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RESULTADOS: ASPECTOS PSICOLÓGICOS E ESTRUTURA DE PERSONALIDADE DE CRIMINOSOS SEXUAIS

4.2 Estudos de caso

4.2.3 Estudo de Caso 3: Cássio, o foragido inibido

“[...] não consigo ver nada [...]” (prancha II); “[...] não faço a mínima idéia [...]” (prancha IV); “[...] não consigo ver nada aqui também [...]” (prancha VI); “[...] não faço a mínima idéia. Não me parece com nada [...]” (prancha VII); “[...] não consigo imaginar mais nada [...]” (prancha X).

4.2.3.1 História de vida e criminal

Cássio tem 33 anos, quando criança morava com seus pais e um irmão. Nessa época, seu pai gastava todo o salário com bebida, e quando chegava em casa, agredia sua mãe. Assim, depois de um tempo, seus pais se separaram, sua mãe começou a trabalhar fora de casa e Cássio

na posição de filho mais velho, passou a cuidar do seu irmão mais novo e da casa. Hoje sua mãe casou novamente e teve mais um filho.

Na época em que freqüentava a escola, Cássio considerava-se um bom aluno, pois gostava de estudar, tirava notas boas e nunca foi reprovado. Apesar disso, em alguns momentos, considerava-se bagunceiro, pois conversava durante a aula, mas nada muito extremo.

Quando Cássio tinha dez anos, seu pai foi assaltado e agredido, e como seqüela ficou deficiente físico, por causa disso, seus familiares o convenceram a cuidar do pai por ele ser o filho mais velho. Ao ir morar com o pai teve que interromper os estudos, por que seu pai não o apoiava a estudar, por isso, Cássio estudou até a quinta série.

Nessa época, Cássio também teve que começar a trabalhar, dentre as atividades que exerceu estavam, vigiar carros, engraxar sapatos e vender picolé. Cássio morou com o pai por cerca de sete anos e avalia que esse foi o pior período de sua vida, pois, segundo ele, seu pai era ignorante e difícil de conviver, além de nunca o ter agradecido. Quando completou 18 anos, não agüentou mais e foi morar sozinho, seu pai foi morar com um de seus irmãos.

Aos 19 anos cometeu o crime pelo qual hoje cumpre pena. Segundo ele, o crime aconteceu quando estava bebendo em um bar com mais dois colegas. Num certo momento o dinheiro acabou. Logo depois avistaram duas moças e resolveram assaltá-las. Após subtraírem a bolsa das moças, os dois colegas as arrastaram para um matagal e as estupraram, apresentando Cássio, o mesmo comportamento. No dia seguinte, juntamente com os colegas, foi preso e reconhecido pelas vítimas, mas como foi liberado fugiu. Segundo os autos do processo, Cássio juntamente com mais dois homens anunciou um assalto a duas vítimas portando uma arma de brinquedo. Em seguida, ameaçou uma das vítimas, constrangendo-a a conjunção carnal mediante violência e grave ameaça, dando-lhe tapas no rosto para que ficasse quieta, enquanto isso constrangia mediante grave ameaça a outra vítima à prática de atos libidinosos diversos da conjunção carnal. Cássio foi condenado pelos crimes de estupro (Art. 213), atentado violento ao pudor (Art. 214), e recebeu por ambos os crimes, uma pena de 12 anos de reclusão.

Ficou foragido durante sete anos. Nesta época saiu de casa e passou a morar nas ruas. Dormia embaixo de marquises, trabalhava vigiando carros e consumia álcool e drogas, especificamente maconha e haxixe.

Cássio afirma se arrepender profundamente por ter cometido esse crime, e no momento deseja terminar de cumprir a pena, para quando sair, conseguir reconstruir sua vida. Atualmente,

relaciona-se com uma mulher há quase dois anos, mas segundo ele não existe compromisso por parte dos dois.

