• Nenhum resultado encontrado

INFORMAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO SEGUNDO JOHN LOCKHART

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2018

Share "INFORMAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO SEGUNDO JOHN LOCKHART"

Copied!
5
0
0

Texto

(1)

Inf. & Soc.:Est, João Pessoa, v.4, n.1, p.92-96, jan./dez. 1994 92

INFORMAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO

SEGUNDO JOHN LOCKHART

*

1. A política de bem estar social do governo inglês leva a dependência, mas também pode detonar tensões sociais, em que nível? Isso pode ser percebido?

Eu acho que nós devemos iniciar pelo entendimento do contexto social do desenvolvimento do Bem Estar Social na Inglaterra O Bem Estar Social foi estruturado com a participação de muitos setores da sociedade inglesa. E, naquela época, tinha-se a opinião que o Bem Estar Social era uma posição definida pela sociedade e que todos os setores tinham interesse no seu desenvolvimento. Até, então, não se percebia o problema de dependência na forma como ele é percebido agora. As pessoas sentiam a necessidade do desenvolvimento do Bem Estar Social e de forma geral estavam preparadas para apoiá-lo, cada um tinha investido nos resultados e o fato de ter que pagar impostos para sustentá-lo não era visto como um grande problema. Penso que a mudança da situação foi devido à crescente percepção da pressão e crise econômica na Inglaterra. Nos anos 60. e principalmente 70, as bases ideológicas do Bem Estar Social eram ainda muito fortes, porém começou-se a perceber mudanças ern alguns dos setores de apoio, particularmente o desenvolvimento de teorias econômicas que não ajudavam o crescimento do serviço público. Isto levou alguns anos para se estabelecer e ser vantajoso em termos políticos. Mas, por volta de 1975 ou 1976, podemos ver claramente uma reviravolta na direção da política do bem estar de forma geral. As mudanças ideológicas na população, como um todo, levam tempo. Mas, quando Margareth Thacher tornou-se Primeiro Ministro, em 1969, havia um nítido movimento contra a

idéia de um bem estar social universal com benefícios para todos. Nos primeiros anos do seu

governo, ela liderou esse combate ideológico dizendo que o bem estar social deveria ser para aqueles que mais precisam de ajuda, e não para a classe média da sociedade. O seu argumento era que os gastos do bem estar deveriam ser cortados e que não era necessário despender dinheiro público com esses setores da sociedade que podiam se manter com recursos próprios. Ao mesmo tempo, os gastos do bem estar não eram direcionados exclusivamente para as necessidades, porque havia uma separação entre aqueles que mereciam ajuda, porque eles tinham investido na sociedade em termos de esforço ou tinham um motivo que merecesse, como por exemplo pessoas deficientes ou idosas. e entre aqueles que não a mereciam porque não quiseram trabalhar ou porque o

problema foi causado por eles mesmos. Eu ainda penso que as pessoas não aceitam

inteiramente esses pontos de vista, mas há um grupo bastante forte que o apoia para manter a política conservadora no serviço público. E nós achamos que o próprio Partido Trabalhista está substituindo as idéias do benefício universal por aquelas do beneficio seletivo. Eu acho que é uma mudança perigosa, particularmente porque, contrariamente às declarações do governo, ela reforça a idéia de dependência - bem estar não é mais um direito coletivo, mas uma espécie de caridade para os que precisam. Em segundo lugar produz cisões e tensões dentro da sociedade. As pessoas percebem que não estão obtendo retorno do Bem Estar Social.

Pessoas que pagam altos impostos pelo bem estar percebem que.não é para elas. Realmente eu

não penso que isto seja verdade. Se você observar para onde vai a maioria dos gastos do bem estar, pensa que a classe média ganha no mínimo muito, se não mais que os pobres, porque se beneficiam de educação superior para os filhos e o crescente uso dos serviços de saúde porque são mais conscientes dos seus direitos.

(2)

Inf. & Soc.:Est, João Pessoa, v.4, n.1, p.92-96, jan./dez. 1994 93

Eles não tem dependência e são mais conscientes dos seus direitos saciais. Assim, a despesa

com a classe média é ainda muito alta, mas a percepção é que ela não se beneficia desses gastos

