seja,
o instrumento prioriza a análise do modo de funcionamento do sujeito, sem deixar de relacionar
com sua conduta explícita. Desta forma, a citada escala presta-se ao objetivo desse estudo, pois,
além de identificar os comportamentos do sujeito, ela faz um resgate histórico, buscando
compreender como esses comportamentos compareceram e foram significados ao longo da vida
do sujeito. Assim, esse conjunto de informações possibilita a investigação da estrutura de
personalidade.
Espera-se, dessa forma, que este estudo permita contribuir para a compreensão desses
sujeitos, os quais estão cercados de tantos preconceitos e mitos. Além disso, este estudo pretende
condensar informações que possam auxiliar os peritos forenses na realização de suas avaliações,
contribuindo positivamente para as decisões judiciais.
Este estudo está dividido em seis capítulos. O Capítulo I inicia a fundamentação teórica
da pesquisa definindo inicialmente o que é um crime sexual e quais são as características dos
criminosos sexuais de acordo com vários autores e principalmente a partir de resultados de
pesquisas com a Escala Hare PCL-R e com o Método de Rorschach. Dando continuidade a base
teórica do estudo, no Capítulo II é discutida a questão da estrutura de personalidade na
Psicanálise, enfatizando seus principais componentes, destacado o modo de relação de objeto, a
incidência do narcisismo e a dinâmica psíquica. Em seguida, é apresentado o modo como esses
elementos são caracterizados nos criminosos sexuais e como podem ser identificados no discurso
e no Método de Rorschach.
O Capítulo III descreve o método adotado para o delineamento da pesquisa, onde se
abordam os critérios de seleção dos participantes, local onde foram coletados os dados,
No Capítulo IV os resultados são divididos em duas etapas. Na primeira etapa,
primeiramente é apresentada a pontuação da Escala Hare PCL-R, no intuito de verificar como se
caracteriza a psicopatia nos participantes. Em seguida, são apresentados os resultados do
Rorschach, tendo como critério os indicadores gerais para a análise dos protocolos. Na segunda
etapa são apresentados três estudos de caso, os quais foram analisados com um enfoque
psicodinâmico e estrutural, a partir dos dados do psicograma do Rorschach e das informações
obtidas na entrevista da Escala Hare PCL-R, descrevendo ao final de cada caso, as principais
características estruturais de cada sujeito.
O Capítulo V reserva-se a uma discussão geral dos resultados encontrados. E finalmente,
no Capítulo VI apresentam-se as considerações finais sobre este estudo, bem como as
recomendações para pesquisas futuras.
CAPÍTULO I
MULTIPLICIDADE DE CLASSIFICAÇÕES E INSTRUMENTOS DE INVESTIGAÇÃO DE PERSONALIDADE DE CRIMINOSOS SEXUAIS
1.1. Crime sexual e a caracterização do criminoso
A relação sexual é um tipo particular de relação social, que possui limites individuais e
sociais. As sociedades no decorrer do seu processo evolucionário consolidaram regras e normas
do que é permitido ou não nas relações sexuais. Sendo assim, muitos dos conflitos que surgem
são provenientes da transposição dos limites que a sociedade criou sobre a sexualidade humana
(COHEN; FIGARO, 1996).
As relações e/ou atos de cunho sexual, que fogem dos padrões aceitos e ditados pela
sociedade, e infligem à Lei, são considerados crimes sexuais.
No Código Penal, os crimes sexuais são descritos indicando-nos até que ponto uma
relação sexual é aceitável ou não, até que ponto um indivíduo pode impor seus desejos sexuais à
outra pessoa sem o consentimento da mesma e quem é competente para dar tal consentimento
(COHEN; FIGARO, 1996).
Em 2006, foi promulgada no Brasil a Lei Maria da Penha (Lei 11.340), a qual regula os
crimes de violência contra a mulher, configurando um grande avanço na legislação e um ganho
para a sociedade. Dentre os crimes de violência sofridos pela mulher, essa lei identifica, além de
outros, aqueles marcados pela violência sexual, sendo esta entendida como:
Qualquer conduta que constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos. (Art. 7, Lei nº 11.340)
Cohen e Figaro (1996) definem o crime sexual como um ato que transgride os costumes
sexuais do indivíduo, principalmente por que retira sua autonomia em suas relações sexuais. São
ser humano. Segundo Abreu (2005), o crime sexual ocorre com o objetivo de propiciar
gratificação sexual ao criminoso, no momento em que o mesmo ignora o livre arbítrio do outro,
numa relação unilateral, onde apenas o seu desejo é considerado.
Dentre os crimes sexuais mais conhecidos e divulgados, estão: o crime de estupro e o de
atentado violento ao pudor. Ballone (2005) afirma que o crime sexual estatisticamente mais
comum é o estupro, em seguida o assédio ou abuso desonesto. O crime de estupro é definido
como aquele praticado contra pessoas do sexo feminino por autor do sexo oposto, pois há
necessidade de ocorrência de conjunção carnal completa ou incompleta, isto é, que haja
penetração de pênis na vagina mediante violência ou grave ameaça. Já no crime de atentado
violento ao pudor, deve haver a prática de ato libidinoso diferente da conjunção carnal, tal como:
prática de sexo oral, anal, masturbação ou qualquer outro tipo que não a relação sexual vaginal.