4.2.3.2 Análise da entrevista

a) Modo de relação de Objeto

Segundo o relato de Cássio, pode-se observar que, desde a infância, recebeu atribuições e responsabilidades de um adulto, sempre em nome de um bem-estar familiar. Quando seus pais se separaram, sua mãe foi trabalhar fora e Cássio recebeu a responsabilidade de cuidar do irmão mais novo; cuidou também do pai quando ficou deficiente, além de ainda ter que trabalhar. Essa sua posição diante do núcleo familiar, aponta para a existência de vínculos relacionais. Nota-se, no entanto, que nem sempre estes são positivos. Sobre a figura materna Cássio demonstra um grande apego quando a supervaloriza estabelecendo uma relação de dependência idealizada.

“[...] Eu cuidava do meu irmão, minha mãe trabalhava e eu cuidava do meu irmão. Acho que eu era um pouco até responsável [...]”.

“[...] É que meu pai ele foi assaltado, aí levou umas punhaladas, passou um bocado de tempo, no hospital. Uns seis anos. Eu era o filho mais velho e tinha que ajudar ele, a cozinhar, arrumar a casa, esse tipo de coisa [...]”.

“[...] minha mãe para mim, é a coisa mais importante do mundo [...]”.

Já em relação ao pai, Cássio demonstra certo ressentimento, devido aos maus tratos sofridos no período em que cuidou dele. Além disso, Cássio sente-se magoado pelo pai nunca o ter agradecido pelos cuidados realizados. Assim ele relata:

“[...] Ele nunca me agradeceu por isso. Sofri um bocado na mão dele. Não que eu [...]. me arrependa de ter ajudado ele, mas ele devia ser um pouco mais grato [...]”.

Quanto às relações amorosas, Cássio não comenta muito, mas demonstra capacidade de manter vínculos.

As relações, no entanto, são caracterizadas pela superficialidade e pelo pouco investimento afetivo, além do receio de envolvimento.

“[...] Quando saio, vou para lá, vejo ela, a gente fica junto. Mas não é nada sério [...]”.

Cássio demonstra dúvidas acerca do futuro da sua relação amorosa, tal insegurança pode justificar o pouco investimento afetivo na relação.

“[...] Eu nem sei, hum. Coisa meio duvidosa [...] eu não passo muito tempo com ela. Ela fica lá, fica lá, só vejo ela de 15 em 15 dias. Eu nem sei o que ela faz, né? [...]”

Quanto aos vínculos de amizade, esses também configuram-se de forma superficial. Deste modo, percebe-se que não há investimento afetivo nas amizades, a tal ponto de Cássio desqualificar esse tipo de envolvimento, demonstranto que as relações são pouco satisfatórias.

“[...] Tive muitos, um bocado de amigos. Mais próximo não, nunca tive amigo de falar: ah, esse é como se fosse meu irmão [...]”.

“[...] Também nem faço muita questão de amizade também porque ninguém nunca me ajudou em nada mesmo. Também [...]”.

No que se refere ao contato com as vítimas, assume uma posição de distanciamento, como uma recusa de entrar em contato com o ato cometido. No seu discurso comparece certo mal-estar e uma posição na qual busca esconder-se, envergonhando-se do ato cometido. Sobre isso fala:

“[...] espero nunca mais ver elas [...]”.

“[...] Até hoje a minha consciência é pesada demais [...]”.

Nota-se, de forma geral, uma postura passiva diante das demandas externas. Desde a infância, colocava-se em uma posição passiva e com pouca assertividade. O que pode ser visto no seu relato:

“[...] Maioria eu apanhava [...]”. “[...] Brigar era difícil[...]”.

Tal passividade é expressa também, quando Cássio teve que aceitar cuidar do pai mesmo sem querer, como se percebe na fala a seguir:

“[...] me fizera acreditar que eu era obrigado a ir. Eu fui. Aí, eu fiquei com ele um bocado de tempo [...]”.

b) Incidência do narcisismo

Comparece no discurso de Cássio, a preocupação com a auto-imagem e a tentativa de preservação narcísica. Busca preservar a sua imagem perante os outros e perante a si mesmo. Seu discurso não é preenchido por sentimentos de supervalorização e onipotência. O crime cometido comparece como uma ferida narcísica que produz marcas na sua imagem pessoal. Deste modo, para Cássio, ter sido preso representou um abalo em sua vida, resultando em danos dificilmente reparáveis.

