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O paradoxo da meritocracia

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BEATRIZ MYE KOSSUGUE AGIBERT

O PARADOXO DA MERITOCRACIA

CURITIBA 2023

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BEATRIZ MYE KOSSUGUE AGIBERT

O PARADOXO DA MERITOCRACIA

Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel, Curso de Ciências Econômicas, Setor de Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Federal do Paraná

Orientadora: Prof. Adriana Sbicca Fernandes

CURITIBA 2023

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Ao meu filho Caio Haruo, que esteve em meu ventre quando iniciei este trabalho e depois, com seu nascimento, me deu força e inspiração para concluí-lo.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à orientadora Adriana Sbicca pela compreensão da situação delicada em que me encontrei durante a elaboração do trabalho, sua postura foi fundamental para que eu realizasse e finalizasse esse estudo.

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RESUMO

A meritocracia é vista como uma forma justa de organizar ambientes, sejam empresas, países, escolas ou universidades. Ela associa o sucesso ao esforço, ou ao talento, e visa recompensar aqueles que trabalham duro ou aqueles que entregam mais resultados, então os bem sucedidos merecem estar em tal posição, assim como os malsucedidos. A implementação da meritocracia se mostra complicada até mesmo ao definir como o mérito deve ser mensurado, os autores divergem em quais quesitos devem ser considerados. Mas para os defensores dessa ideia algo é claro: os fatores sociais não deveriam afetar nos resultados, portanto são ignorados na mensuração do mérito. Porém mesmo em ambientes que se consideram meritocráticos isso não é uma realidade, essas condições acabam interferindo, entrando em paradoxo com seus ideais. O presente trabalho tem como objetivo o debate a respeito desse paradoxo, da implementação da meritocracia e de suas consequências. Além de brevemente abordar possíveis maneiras de atenuar as injustiças. Para o desenvolvimento foi utilizada a metodologia de revisão de literaturas e pesquisas anteriormente realizadas sobre o assunto.

Palavras-chave: meritocracia; mérito; paradoxo; desigualdade; esforço; talento.

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ABSTRACT

Meritocracy seems like a fair way to organize places, it can be in companies, countries, schools or universities. She connects success to effort, or talent, and intends to benefit those who work hard or those who shows more results, so the successful people deserve their position, in the same way the unsuccessful ones deserve theirs.

Meritocracy implementation is complicated even when tries to define how merit should be measured, authors diverge in what needs to be included. But for this idea supporters one thing is clear: social factors shouldn’t affect results, so they are ignored in the merit measurement. But even in places considered as meritocratic this do not happen, that conditions interfere, getting into a paradox with their ideals. The present work aims to debate about this paradox, about meritocracy implementation and its consequences.

Furthermore, this work briefly approaches possible ways to attenuate injustices. To develop this work, the methodology used was the review of literatures and researches previously made about the topic.

Key-words: meritocracy; merit; paradox; inequality; effort; talent.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...07

2 MERITOCRACIA ...09

3 PARADOXO DA MERITOCRACIA ...13

3.1 A VARIÁVEL SORTE ...15

4 OS DESAFIOS DA IMPLEMENTAÇÃO ...18

4.1 MERITOCRACIA NO SERVIÇO PÚBLICO BRASILEIRO ...18

4.2 POLÍTICAS MERITOCRÁTICAS NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA ...22

5 MERITOCRACIA E ECONOMIA COMPORTAMENTAL ...26

5.1 PERCEPÇÃO E MERITOCRACIA ...26

5.2 PERCEPÇÃO DAS FALHAS MERITOCRÁTICAS ...28

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...32

REFERÊNCIAS ...34

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¹ MIJS, J. J. B. The paradox of inequality: Income inequality and belief in meritocracy go hand in hand. Socio- Economic Review. London, 2019. Disponível em: <https://doi.org/10.1093/ser/mwy051>. Acesso em: 09 fev.

2023.

1 INTRODUÇÃO

De acordo com Mazza e Mari (2021), a primeira pessoa a utilizar o termo

“meritocracia”, embora de maneira satírica, foi Michael Young, em seu livro “The Rise of the Meritocracy”, no ano de 1958. O autor tratou de um cenário distópico onde a sociedade seria organizada através do mérito, que seria mensurado pelo coeficiente de inteligência e nível de esforço de cada indivíduo. As melhores posições da sociedade, como cargos políticos e a elite, seriam formadas por aqueles que possuíssem maior mérito. Embora Young considerasse a inteligência como um fator meritocrático, há autores que discordam de tal alegação e argumentam que a inteligência do indivíduo é determinada por quem são seus pais, portanto seria um fator não meritocrático (MIJS,¹ 2019 apud MENESES et al., 2021, p.2).

Apesar de alguns autores discordarem, é muito comum o uso da inteligência para medir o mérito. Também é comum utilizar o talento, que seria o agregado de inteligência e habilidades. Alguns autores até mesmo utilizam o talento apenas e não citam a inteligência, pois esta é inclusa nele. A inteligência e, consequentemente, o talento, são variáveis de difícil mensuração, afinal, é complicado achar um parâmetro para a comparação da inteligência dos indivíduos. Nem mesmo um diploma universitário, por exemplo, é capaz de dizer se um indivíduo é mais inteligente que outro, como veremos na seção 4.2.

O esforço, mesmo possibilitando algumas ferramentas de comparação, como a produtividade no trabalho, também é uma variável difícil de mensurar. Dois funcionários podem trabalhar a mesma quantidade de horas e um deles obter resultado melhor, e então o que justificaria essa diferença de desempenho? Um pode ter mais habilidades naquela tarefa, então não seria correto considerar o resultado como equivalente ao esforço para medir quem é merecedor, pois neste caso as habilidades estão interferindo também. Seria melhor, do ponto de vista meritocrático, recompensar essa habilidade sendo que o esforço, nesse caso as horas de trabalho, foi o mesmo? Se um dos funcionários trabalhou menos horas, mas o resultado obtido foi o mesmo, ele deveria ser recompensado por isso? Afinal, o outro funcionário trabalhou mais tempo para alcançar o resultado, então o “esforço” não foi maior? O

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que deve ser recompensado, o esforço, as habilidades ou o resultado final? Veremos nas próximas seções que não importa em qual dessas variáveis o mérito se apoie para ser mensurado, é sempre complicado de quantificar e muitos outros fatores podem interferir e até gerar resultados contrários ao esperado e pregado pela meritocracia, isso pode ser chamado de “Paradoxo da Meritocracia”, que será abordado na seção 3. Paradoxo da Meritocracia.

O objetivo deste trabalho é debater a meritocracia, sua implementação e consequências, e principalmente sobre o paradoxo encontrado nessa abordagem.

Para isso, na seção 2, conceitos e definições serão identificados, assim como as semelhanças e diferenças de interpretação a depender do autor. Serão apresentadas análises desenvolvidas a respeito da existência de um paradoxo advindo da implementação da meritocracia em diversos ambientes, na seção 3. Esse paradoxo posteriormente será detalhado quanto à conceitos de justiça e desigualdade. A seção 4, apontará as falhas presentes na implementação e algumas alternativas para apaziguá-las, ou ao menos tentar. Além disso, abordagens da economia comportamental, foco da seção 5, mostrarão as motivações que levam indivíduos a apoiar essa política e que os deixam cegos para as falhas do sistema.

