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UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO

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Academic year: 2018

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DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO

LEALCE MENDES DA SILVA

O SUJEITO NA RELAÇÃO COM O SABER:

Do fracasso à inibição, atravessado pela política de resultados

Mariana 2014 Universidade Federal

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LEALCE MENDES DA SILVA

O SUJEITO NA RELAÇÃO COM O SABER:

Do fracasso à inibição, atravessado pela política de resultados

Dissertação apresentada ao Departamento de Educação da Universidade Federal de Ouro Preto como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação – Mestrado em Educação desse departamento.

Orientadora: Profª. Dra. Margareth Diniz

Linha de Pesquisa: Diversidade, inclusão e práticas educativas.

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Catalogação: sisbin@sisbin.ufop.br M538sMendes-Silva, Lealce.

O sujeito na relação com o saber: [manuscrito] do fracasso à inibição, atravessado pela política de resultados/LealceMendesSilva.- 2014.

90f. :il.; tabs.

Orientadora: Prof.ªDr.ª Margareth Diniz.

Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Ouro Preto. Instituto de Ciências Humanas e Sociais. Departamento de Educação. Programa de Pós-Graduação em Educação.

Área de concentração: Educação.

1. Avaliação sistêmica - Teses. 2. Fracasso escolar - Teses. 3. Relação com o saber – Teses. 4. Inibição diante do saber escolar – Teses. I. Diniz,

Margareth. II. Universidade Federal de Ouro Preto. III.Título.

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AGRADECIMENTOS

À professora e orientadora Margareth Diniz pelo aceite na orientação, pela contribuição de suas ideias, pelo ato da transmissão, por ter acreditado em mim tornando tudo isso uma realidade...

À minha mãe pelo apoio e cuidado.

À minha família – Iracema, Alberto, Rejane e Norminha (a cadelinha)–, de quem precisei me distanciar...

À professora Carla Jatobá pela disposição em colaborar com a valiosa leitura e sugestões.

Às crianças que participaram da pesquisa pela simplicidade e disposição.

Aos/às professores/as do Programa de Pós-Graduação – Mestrado, que com suas aulas contribuíram para a minha formação.

Aos membros da banca de defesa da dissertação: professora Dra. Renata Nunes Vasconcelos e professor Dr. José Rubens Lima Jardilino pelo tempo de investimento na leitura atenta do meu texto, comentários, questionamentos e sugestões para a realização deste trabalho.

Aos colegas e às colegas de classe pela amizade e companheirismo.

Às boas companheiras que compartilharam uma parte da vida republicana. Natália Cristina, Flávia Lobato, Misa, Julia Pena, Diovanna, Fabiane Brant, Franciele e Érica Miranda.

Ao amor e desamor que durante essa trajetória, de certa forma, possibilitou a emergência dos meus Eus... O que me tornou mais forte.

A todas e todos vocês, essa foi uma boa amostra de relação com o saber.

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[...]

eu toda a minha vida pensei por mim, forro, sou nascido diferente. Eu sou é eu mesmo.

Divêrjo de todo mundo...

(Grande Sertão: Verdedas- Guimarães Rosa)

Oco de pau que diz: Eu sou madeira, beira Boa, dá vau, triztriz Risca certeira Meio a meio o rio ri Silencioso, sério Nosso pai não diz, diz: Risca terceira

[...]

Margem da palavra Entre as escuras duas Margens da palavra Clareira, luz madura Rosa da palavra Puro silêncio, nosso pai

Meio a meio o rio ri Por entre as árvores da vida O rio riu, ri Por sob a risca da canoa O rio riu, ri O que ninguém jamais olvida Ouvi, ouvi, ouvi A voz das águas

[...]

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RESUMO

Esta pesquisa realizou um estudo acerca da relação com o saber, analisando a relação de crianças que têm fracasso escolar nos anos iniciais do Ensino Fundamental com a produção de resultados nas avaliações sistêmicas e com a aprendizagem escolar. Este trabalho apresentou as avaliações sistêmicas em nível nacional e no estado de Minas Gerais que a partir da década de 1990 tornaram-se expressivas e passaram a desempenhar sentido comparativo, bem como realizou uma revisão de estudos acerca do fenômeno fracasso escolar, que nessa pesquisa é considerado uma inibição diante do saber escolar. Foi apresentado que a partir das relações da criança com seus pares é que esta define sua posição na relação com o saber, sendo a inibição uma das vias dessa relação. É a forma como cada sujeito se posiciona na relação com os outros, considerando a incidência do inconsciente, que define a posição na relação com o saber. Para o desenvolvimento deste trabalho, o instrumento metodológico eleito foi o Balanço do Saber criado por Bernard Charlot e o arcabouço teórico usado para análise dos dados foi o psicanalítico, visto que a Psicanálise é o campo de saber que possibilita a elucidação do que ocorre inconscientemente e que vem incidir sobre as relações do sujeito com o saber. Com o balanço do saber foi possível detectar que a relação de crianças com inibição diante do saber escolar com a produção de resultados nas avaliações sistêmicas é de angústia, medo de errar e vergonha por não saber, enquanto que a relação com a aprendizagem é de valorização da aquisição de conhecimento, mesmo que seja por demanda e impedida pela inibição. E que as singularidades são anuladas pela política de resultados que demanda que o sujeito se aproprie de determinado conhecimento em determinado tempo sem considerar o motivo pelo qual o sujeito se inibe diante do saber escolar.