“[...] gente quando eu vim para a cadeia a minha vida acabou e, e para eu construir de novo, vai dá muito trabalho. Isso se eu conseguir né? [...]”

Quando estava no regime fechado, Cássio não contou aos seus companheiros de cela o verdadeiro motivo pelo qual estava preso. Tal postura justifica-se pela tentativa de proteger sua integridade física e sua auto-imagem. Depois de três anos de convivência seus colegas descobriram o verdadeiro crime que cometeu. Tal fato foi sentido por Cássio como uma agressão a imagem positiva que havia cultivado perante os colegas.

“[...] acabou com a minha vida, quase eu morro. É, eu tava há três anos morando com os presos, morando com os mesmos caras, todo mundo me tinha como outra pessoa. Também não ia chegar e falar um artigo desses e tal. Nunca que eles iam entender né? Só criminoso. Quando eles leram quase que eu morro [...]”.

A preservação de uma imagem positiva representa algo muito importante na vida de Cássio, tanto que quando é atribuída uma característica negativa a mesma, ele vivencia essa situação como uma perda de si mesmo. Narcísicamente, Cássio comparece fragilizado, principalmente pela presença de sentimento de baixa auto-estima, indicada pela insatisfação consigo mesmo.

“[...] satisfeito comigo, eu tô não. Queria ser diferente sim. Queria ter emprego, queria ter uma família, queria ter, ser tratado como qualquer outro [...]”.

c) Dinâmica psíquica

No que se refere à incorporação das regras e normas sociais e, portanto, a presença do Superego, Cássio não apresenta um perfil transgressivo acompanhando o seu desenvolvimento. Admite ter cometido pequenas transgressões na infância, mas ao mesmo tempo reconhece o lugar do outro e da norma social. As suas falas mostram a forma de lidar com a figura de autoridade, demonstrando a presença de certo conflito ao reconhecer o lugar da interdição, mas, ao mesmo tempo, há uma tendência à transgressão.

“[...] Conversava na hora da aula [...] muitas vezes respondia a professora, mas nunca com ignorância. Só mesmo, ficava falando na hora de ficar calado [...]”.

Por um lado comparece a dinâmica conflitual em relação a lei, não na forma da recusa, mas da ambivalência e da fuga. A violência, a agressividade e a impulsividade não comparecem no seu discurso, nota-se, no entanto, a saída pela via da fuga.

“[...] Aí eu peguei um castigo agora, há pouco tempo, porque os policiais foram lá, no saidão e eu não tava em casa [...]”.

Esta saída concretiza-se não só pelo desconhecimento da lei, mas também, pelo uso de drogas.

“[...] Só, maconha e haxixe [...]”.

“[...] Acho que nessa época, eu bebia todo dia [...]”.

“[...] eu recebi o mandado de detenção. Para receber sentença, aí eu não fui [...]”.

Em relação ao crime cometido, Cássio funciona da mesma forma, por um lado mostra-se arrependido, mas por outro desculpabiliza-se quando acusa o uso da bebida como principal motivador para ter cometido o abuso sexual. Na fala abaixo se captura sua dinâmica conflitual:

“[...] Tava embriagado na hora. Apareceram umas mulheres lá e sei lá, terminou acontecendo, né? Até hoje a minha consciência é pesada demais. Sei que isso eu nunca mais vou praticar, isso aí foi um erro. Grande [...]”.

No que diz respeito aos mecanismos de defesa utilizados por Cássio, verifica-se a presença do recurso da racionalização, quando tenta justificar sua conduta criminosa pelo seu estado de embriaguez momentânea, ou pelo mecanismo da denegação, anulando a importância que os vínculos podem ter para ele. Os dois aspectos são apontados a seguir:

“[...] Tava embriagado na hora [...]”.