O governo é capaz de produzir uma separação entre as pessoa da classe média e aquelas da classe pobre da sociedade. E, também, entre aquelas da classe pobre que são vistas como casos de merecimento e aquelas que são vistas como casos não merecedores. Acho que isto não leva a um

estágio que cause explosão social, não é tão sério assim O aspecto sério dessa história é que

reforça essas políticas que trabalham contra a classe mais pobre da sociedade. Nós vimos, nos últimos quinze anos, grandes cortes nos impostos das pessoas mais ricas e severas restrições nos benefícios sociais dos mais pobres. E nós vemos muitos casos de indústrias em que o salário do pessoal de alto nível está aumentando em rápidas proporções, enquanto os de nível baixo não recebem virtualmente nenhum aumento. Em alguns grupos tem mesmo decaído. E, assim, há polarização na sociedade, que não se tornou ainda polarização ideológica preocupante Mas eu penso que as sementes da polarização ideológica existem. Nós precisamos reverter essas políticas, mas não tenha muitas esperanças que isto aconteça, principalmente, como já disse, porque até o Partido Trabalhista a tem impulsionado, temendo ser chamado de irresponsável e porque ela permite que as despesas públicas subam rapidamente. Assim, nós precisamos encontrar essas estruturas para apoiar as idéias da provisão coletiva e universal que ajudarão as classes pobres da sociedade e não causarão ressentimentos na classe média.

2. De que forma o trabalho das agências comunitárias tem conseguido superar o assistencialismo?

Precisamos distinguir duas coisas aqui. Uma é o tipo de provisão de bem estar que é produzida pelo governo. Acho que precisamos de alguma forma de retorno para o princípio do direito social coletivo universal, de forma que as pessoas não se sintam dependentes do bem estar, acreditem que têm direito à cidadania, que podem reivindicar benefïcios sociais porque pertencem à sociedade e não porque estão entre os casos que necessitam. Este e o primeiro princípio. Mas, penso que é importante, é tarefas das agências que trabalham na comunidade, que vêm trabalhar com as pessoas para desenvolver a conscientização dos seus direitos sociais e de seu papel na sociedade. Particularmente, eu advogaria um programa de análise social no qual as pessoas possam estudar as estruturas da sociedade e encontrar a consciência de sua própria história e de suas próprias prioridades. É um programa educacional profundo e precisa de uma dedicação a longo prazo pelas equipes de agentes que trabalham na comunidade. No momento, não temos estrutura suficiente para desenvolver esse trabalho, que está sendo realizado em pequenas áreas, mas não está organizado em grande escala.

3. O desenvolvimento comunitário na Inglaterra é uma realidade e Universidades como a de Manchester parecem exercer um papel importante. Qual seria, então, o papel da universidade brasileira em um país que não mantém esse tipo de programa?

Inicialmente, preciso dizer alguma coisa sobre o papel da universidade da Inglaterra Nem sempre há uma forte ligação entre o trabalho das universidades e aquele das agências de desenvolvimento comunitário. Em alguns lugares, a ligação é muito boa, enquanto em outros não existe nenhuma. Assim, nós precisamos incentivar muito mais essas relações, pois só então haverá um claro elo entre a teoria e a prática do desenvolvimento. Eu não acho que esta ligação só tenha uma via, na qual a universidade gera a teoria e os agentes do desenvolvimento comunitário aplicam a prática. Penso que este é um processo de duas vias, no qual ambas as partes desempenham um importante papel. Em termos de teoria, uma das questões chaves no momento, na Inglaterra, é o "empowerment"*

(3)

Inf. & Soc.:Est, João Pessoa, v.4, n.1, p.92-96, jan./dez. 1994 94 uma idéia de alguns dos problemas que podem surgir. "Empowerment" em princípio é um bom conceito, mas desvalorizou-se pelo uso excessivo, significando agora todas as coisas para todas as pessoas. Não podemos encontrar uma definição coerente para "empowerment" e, na realidade, não sabemos o que significa na prática. O que acontece é que muitos agentes de desenvolvimento comunitário falam a linguagem do "empowerment", mas eles têm pouco conhecimento teórico e, ao mesmo tempo, muitos desses agentes de base lutam para definí-lo e encontram muitas definições diferentes. Eles concentram seus esforços mais na definição do que na aplicação. Assim, na melhor das hipóteses, a cooperação entre as universidades e agências de desenvolvimento comunitário é muito boa, mas algumas vezes pode entrar em colapso. Porém, eu estou mais preocupado com o nível de compreensão teórica e intelectual que apoiam a maioria do trabalho de desenvolvimento da comunidade. E na Inglaterra essa é uma das áreas mais importantes para a universidade. A situação no Brasil, até onde posso compreender, é muito diferente. Mas há muitas agências que trabalham nas comunidades, não necessariamente agências do governo, podem ser organizações não-governamentais, privadas ou da igreja. Mas todas elas podem desenvolver um papel importante. Acredito que algumas dessas agências tenham programas de análise social e de conscientização. Isto deveria ser incentivado pelas universidades brasileiras, através do estabelecimento de redes para treinamento de pessoas que podem atuar como coordenadores, líderes e "facilitators"**