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ABSTRACT

This research carried out a study about the relation with knowledge, analyzing the relation of children who failed in the first years of Primary School, to the production of results in the systemic assessments and to school learning process. This academic work presented the systemic evaluations at the national level and in the state of Minas Gerais, which from the 1990s on have become expressive and started to play a comparative role, as well as conducted a review on studies about school failure phenomenon, which is, in this research, considered an inhibition before school knowledge. It was presented that from the relation of the child to their pairs, the child then defines their position in relation to knowledge, and it is inhibition, one of the ways of this relation. It is the way each subject positions themselves in relation to others, considering the incidence of the unconsciousness, which defines the position in relation to knowledge. For the development of this work, the methodological instrument chosen was the Balance of Knowledge created by Bernard Charlot and the theoretical framework used to analyze the data was the psychoanalytic one, once Psychoanalysis is the field of knowledge which enables the clarification of what occurs unconsciously and that comes to interfere in the relations of the subject with knowledge. With the balance of knowledge, it was possible to find that the relation of children with inhibition before school knowledge to the production of results in the systemic evaluations is of anguish, fear of making mistakes, and shame for not knowing the answers; whereas the relation to learning process is of appreciation of knowledge acquisition, even if it is by means of demand and hindered by inhibition. And the fact that peculiarities are nullified by results policy that demands the subject acquire some knowledge in a certain period of time without considering the reason why the subject feels inhibited before school knowledge.

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Últimos resultados do sistema educacional mineiro – Anos Iniciais do Ensino Fundamental... 22

Tabela 2 Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB 2011... 46

Tabela 3 Matriz de Referencia - Saeb – Língua Portuguesa – 5º ano Ensino Fundamental... 49

Tabela 4 Distribuição de alunos/as dos anos iniciais do ensino fundamental... 50

Tabela 5 Últimos resultados Língua Portuguesa – Anos Iniciais do Ensino Fundamental das escolas pesquisadas... 52

Tabela 6 Últimos resultados Matemática – Anos Iniciais do Ensino Fundamental das escolas pesquisadas... 53

Tabela 7 Os dados capturados pelo balanço do saber – Eixo I ... 58

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LISTA DE SIGLASE ABREVIATURAS

ANA Avaliação Nacional da Alfabetização Aneb– Avaliação Nacional daEducação Básica Anresc– Avaliação Nacional do Rendimento Escolar

Caed– Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação CBC – Currículo Básico Comum

Ceale– Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita DEEDU– Departamento de Educação

EJA – Educação de Jovens e Adultos

ESCOL– Educação, Socialização e Coletividades Locais

FUNDEF – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e deValorização do Magistério

Ideb– Índice de Desenvolvimento da Educação Básica

INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira LDBEN– Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

MEC – Ministério da Educação e Cultura MG – Minas Gerais

OP – Ouro Preto

PAAE – Programa de Avaliação da Aprendizagem Escolar PAV – Programa Acelerar para Vencer

PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais PIP – Programa de Intervenção Pedagógica PPP – Projeto Político Pedagógico

PROALFA– Programa de Avaliação da Alfabetização

PROEB– Programa de Avaliação da Rede Pública de Educação Básica QI – Quociente Intelectual

RBEP – Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos

Saeb – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica SEE – Secretaria de Estado de Educação

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TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido TRI – Teoria da Resposta ao Item

UFJF – Universidade Federal de Juiz de Fora UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais UFOP – Universidade Federal de Ouro Preto