“[...] nem faço muita questão de amizade também porque ninguém nunca me ajudou em nada mesmo [...]”.

Fica clara a incidência da formação reativa ao inverter e amenizar o afeto, para uma posição de passividade e dependência na qual o Id é pouco emergente. Sua fala demonstra:

“[...] Maioria eu apanhava [...]”. “[...] Brigar era difícil [...]”.

4.2.3.3 Análise do Método de Rorschach

a) Psicograma

Quadro 3: Resultado da cotação do protocolo do caso Cássio

Localização Determinante Conteúdo

G%= (3) = 60 % D%= (2) = 40 % F% = 80% F+% = 100% F+= 4 K= 2 A% (2)= 40% H% (2)= 40% Obj=1 R= 5 K:C= 1:0 % últ. pranchas=20%

T.T= 4,35 mim H+A : Hd+Ad= 4 : 0 G:K= 3:1 T/R= 52,23 seg K:Kan=1:0 Ban= 3

T.m.r= 22,34 seg IR= 6 T.m.r.a= 20,29 seg

b) Relação com a realidade e capacidade de adaptação

Cássio apresenta uma adequada inserção na realidade, tendo em vista a apropriação dos indicadores de adaptação (Ban=3; IR=6; A%=40%). Sua lógica de pensamento é predominantemente genérica (G%=60%), com certa dificuldade de diferenciação (D%=40%). Sua capacidade intelectual encontra-se preservada (F=80%), no entanto, está fixada na racionalização e no pensamento lógico (F+= 100%), o que prejudica sua disposição imaginativa (K passivo). Seu tipo de vivência é introversivo, o que caracteriza uma pessoa mais voltada para si, mostrando-se um sujeito emocionalmente retraído, com pouca interação afetiva com o meio (VIII+IX+X= 20%).

c) Dinâmica Psíquica

Em relação à dinâmica psíquica, os impulsos encontram-se controlados (K:kan=1:0; ΣE:ΣC=0:0), ao custo de um achatamento emocional, expresso pelo pouco investimento no outro e no meio (ausência de respostas de cor). A rejeição da prancha IV indica conflitos com a Lei e com as figuras de autoridade, que neste caso, parece está relacionada com uma grande pressão do Superego (F+%=100%), o qual reprime violentamente toda e qualquer expressão pulsional do Id. No entanto, o Ego consegue manter-se preservado, pela sua capacidade de adaptação a realidade (Ban=3, IR=6, A%=40%), bem como pela preservação do pensamento lógico (F%=60%, F+%=100%).

Quanto aos mecanismos adaptativos do Ego, Cássio procura manter distante da consciência todo e qualquer aspecto que cause mobilização afetiva. Isso fica claro pelo constante recurso ao bloqueio e ao mecanismo da recusa: “[...] não consigo ver nada [...]” (prancha II);

“[...] não faço a mínima idéia [...]” (prancha IV); “[...] não consigo ver nada aqui também [...]”

(prancha VI); “[...] não faço a mínima idéia. Não me parece com nada [...].” (prancha VII);

“[...] não consigo imaginar mais nada [...]” (prancha X). Aqui fica evidente a tentativa de

indica dificuldades na sexualidade; da prancha IV indica dificuldades com figuras de autoridade e com a lei; da prancha VI também indica problemas na sexualidade; prancha VII indica dificuldade de adaptação afetiva; prancha X indica dificuldade de integração afetiva.

d) Modo de Relações de Objeto

A porcentagem de respostas de conteúdo humano encontra-se acima da média (H% = 40%), o que indica certa preocupação com as relações que implicam intimidade. Nas respostas, o humano é visto por inteiro, o que demonstra sua capacidade de ver o ser humano em sua totalidade. Das duas respostas de conteúdo humano dadas no protocolo, uma delas faz referência ao ser humano desvitalizado, o que demonstra uma ansiedade no contato social, recorrendo a fantasia para evitar envolvimento. No que se refere à resposta de movimento humano, o sujeito emitiu apenas uma, sendo essa passiva, indicando falta de vitalidade e uma postura apática frente às demandas externas e internas.