Penso que isto deve estar acontecendo em um determinado grau. Mas, se as universidades compreendem seu papel como produtoras de um lugar na sociedade brasileira para que esse desenvolvimento possa acontecer, então elas terão um claro sentido de direção. Elas não devem se concentrar puramente nas habilidades técnicas, apesar disto ser muito importante. Elas devem ter uma visão mais abrangente da educação, que nem sempre pode ser medida muito bem. Como na Inglaterra, a questão é que isto pode fazer a universidade parecer assumindo um papel bastante político e não sei que tipo de problemas isso causará ao Brasil.

4. Durante o curso você apresentou metodologias de trabalho em comunidade. Numa visão geral, quais se aplicariam melhor ao caso brasileiro?

*Ernpowerment= atribuir poder a **Facilitador - agente que facilita processos grupais Durante os dias que estive aqui apresentei vários modelos e metodologias, mas não

(4)

Inf. & Soc.:Est, João Pessoa, v.4, n.1, p.92-96, jan./dez. 1994 95

básicos. Acredito que o ideal é que esses programas fossem realizados a longo prazo, com o compromisso total de uma organização ou de uma determinada comunidade. Esses exercícios têm somente o objetivo de oferecer às pessoas uma idéia de como elaborar um programa de análise social e conscientização. Se isto fosse realizado numa comunidade determinada, por exemplo, poderia envolver a formação de equipes para desenvolver juntos os objetivos, analisar a sociedade em conjunto com as pessoas da comunidade, planejar as várias etapas da ação, participar da ação e a avaliar, compartilhar das estórias, etc. Dessa forma, o grupo desenvolve a metodologia conjuntamente. A metodologia não é pré-estabelecida, só os elementos básicos. Então, minha

resposta, sinteticamente, é que não há nenhuma metodologia fora dos exercícios que

apresentei.

5. A tendência, no Brasil, é do trabalho em comunidade seguir a forma "de cima para baixo". Como reverter isso?

Isto é realmente um problema, não só no Brasil, mas também na Inglaterra. Muitas agências que trabalham em comunidade adotam níveis hierárquicos e muitas desenvolvem hierarquia no seu trabalho. Isto não afeta somente os agentes, mas também é uma questão de expectativa das pessoas da comunidade que trabalham com eles. Assim, o conteúdo de um programa de educação deve conter compreensão da relação social e da natureza das estruturas e organizações. Sendo assim, essas pessoas vêem a necessidade da participação democrática, na qual todos têm vez. Os problemas surgem quando essa questão não é administrada

desde o início. Se isto não acontecer, as pessoas adotam um papel passivo e ficam satisfeitas

de se tonarem objeto de caridade. Isto também acontece quando alguns líderes emergem da comunidade para desenvolver um programa, sem estarem conscientes, ainda, do perigo da hierarquia. Penso em muitos casos de grupos que se formaram e falharam, controlados por indivíduos carismáticos ou poderosos. Agora, estamos dando uma atenção particular a esse problema. A primeira coisa que eu diria é de não se criar nenhuma estrutura permanente desde o inicio. Devemos ver sempre o estágio inicial de qualquer programa como o estágio interino, enquanto desenvolvemos estruturas apropriadas, a qual me referi no workshop como estrutura vernacular, que pode emergir da experiência do povo, tornando-se sua a expressão de uma forma democrática. Isto é uma questão de educação. Se as pessoas participam de um processo democrático de educação, acredito que no tempo certo elas adotarão métodos democráticos. Mas isso não acontece naturalmente. Na Inglaterra, a idéia de democracia é firmemente arraigada, temos o sistema representativo, em que elegemos as pessoas e elas tomam decisões por nós. Mas, se aplicado ao nível de comunidade, torna-se sem sentido. Costumeiramente, o primeiro encontro de muitos grupos da comunidade é só para eleger uma equipe para fazer o trabalho. Então, o povo se afasta e a equipe começa a trabalhar. Depois desse estágio, as pessoas nunca continuam envolvidas, até serem convidadas para outra reunião, comumente um ano depois, para discutir o trabalho e o relatório financeiro do grupo, mas não há mais interesse de participar do grupo. Então, essas equipes se perpetuam, elas comumente se auto-nomeiam, porque são compostas por pessoas que formaram os grupos e selecionaram as pessoas que querem trabalhar para o grupo. Penso que isto é uma deturpação das verdadeiras organizações comunitárias. Eu diria que, no estabelecimento de uma organização comunitária, se a estrutura não é adequada, não deveria ser estabelecida, nem iniciada. A prioridade é um programa educacional no qual as estruturas surjam quando as pessoas estão prontas, se isto não acontecer, as estruturas inevitavelmente serão hierárquicas e a organização não se desenvolverá.