Nesse crime, tanto o autor quanto a vítima podem ser do mesmo sexo (COHEN; FIGARO, 1996).
Segundo Oliveira et al (2004), a violência sexual é marcada por relações de poder. Por
violência sexual se compreende estupro, atentado violento ao pudor, sedução, atos obscenos e
assédio, que podem ocorrer de forma conjugada, inclusive juntamente com outros tipos de
violência (lesão corporal, tentativa de homicídio, maus tratos e ameaças).
Não há consenso entre os autores que debatem o assunto sobre a denominação dos atos
considerados crimes sexuais. Cohen e Figaro (1996, p.150) denominam tais atos de abuso sexual
entendendo o mesmo como “... qualquer relacionamento interpessoal no qual o ato sexual é
vinculado sem o consentimento do outro, podendo ocorrer pelo uso da violência física e/ou
psicológica”. Já Cromberg (2001, p. 22) utiliza os termos violência sexual para descrever tal
fenômeno, “violência sexual é uma situação desencadeada por um ato sexual, não
necessariamente o coito, no qual uma pessoa estranha ou familiar utiliza-se do corpo de uma
outra pessoa, ou ameaça fazê-lo sem seu consentimento”. Tendo em vista as definições acima
apresentadas fica claro que os termos abuso sexual e violência sexual possuem significações
semelhantes, podendo até ser utilizados como sinônimos. Assim, como entendemos que toda
violência é um abuso e que todo abuso é uma violência, ambos os termos serão referidos ao logo
deste trabalho como sinônimos.
Oliveira (1993) critica a forma sucinta com que os crimes sexuais são abordados no
Código Penal. Ela afirma que os crimes de violência sexual não se resumem àqueles
violência sexual abrange diversos tipos de comportamentos ou atitudes entre pessoas, as quais
podem ser do mesmo sexo ou de sexos opostos e podem ser praticados por estranho, entre
cônjuges ou parceiros.
Deste modo, Oliveira (1993) classifica a violência sexual em vários tipos: i) psicológica:
chantagem, suborno, desprezo; ii) moral: humilhação, difamação; iii) física: espancamento, lesão
corporal; iv) criminal: homicídios, entre outros.
Partindo do pressuposto de que o crime sexual é um ato contra os costumes, repudiado
pela sociedade e passível de condenação perante a Lei, surgem questionamentos acerca da
“normalidade” das pessoas que apresentam tais comportamentos. A sociedade tem taxado os
criminosos sexuais de sujeitos com aspectos não-humanos ou portadores de algum transtorno
mental grave. No entanto, os estudos têm mostrado que os sujeitos inimputáveis que cometem
crime sexual representam um número estatisticamente pequeno.
Segundo Ballone (2005) e Abreu (2005), cerca de 80 a 90% dos contraventores sexuais
não apresentam nenhum sinal de alienação mental, sendo, portanto juridicamente imputáveis.
Desse grupo, aproximadamente 30% não apresenta nenhum transtorno da sexualidade, ou seja,
sua conduta sexual social cotidiana parece ser perfeitamente adequada. Já os outros 70% inclui
pessoas com algum transtorno de personalidade (sociopatas, antisociais etc.) ou com algum
transtorno da sexualidade (parafílicos). De 10 a 20% dos criminosos sexuais em geral são
inimputáveis, ou seja, aqueles com graves transtornos psicopatológicos.
Já é consenso entre os estudiosos e profissionais da área que os sujeitos que cometem
crimes sexuais não podem ser enquadrados em uma categoria única (COHEN; FIGARO, 1996),
tendo em vista existirem inúmeras variáveis que interferem nos aspectos específicos de cada
crime.
Frente a essa infinidade de aspectos, diversos autores têm se empenhado na elaboração de
taxionomias na tentativa de diferenciar os inúmeros tipos de autores de crimes sexuais.
Abel et al (1990, apud COHEN; FIGARO, 1996) distinguem os criminosos sexuais
utilizando como critérios a responsabilidade legal do criminoso e suas características de
personalidade. Assim, eles sugeriram uma divisão em três grupos: i) inimputáveis: indivíduos
com doenças psiquiátricas graves; ii) imputáveis: indivíduos com desordens de personalidade,
especialmente os anti-sociais; iii) semi-imputáveis: indivíduos responsáveis pela maioria dos
Já Duque (2004) utiliza dois critérios para distinguir os criminosos sexuais. O primeiro
baseia-se na influência ou não do ambiente na conduta do criminoso sexual, identificando duas
categorias: i) criminoso sexual situacional: são pessoas sem transtorno psiquiátrico, expostas a
um contexto de contínuo e intenso estresse (ex: guerras), ou pessoas que possuem poder absoluto
sobre o outro (ex: babás). Ambos podem ter dificuldade de controlar os impulsos que em outras
situações seriam mantidos latentes. Na maioria dos casos, não há antecedentes, nem persiste o
comportamento criminoso após a modificação ambiental; ii) criminoso sexual preferencial:
indivíduos que de forma preferencial e continuada optam pela satisfação sexual por vias ilegais.