Na prancha II, há uma recusa parcial, pois no inquérito o sujeito emite a seguinte resposta

“[...] Vejo uma mancha de tinta que não me parece nada [...]”. Aqui, a capacidade de

formalização falha e o estímulo sensorial da prancha invade o psiquismo, o qual o recebe de forma passiva. Assim, em um primeiro momento ele tenta controlar o afeto recusando dar uma resposta à prancha, logo em seguida, ele deixa-se invadir pelo estímulo afetivo não conseguindo mais controlá-lo. Assim, ficam evidentes as duas posturas extremas que governam a vida do sujeito, as quais oscilam de uma recusa total na expressão dos sentimentos, a uma expressão devastadora que pode chegar a agredir o outro.

Na prancha III a dificuldade no relacionamento interpessoal fica mais evidente “[...] dois

seres [...]”. Aqui, a resposta ignora o gênero e desvitaliza o personagem, dificultando os

processos de identificação. A recusa da prancha VII indica uma dificuldade no relacionamento íntimo e profundo com o outro, principalmente em decorrência dos primeiros contatos com a mãe.

Cássio tenta controlar todo e qualquer tipo de contato afetivo com o outro, tendo em vista uma insegurança desmedida nas relações interpessoais. Rejeita totalmente as prancha IX e X o que indica uma forte repressão do aspecto afetivo.

e) Incidência do narcisismo

O narcisismo incide em três das cinco respostas ao protocolo, por meio de respostas em duplo “[...] duas pessoas [...]” (prancha I), “[...] dois seres [...]” (prancha III) e resposta de reflexo “[...] parece um animal e aqui a imagem dele. O reflexo dele na água [...]” (prancha VIII). O narcisismo de Cássio manifesta-se pela negação do outro, em decorrência de uma dificuldade em reconhecer a relação entre dois seres diferentes, onde o outro deve ser sempre um reflexo especular da sua imagem.

4.2.3.4 Estrutura e psicodinâmica da personalidade de Cássio

Cássio, desde o momento que conta sua história infantil e adolescente deixa claro a incidência da frustração, e mostra-se ao mesmo tempo, vinculado e insatisfeito com a vida familiar. O seu funcionamento psíquico revela também a incidência de mecanismos como o recalque a inibição e a formação reativa. A inibição marca a sua entrevista e o protocolo do Rorschach, que é basicamente formal. A presença desse mecanismo se evidencia pela recusa de cinco das dez pranchas do Rorschach, numa tentativa de manter afastada da consciência as representações inaceitáveis, principalmente suas dificuldades de ordem sexual e afetiva. Além disso, a inibição de Cássio pôde ser percebida pela sua esquiva ao entrar em contato com assuntos mobilizadores e com a afetividade. No Rorschach a inibição, justifica-se pelos seguintes indicadores: baixo número de respostas; tempo de reação aumentado; ausência de cor; K diminuído, indicando pouca energia vital; F+% elevado; presença de recusas e conteúdo pouco

variado. Além disso, Cássio apresenta um discurso carregado de desesperança, baixa auto-estima, culpa e vergonha por ter cometido algo errado.

O recalque das pulsões sexuais de Cássio fica evidente pela dificuldade de investimento nas relações afetivas. Seu modo de relação de objeto é marcadamente superficial, com ausência de intimidade, devido principalmente a uma insegurança gerada por essas relações. Pode-se inferir que sua representação do objeto é total, não parcializada. No entanto, apresenta uma significativa dificuldade de investimento afetivo no objeto, aspecto constatado pela incidência de resposta de movimento humano marcada pela formalização e passividade. Deste modo, mostra-se um sujeito emocionalmente retraído e com pouca interação afetiva com o meio.

Cássio funciona de maneira basicamente recalcada, no protocolo de Rorschach o K formal e a ausência de outros determinantes, deixa evidente a incidência da repressão. No entanto, mesmo com essa dinâmica ele não deixou de cometer um crime sexual, o que destaca que essa pulsão recalcada pode emergir e de forma agressiva. No entanto, o sentimento de culpabilização é algo presente na sua fala demonstrando que há conflito psíquico.