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO... 12

2 O ATUAL CONTEXTO EDUCACIONAL... 17

2.1 No âmbito político... 17

2.1.1 A avaliação educacional em Minas Gerais... 19

2.2 No âmbito da aprendizagem... 23

2.2.1O fracasso escolar... 23

2.2.1.1 O que as pesquisas dizem acerca do fracasso... 27

3 RELAÇÃO COM O SABER: Do universal ao particular... 31

3.1 A relação com o saber para Charlot... 32

3.2 A relação com o saber para a psicanálise... 34

3.2.1 O fracasso como uma Inibição... 35

3.2.2 Determinantes para a relação com o saber... 40

4 A PESQUISA DE CAMPO... 44

4.1 Aspectos metodológicos... 44

4.1.1 O Campo: Ouro Preto e as escolas pesquisadas no contexto educacional mineiro... 45

4.1.1.1 Avaliações e resultados das escolas pesquisadas... 51

4.1.2O encontro com os sujeitos... 54

4.1.3 O balanço do saber... 55

5 OS DADOS CAPTURADOS PELO BALANÇO DO SABER... 58

5.1 Eixo I - A relação com a produção de resultados nas avaliações sistêmicas... 63

5.2 Eixo II - A relação das crianças com a aprendizagem... 67

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS... 78

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1 INTRODUÇÃO

O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) indica que o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb/2011) nos cinco primeiros anos do ensino fundamental das escolas estaduais mineiras foi o maior do Brasil, alcançou 6.0 superando a meta que estava prevista para 5.7. A mídia e o discurso da política educacional destacam as escolas públicas estaduais mineiras no ranking dos resultados.

Embora essa informação busque explicitar que o ensino nessas séries em Minas Gerais é o melhor do país, há que se interrogar se de fato os/as professores/as estão conseguindo efetivamente realizar a “sagrada missão pedagógica”1. Há que questionar a relação das crianças que têm fracasso escolar com as avaliações sistêmicas.

É possível encontrar pesquisas que põem em relevo o tema “fracasso escolar” como sintoma da contemporaneidade, sendo uma delasa Violência escolar: uma das manifestações contemporâneas dofracasso escolar, realizada por Vasconcelos (2010).

O estudo de Vasconcelos (2010), entre outros, considera o fracasso como uma das manifestações do sujeito em relação ao mal-estar na cultura, trata-se da violência escolar como uma face do fracasso escolar. Para a autora, o fracasso escolar é sintoma atual no social, é “uma indicação de que algo não vai bem na relação do sujeito com o seu tempo” (VASCONCELOS, 2010, p.49). O sujeito expressa o seu mal-estar sob várias formas:na violência escolar, na defasagem idade/ano de escolarização, no absenteísmo docente.Todas essas formas são novos fenômenos escolares ou novos sintomas que se agregam na categoria fracasso escolar (VASCONCELOS, 2010).

Desde algum tempo, medidas político-administrativas, pedagógicas e pesquisas vêm sendo realizadas para solucionar o problema de crianças em idade escolar que estavam fora da escola, sejaporque nunca frequentaram uma ou porque foram reprovadas ou evadiram.No entanto,poucas pesquisas abordam o fracasso escolar sob o discurso da criança, não explicitam o impacto produzido pelo rótulo do “fracasso escolar” e pelo preconceito advindo a partir daí (SIRINO; CUNHA, 2002. p. 01).O que se percebe é que ao longo do tempo houve várias tentativas vãs das políticas educacionais para resolver o problema e que até hoje o sintoma fracasso escolar permanece nas escolas.

Segundo Sirino e Cunha (2002), no decorrer da história, as pesquisas estiveram marcadas pelo discurso biológico onde as causas do fracasso estavam relacionadas a fatores genéticos, raciais ou hereditários dos sujeitos. Por volta dos anos 1970, as pesquisas

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se para as causas na proveniência cultural dos alunos, dando origem às teorias da carência cultural. Já as pesquisas mais recentes direcionam o discurso para o pensamento histórico brasileiro acerca das ideias de desvalorização e de preconceitos em relação aos sujeitos da classe trabalhadora.

A tentativa de promover ensino de qualidade no Brasil pode ser descrita em três formas.Primeiramente, até a década de 1980, a demanda era pelo acesso à escola, o que caracterizou a expansão da oferta; qualidade era sinônimo de quantidade. A ampliação de oportunidades de escolarização engendrou percalços na sequência dos estudos, pois os novos usuários não tinham as mesmas experiências culturais dos grupos que já frequentavam a escola que, por sua vez, não se reestruturou para tal expansão. No final dos anos de 1970 e nos anos de 1980 surge o segundo indicador da qualidade da educação,o problema no fluxo, que previa que se “a saída se mostrasse muito pequena em relação à entrada, a escola ou o sistema como um todo teria baixa qualidade” (OLIVEIRA; ARAÚJO, 2005,p. 10). Adotou-se, então, os ciclos com a promoção automática e os programas de aceleração da aprendizagem para evitar a reprovação e a evasão, assim, a discussão voltou-se para saber se a promoção estava associada à qualidade. A partir de então adotou-se o terceiro indicador de qualidade, a avaliação em larga escala, onde a qualidade é indicada pela capacidade cognitiva dos estudantes mediante a realização de testes padronizados, com o pressuposto de que o/a aluno/a possa ser avaliado/a no que aprendeu ou não aprendeu dos conteúdos dados pela escola (OLIVEIRA; ARAÚJO, 2005). Até os dias atuais, as políticas educacionais utilizam os testes para medir o sucesso e o fracasso escolar, o que será discutido no próximo capítulo. De acordo com toda a bibliografiaanalisada, parece que essas medidas não impediram a emergência do “fracasso escolar”.