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² MCROBBIE, Angela. Rethinking Creative Economy as Radical Social Enterprise.

Variant, n. 41, p. 32-33, 2011.

2 MERITOCRACIA

Muitos políticos, empresários e outras pessoas da sociedade apoiam a meritocracia como se ela atendesse as necessidades para uma sociedade justa. Mas para muitos filósofos, sociólogos, cientistas políticos e economistas, essa ideia pode legitimar a desigualdade ao pregar uma igualdade de oportunidades e promessas de mobilidade social que não é capaz de cumprir (IHU, 2021). A meritocracia utiliza as diferenças no mérito como justificativa para as desigualdades do capitalismo, e promete uma alternativa para que indivíduos consigam se livrar dessa desproporção de realidades, ao mesmo tempo em que reforça ainda mais essas desigualdades econômicas (WAYNE e CABRAL, 2021). No Reino Unido, essa ênfase na autossuficiência, ambição e talento acabou deixando de lado os direitos trabalhistas e disfarçou a exploração dos trabalhadores, que trabalham voluntariamente em excesso porque são “apaixonados pelo trabalho” (MCROBBIE, ² 2011 apud WAYNE e CABRAL, 2021, p.4). Segundo Wayne e Cabral (2021), problemas estruturais são transformados em desafios e oportunidades na meritocracia, e cabe ao indivíduo aproveitá-las. Parece ser esquecido o fato de que as condições sociais e restrições estruturais são consequências de políticas e do sistema econômico.

A meritocracia, atualmente, é abordada como uma forma de determinar o funcionamento de um ambiente. É uma espécie de ideia utilizada por algumas ideologias, um conjunto de convicções que reflete e guia o comportamento e estilo de vida. Esse sistema, pode estar presente em diversas áreas: empresas, escolas, governos, grupos sociais, entre outros. Em cada área as abordagens variam, porém não se desviam da ideia de tratar todos os indivíduos igualmente através do reconhecimento pela cultura do mérito. Dessa forma, as pessoas deveriam ser recompensadas proporcionalmente ao esforço despendido para chegar ao objetivo.

Alguns autores adicionam também a recompensa ao talento, inteligência e habilidades como variáveis importantes. Seguindo essa linha de pensamento, quem se esforça mais ou possui mais talento, produz mais, e é recompensado por isso, independentemente de qualquer outro fator (raça, sexo ou gênero, por exemplo), de tal maneira que os mais esforçados e talentosos seriam bem sucedidos porque entregariam mais resultados.

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Existem diversas pesquisas atualmente envolvendo esse tema, podemos então observar algumas dessas visões para enriquecer o debate aqui proposto.

No ambiente empresarial, estudado por Castilla e Benard (2010), a tentativa de implementar a meritocracia seria através de sistemas que objetivem uma equidade dentre os funcionários da empresa quanto às chances de avançar ou obter recompensas baseado somente em seu mérito e esforço individual, independente de sexo, gênero, raça ou classe. Toda a cultura da empresa deve ser elaborada para garantir que não ocorra qualquer tipo de favorecimento, como uma promoção ou um bônus salarial, que não esteja relacionado com o trabalho desempenhado pelos funcionários. Parte-se do princípio de uma suposta igualdade no ponto de partida, como o mesmo grau de formação entre as pessoas, então a diferenciação nas conquistas se daria como consequência dos diferentes esforços realizados já que todos tiveram as mesmas oportunidades.

Embora haja traços de sistemas com essa abordagem desde 1824 no Brasil (BARBOSA, 1996), a vertente de implantação da meritocracia nas organizações popularizou-se por volta da década de 1990, quando, com a redução de cargos de trabalho consequente das inovações tecnológicas, as empresas passam a cobrar dos trabalhadores uma produtividade muito maior (SILVA, 2010). O discurso meritocrático vem como um estímulo para produzir mais, visto que os funcionários se esforçam mais esperando maiores recompensas por isso, podendo resultar em maiores produções.

Além de criticar os modelos nepotistas, que favorecem um membro familiar em relação a uma outra pessoa apta para a mesma função. Sua implementação é vista como necessária para se adequar à globalização e enfrentar a concorrência (BARBOSA, 2014).

Goodman e Kaplan (2018) observam o fenômeno em um ambiente educacional e concluem que, segundo a meritocracia, os indivíduos que alcançam o topo, comandando as organizações e economias, seriam os mais capazes para executar tal função, já que não haveria qualquer outro fator que poderia levar alguém menos capaz a assumir um cargo desses, somente os bem preparados e esforçados chegariam lá. A escola é considerada responsável por classificar os indivíduos de modo que os mais talentosos se sairão melhores e se destacarão no mercado de trabalho futuramente (VIEIRA et al. 2013). Dessa maneira, as políticas de reformas educacionais que se baseiam na meritocracia, são intrinsecamente voltadas à mesma

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ideia de eficiência e produtividade presentes nas culturas meritocráticas abordadas em empresas, ou seja, é mais eficiente aquele que produz mais. No ambiente escolar, geralmente essa produção é mensurada por meio de avaliações e trabalhos, de modo que o aluno que tira as maiores notas é interpretado como se fosse o mais inteligente ou o que mais se esforçou.

Há estudos também sobre a meritocracia na administração pública, onde sua implementação se basearia em avaliações de desempenho, herdadas da revolução produtiva de Frederik Taylor, na qual buscou-se expandir a mensuração de eficiência de máquinas à avaliação da competência humana. Assim surgiu a associação do desempenho com a produtividade (BARBOSA, 1996), os bons funcionários são os mais produtivos, e os mais produtivos seriam aqueles que se sairiam melhor na avaliação.

Segundo Barbosa (1996), atualmente houve mudanças na conduta dessas avaliações, principalmente pela ascensão dos estudos em Recursos Humanos. O foco não é mais julgar quais funcionários são melhores e quais são piores, mas sim o desenvolvimento desses colaboradores, utilizando as conclusões para melhorar as áreas ou indivíduos que não se saem bem. Porém, mesmo com essa mudança de proposta, a avaliação de desempenho ainda é alvo de muitas críticas, principalmente pela injustiça, gerada pela dificuldade que se tem em distribuir corretamente o que é culpa do sistema e o que é culpa do funcionário, além de sua subjetividade por ser elaborada e aplicada por seres humanos que podem enviesar os resultados, como veremos na Seção 4.1.

As definições dos pesquisadores, mesmo que em ambientes diferentes, caminham para a mesma direção: a meritocracia prega uma “igualdade de tratamento”

entre os indivíduos. Assim seria possível que as recompensas recebidas durante a vida, sejam monetárias ou de outro âmbito, fossem diretamente relacionadas ao desempenho nas atividades, que pode ser medido através de resultados entregues como um trabalho escolar, uma pesquisa acadêmica, um projeto para a empresa, entre outros. Essa cultura gera competitividade entre seus colaboradores, sejam eles de uma escola ou uma empresa, já que o sucesso está atrelado a se destacar em relação aos seus colegas, conduzindo a uma maior produtividade considerando que esses indivíduos precisam sempre mostrar-se melhores que os outros, ou então conseguir transparecer quanto esforço estão despendendo em suas funções. Um

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grande ponto que merece destaque é que, embora defenda que todos devem ser tratados e avaliados com igualdade, ser meritocrático não necessariamente torna o ambiente igualitário, a próxima seção debate essa questão.