O outro critério privilegia as características psíquicas dos sujeitos, assim, o autor identifica: i)
criminosos sexuais sem diagnóstico psiquiátrico; ii) criminosos sexuais parafílicos; iii)
criminosos sexuais que apresentam diagnóstico psiquiátrico diverso da parafilia; iv) criminosos
com retardo mental.
Em relação ao crime de estupro, Rada (1989 apud COHEN; FIGARO, 1996) afirma que
este delito possui características de poder, controle e humilhação. Baseados nestes aspectos, este
autor dividiu esses sujeitos em quatro categorias distintas: i) estresse situacional: indivíduos que
tiveram uma ruptura severa em suas vidas pessoais como perda de parente próximo, do emprego
ou falência; ii) conflito na identidade masculina: indivíduos que questionam seriamente sua
adequação sexual e auto-imagem masculina; planejam consciente e deliberadamente o estupro,
executando-o com excessiva violência; iii) tendências sádicas: semelhante aos com conflito na
identidade masculina, porém a demonstração de violência possui um significado maior do que a
relação sexual; iv) sociopatas: tendem a ser primeiramente motivados por desejos sexuais, e seus
estupros não envolvem agressões desnecessárias.
González et al (2004) apresentam vários critérios para a classificação e diferenciação dos
sujeitos que cometem abuso sexual. Tendo em vista as inclinações sexuais, os abusadores são
classificados em: i) abusadores extrafamiliares ou pedófilos: seus impulsos, interesses e fantasias
sexuais estão centrados nas crianças; ii) abusadores intrafamiliares ou incestuosos: dirigem seus
interesses sexuais preferentemente para as meninas da sua família. Segundo a atração exclusiva
por crianças podem ser: i) pedófilos exclusivos: atração somente por crianças; ii) pedófilos não
exclusivos: atração por adultos e crianças. Segundo o sexo da vítima, podem sentir atração por
homens, mulheres ou ambos os sexos. Segundo a idade da vítima podem ser: i) pedófilos
adolescentes; iii) abusadores de adultos: o abuso sexual acompanha-se de violência física e
psicológica. Enfim, segundo a conduta abusiva, são divididos em: i) abusadores regressivos: a
necessidade de abusar sexualmente de crianças ocorre devido a deterioração de suas relações,
experiências conjugais traumáticas ou um momento de crise existencial; ii) abusadores
obsessivos ou pedófilos: homens e mulheres que abusam de crianças, apresentando uma
compulsão crônica e repetitiva de fazê-lo.
Segundo os autores acima citados os abusadores sexuais são heterogêneos quanto às
características de personalidade e psicopatologias. Geralmente possuem dificuldades no controle
dos impulsos e no estabelecimento de relações de intimidade, apresentam distorções cognitivas e
dificuldade de empatia.
Gijseghem (1980) a partir de um extensivo estudo com noventa casos de abuso sexual
classifica a personalidade do abusador em oito tipos distintos, a partir das características
psicodinâmicas dos sujeitos. São eles:
- carente passivo dependente: apresenta dificuldades relacionais na infância com a
figura materna. Não mobiliza sua agressividade. Tem grande avidez oral, é pegajoso e
instável. Ele abusa como criança porque sua sexualidade está fixada na infância e com
criança devido à maior facilidade. A relação pode ser homo ou heterossexual, sendo
comum a felação, fricção e o sugar.
- carente agressivo devorador: vivenciou a falta da estabilidade materna, mas tem
sentimentos de raiva e de vingança. Mobiliza a agressividade e age gratificando e
punindo seu objeto. A violência física é muito comum, devida a agressividade e a
satisfação ao impor suas vontades.
- borderline: possui fraco contato com a realidade e ausência de fronteira entre o eu e o
outro. Existe sentimento de alienação, angústia existencial e o abuso é imposto
porque o outro não existe.
- estrutura perversa: apresenta um vínculo sádico com a figura materna que sempre o
elogiou (relação narcísica). A sexualidade é precoce e há perversão em relação aos
laços afetivos, como garantia de seu narcisismo. Tem a ilusão de completude, de ser
“o bom”. Quando comete o abuso, acredita estar fazendo algo afável a criança. É
pedófilo, suas relações podem ser homo ou heterossexuais e possui a característica de
- psicopatia da patologia narcísica: projeta seu sentimento de grandiosidade e quer ter
prazer imediato. Pode matar ou roubar, mas sempre será um ato bom, devido ao seu
sentimento de onipotência. As relações podem ser homo ou heterossexuais.
- paranóia da patologia narcísica: tem a ilusão de ser onipotente, mas teve um pai fraco.
Pode cometer outros delitos. Seus relacionamentos são na maioria heterossexuais e
podem estar ligados a uma missão, ou uma forma de querer educar a criança.
- neurótico: apresentou uma relação objetal não plena e percebe o outro como um
qualquer. Sente culpa e ansiedade e devido a isso não tem coragem de cometer o
abuso de fato, utilizando-se de pornografia para sua satisfação erótica. Pode ter
compulsão ao uso de álcool.
- deficiente mental: apresenta deficiências de causas orgânicas, senilidade, traumas
cerebrais ou por medicação. É exibicionista e masturba-se na frente da criança, mas
não chega a cometer o ato.
O autor supracitado apresenta ainda outro tipo de classificação dos abusadores sexuais.