Por exemplo, a impulsão agressiva dirigida ao pai produz um comportamento oposto à emoção demonstrando a incidência da formação reativa e da inibição pela inversão do afeto. Assim, sua descarga pulsional nunca é liberada direta e abertamente. Cássio consegue reprimir suas pulsões, pois as exigências do princípio do prazer, na maioria das vezes, encontram-se submetidas ao controle do princípio da realidade.

O crime sexual cometido por Cássio pode ser compreendido como um fenômeno de descarga, em um contexto situacional, pois a iniciativa dos colegas criou uma situação propícia para Cássio dar escoamento a sua pulsão sexual, deste modo ele age oportunamente repetindo o comportamento dos seus colegas. Tal conduta é considerada situacional, pois dificilmente Cássio teria essa atitude se estivesse sozinho.

Tendo em vista que Cássio mantém um funcionamento inibido, consequentemente, a consciência do cometimento de um ato incompatível com a sua personalidade, reativa a função superegóica, resultando em arrependimento e culpabilização.

Cássio mantém-se em uma posição narcísica, o que pode ser evidenciado no Rorschach pela presença de respostas em duplo e de reflexo, em três das cinco respostas dadas no teste. Seu narcisismo está configurado na forma da idealização, onde o mesmo tenta a todo custo manter

uma imagem positiva idealizada perante o mundo externo e interno. A associação da sua imagem ao cometimento de um crime como estupro ocasionou uma ferida em seu narcisismo.

A partir da análise dos indicadores estruturais é possível afirmar que Cássio possui uma estrutura de personalidade neurótica confirmada pelos seguintes indicadores: identidade integrada, relação de objeto total, defesa centrada no recalcamento e na formação reativa, possui teste de realidade, controle do impulso, capacidade para a sublimação, do ponto de vista dinâmico, encontra-se a presença de conflito psíquico entre os desejos do Id e a repressão do Superego, conflito este, que perturba o equilíbrio interno gerando angústia.

CAPÍTULO V

DISCUSSÃO

Neste capítulo será apresentada uma análise dos resultados encontrados e descritos neste estudo, a partir da confrontação desses dados com achados teóricos, bem como com reflexões de outros estudos.

Tendo em vista a primeira etapa da análise dos dados, na qual foi aplicada a Escala Hare PCL-R nos dez participantes, percebeu-se que esses não representam um grupo homogêneo no que tange a psicopatia, pois os mesmos apresentaram escores bastante díspares na escala (40% TG, 50% TP e 10% NTP). Essa heterogeneidade relacionada a psicopatia nos criminosos sexuais também foi encontrada em pesquisa realizada por Abrunhosa e Vieira (2001), onde a maioria dos criminosos não apresentou transtorno de personalidade de acordo com os critérios da Escala Hare PCL-R. Deste modo, é possível constatar que os criminosos sexuais podem até formar um grupo homogêneo quanto ao crime descrito no Código Penal, mas não pelas suas características anti- sociais. Tal resultado vai ao encontro da afirmação de Cohen e Figaro (1996) de que os criminosos sexuais não podem ser enquadrados em uma categoria única, que os mesmos possuem características psicológicas que os diferenciam consideravelmente. Nesse sentido, Duque (2004) afirma que alguns sujeitos cometem o crime sexual de forma situacional, pois apresentam dificuldade de controlar os impulsos que em outras situações seriam mantidos latentes. Esse tipo de resultado mobiliza uma reflexão, no sentido de que esses sujeitos conseguem manter um comportamento socialmente adaptado, mas em determinadas situações não conseguem controlar seus impulsos sexuais.

Ao serem analisados os protocolos do Rorschach de todos os participantes, a partir de eixos clássicos de análise do Método, os resultados apontaram para alguns aspectos peculiares desse grupo. As respostas de conteúdo humano apareceram em todos os participantes, onde a