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3 PARADOXO DA MERITOCRACIA

Muitos dos autores citados anteriormente sustentam que, embora na teoria soe como um modelo ideal de funcionamento de instituições e do mundo, está muito longe de levar igualdade aos ambientes estudados. E, pelo contrário, os lugares que tentam colocá-la em prática acabam até se distanciando de seu foco principal de não ter distinções nas recompensas entre os indivíduos exceto pela dedicação de cada um.

O paradoxo da meritocracia é quando uma organização promove a meritocracia em sua cultura, mas acaba com resultados contrários aos desejados ao optarem por implementar essa abordagem, como fatores externos ao esforço pessoal interferindo na avaliação dos funcionários (CASTILLA e BENARD, 2010). Um grande exemplo desse paradoxo é a conclusão alcançada por Castilla e Benard (2010), que através de uma simulação procuram analisar resultados de empresas que tentam aderir a uma cultura meritocrática na remuneração de seus funcionários. Os testes foram realizados com cerca de 100 estudantes do mestrado de uma universidade de negócios; todos eles já haviam exercido cargos de liderança e possuíam experiência no ambiente empresarial. Eles participaram de experimentos nos quais decidiram a remuneração de funcionários fictícios ao analisar a performance deles no trabalho em diversas situações e envolvendo trabalhadores de diferentes sexos e rendimentos. As principais conclusões alcançadas foram de que, em média, os líderes que precisavam tomar decisões meritocráticas, acabaram remunerando melhor os homens, mesmo que as mulheres estivessem mostrando uma produtividade maior. Já com os líderes direcionados a tomar decisões não meritocráticas, o resultado foi o oposto, as mulheres ganharam uma bonificação superior aos homens em média. Comparando o bônus concedido a dois homens por líderes meritocráticos, recebeu mais aquele que produziu mais, porém para esses mesmos líderes, comparando duas mulheres, mesmo uma performando melhor, o bônus delas foi similar. Ou seja, embora a meritocracia prometa melhores e igualitárias condições de trabalho, na verdade as disparidades relacionadas com fatores externos ao trabalho, como o sexo neste caso, continuam presentes mesmo adotando esse regime. Pior, essa cultura tende a fazer seus colaboradores acreditarem que não existe viés e que se trata de uma política justa, deixando-os insensíveis à realidade e ao preconceito internalizado no ambiente.

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Observando os estudos realizados no artigo de Castilla e Benard (2010), vemos que não houve sucesso ao tentar uma bonificação baseada apenas em resultados, o sexo acabou influenciando involuntariamente. Há estudos em outros ambientes que se deparam com esse mesmo paradoxo, porém com o conceito de meritocracia relacionado ao talento. Um exemplo é o experimento realizado em Pluchino et al.

(2018) focado em replicar a vida de indivíduos em uma sociedade meritocrática e analisar se o sucesso alcançado por eles seria proporcional ao talento individual, como prega essa ideia. O teste foi realizado com mil indivíduos fictícios que possuíam níveis de talento variando de zero a um, onde quanto mais próximo fosse de um, mais talentosa seria a pessoa. A variável talento foi atribuída através de uma distribuição normal, em um intervalo [0,1], com uma média de 0,6 e desvio padrão igual a 0,10.

Esse talento é a representação de fatores, como inteligência e habilidades, que segundo a meritocracia guiam o sucesso pessoal. Seguindo esta argumentação, os mais talentosos são mais eficientes em seus trabalhos já, que sendo os melhores, entregam resultados com maior facilidade, ou seja, possuem desempenhos melhores.

Todos os participantes possuíam a mesma quantia de capital no período inicial, e foi observada a evolução financeira dessas pessoas em 40 anos de trabalho, onde eventos de sorte e azar aconteciam e mudavam as realidades de cada um. O indivíduo nem sempre era afetado pelos eventos, mas se um evento de sorte o afetasse, esse indivíduo acumulava capital proporcionalmente a seu nível de talento, enquanto se passasse por um evento de azar, perdia metade de seu capital. Cada um foi exposto a diferentes proporções de sorte e azar, independentemente de seu talento. Em uma simulação única, com eventos ocorrendo a cada seis meses durante estes 40 anos, o resultado foi de que os mais bem sucedidos não eram os mais talentosos. O indivíduo que encerrou com maior nível de capital, na verdade, possuía um talento muito próximo da média. Mesmo fazendo outras simulações, com a população passando por eventos em ordens diferentes, os resultados alcançados coincidiram: não é possível estabelecer uma relação linear e proporcional entre talento e sucesso.

Como evidenciado na pesquisa de Castilla e Benard (2010) e também na de Pluchino et al. (2018), a meritocracia pode entrar em contradição quando implementada, e a intenção de recompensar o mérito acaba sendo impactada por alguns vieses, como o sexo ou circunstâncias de sorte, que influenciam e levam a um

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resultado final em que nem sempre o mais esforçado, ou o mais inteligente, será o mais bem sucedido. Esse é o paradoxo da meritocracia.

3.1 A VARIÁVEL SORTE

No estudo de Pluchino et al. (2018) ficou clara a maior relevância da sorte, ou eventos aleatórios, em comparação ao talento quando o assunto é sucesso. Os defensores da meritocracia, porém, insistem que a sorte não é importante para conquistar bons resultados. Frank (2017) enaltece o fato de que qualquer resultado é a consequência de uma série de acontecimentos e, se um deles acontecesse de outra maneira, ou não tivesse ocorrido, então o resultado poderia se alterar. Frank (2017) trata esses acontecimentos como “sorte”, mas pode-se entender como aleatoriedades ou circunstâncias. Um exemplo citado pelo autor é como a família onde nascemos, algo sobre o qual não temos poder de escolha, ou seja, um evento puramente aleatório, afeta indiretamente o sucesso financeiro de um indivíduo. Segundo Krueger (2012), existe uma alta correlação entre a renda dos filhos e a dos pais nos Estados Unidos, ou seja, um indivíduo nascido em uma família de baixa renda, dificilmente conseguirá progredir para classes sociais superiores, a tendência é que continue na mesma faixa de renda de seus pais. No Brasil, essa mobilidade de renda é ainda menor do que nos Estados Unidos (PERO e SZERMAN, 2008). Além disso, a pesquisa de Pero e Szerman (2008), que utiliza dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), mostrou que essa mobilidade tende a ser ainda pior quando se trata das classes mais baixas da população. Isto significa que as chances de um filho cujo pai se encontra na menor faixa de renda conseguir atingir a faixa de renda mais elevada são muito menores do que a de um filho cujo pai se encontra na faixa mais alta conseguir continuar nesta faixa. A renda dos pais, sobre a qual o filho não tem qualquer influência, mostra-se uma variável importante para alcançar o sucesso financeiro, porém não é uma variável citada quando o assunto é meritocracia.