São eles: i) o abusador relacional, que estabelece com uma criança conhecida uma relação
contínua e de confiança, não utilizando violência; ii) o abusador anti-social, que apresenta
comportamento psicopático e anti-social; iii) o abusador senil; iv) o abusador de carreira; v)
abusador espontâneo agressivo, que funciona como oposto do abusador relacional.
Ao tentar definir o perfil do sujeito que comete crime sexual os diversos autores utilizam
termos diferentes.
Ballone (2005) utiliza o termo psicopatia sexual para se referir ao sujeito que comete
crimes sexuais. De acordo com o referido autor, a psicopatia sexual tem lugar quando a atividade
sexual convencional ou desviada ocorre por meio de um comportamento psicopático. Esta atitude
psicopática ocorre quando a transgressão é realizada como busca exclusiva de prazer sexual, por
meio de uma conduta anti-social, voluntária, consciente e erotizada. A psicopatia sexual é
suspeitada quando há maldade na atitude perpetrada, isto é, quando o contraventor é indiferente à
idéia do mal que comete, não tem crítica de seu desvio e nem do fato deste desvio produzir dano
a outros. O sexopata goza com o mal e experimenta prazer com o sofrimento dos demais. Ainda
justificado, distanciando-se da autocrítica. Normalmente dizem que foram provocados,
assediados, conduzidos etc.
Ainda de acordo com o autor supracitado, uma das características comuns à psicopatia
sexual é a falta de escrúpulos do psicopata. Normalmente ele reduz sua vítima ao nível de objeto,
destruindo-a moralmente através de escândalos, mentiras e degradação. Comumente ele tenta
atribuir à vítima um caráter de cumplicidade, alegando com freqüência que "ele não é o único". O
autor cita também que outro aspecto comum do criminoso sexual psicopático é a refratariedade,
ou seja, a incapacidade que eles têm de corrigir seu comportamento, seja por falta de crítica, seja
por imunidade às atitudes corretivas (não aprendem pelo castigo). Quando se submete
voluntariamente a alguma terapia é, claramente, no sentido de despertar complacência,
condescendência e aprovação. Deste modo, depois de conquistada novamente a confiança,
invariavelmente reincidem no crime.
Ballone (2005) cita algumas características que podem ser encontradas no delinqüente
sexual masculino que comete o crime de estupro: instabilidade; imaturidade; agressividade diante
da frustração; hostilidade; auto-estima rebaixada; carência afetiva e insegurança. Além disso, o
referido autor destaca que esse tipo de contraventor possui um forte componente sádico em sua
personalidade, com grande potencial hostil consciente para com as mulheres e sentimento de
insegurança por sua masculinidade.
Já Abreu (2005), utilizando os termos criminosos sexuais seriais, apresenta uma série de
elementos que podem ser identificados no psicopata sexual. Segundo a autora, tais sujeitos
podem ser jovens adultos ou de meia-idade, predominantemente solteiros, normalmente
portadores de personalidade imatura e instável, emocionalmente dependentes e habitualmente
filhos únicos, convivendo em grande dependência de sua mãe, em geral viúva e dominante. O
agressor não apresenta um número fixo de vítimas, seu limite costuma ser determinado por sua
detenção ou morte. Em geral são de bom nível social, comportam-se de forma cordial,
mostram-se saudáveis, mostram-sedutores, educados, inteligentes e astutos. Quanto às características psíquicas,
podem ser alfabetizados, de bom quociente intelectual, alguns com nível secundário e até
universitário. A linguagem que costumam utilizar durante o crime são ameaças, insultos,
desqualificação, agressão, provocação, auto-valorização e vingança. Em quase todos os casos
possuem trabalhos efetivos e comportam-se neles de forma responsável. Apresentam uma dupla
seriais sejam reprimidos sexuais, introvertidos, retraídos e acanhados, tímidos ou dependentes
afetivos, sobretudo da mãe. Possuem também dificuldade crônica de aceitar a lei e constante
insensibilidade aos demais.
Segundo Iencarelli (2002), o criminoso sexual é uma pessoa comum que pode trabalhar,
estudar e freqüentar lugares corriqueiros. Desse modo, ele não possui nenhuma característica
“anormal” que o diferencie do ser humano. No entanto, afirma a referida autora, é uma pessoa
que possui o dom de enganar as pessoas, o que faz com que ele passe ileso aos olhos da
sociedade. Além disso, a autora afirma também que o abusador pode ser agressivo, mas na
maioria das vezes utiliza-se da violência psicológica para coagir a vítima.
Um aspecto bastante marcante em alguns sujeitos que cometem crimes sexuais é o alto
grau de violência que dirigem contra a vítima, principalmente no crime de estupro. Quincey
(1985 apud COHEN; FIGARO, 1996) afirma que o crime de estupro concentra duas variáveis
centrais: a criminalidade e a descarga de agressividade. Nesse sentido, Groth (1992 apud
COHEN; FIGARO, 1996) apontou que o crime sexual serviu para preencher a necessidade de
exprimir raiva em 95% dos indivíduos estudados, mostrando como a questão da agressão é maior
do que a do desejo sexual. Esses indivíduos apresentaram quatro características: hostilidade,
agressão, sadismo e insegurança. Da mesma forma, Duque (2004) afirma que no estupro as
motivações predominantes costumam ser o desejo de domínio e de infligir sofrimento. Ao
encontro dessas afirmações, Abreu (2005) assegura que o delinqüente sexual obtém gratificação
sexual mais pela violência do que pelo coito.