Quanto à situação educacionalatual, percebe-se uma divergência, a mídia divulga os melhores resultados de desempenho nos anos iniciais do Ensino Fundamental para a rede pública estadual de Minas Gerais, o resultado do Ideb corrobora essa propaganda, mas na prática o que se constata é que há casos de crianças que não aprendem ler, escrever e calcular.

A presente pesquisa trata as situações de fracasso na aprendizagem escolarcomo uma inibição2 provocada por algo inerente ao sujeito que o deixa paralisado diante do saber; essa questão será discutida no capítulo de número três. Então, estetrabalho realizou um estudo acerca das avaliações sistêmicas no campo educacional e de crianças que apresentam fracasso na aprendizagem escolar.

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O que motivou a escolhada linha de pesquisa “Diversidade, inclusão e práticas educativas” e, em seguida,a definiçãodo objeto deste trabalho como a relação das crianças em situação de fracasso na escola com a produção de resultados das avaliações sistêmicas e com a aprendizagem escolar foi a observação do atual cenário do sistema educacional mineiro que exibe altos índices no Ideb e se intitula o melhor sistema educacional do país, título este nada condizente com o resultado real (situações de fracasso escolar).

Portanto, esta pesquisa tem como principal objetivo analisar a relação de crianças que têm fracasso escolar nos anos iniciais do Ensino Fundamental com a produção de resultados nas avaliações sistêmicas e com a aprendizagem escolar.Pretende-se,especificamente,contextualizar o cenário educacional em que estão inseridos os principais sujeitos da educação (aluno/a e professores/as); identificar se realmente há e quem são os/as alunos/as das classes dos anos iniciais do Ensino Fundamental que apresentam fracasso na aprendizagem e, então, a partir daí, analisar o que essas crianças falam a respeito dos seus fracassos na escola; relacionar a situação de fracasso escolar com a divulgação dos resultados das avaliações sistêmicas.

Para tal, o instrumento metodológico eleito foi o Balanço do Saber criado por Bernard Charlot em 1987 e difundido no Brasil a partir da década de 1990. Esse instrumento é utilizado em pesquisas que investigam a relação com o saber, uma abordagem teórico-metodológica que considera a voz do sujeito3 (nesta pesquisa, o/a aluno/a).

No presente estudo foi utilizado o arcabouço teórico psicanalítico para analisar os dados coletados no balanço do saber por considerar que a Psicanálise é um campo do saber que possibilita a elucidação do que ocorre inconscientemente e que vem incidir sobre as relações do sujeito com o saber. A psicanálise buscatratar da questão do sujeito nas suas tensões inconscientes diante do saber, do que o mobiliza ou o lança ao desamparo, condenando-o a desejar para sempre. Concernente às tensões inconscientes do sujeito diante do saber, a obra freudiana é passível de contribuir na compreensão “desse algo” que bloqueia o sujeito e/ou provoca tensões na sua relação com o saber.

Ao relacionar o fracasso escolar,uma experiência vivenciada por muitas crianças que não conseguem aprender os saberes ensinados na escola, com o resultado do Ideb/2011dos anos iniciais do Ensino Fundamental da rede estadual de Minas Gerais, somos provocadosa pensar se essas crianças estão mesmo melhorando seus desempenhos e contribuindo para esse crescimento ou se foram criadas estratégias para tais resultados.

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O/a aluno/a desde que ingressa pela primeira vez no Ensino Fundamental é avaliado/a pelos sistemas nacional e mineiro de avaliação. Será que esse sujeito avaliado, o resolvedor-de-questões, ou melhor, assujeitadoà avaliação quer mesmo ser avaliado/a?4. Nesse movimento intensode “produção de indicadores” para sistema de avaliação, o que não se ouve falar é na subjetividade do/a aluno/a, no porquê ele/a muitas vezes fracassa na aprendizagem escolar, o que nos remete à relação entre a lógica universal e a do particular.

Segundo Garcia (2012), o universal compreende os elementos de mesma propriedade, enquanto o particular é uma parte desse universal. A relação é entre o um e o todo (GARCIA, 2012). Nesta lógica, este trabalho foi organizado de forma a transitar por três dimensões, a saber: o campo político como o universal, o campo do sujeito como o particular e o sujeito como singular. Assim então, a lógica da universalização coloca que a causa do fenômeno fracasso escolar é um “para todos”, enquanto a lógica do particular, o “não todo”, trata das histórias particulares, que é singular a cada sujeito.