Muitas vezes pessoas alcançam resultados incríveis em suas vidas, como uma promoção de emprego ou o ingresso em uma faculdade tão sonhada, e creditam todo o mérito disso ao esforço despendido, sem se dar conta que um acontecimento aleatório pode influenciar nessa conquista. É importante enfatizar que o empenho na

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³ HAYEK, Friedrich. Direito, Legislação e Liberdade: uma nova formulação dos princípios liberais de justiça e economia política. São Paulo: Visão, 1985.

trajetória tem a sua importância, todavia eventualidades também. Nas culturas meritocráticas, a aleatoriedade é ignorada, até porque isso poderia levar uma população a parar e esperar que algo bom aconteça (FRANK, 2017). Pensando em uma empresa, se os funcionários souberem que, para ter bons resultados, um evento sob o qual eles não têm controle pode ser importante, talvez não se dedicassem tanto ao trabalho por saberem que não serão recompensados apenas pelo seu esforço, mas que outros eventos também podem influenciar. Com funcionários trabalhando menos, pode acontecer uma queda na produtividade da empresa, gerando impactos negativos. Portanto, talvez não seja interessante para as empresas enfatizar para os funcionários que eventos aleatórios podem impactar em seus resultados. Isso mostra que pode ser intencional o fato de a meritocracia não considerar aleatoriedades como elementos importantes na conquista de resultados, não é interessante para os líderes que as pessoas saibam da relevância de um evento que torna incerto o seu destino, pois assim pode haver um desestímulo ao trabalho delas. Ninguém iria trabalhar se não pensar que os esforços de hoje terão a recompensa adequada no dia seguinte (HAYEK, ³ 1973 apud. IHU, 2021).

Sandel (2021) utiliza um exemplo interessante da importância desses eventos mesmo para aqueles que possuem um talento para alguma coisa e se esforçam nessa profissão. Na opinião do autor, alguns talentos podem ser necessários para que um indivíduo alcance o sucesso em sua carreira, mas ninguém escolhe com qual talento nascer, é puramente aleatório. Além disso, existe a questão de esse talento ser valorizado ou não pela sociedade em que se vive. O exemplo utilizado pelo autor é sobre o jogador brasileiro de futebol Neymar da Silva Santos Júnior. Embora treine muito pesado para estar no ranking dos melhores jogadores do mundo, ganhando um salário elevado para isso, ele nasceu com um dom para jogar futebol ou, cientificamente falando, com habilidades motoras avançadas. Um indivíduo sem esse dom, poderia treinar mais pesado, por mais tempo, mas não chegaria no mesmo patamar de Neymar. Outra questão a ser considerada no sucesso do jogador brasileiro, é que o esporte que ele pratica está dentre aqueles com maiores remunerações atualmente, e é o mais popular do mundo (XAVIER, 2022). Então o fato de a sociedade atual valorizar esse talento para jogar futebol tem relevância para que o jogador tenha alcançado fortunas em dinheiro e em admiração. Algo não mencionado pelo autor, mas que é preciso destacar, é o fato de Neymar ter nascido

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homem, isso já faz grande diferença no sucesso nesse esporte que não é tão assistido quando praticado por mulheres. A disparidade salarial é tanta entre os atletas homens e mulheres que a jogadora brasileira de futebol Marta lançou uma campanha para chamar atenção a esse fato, lutando pela equidade salarial e de oportunidades (NAÇÕES UNIDAS BRASIL, 2019). Um exemplo claro dessa desigualdade é a Copa do Mundo de futebol, na edição masculina de 2018 a premiação para a seleção campeã foi de 38 milhões de dólares. No mesmo campeonato, porém na edição feminina, em 2019, o prêmio foi menos de 10% do valor pago aos homens, as campeãs desembolsaram apenas 4 milhões de dólares (MALUCELLI, 2019). Esse exemplo nos mostra que mesmo possuindo muito talento para o futebol, o sucesso de Neymar também foi afetado por outras circunstâncias, como ter nascido homem e com esse talento em um país e em uma época em que isso é valorizado, e essas não são variáveis sobre as quais temos poder de escolha.

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4 OS DESAFIOS DA IMPLEMENTAÇÃO

A meritocracia na prática é algo difícil de se alcançar, como mostram alguns exemplos de tentativas de implementação dessa política que veremos a seguir. Essa dificuldade se dá, principalmente, por um mero erro de interpretação, que pudemos perceber também na sessão sobre o Paradoxo da Meritocracia: adotar sistemas e mecanismos com discursos meritocráticos, não significa necessariamente que os resultados alcançados serão os esperados. É preciso avaliar o sucesso dessa implementação e, para isso, há a barreira de interpretar de forma justa o quanto alguém é merecedor ou não de algo (BARBOSA, 1996). Essa é uma tarefa complicada para qualquer ser humano que, como prega a economia comportamental, possui preconceitos e vieses que são muito difíceis de desconectar da nossa mente ao tomar uma decisão. Neste sentido, o artigo marco da Teoria de Heurísticas e Vieses já afirma: “A confiança na heurística e a prevalência de vieses não são restritas ao leigo.”

(Tversky e Kahneman, 1974, p. 1130).

4.1 MERITOCRACIA NO SERVIÇO PÚBLICO BRASILEIRO

Barbosa (1996) debate sobre a primeira tentativa de implementação do sistema meritocrático no Brasil: na Constituição de 1824, artigo 179, o item XIV tornava a admissão para cargos públicos aberta a todos os indivíduos, porém somente aqueles com mérito suficiente conseguiriam ingressar. Segundo o artigo, esse mérito seria dos mais talentosos e virtuosos. O método de ingresso podia ter intenções de valorizar o mérito de tal maneira que o talento e a virtude fossem as únicas variáveis que definiriam a aptidão do indivíduo para tal cargo. Mas a realidade social na época não seguia na mesma direção, em uma sociedade onde nível de renda e sexo eram fatores excludentes do direito ao voto, seria um método de ingresso justo o simples fato de todos terem a possibilidade de tentar? Além disso, favorecia explicitamente alguns indivíduos em relação a outros, homens casados, por exemplo, possuíam prioridade em relação aos solteiros para obter um cargo. Somente em 1934 essa distinção foi retirada e todos os brasileiros passam a ter acesso ao serviço público, através de

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concursos realizados por meio de provas, nas quais quem tivesse um bom desempenho estaria apto para exercer o cargo. O mérito era mensurado através do resultado alcançado nessas provas.

Também houve a tentativa de utilizar a meritocracia na nomeação para cargos comissionados do poder executivo federal, que não possuem concursos ou provas como critério de seleção. Através da Lei nº 13.346, de outubro de 2016, foram criadas essas funções comissionadas. Em março de 2019, o Decreto nº 9.727 estabeleceu como deveria ser feita a ocupação desses cargos e a meritocracia entrou então como critério para a nomeação. Ela deveria ser um pilar na busca pela integridade pública, os setores deveriam se esforçar para nomear profissionais qualificados, que seriam aqueles com melhores habilidades, conhecimento e maiores esforços pessoais. Isso deveria proporcionar igualdade de oportunidades a todos os que se enquadrassem no perfil profissional e procedimentos gerais que cada cargo exige, além de melhorar a performance das organizações pois contariam com membros capacitados e que se esforçam (CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO, 2023).