Segundo Ballone (2005), o agressor sexual normalmente acaba por empregar mais
violência que a necessária para consumar seu ato agressivo, de modo que a excitação sexual
também se dá como conseqüência dessa exibição de força, de sua expressão de raiva para com o
agredido e do dano físico imposto à sua vítima. Para o referido autor, o criminoso sexual obtém
gratificação e prazer na transgressão, no sofrimento dos demais e na agressão. Deste modo, o
violador age assim por "vingança" das injustiças reais ou imaginárias que experimenta na vida.
Sua meta psicodinâmica é a possessão sexual como forma de compensação de uma vida
miserável, mesquinha, rotineira e socialmente acanhada. A agressão é motivada,
fundamentalmente, pelo desejo de demonstrar à vítima sua competência sexual, até como
compensação da falta de ajustamento social adequado. A violação pode ser um meio de o sujeito
Neste mesmo sentido, Cohen e Figaro (1996) afirmam que a prática da violência sexual
não é a busca de satisfação sexual e sim a busca de uma satisfação que é realizada pela descarga
de ódio, hostilidade e humilhação de uma pessoa em relação à outra.
Tendo em vista os aspectos de imposição de poder e submissão da vítima, Abreu (2005)
cita algumas motivações mais comuns para a execução do ato agressivo encontradas no
criminoso sexual serial: i) agressão por vingança ou reivindicação de reparo de todas as injustiças
reais ou imaginárias que tem sofrido na vida; ii) utiliza a violência para afirmar seu poder na
intenção de elevar sua auto-estima; iii) emprega a violência como meio de afirmação da
identidade social e sexual.
Outro ponto bastante debatido a respeito dos sujeitos que cometem crimes sexuais é a
questão da imputabilidade penal. O termo imputar significa atribuir culpa a outro. Neste caso, o
que é discutido é a volição (vontade), a intencionalidade do sujeito ao cometer o ato.
Segundo Ballone (2005), excetuando-se a deficiência mental, a demência grave, os surtos
psicóticos agudos e os estados crepusculares, pode-se dizer que em todos os demais casos de
transtornos psicosexuais a compreensão do ato está preservada. O referido autor ressalta ainda
que, no criminoso sexual, há a preservação ou noção de ilegalidade, imoralidade ou maldade do
ato. Da mesma forma, Duque (2004) corrobora que, em geral, a capacidade de entender o caráter
criminoso do ato é completa, no entanto o desejo de controlar o impulso está ausente.
Uma característica bastante marcante em alguns sujeitos que cometem crime sexual é a
ausência de culpa. Segundo Balint (1997), os sujeitos que cometem crimes sexuais possuem
graves perturbações ao nível da instância moral (Superego), cujas motivações estão
profundamente dissimuladas no inconsciente.
Depois do ato delituoso, se este foi motivado por uma atitude psicopática, não aparece o
arrependimento ou culpa. A delinqüência sociopática (ou psicopática) é, por isso, considerada
egosincrônica, ou seja, não desperta nele nenhuma crítica desfavorável. A delinqüência sexual
dos sociopatas ou psicopata corresponde a uma atuação teatral premeditada (longe de ser tão
impulsiva como alegam), consciente e precisamente dirigida a um objetivo prazeroso. Não se
trata, absolutamente, de uma atitude compulsiva, incontrolável, irrefreável ou um reflexo
automático em resposta a uma idéia obsessivamente patológica (Ballone, 2005). Neste mesmo
sentido, Abreu (2005) afirma que o ato criminoso serve para compensar a sensação de menos
sujeito excita-se muito, transforma-se, adquire a segurança que lhe falta e o impulso sexual
assume o controle das suas ações. Além disso, o criminoso não se arrepende e nem tem piedade
das vítimas.
Palermo (2000 apud DUQUE, 2004) defende que o comportamento agressivo ou sedutor
dos criminosos sexuais é a expressão infantilizada de uma inadequação básica que sob condições
de estresse desperta sua ambivalência para com as mulheres e seus corpos ou para os corpos de
crianças pré-púberes, que são vistas como incapazes de competir ou desafiar sua impotência
masculina.
Diante dos vários exemplos de caracterização do criminoso sexual, é pertinente ressaltar a
relevância do esforço dos vários autores apresentados, cada um utilizando critérios próprios, na
busca de compreender esse fenômeno da sexualidade. No entanto, as definições baseadas em
critérios únicos são insuficientes para alcançar toda a complexidade do funcionamento psíquico
desses sujeitos, pois algumas definições são reducionistas e outras demasiadamente abrangentes
cabendo até a conceituação de transtornos psicopatológicos.