Todo o texto aqui apresentado busca fazer um movimento do universal ao particular, visando interrogar a política de resultados e o sujeito na sua relação com o saber. Seguindo essa lógica, o trabalho foi estruturado da seguinte forma:

Após a introdução, segue-se o capítulo dois apresentando o atual contexto educacional no âmbito da política educacional no Brasil a partir de 1990, focando o sistema de avaliação da aprendizagem escolar e enfatizando a política educacional do Estado de Minas Gerais, que utiliza os resultados das avaliações e do Ideb para avaliar o/a aluno/a, o/a professor/a, escolas e municípios, o que acaba assumindo caráter comparativo e controlador dos sujeitos aluno/a e professor/a. Já no âmbito da aprendizagem, esse capítulo possibilita cogitar a disparidade entre a divulgação de resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica mineira com as melhores posições nos rankings e o fracasso escolar como fenômeno presente na contemporaneidade. Para tal, esse fenômeno é interrogado sob a perspectiva de autoras como Patto (1990), Sirino e Cunha (2002), Angelucciet al (2004) e Amaral (2010),evidenciando que as teorias produzidas contribuíram para engendrar mais preconceitos às crianças e famílias oriundas de classes populares.

O capítulo três discute a visão sociológicaacerca da relação com o saber na visão do sociólogo Bernard Charlot e apresenta o sujeito na concepção psicanalítica que o considera dividido entre consciente e inconsciente. Aperspectiva da psicanálise freudiana e de

4Miller e Milner (2006) em Você quer mesmo ser avaliado?utilizam o termo mesmo como provocador numa era

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alguns/mas autores/as leitores/as da obra lacaniana permite-nos a análise do fracasso escolar como uma inibição, verificando que “algo” faz o sujeito limitar a aprendizagem escolar de modo absolutamente singular, considerando assim, a incidência do sujeito do inconsciente nas suas relações com o saber, com o mundo e com o outro.

O capítulo quatro, de forma descritiva, apresenta os procedimentos metodológicos utilizados na pesquisa, a escolha das instituições e dos sujeitos, bem como a forma que foi realizada a coleta de dados.

O capítulo cinco contém as análises dos dados coletados pelo balanço do saber com quinze crianças de 3º e 5º ano do Ensino Fundamental que têm “fracasso escolar” distribuídos em três escolas estaduais da cidade de Ouro Preto-MG. Diversos fragmentos produzidos no discurso oral das crianças são utilizados para investigar as suas relações tanto com a produção de resultados nas avaliações sistêmicas quanto relacioná-las com a aprendizagem escolar.

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2O ATUAL CONTEXTO EDUCACIONAL

2.1 No âmbito político

Este texto busca fazer uma apresentação do atual cenário político educacional em que estão inseridos os/as sujeitos/as da educação (professor/a e aluno/a). Almeja ainda discutir o sistema de avaliação da aprendizagem escolar nos âmbitos nacional e mineiro que com sua política de ranqueamento tende a “pôr de lado o sujeito”.

O Brasil tem um histórico de reformas em seu sistema de educação, sendo a última ocorrida nos anos 1990. Essa reforma traz como tema “Educação e Equidade Social” e tem como base a Conferência Mundial sobre Educação para Todos realizada em Jomtien nessa mesma década. Coube ao Brasil assegurar o acesso e a permanência na escola por meio de programas e projetos educacionais. Leis, decretos, portarias, pareceres e outros documentos nacionais e internacionais operaram para a transformação da educação básica, sendo o dispositivo legal mais relevante a Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional de 1996 (LDBEN nº 9.394/96). Essa lei está baseada no princípio do direito universal à educação para todos, regulamenta todo o sistema educacional e define as responsabilidades, em regime de colaboração, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Outro dispositivo é a legislação que dispõe sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF) (Lei nº 9.424/96) voltada para o plano do financiamento da educação. Também foram definidos os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), documentos orientadores para as instituições que desenvolvem avaliações (SILVA, 2011).

No art.87da LDBEN (Lei 9.394/96), oparágrafo3º prescreve quecada Município e, supletivamente, o Estado e a União, deverá “integrar todos os estabelecimentos de ensino fundamental do seu território ao sistema nacional de avaliação do rendimento escolar”. Assim, a avaliação em larga escala ganha força no campo da educação, passa-se a cogitar o Brasil como o “país da avaliação”. Sobre isto, Cury (1998, p.76) argumenta que o eixo da avaliação “vai da negação de um sistema nacional de educação à afirmação de um sistema nacional de avaliação”.