Além da meritocracia guiando o ingresso nos cargos, atualmente alguns serviços a utilizam para decidir manter ou promover funcionários, através da avaliação de desempenho, com comissões que avaliam o desenvolvimento de atividades na carreira do funcionário, como com professores universitários. Porém, nesse ambiente, é corriqueiro que a maioria seja avaliado com um bom desempenho e, consequentemente, os departamentos das universidades possuem diversos professores promovidos em categorias altas, enquanto as inferiores são ocupadas pelos novatos com pouco tempo na função (BARBOSA, 1996). Ou seja, para alcançar as maiores hierarquias, basta trabalhar por um bom tempo, e não necessariamente ter mais talento que os outros. Segundo Barbosa (1996), existem alguns departamentos e universidades que fazem avaliações mais aprofundadas, nivelando a qualidade dos resultados entregues, como as produções acadêmicas e participações em congressos, mas são minoria.

No estudo realizado por Barbosa (1996), com 432 questionários aplicados a servidores públicos, constatou-se que, embora a grande maioria acredite que o mérito deveria ser essencial na avaliação de funcionários, há muitas críticas: 79% das pessoas acham os critérios injustos e quase 51% acredita que os avaliadores podem tomar decisões enviesadas, favorecendo involuntariamente algumas pessoas. Foi

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identificado também que os chefes não gostam de realizar essas avaliações porque geram descontentamento entre os funcionários e, para evitar essa reação, tendem a avaliá-los da forma mais agradável: com notas boas a todos.

Barbosa (1996), destaca também outra característica muito importante: como a população do país enxerga a igualdade e o desempenho. Para a maior parte dos estadunidenses, que são de um dos países pioneiros na implementação de sistemas meritocráticos, a igualdade é relacionada diretamente com a maneira como os indivíduos são tratados perante a lei. Ninguém deve ser mais privilegiado que outro, qualquer diferença entre os indivíduos é justificada pela diferença no talento de cada um, que faz com que alguns realizem atividades com mais eficiência. Essa diferença de eficiência é valorizada porque destaca aqueles que possuem melhor desempenho, independente de determinantes sociais, o importante é o que cada indivíduo foi capaz de fazer, não importa sob quais condições. A meritocracia se encaixa com mais facilidade em um país onde a população tem uma filosofia de vida que valoriza o mérito e a luta individual para atingir seus objetivos, além de não enxergar a desigualdade social como uma justificativa, mas como uma consequência das ações de cada um.

Já para os brasileiros, na opinião de Barbosa (1996), a igualdade perante a lei é importante, mas não garante a igualdade de fato na realidade dos indivíduos.

Segundo a autora, isso é considerado crucial pois, de forma distinta dos Estados Unidos, as desigualdades não são admiradas no Brasil, não são consideradas como uma representação do mérito de cada um, e sim como uma variante sobre a qual as pessoas não têm controle e que pode interferir em seus resultados alcançados. Ainda segundo Barbosa (1996), no Brasil é desejável que as produções individuais sejam avaliadas considerando todo o contexto e realidade em que o indivíduo teve de produzir, isso torna difícil o trabalho de comparar os esforços despendidos por pessoas distintas porque torna necessário mensurar variáveis subjetivas, como a posição social e as oportunidades que cada um teve acesso, por exemplo.

Segundo Borba (2019), porém, no Brasil há muitos apoiadores da meritocracia que acreditam sim no mérito individual, o que é intrigante considerando um país tão desigual em que políticas desse âmbito podem aumentar ainda mais a desigualdade.

Na opinião deste autor, é um grande problema comparar as diferenças entre os atributos pessoais de cada indivíduo e ainda utilizar isso como justificativa para a

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desigualdade. A desigualdade social é fonte de injustiça, onde certos grupos são vedados de direitos básicos de cidadania e de oportunidades na vida (BORBA, 2019).

Pesquisas realizadas pela organização OXFAM mostraram que 86% dos entrevistados acreditam que a desigualdade atrapalha o desenvolvimento econômico do Brasil, e 84% concorda que o governo deveria trabalhar para diminuir a diferença gritante entre os muito ricos e muito pobres. Mas o brasileiro, embora enxergando-a como injusta, não percebe a dimensão que essa desigualdade toma no país. Segundo a mesma pesquisa da OXFAM, dois terços dos entrevistados acreditavam que a linha da pobreza no país começava em R$ 701,00 de renda mensal (BORBA, 2019). Em 2018, ano em que as entrevistas foram feitas, a linha da pobreza era considerada em torno de R$ 5,50 de renda diária (GANDRA, 2020), considerando um mês com 30 dias, seriam cerca de R$ 165,00 de renda mensal.

Implementar sistemas meritocráticos em uma cultura que considera importante essas variáveis que a meritocracia ignora, é um caminho muito mais longo e exige muitas adaptações que, nas tentativas citadas nesta seção, nem as organizações brasileiras, e nem mesmo no exterior, foram capazes de fazer. Mais complicado ainda é implementá-los em um país extremamente desigual onde a população não sabe mensurar a desigualdade presente. Os malsucedidos, ou pobres, seriam julgados como incompetentes que não se esforçam, mas na realidade não possuem nem acesso a seus direitos básicos de cidadãos. Com pontos de partida tão distintos, seria justo considerar que aqueles que não enriquecem é porque não se esforçaram?

Os artigos de Barbosa (1996) e de Borba (2019) mostram uma série de empecilhos encontrados ao tentar implementar a meritocracia em sistemas públicos brasileiros, enfatizando que não basta ter o mérito como ferramenta de ordenação, é preciso cultivar uma cultura que o considere correto e fundamental, e que ofereça de fato oportunidades iguais a todos. É necessário estar sempre buscando maneiras mais eficientes de quantificar o mérito, que atenuem as injustiças. Isso é um grande desafio, principalmente no Brasil, onde fatores sociais influenciam os resultados e devem ser levados em consideração.

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4.2 POLÍTICAS MERITOCRÁTICAS NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

Vieira et al. (2013) observam a implementação da meritocracia em políticas voltadas à educação no Brasil, mais especificamente em uma tentativa do Estado de São Paulo. Essa tentativa surgiu influenciada pelos novos modelos de gestão educacional ao redor do mundo, com a intenção de se adequar aos moldes do sistema capitalista, relacionando educação com produtividade. Por exemplo, um professor que possui uma alta média de notas em sua sala é mais produtivo e eficaz do que um professor que possui uma média de notas menor, e o mais produtivo deve ser recompensado por isso. O Programa de Reforma Educacional Paulista, que se baseia em um modelo de gestão meritocrata com a valorização de professores baseada no mérito individual, tinha o intuito de motivar os profissionais a se aperfeiçoarem continuamente, estimulados pela possibilidade de aumentar seus salários e, assim, com profissionais mais qualificados, melhorar a qualidade do ensino. Porém a reforma recebeu muitas críticas do Sindicato dos Professores do Estado de São Paulo e de educadores renomados, principalmente por julgar como culpa dos professores os problemas na educação pública estadual e pela maneira uniforme de avaliar a atuação desses profissionais, que pode extinguir a multiplicidade nas escolas, além de criar um clima competitivo entre o corpo docente.