De acordo com Costa (2006), para a compreensão das motivações conscientes e
inconscientes do sujeito para sua ação criminosa devem ser investigados vários aspectos, tais
como: contexto cultural e social, história de vida, forma própria de construir significados e
elaborar experiências pessoais. Além disso, a referida autora destaca a importância da revisão dos
autos do processo, entrevistas com a família e se possível com a própria vítima. Nessa mesma
direção, Chagnon (2008) afirma que além da personalidade, outras dimensões dizem respeito ao
estado clínico do sujeito durante a ocorrência dos fatos, tais como: momento existencial vivido
pelo sujeito, contexto da agressão, relação prévia entre os protagonistas, ou seja, os elementos
desencadeadores da violência.
Como exposto acima, são inúmeras as tentativas de compreender e diferenciar o
funcionamento psicológico dos sujeitos que cometem crimes sexuais. Para isso, muitas vezes os
estudiosos utilizam instrumentos de avaliação psicológica como meio de acessar as características
psíquicas desses sujeitos e deduzir o dinamismo psíquico envolvido no ato do crime. Deste modo,
no contexto da avaliação forense, encontram-se como instrumentos mais utilizados, a Escala Hare
PCL-R e o Método de Rorschach. Assim, torna-se relevante conhecer as características dos
1.2. O criminoso sexual na Escala Hare PCL-R
A Escala Hare PCL-R é um instrumento que avalia a psicopatia. Deste modo, as
pesquisas com sujeitos que cometeram algum tipo de crime sexual costumam enfatizar a relação
do crime sexual com o nível de psicopatia.
Gonçalves e Vieira (2005), em sua pesquisa com três sujeitos que cometeram crime
sexual, avaliaram a relação entre a variável risco de violência sexual e psicopatia, utilizando a
Escala Hare PCL-R e o SVR-20. A partir dos resultados, as autoras concluíram que o risco de
violência sexual correlaciona-se positivamente com a psicopatia, ou seja, os sujeitos com
psicopatia apresentam uma maior probabilidade de reincidir no crime sexual. Além disso, elas
distinguiram os sujeitos em três categorias: aquele que possui baixo risco de reincidir e não
apresenta psicopatia; aquele que apresenta um risco moderado, também não apresentou
psicopatia, mas tende a ser um abusador contextual; e aquele que apresentou psicopatia e desvio
sexual, o qual possui altas chances de reincidir.
Nesta mesma direção, Riquelme, Pérez e Muñoz (2004), em pesquisa com 60 sujeitos que
cometeram algum tipo de crime sexual, afirmam que os agressores sexuais psicopatas têm maior
probabilidade de reincidir e com maior freqüência. Além disso, seus resultados indicaram que os
criminosos sexuais avaliados apresentam, significativamente e em maior medida, características
interpessoais e emocionais próprias da psicopatia, e tendem a apresentar uma maior pontuação na
escala do que os sujeitos condenados por crimes contra o patrimônio (ex: roubo).
Valverde (2005) também realizou uma pesquisa com 60 criminosos sexuais. Seus
resultados indicaram que os psicopatas cometeram significativamente mais delitos violentos e
sexuais do que os não psicopatas. Os resultados indicaram também que 35% dos abusadores
obtiveram a pontuação mais alta da escala (30 pontos). Além disso, os abusadores psicopatas
possuem uma tendência significativa a apresentar desvios da conduta sexual, 60% dos psicopatas
da amostra possuem alguma parafilia ou conduta sexual desviada; e segundo o autor, esse pode
ser considerado o grupo mais perigoso. Ainda de acordo com o referido autor, os abusadores
psicopatas do seu estudo não são motivados por uma urgência sexual compulsiva e incontrolável,
pelo contrário, a oportunidade, o sadismo sexual e a ira generalizada parecem ser os motivos
correlacionadas. Neste sentido, o autor conclui que os psicopatas sexuais representam uma classe
distintiva de criminosos sexuais.
Abrunhosa e Vieira (2001) realizaram um estudo com 194 criminosos adultos do sexo
masculino, sendo que 51 deles foram condenados por crime sexual e todos cumprem pena em
estabelecimentos prisionais de Portugal. Dentre os criminosos sexuais 46 deles tiveram o crime
sexual como condenação mais grave e 5 deles, além do crime sexual, cometeram homicídio.
Tendo como foco os criminosos sexuais, as pesquisadoras encontraram os seguintes resultados: i)
uma incidência consideravelmente maior de psicopatia nos sujeitos que cometeram crimes contra
pessoas, incluindo os crimes sexuais; ii) dos sujeitos que cometeram crime sexual, a maioria
cometeu o crime de estupro; iii) os sujeitos que alcançaram uma pontuação mais alta na escala
foram aqueles que cometeram o delito sexual juntamente com outro tipo de crime; iv) dos
sujeitos que cometeram crime sexual 53,6% não apresentaram nenhum transtorno de
personalidade (NTP); 34% apresentaram Transtorno Parcial de Personalidade e 12,4% tinham
Transtorno Global de personalidade (TG); v) dos sujeitos que cometeram crime de estupro 60,5%
não possuíam nenhum transtorno de personalidade (NTP); 23,7% apresentaram Transtorno
Parcial de Personalidade (TP) e 15,8% tinham Transtorno Global de Personalidade (TG); vi) os
sujeitos que cometeram crimes sexuais apresentaram uma pontuação maior no fator 1 do que no
fator 2 da escala.