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Nacional daEducação Básica5 (Aneb) – o Saeb, e pela Avaliação Nacional do Rendimento Escolar6 (Anresc) – a Prova Brasil. Essas avaliações bianuais servem para avaliar em larga escala7a qualidade do ensino oferecido pelo sistema educacional brasileiro a partir de testes padronizados e questionários socioeconômicos. Em junho de 2013 foi incorporada mais uma avaliação, a Avaliação Nacional da Alfabetização8 (ANA), que avalia anualmenteos níveis de alfabetização e letramento em Língua Portuguesa, alfabetização Matemática e condições de oferta do Ciclo de Alfabetização das redes públicas.

A partir das médias de desempenho nas avaliações Saeb, Prova Brasil e dos dados sobre aprovação escolar obtidos no Censo Escolar calcula-se o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) – um indicador importante para a atual política educacional, criadoem 2007 pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais “Anísio Teixeira” (Inep). Além do Saeb e da Prova Brasil, o Inep tem sob sua responsabilidade levantar dados estatísticos (avaliar) em outras modalidades da educação, todas aplicadas em âmbito nacional. Segundo Silva (2011, p. 08), a avaliação é utilizada “para medir o desempenho não só dos alunos, como também dos professores e da escola em busca da eficiência e da produtividade”. Calderano; Barbacovi; Pereira (2013) expõem que o Ideb não conta os efeitos perversos dessa política de ranking que ao comparar resultados engendra sentimentos de desvalia, culpa e fracasso nos/as professores/as e nas crianças. Parece-nos que os resultados expressamcertomaquiamento por meio da propaganda de bons resultados nas avaliações sistêmicas, como é o caso do Estado de Minas Gerais.

5Avaliação Nacional da Educação Básica Aneb (Saeb): avaliação amostral realizada por alunos/as da/o 4ª

série/5ºano e 8ªsérie/9ºano do Ensino Fundamental e do 3º ano do Ensino Médio das redes públicas e privadas do país, em áreas urbanas e rurais.

6Avaliação Nacional do Rendimento Escolar Anresc (Prova Brasil): avaliação censitária realizada pelos/as

alunos/as da 4ª série/5ºano e 8ªsérie/9ºano do Ensino Fundamental das escolas públicas das redes municipais, estaduais e federal. Participam dessa avaliação as escolas que possuem, no mínimo, 20 alunos matriculados nas séries/anos avaliados.

7A avaliação em larga escala é uma avaliação externa, em geral organizada a partir de um sistema de avaliação

cognitiva dos alunos e aplicada de forma padronizada para um grande número de pessoas (alunos, professores, diretores, coordenadores) com o objetivo de destacar a certificação, o credenciamento, o diagnóstico e a rendição de contas. Já a avaliação sistêmica - é uma modalidade de avaliação, em larga escala, desenvolvida no âmbito de sistemas de ensino visando, especialmente, a subsidiar políticas públicas na área educacional. Os programas de avaliação sistêmica, segundo a organização do ensino brasileiro, podem ter abrangência federal, estadual ou municipal. Informações extraídas dos sites <http://www.portalavaliacao.caedufjf.net/> e <http://crv.educacao.mg.gov.br. Acesso em set 2013.

8Avaliação Nacional da Alfabetização ANA: avaliação censitária aplicada para os/as alunos/as do 3º ano do

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2.1.1 A AVALIAÇÃO EDUCACIONAL EM MINAS GERAIS

Com o processo de globalização ocorreram muitas transformações que se refletiram nas políticas públicas e provocaram os países a se ajustarem e implementarem medidas de contenção de gastos (AUGUSTO, 2005). Ao observar a política do estado de Minas Gerais em 2002, vê-se que ela apresentava um grave déficit orçamentário em seu quadro fiscal, o que levou a um enfraquecimento institucional da administração. Para enfrentar essa crise fiscal, em 2003, o governador eleito, ao assumir a gestão de Minas Gerais, tomou como medida dar um “choque” na situação. O então governador implantou o Projeto Choque de Gestão como reforma do Estado, “um conjunto de medidas de rápido impacto para modificar, de vez, o padrão de comportamento da administração estadual, imprimindo-lhe um ritmo consentâneo com a contemporaneidade própria de uma gestão eficiente, efetiva e eficaz” (VILHENA et al., 2006, p.15). As medidas implementadas na reforma do estado previram corte de despesas, redução de custos e enxugamento na área de pessoal, arrocho salarial, administração centrada em resultados, com acompanhamento e avaliação de desempenho. Na área educacional também foram implementadas mudanças com marcante descentralização administrativa e financeira(AUGUSTO, 2005).

Para a reforma educacional do estado, a nova gestão deu continuidade às medidas propostas em reformas anteriores, afirmandoa autonomia da escola nas dimensões financeira e administrativa, o fortalecimento da direção da escola, o aperfeiçoamento e capacitação dos profissionais da educação e a avaliação da escola e integração entre os municípios. Mas na realidade as escolas atuam dentro de limites definidos pelo sistema e a “descentralização, que se processou com o repasse de competências, não chegou a transferir poder de decisão” (AUGUSTO, 2005, p. 04).