Segundo Vieira et al. (2013), há similaridades nesse modelo com o funcionamento de empresas privadas. Os autores questionam se isso levaria realmente a uma melhora na educação, ainda mais por não terem ouvido a opinião dos principais afetados, os professores, antes de realizar a implementação. Além disso, comentam da falta de preocupação com outros pontos cruciais para a qualidade do sistema de ensino, como a infraestrutura, equipamentos e quantidade de alunos por sala que, se corrigidos, abririam oportunidades para que os professores melhorassem seu trabalho. Afinal, de nada adianta ter profissionais qualificados se precisam dar suas aulas em salas lotadas e sem uma lousa em bom estado. Com essa reforma e todas as exigências acerca dos professores, que precisam dedicar cada vez mais tempo à escola, as boas condições de trabalho são esquecidas. A meritocracia, mais uma vez, foca somente no individual, esquecendo-se de buscar soluções para problemas que são coletivos.

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O exemplo da tentativa de acoplar a meritocracia na educação pública brasileira mostra que a implementação é um processo que envolve várias etapas e não necessariamente qualquer organização pode se adaptar bem a ela. É preciso avaliar quais problemas se busca resolver com essa implementação e se esses problemas são realmente relevantes para aquele ambiente. Além disso, o foco excessivo no indivíduo poder ser um complicador, muitas organizações dependem do coletivo para seu bom funcionamento e a meritocracia pode gerar um clima competitivo que atrapalha a boa convivência entre os colaboradores.

No assunto da educação brasileira, outro exemplo de meritocracia nesse ambiente são as provas para ingresso na universidade, seja através do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) ou de vestibulares. Essas provas são utilizadas como critério de seleção, em que aqueles com os melhores desempenhos são selecionados para entrar nas universidades brasileiras. Seguindo o pensamento meritocrático, aqueles que acertam mais questões são os que se esforçaram mais nos estudos ou são mais inteligentes. Portanto, esses alunos merecem ingressar na faculdade. Porém o que observamos na educação brasileira é uma porcentagem muito maior de brancos com ensino superior completo, então seria correto dizer que os brancos são mais esforçados ou mais inteligentes que outras raças? Quando observamos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD-C) 2019, com dados desde 1955 até 2019, a população branca com ensino superior completo é sempre com taxas acima de 20%, enquanto olhando para a população negra, nesse caso a soma de pretos e pardos, essa porcentagem gira próxima de 10%. A situação melhorou para os negros depois de 2012, quando foi aprovada a Lei de Cotas, onde se uniformizou a reserva de vagas em instituições federais, com condicionamento de acesso para estudantes da rede pública e, dentro disso, reservas a depender da renda e raça, e para pessoas com deficiência. Mesmo com essa medida, a porcentagem de negros com ensino superior completo, embora tenha aumentado, ainda é menor do que a porcentagem de brancos (HONORATO e ZUCCARELLI, 2019). Se avaliarmos a população brasileira, utilizando os dados da PNAD-C 2019, representada na TABELA 1, aproximadamente 57% da população residente brasileira é negra.

Seguindo esses valores percebemos que certamente há desigualdade no acesso ao ensino superior quando consideramos a raça. Não é simples dizer que os brancos são

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mais esforçados ou inteligentes e por isso possuem proporções maiores de indivíduos com superior completo.

TABELA 1 – POPULAÇÃO RESIDENTE, POR SEXO E COR OU RAÇA - 2019

Na verdade, segundo Chalhoub (2017), o desempenho nas matérias da faculdade desses alunos cotistas é igual ou até superior ao de alunos não cotistas. A diferença está no período antes do ingresso, nas realidades sociais distintas que cada grupo vive e não distinções de inteligência ou esforço. Ao competirem com pessoas que passaram pelas mesmas oportunidades educacionais, serão selecionados os melhores alunos dentro daquela realidade, realidade essa com menos privilégios que a realidade branca, no geral. Um aluno negro e pobre que estudou numa escola pública da periferia, não deveria concorrer com um aluno que possui pais com ensino superior completo e com alto poder aquisitivo. Os negros tiveram acesso ao ensino básico no Brasil séculos depois da população branca, e isso gera consequências para as gerações futuras. É interessante refletir quanto à justiça de alunos que não tiveram uma igualdade ideal de oportunidades, competirem juntos. As cotas são uma tentativa de qualificar o mérito pelas condições sociais e econômicas. Sem isso, utilizar da meritocracia no ingresso para a faculdade só continuaria a reprodução de desigualdades sociais e raciais na sociedade (CHALHOUB, 2017).

Sem as cotas, a abordagem meritocrata de ingresso nas universidades pode ser muito criticada: certos grupos possuem privilégios que outros não têm, a competição não é de igual para igual. Assim, as desigualdades da sociedade se reproduzem no ambiente educacional, os grupos privilegiados garantem mais vagas,

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e não, necessariamente, por serem mais capazes ou esforçados. Ainda não é possível dizer que as desigualdades nesse meio acabaram, mas a adoção das cotas foi realizada na tentativa de melhorar nesse quesito e trazendo a diversidade do povo brasileiro ao ambiente universitário.

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4 ATRIA, J.; CASTILLO, J.; MALDONADO, L.; RAMIREZ, S. Economic Elites’ Attitudes Toward Meritocracy in Chile: A Moral Economy Perspective. American Behavioral Scientist, v. 64, n. 9, p.

1219 – 1241, 2020.

5 MERITOCRACIA E ECONOMIA COMPORTAMENTAL

A economia comportamental, agrupando conhecimentos da Economia com diversas outras áreas como Biologia e Psicologia, se destaca ao evidenciar anomalias de comportamento nos indivíduos, ou seja, quando se portam diferente do previsto pelos modelos clássicos da economia (TVERSKY e KAHNEMAN, 1974). A meritocracia se relaciona com essa vertente porque pode estar intimamente ligada ao funcionamento da mente humana, como mostra o estudo a seguir.

Goode et al. (2014) tentam identificar o que leva pessoas a apoiarem a implementação de sistemas como a meritocracia. Os testes foram feitos através de simulações e perguntas com pessoas recrutadas pelo serviço Mechanical Turk, da Amazon, sendo a grande maioria estadunidenses. Os resultados mostraram que indivíduos carentes de autocontrole, capacidade de dominar seus próprios impulsos e emoções (AUTOCONTROLE, 2022), geralmente apoiam sistemas que focam em um desenvolvimento social ordenado e previsível, até porque seus sentimentos de ansiedade quanto ao futuro são proeminentes se comparados com pessoas que não sofrem dessa carência. A meritocracia acalma essa ansiedade e aflora um otimismo quanto ao futuro, pois assume que todo o esforço deve ser recompensado, então tudo se ajeitará. Assim, acaba sendo uma alternativa mais confortável para aqueles que possuem problema de autocontrole, característica que se torna um traço comum entre os defensores dessa ideia, de acordo com Goode et al. (2014).