A partir desses resultados as pesquisadoras concluíram que a variabilidade de crimes
cometidos pode ser fonte de equívocos se tomada como único indicador de psicopatia e
periculosidade do indivíduo, pois os psicopatas, devido sua versatilidade criminal, sua
impulsividade e seu baixo auto-controle, freqüentemente acabam sendo presos por crimes de
pouca importância. Deste modo, elas concluem que nesse grupo de delinqüentes sexuais as
variáveis que determinam a presença de psicopatia derivam mais da personalidade do que do seu
estilo de vida, pois ficou evidente nos resultados que o fator 1 da escala é o que tem maior peso
na pontuação global, reforçando o pressuposto de que existe um conjunto homogêneo de traços
de personalidade que favorece a violência interpessoal. Além disso, aqueles que apresentaram
uma notória preferência pelo cometimento de crimes sexuais não deixam de cometer outros
delitos simultaneamente, sendo estes os que mais reincidem, os que mais problemas institucionais
Tendo em vista, que o principal objetivo da escala Hare PCL-R é aferir a presença da
psicopatia, percebe-se que a maioria das pesquisas, com este instrumento, focaliza esta meta.
Além disso, aqui neste estudo, acredita-se que a análise de conteúdo da entrevista que compõe a
escala, é capaz de oferecer uma riqueza infinita de informações a respeito da estrutura de
personalidade do sujeito. Deste modo, nesse estudo a Escala Hare PCL-R será utilizada de modo
a obter a classificação dos Transtornos de Personalidade de acordo com os critérios de pontuação
da escala e, além disso, será realizada uma análise da entrevista conforme os eixos estruturais,
com o objetivo de enriquecer as informações sobre o sujeito pesquisado.
1.3. O criminoso sexual no Método de Rorschach
As pesquisas com criminosos sexuais utilizando o Rorschach são escassas. No entanto, são
mais freqüentes os estudos focando a psicopatia, principalmente na tentativa de levantar
indicadores para identificar esse tipo de caso.
No que consiste na identificação da psicopatia no Rorschach, Adrados (1980) descreve
vários indicadores. Quanto ao Ego e o Superego, esses se encontram frágeis e debilitados,
representados por G%, K, F+% alterados, onde o G% é rebaixado e seu número bruto é igual ou
inferior ao número de K. Além disso, as respostas de movimento são inferiores a três e mal
vistas, de conteúdo desvitalizado e habitualmente passivos. Apresentam imaturidade afetiva e
egocentrismo, representados pela escassez de afetividade no protocolo ou, quando a afetividade
aparece mostra-se pobre e mal integrada. Forte instabilidade emocional, indicada pelo aumento
de respostas kan. Capacidade de crítica diminuída, representada pelo F+% rebaixado. Ausência
de conflito, manifestada pela coerência entre as três fórmulas determinantes do tipo de vivência.
Ausência de angústia e culpa, indicada pela diminuição de respostas claro-escuro.
Dorr e Viani (2006) também destacam alguns indicadores de psicopatia no Rorschach
dentre eles: A% elevado; respostas de “pele” nas pranchas IV e VI; dificuldade de integração;
ausência de respostas claro e escuro; as respostas de cor são escassas e quando aparecem
predomina CF; respostas DG (global confabulada); poucas respostas G; às vezes há um aumento
de apego superficial a normas estabelecidas sem que estas tenham sido assimiladas, mas apenas
para serem manipuladas como objetos para alcançar suas necessidades. E quando a atitude
anti-social é mais acentuada aumentam as respostas C (cor pura) e Dbl (espaço em branco).
Em relação ao transtorno de personalidade anti-social, Vaz (1986) aponta que é
característico dessa população o aumento de respostas nos espaços em brancos, aliado a
diminuição de K (movimento humano) e aumento de CF; as respostas formais (F%) encontram-se
na média, pois conseguem controlar racionalmente o ambiente; apresentam cor projetada e cor
intrusa, mostrando a labilidade afetiva e o relacionamento superficial e formal; dificilmente
ocorre cor acromática, que significa depressão; e não apresentam choque de estupefação.
Marques e Amparo (2006) realizaram uma pesquisa com três sujeitos que cometeram
incesto. Seus resultados apontaram que, tais sujeitos possuem um funcionamento intelectual
preservado (NR= 15 a 30) e seu relacionamento interpessoal é marcado pela inibição (K<1).
Além disso, as autoras concluíram que a figura feminina é desqualificada, que é comum a
negação e a desculpabilização em relação ao ato e há uma fragilização da representação da lei e
conseqüentemente da moral e da ética.
Rossetto e Schubert (2000) realizaram um estudo com um caso de pedofilia. Neste estudo,
os resultados do Rorschach indicaram: controle interno rebaixado; F% e F+% rebaixados;
ausência de K; CF+C>FC; H<Hd; banais rebaixadas; crítica as manchas e ao examinador;
auto-referência; não identificação do sexo dos personagens; recusa da prancha VII. Em resumo, o
sujeito avaliado apresenta dificuldade em controlar os impulsos por incapacidade de
autodomínio; dificuldades nas relações interpessoais; inabilidade em aceitar e assimilar as normas
e valores sociais; apresenta insegurança, necessidade em dominar o ambiente e imaturidade;
apresenta distúrbios de ordem sexual; dificuldade de relacionamento ou aceitação em relação à
figura de autoridade. Tendo em vista tais resultados, percebe-se que o sujeito apresenta
características da personalidade perversa, tipo comumente encontrado em criminosos sexuais.