A partir de 2004, o ensino fundamental passou para nove anos, matriculando-se as crianças aos seis anos a fim de atuar de forma preventiva e evitar a retenção escolar. O Ensino Fundamental em Minas Gerais passou então a ser composto de dois ciclos de formação: o ciclo inicial da alfabetização, com duração de três anos; e o ciclo complementar com duração de dois anos (AUGUSTO, 2005). Ficou estabelecido que no final do ciclo inicial da alfabetização haveria progressão continuada9para alunos/as com defasagem na aprendizagem,

9O sistema de Progressão continuada não prevê a reprovação do/a aluno/a ao final da série ou ano letivo. O/a

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enquanto no final do 6º, 7º e 8º ano doEnsino Fundamental e 1º e 2º ano do Ensino Médio haveria progressão parcial no máximo em duas disciplinas, ou seja, o/a aluno/a pode prosseguir para a próxima série e ainda cursar até duas disciplinas da série anterior,nas quais não conseguiu desempenho satisfatório.

Isso se deu porque o governo não estava disposto a aumentar os gastos com a educação, então utilizou como pretexto a redução de “desperdício” com alunos repetentes e evadidos, seguindo o modelo adotado pelas empresas: “máximo de eficiência com o mínimo de custos” (OLIVEIRA, 2003, p.88). Assim,o dito fracasso escolar–altos índices de evasão e a repetência – tornou-se alvo a ser eliminado. O governo, através da “capacitação”, transferiu a responsabilidade da repetência para a alçada dos/as professores/as numa tentativa de convencê-los/as a reduzirem os índices de reprovação, pois todos têm “prejuízos” com repetência, alunos/as, professores/as e a escola (OLIVEIRA, 2003).

À sombra do discurso da melhoria da qualidade do ensino, há a exigência por produção de altos resultados nas avaliações sistêmicas para atender características mercadológica. Schneider (2013),ao abordar esta questão, expõe que estudos desenvolvidos em Portugal, Brasil e nos Estados Unidos têm evidenciado as relações entre as avaliações, o controle sobre a educação por parte do Estado e a expansão do mercado econômico. De acordo com a autora, esses estudos destacam que é a intenção de regular a qualidade da educação para almejar fins econômicos que tem colaborado para o surgimento de medidas de mercado na educação, causando a competição entre escolas, redes e sistemas (SCHNEIDER, 2013).

Em Minas Gerais os/as alunos além de realizarem as avaliações de âmbito nacional realizam também as avaliações do Sistema Mineiro de Avaliação da Educação Pública (SIMAVE). No final de 1999, o Estado de Minas Gerais foi o primeiro a conveniar-se ao Inep a fim de acessar itens do Saeb para elaborar suas provas (LEAL, 2012).Assim, o SIMAVE instituído no ano 2000 pelo governo do Estado incorpora:

 O Programa de Avaliação da Aprendizagem Escolar (PAAE).Planejado em 2003, é uma avaliação anual interna da escola, para alunos/as do 1º ano do ensino médio, todo o trâmite dessa avaliação é de cunho online, as escolas geram provas utilizando as ferramentas do Banco de Itens, formado por questões objetivas, diferenciadas em três níveis de dificuldade e vinculadas aos tópicos/habilidades que devem ser ensinados pelas escolas e aprendidos

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pelos alunos consoante ao Currículo Básico Comum – CBC.De volta, a escola insere os resultados.

 O Programa de Avaliação da Alfabetização (PROALFA). Teve sua primeira edição em 2005 e verifica anualmente os níveis de alfabetização alcançados pelos alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental e é censitário no 3º ano.

 O Programa de Avaliação da Rede Pública de Educação Básica (PROEB), que avalia anualmente alunos que se encontram na 4ª série/5º ano e 8ª série/9º ano do Ensino Fundamental e 3º ano do Ensino Médio no que concerne às habilidades e competências desenvolvidas em Língua Portuguesa e Matemática.10

As avaliações realizadas pelo SIMAVE contemplam todas as dimensões do sistema educacional da rede pública estadual e têm como meta analisar os resultados alcançados em sala de aula, na escola e no sistema; na ação docente, na gestão escolar e nas políticas públicas para a educação; no nível de aprendizagem na alfabetização e nos conteúdos básicos do Ensino Fundamental e Médio. O SIMAVE é de coordenação da Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais e desenvolvido em parcerias, o Instituto Avaliar desenvolve o PAAE; o Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita (Ceale) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em parceria com o Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação (Caed) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) realizam o PROALFA; O Caed também realiza o PROEB.