5.1 PERCEPÇÃO E MERITOCRACIA

Uma outra maneira de relacionar meritocracia à economia comportamental é tratar da percepção que as pessoas têm a respeito da meritocracia. Por exemplo como as pessoas interpretam o mérito. Há estudos mostrando que as elites interpretam o mérito como consequência do talento, enquanto para classes média e baixas ele é mais relacionado ao esforço pessoal (ATRIA et al., 4 2020 apud MENESES et al., 2021, p.3). Outra percepção importante nesse tema é a dos indivíduos sobre eles

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mesmos. A maior parte das pessoas se autoavaliam melhores do que na verdade são (FRANK, 2017). Talvez uma justificativa do porquê aqueles bem-sucedidos financeiramente, as elites, consideram o talento uma variável primordial para mensurar o mérito: essas pessoas acreditam que possuem um nível de talento maior que o restante e isso as levou a alcançar o sucesso. Porém, como Frank (2017) argumenta, as autoavaliações costumam ser sempre mais otimistas do que a realidade. O autor cita uma pesquisa em que 90% dos entrevistados se definem como motoristas acima da média. A mesma autoavaliação foi realizada em um hospital com motoristas que se recuperavam de acidentes de trânsito, muitos causados por eles próprios, e mesmo assim 80% deles fizeram a mesma autoavaliação, classificando- se como motoristas acima da média.

Percepção e preferências estão relacionadas a psicologia, e são o foco da pesquisa de Meneses et al. (2021) que compara pontos de vista meritocráticos e não meritocráticos, utilizando dados do ISSP (International Social Survey Programme), além de questionários aplicados a mais de 2000 participantes. Os indivíduos classificaram uma lista de itens, conforme sua ótica de quanto efetivamente eles são relevantes para alguém progredir na vida, para análise da percepção dos participantes. Para a análise da preferência, classificaram o quanto aqueles itens deveriam ser relevantes para alcançar o sucesso pessoal. A lista contava com itens de motivação interna (meritocráticos), como a ambição e o trabalho pesado, e itens de restrições estruturais (não meritocráticos), como a riqueza da família e o gênero. A maior parte dos entrevistados avaliou que enxerga o esforço e o talento sendo recompensados, mas uma maior porcentagem avaliou o fato de ter pais ricos e bons contatos como variáveis que fazem um indivíduo ser bem-sucedido. Porém, o que desejam é o contrário. Os entrevistados acreditam que o talento e, principalmente o esforço, deveriam ser recompensados, enquanto não consideram correto que pais ricos e bons contatos levem um indivíduo a prosperar.

Os resultados encontrados no estudo citado anteriormente mostram que percepção e preferência, embora muitas vezes interpretados com o mesmo significado de “crença”, são duas dimensões diferentes e devem ser estudadas separadamente. Principalmente se tratando de meritocracia, deve haver essa distinção de como as pessoas a percebem e como a preferem. As pessoas preferem que a realidade funcione baseada em itens meritocráticos, mas não acham que isso

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está acontecendo. Além disso, o estudo mostrou que questões estruturais não são necessariamente relacionadas às meritocráticas. A discussão a respeito da meritocracia avançaria muito se analisasse também esses tópicos não meritocráticos ao formular suas políticas. Ao invés de assumir que fatores não meritocráticos são atrelados aos meritocráticos, ou seja, a família é rica porque houve muito esforço por parte deles ou é pobre por falta de esforço, deveriam olhar para esses itens estruturais com atenção porque não necessariamente uma coisa é consequência da outra e não pode ser assumida como tal no momento de formular novas políticas meritocráticas.

É possível assim, gerar ambientes mais compreensíveis, já que o pobre não será visto como merecedor de sua posição por não ter se esforçado o suficiente, e sim como alguém que pode estar nessa situação porque nasceu em uma família sem condições e não teve as mesmas oportunidades de alguém que nasceu em uma família rica.

5.2 PERCEPÇÃO DAS FALHAS MERITOCRÁTICAS

A educação frequentemente é vista como uma maneira de dar oportunidade para que indivíduos mudem suas realidades, pois permite a qualificação para o mercado de trabalho. Pelo fato de a educação estar disponível a todos, com as escolas públicas que não possuem barreiras à entrada, pode levar à falsa interpretação de que funciona da mesma maneira para todos e nem sempre é isso que acontece. Por exemplo, é mais difícil para uma criança que precisa trabalhar conseguir um desempenho igual ao de quem não precisa, porque é necessário dedicar parte do seu dia ao trabalho e não ao estudo. Além disso o diploma universitário, algo que a maioria da população não tem, é visto como necessário para se ter um trabalho digno e uma vida decente (SANDEL, 2021). O segmento educacional acaba trazendo mais do mesmo: aqueles que vêm de uma família rica, conseguem atingir altos níveis de escolaridade e continuar nessa faixa de renda, o status se reproduz. Nos Estados Unidos, por exemplo, o percentual de conclusão do bacharelado é muito maior entre a população de alta renda, comparando as notas em matemática na oitava série, os indivíduos que possuem as piores notas, mas são de alta renda, possuem maior índice de conclusão do bacharelado do que aqueles com

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5 FOX, M.A.; CONNOLLY B. A.; SNYDER, T. D. Youth Indicators 2005: Trends in the Well-Being of American Youth. Disponível em: <https://goo.gl/ybimxF>. Acesso em: 13 jul. 2017.

6 SOARES, Joseph A. The decline of privilege: the modernization of Oxford University. Stanford:

Stanford University Press, 1999.

as notas mais altas e que são de baixa renda (FOX et al, 5 2005 apud FRANK, 2017, p.144).

WARIKOO e FUHR(2014) analisam a interpretação de universitários de Oxford sobre o sucesso deles ao serem admitidos na faculdade. A universidade de Oxford busca praticar a meritocracia em seus processos de admissão desde meados do século passado, porém uma grande parte de seus graduandos vêm de escolas privadas (SOARES, 6 1999 apud WARIKOO e FUHR, 2014, p.7), cerca de 45% deles, sendo que apenas 7% dos estudantes britânicos possuem acesso ao ensino privado (United Kingdom Department for Education e University of Oxford, 2010). Isso pode levar a questionamentos sobre a real eficácia dessa política meritocrática, visto que um grupo social acaba se destacando. Alguns dos universitários entrevistados acreditam que essa diferença pode ser por escolas privadas conseguirem preparar melhor seus alunos para o processo de admissão. Há, então, uma contradição, porque esses alunos dizem acreditar que o processo para ingressar em Oxford é meritocrático e a inteligência é o motivo de terem conseguido entrar, ao mesmo tempo em que afirmam que a falta de preparo pode levar alguém a não ser admitido. Se a falta de preparo é importante, então não são apenas os mais inteligentes que conseguem ingressar, e sim os que conseguem se preparar melhor. Se a escola não fornece apoio então até mesmo os mais inteligentes podem não conseguir. As entrevistas mostram que, de certa forma, o apoio e a crença na meritocracia são defendidos apenas quando convém, nesse caso, quando faz os alunos se sentirem mais inteligentes por conseguirem ingressar na universidade. Quando o assunto são as falhas encontradas na implementação, os alunos não conseguem sugerir meios para melhorar o processo, embora tenham reconhecido as brechas. Os estudantes enxergam que certos grupos, como negros e alunos de escolas públicas, possuem desvantagens no processo de admissão, mas não percebem que, portanto, quem consegue ser admitido teve vantagem acima dos outros, como o acesso ao ensino privado.