(5)

Inf. & Soc.:Est, João Pessoa, v.4, n.1, p.92-96, jan./dez. 1994 96 Eu estava muito interessado em visitar a comunidade, porque tomei conhecimento de que se trata de uma realidade muito pobre, sobre a qual não temos experiência na Inglaterra. Inevitavelmente, a natureza do trabalho deve ser diferente. Fiquei muito satisfeito em ver o trabalho do CIPRO. O que concluí é que, mesmo nessas situações extremas, o povo pode desenvolver suas formas de expressão, o que lhe dá dignidade e o torna capaz de dar alguma contribuição para a sociedade que o cerca e isto é muito importante. A expressão é a primeira parte do completo processo de educação e é bom ver os agentes incentivando este processo. Eu não sei se poderia dizer o que os agentes deveriam estar fazendo agora. Estou muito interessado em ouvir o que eles estão falando sobre democratização das estruturas do CIPRO. para envolver mais as crianças nas decisões sobre alocação de recursos, por exemplo. Penso que estas idéias precisam ser exploradas e promovidas através de algum processo de envolver também os pais. Se nos referirmos a questão anterior, podemos ver que, em qualquer comunidade de baixo nível social, econômico e cultural, hierarquia e passividade acontecem. Então precisamos incentivar a expressão entre os pais, as crianças, só assim colaborarão no processo democrático. Penso que as pessoas do CIPRO precisam considerar essas coisas, provavelmente estão considerando, mas precisam reforçar as estruturas, os objetivos e a metodologia do trabalho, formando um todo coerente, com a participação de todos. Num futuro próximo, o projeto desenvolverá novos

objetivos e novas visões para levá-lo adiante. Naturalmente qualquer projeto que não desenvolve

novos objetivos e novas percepções, pode eventualmente, estagnar.

7. Algum outro comentário sobre a visita e sobre todo o processo, algo em especial?

Naturalmente, gostaria de agradecer a todos que me receberam. Aproveitei imensamente a visita. Percebi no "workshop" que as pessoas respondem diferentemente daquelas da Inglaterra. Esta diferença não causa problema, ao contrário, elas respondem muito bem. São mais criativas, eu penso. Quando sugeri que fizessem teatro, acataram a idéia e a tentaram. Acho isto muito difícil na Inglaterra, a menos que comuniquemos algo que envolve o teatro e as incentivemos a participarem. Por esse motivo usamos muito papel para escrever. Imaginemos que, escrevendo, podem representar seus problemas de comunicação, de expectativas, e de experiência. O "workshop" tem tido um bom nível de comunicação e as pessoas têm se interessado pelo trabalho. Estou satisfeito. Espero fazer uma revisão de alguns modelos e exercícios ao voltar para a Inglaterra. Dessa forma, se eu vier novamente ao Brasil, poderei continuar o trabalho com um pouco mais de conhecimento

da realidade brasileira.

Referências

Documentos relacionados

Este trabalho buscou, através de pesquisa de campo, estudar o efeito de diferentes alternativas de adubações de cobertura, quanto ao tipo de adubo e época de

A prova do ENADE/2011, aplicada aos estudantes da Área de Tecnologia em Redes de Computadores, com duração total de 4 horas, apresentou questões discursivas e de múltipla

17 CORTE IDH. Caso Castañeda Gutman vs.. restrição ao lançamento de uma candidatura a cargo político pode demandar o enfrentamento de temas de ordem histórica, social e política

Seja o operador linear tal que. Considere o operador identidade tal que. Pela definição de multiplicação por escalar em transformações lineares,. Pela definição de adição

De seguida, vamos adaptar a nossa demonstrac¸ ˜ao da f ´ormula de M ¨untz, partindo de outras transformadas aritm ´eticas diferentes da transformada de M ¨obius, para dedu-

A cor “verde” reflecte a luz ultravioleta, porém como as minhocas castanhas são mais parecidas com as minhocas verdadeiras, não se confundem com a vegetação, sendo

6 Consideraremos que a narrativa de Lewis Carroll oscila ficcionalmente entre o maravilhoso e o fantástico, chegando mesmo a sugerir-se com aspectos do estranho,

Com o objetivo de compreender como se efetivou a participação das educadoras - Maria Zuíla e Silva Moraes; Minerva Diaz de Sá Barreto - na criação dos diversos