Esber (2000) realizou um estudo de caso com dois sujeitos condenados por crime sexual
utilizando como instrumento o Método de Rorschach. O primeiro sujeito apresentou uma
personalidade psicopática, confirmada pelos seguintes aspectos: i) figuras humanas reduzidas a
objetos ou desubjetivadas; ii) inteligência um pouco abaixo da média; iii) índice de realidade
totalmente preservado; iv) respostas banais. Segundo a autora, a presença de tais aspectos torna o
segundo sujeito, apresentou uma visão deteriorada do humano e uma estereotipia genital
focalizada como único objeto de satisfação. Além disso, apresenta uma configuração psicótica
esquizofrênica, sendo seu índice de realidade nulo e sua inteligência considerada rebaixada. De
acordo com a autora, tais fatores fazem com que este indivíduo seja isento de responsabilidade
penal, pois no momento da infração, não apresentava noções éticas sobre a não adequação do ato.
Apesar da diferença na personalidade dos sujeitos pesquisados, a autora conclui, que ambos
devem ser privados de liberdade, pois os mesmos não apresentam recursos suficientes para lidar
com a mesma.
Tendo em vista o exposto neste capítulo existem vários tipos de classificações dos
criminosos sexuais. Portanto, torna-se complicado atribuir, ao abusador, um tipo de personalidade
exclusiva, até porque as vivências e os processos de desenvolvimento são individuais
(MCCAGHY, 1975 apud GIJSEGHEM, 1980). No entanto, é de extrema relevância diferenciar
os criminosos sexuais que possuem uma maior probabilidade de rescindir, daqueles que
cometeram o ato de forma ocasional e que sua capacidade recidiva é menor. Tal diferenciação
pode ser atingida por meio da análise, dentre outros fatores, da estrutura e psicodinâmica da
personalidade do criminoso, pois a referida avaliação permite acessar as motivações latentes que
influenciam o modo como o sujeito pensa e age na sociedade. Duque (2004) afirma que as
diferentes personalidades dos agressores sexuais podem ser observadas pelos diferentes tipos de
crimes que eles optam por executar. Desta forma, para esse autor, o maior desafio do perito
forense é compreender a gênese, avaliar a responsabilidade legal e prognosticar a capacidade
recidiva do criminoso sexual.
A necessidade dos peritos forenses de realizar uma avaliação precisa da conduta dos
criminosos sexuais, aliada a importância do aperfeiçoamento dos métodos utilizados nas
avaliações de personalidade no contexto jurídico, é que se percebe a relevância de um estudo
aprofundado das características psicológicas desses sujeitos, com vista a acessar os aspectos que
impulsionam sua conduta. Assim, é a partir desse cenário, que se torna imperativa a análise dos motivadores comportamentais, que neste estudo são acessados por meio da análise da estrutura de
personalidade.
É a partir da estrutura de personalidade que o sujeito desenvolve seu modo de pensar,
sentir e agir. Assim, partindo da análise dos elementos estruturais é possível compreender o modo
CAPÍTULO II
A ESTRUTURA DE PERSONALIDADE COMO PROBLEMÁTICA DESSE ESTUDO
2.1 Estrutura de Personalidade
A palavra estrutura vem do latim structura, conotando um estilo de construção; e do verbo struere, trazendo a noção de disposição em camadas (IORIO, 2005). De acordo com Dosse (1993), o termo estrutura teve no início do seu uso um significado arquitetural. Nesse sentido, a
palavra estrutura passou a ser utilizada para fazer referência, por exemplo, à maneira como um
edifício é construído. Ainda de acordo com a referida autora, nos séculos XVII-XVIII, o sentido
do termo estrutura modifica-se e amplia-se para fazer analogia aos seres vivos, ao corpo do
homem percebido como uma construção. Aqui, o termo assume, o sentido da descrição da
maneira como as partes integrantes de um ser concreto organizam-se numa totalidade.
Para Dosse (1993), o termo estrutura pode ainda abranger múltiplas aplicações (estruturas
anatômicas, psicológicas, geológicas, matemáticas...), mas somente a partir do século XIX
quando o Estruturalismo se apossou verdadeiramente do campo das ciências humanas, é que o
termo estrutura passou a significar um fenômeno duradouro que combina de maneira complexa as
várias partes de um conjunto numa acepção mais abstrata.
A concepção de estrutura de personalidade parte da premissa de que o ser humano possui
aspectos em sua personalidade que são constantes e imutáveis.
Segundo Bergeret (1988), a estrutura de personalidade ou estrutura de base corresponde
ao modo de organização permanente e mais profundo do indivíduo, a partir do qual se
desenrolam os ordenamentos funcionais ditos normais, bem como os patológicos. Assim, a
estrutura, para Bergeret (1988, p. 49), é “[...] uma organização estável e irreversível, com
mecanismos de defesa pouco variáveis, um modo seletivo de relação de objeto, um grau definido
de evolução libidinal e egóica, com uma atitude fixada de modo repetitivo diante da realidade
[...]”.
Freud (1932-1936), na XXXI Conferência, intitulada Dissecção da personalidade