Outra questão que pode interferir nessa percepção da meritocracia e suas falhas, é a desigualdade. Ela está presente nas justificativas das brechas na implementação, como os estudantes de Oxford apontaram quando citaram o fato de o ensino privado e público terem processos preparatórios diferentes e com isso a

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admissão “meritocrática” para a faculdade acaba desfavorecendo os estudantes de escola públicas (WARIKOO e FUHR, 2014). Então a desigualdade de acesso e até mesmo de qualidade no ensino faz com que alguns indivíduos consigam se sair melhor, e assim o processo que deveria ser meritocrático e aprovar os mais inteligentes ou os que se esforçam mais nos estudos, acaba aprovando os que tiveram oportunidade e acesso para se prepararem melhor.

Em sociedades e ambientes desiguais, as pessoas tendem a justificar a desigualdade entre os indivíduos através da meritocracia, sugerindo que aqueles que estão em posições mais privilegiadas é porque merecem isso, e aqueles que não alcançam esse sucesso é porque não fizeram por merecer. Outra característica marcante entre as sociedades com altos níveis de desigualdade, é que as pessoas passam a ser mais tolerantes em relação a isso e, conforme se acostumam com essas condições, passam a achar justo que essas diferenças aconteçam por conta dos níveis de talento e esforço de cada um, seguindo os ideais meritocráticos.

Além disso, as populações ricas e pobres de lugares com muita desigualdade vivem cada uma em sua própria bolha, compartilhando ambientes como escola e vizinhança apenas entre os seus semelhantes, de tal maneira que ficam alheios a realidades diferentes de suas próprias, não enxergando sua posição de privilégio (MIJS, 2019). Isso explica o porquê os defensores da meritocracia acham esse método justo, e mesmo os poucos que enxergam suas falhas, como os estudantes de Oxford citados anteriormente, não se importam com isso porque na verdade saem beneficiados com esse sistema. Quando um indivíduo acredita que é autossuficiente e seu sucesso é consequência apenas de seus próprios atos, não podemos esperar que ele tenha algum senso de responsabilidade pela sociedade em que vive (SANDEL, 2021).

Justificar a desigualdade através da meritocracia deixa os indivíduos insensíveis à certas circunstâncias aleatórias que influenciaram para obterem seu sucesso. Também faz com que menosprezem os menos afortunados, pois se não alcançaram o sucesso é porque não mereceram ou não se esforçaram o suficiente e por isso não são dignos de ocupar posições melhores na sociedade, como se seus trabalhos não fossem importantes ou válidos por não necessitarem de um diploma universitário para a função (SANDEL, 2021). A meritocracia é ótima para aqueles que apoiam seu sucesso nela, mas para quem não alcança essa posição ela pode ser

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fonte de humilhação: quem não merece ou não consegue o sucesso é culpado, a pobreza é uma culpa (IHU, 2021).

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O conceito de meritocracia é complexo. Cada autor aborda de uma maneira, alguns consideram apenas o esforço, outros apenas o talento, outros consideram ambos. Além disso, é grande a dificuldade em mensurar essas variáveis que dificilmente dependem apenas delas mesmas, ou seja, outros fatores podem influenciar nos resultados. Como o diploma universitário, por exemplo, que poderia ser utilizado como medida de inteligência, mas é afetado por fatores estruturais como a questão racial ou o acesso ao ensino básico. Outro exemplo seria a mensuração do esforço através dos resultados de funcionários, mas a avaliação do resultado é realizada por humanos que podem ter opiniões enviesadas e acabar favorecendo um sexo específico, como os homens. A meritocracia atrelada ao funcionamento de empresas pode estar relacionada intrinsecamente com a produtividade desejada pela empresa. Ao adotar uma cultura em que os esforços são recompensados, a empresa pode, desta maneira, estimular que seus funcionários trabalhem em excesso esperando ser beneficiados por isso, quando na verdade outros fatores, como o sexo e raça, também acabam influenciando nas avaliações de desempenho. O discurso meritocrático nesse ambiente acaba sendo utilizado como um estímulo para produzir mais.

O esforço é importante para conquistar o sucesso e “subir na vida”, mas não é a única variável que influencia. Eventos aleatórios favoráveis podem fazer toda a diferença. No Brasil, a faixa de renda em que um indivíduo nasce, que é uma aleatoriedade, parece determinar o seu futuro. É muito difícil para aqueles que estão em faixas de renda menor conseguirem subir para faixas superiores. Defensores da meritocracia usariam esse dado para dizer que aqueles que não conseguem subir de classe é porque não se esforçam o suficiente, por isso merecem ser pobres. O fato de nascer em uma família rica gera oportunidades, como os estudos, que muitos de família pobre jamais terão acesso. Ser rico nem sempre é mérito apenas do esforço, também é consequência de nascer em um ambiente com diversas oportunidades e possibilidades. Se olharmos para a variável talento, a importância da aleatoriedade é ainda mais clara, já que não é possível escolher com quais habilidades e inteligência nascer. Mas parece ser intencional o fato de a meritocracia não incluir essas eventualidades como importantes para alcançar o sucesso. Há o receio de as pessoas

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não iriam se levantar para trabalhar se não esperassem ser recompensadas por isso, para as empresas é lucrativo que os funcionários deem seu máximo no trabalho.

A implementação da meritocracia enfrenta essas barreiras: a mensuração das variáveis meritocráticas e a influência de variáveis que não deveriam importar segundo seus princípios. Além disso, é perigoso implementá-la em um país cuja população não sabe mensurar a desigualdade presente, pois essa política tende a aumentá-la ainda mais e encobri-la com o discurso de que todos merecem suas posições. Seria preciso cultivar uma cultura que ofereça de fato oportunidades iguais a todos e que busque maneiras mais eficientes de quantificar o mérito, atenuando injustiças. Como as cotas, que surgem como uma alternativa para a competição entre iguais, colaborando para ao menos diminuir a disseminação das mesmas desigualdades ano após ano.

Mas cabe a discussão: mesmo que a meritocracia tente englobar esses outros fatores para aliviar diferenças estruturais, isso a tornaria justa? É justa essa comparação de que um indivíduo merece mansões e fortunas e outro indivíduo merece passar fome? Talvez esse seja o motivo da distopia de Michael Young acabar com as classes baixas se revoltando contra as elites (MAZZA e MARI, 2021). A meritocracia humilha os menos afortunados e cega aqueles que estão nas altas posições da sociedade, que vivem em sua própria bolha e mesmo que enxerguem as desigualdades se reproduzindo, não se comovem. As consequências sociais geradas são profundas e estão enraizadas na mente dos indivíduos. A meritocracia é desejada pelos mais afortunados pois é uma condição que os favorece psicologicamente, socialmente e economicamente. Além disso, traz a falsa promessa de mobilidade social aos menos afortunados, que a defendem por acreditar que realmente é uma alternativa para o fim da desigualdade e que finalmente seus esforços serão recompensados.

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