Além de avaliar os/as alunos/as, avalia-se também os/as professores/as. É por meio dos resultados das avaliações que se verifica a eficiência da escola.Com esses resultados, compara-se o desenvolvimento das instituições, da rede municipal e da estadual, enfim, faz-se comparações de toda ordem. Tudo isso sem especificar as diversidades entre as escolas (CALDERANO; BARBACOVI; PEREIRA, 2013). Trata-se de uma avaliação hierárquica, cuja divulgação e comparação dos resultados poderá provocar um desencantamento nos sujeitos alunos/as e docentes, sobretudo se houver pressão e desfavorecimento financeiro aos/às docentes. Também poderá provocar desmerecimento da instituição que não conseguir atingir altos índices, pois “os pais que alcançam alguma condição financeira e vislumbram, através da educação, alguma perspectiva futura para seu filho acabam por retirá-lo daquela instituição”, bem como recusam realizar matrícula nessas instituições de baixo rendimento (CALDERANO; BARBACOVI; PEREIRA, 2013, p. 19). O que se observa é que a política de divulgação e comparação de resultados está desencadeando uma tendência ao preconceito

10 Informações acerca da avaliação em Minas Gerais retiradas do site <https://www.educacao.mg.gov.br/>

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e menosprezo às pessoas que trabalham e estudam em escolas de baixo Ideb. E o que não se vê é a divulgação da diferença existente entre as escolas e a diversidade que há dentro delas, bem como a especificidade de cada sujeito que realiza a avaliação do sistema (CALDERANO; BARBACOVI; PEREIRA, 2013).Os autores ainda completam que o Ideb não conta que alunos/as dos mais variados ritmos de aprendizagem participam de avaliações padronizadas e não têm suas situações tratadas de forma especial, isto é, o Ideb não considera a particularidade.

O sistema educacional mineiro coloca em foco o resultado do Ideb, que de fato tem o maior índice para os anos iniciais do Ensino Fundamental; contudo, Calderano; Barbacovi; Pereira (2013) expõem que o Ideb não considera as condições de ensino e aprendizagem, não fornece um diagnóstico pedagógico que realmente recupere as escolas que apresentam problemas e nem reconhece as condições do trabalho docente.

Observemos na tabela 1 os últimos resultados das avaliações sistêmicas no âmbito mineiro para os anos iniciais do Ensino Fundamental:

Tabela 1 – Últimos resultados do sistema educacional mineiro – Anos Iniciais do Ensino Fundamental

IDEB

2011 PROALFA 2012

PROEB/ Língua Portuguesa

2012

PROEB/Matemática 2012

Alcançou 6.0 Meta 5.7

87,31% alunos/as 3º ano nível recomendável

45,6% alunos/as 5º ano nível recomendável

60,0% alunos/as 5º ano nível recomendável

Fonte: <http://www.educacao.mg.gov.br/component/gmg/page/15115-simave> Acesso 2013 <http://ideb.inep.gov.br/resultado/>Acesso 2013

Observa-se que há uma alta classificação no Ideb, assim como na avaliação PROALFA/SIMAVE, cujos resultados indicam que quase 100% das crianças do terceiro ano adquiriram competências de leitura, escrita e interpretação, enquanto na avaliação PROEB/SIMAVE nem 50% dos/as alunos/as mineiros do 5º anoatingiram nível recomendável em Língua Portuguesa e enquanto 60%alcançaram as habilidades básicas na aprendizagem.

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exaltam os altos índices de sucesso escolar em comparação com o discurso do fracasso escolar tão presente nas escolas.

A avaliação em larga escala ou sistêmica localiza-se no campo do universal, com tendência regulamentadora e controladora dos sujeitos aluno/a e professor/a, exigindo produção sem se preocupar com o que ocorre no processo de aprendizagem de cada sujeito, não levando em conta o que faz com que o sujeito eventualmente fracasse. Por outro viés, está o campo particular, onde se encontra o aluno/a e o professor/a, cada qual com suas especificidades para ensinar e aprender.

A respeito da avaliação sistêmica, foi possível ver que ela ocupou lugar central nas políticas públicas de educação a partir da década de 1990 sob o discurso de promover a qualidade do ensino. Contudo, Schneider (2013) apontaque um dos maiores efeitos dessa iniciativa de implantação do sistema de avaliação foi a considerável pressão sobre os/as professores/as para que ensinem visando os testes e exames. É possível observar também que esta pressão aos/às professores/as recai sobre os/as alunos/as para que forneçam os resultados determinados. Essa iniciativa apresenta caráter controlador e comparativo entre escolas, nos âmbitos municipal e estadual, sem impedir, porém, que o fracasso escolar permaneça nas escolas.

Verifica-se, a seguir, o contexto educacional no que tange à aprendizagem, possibilitando um olhar retrospectivo pela história do fracasso escolar, bem como o que os pesquisadores teorizaram a esse respeito ao longo dos últimos anos, buscando, a nosso ver, descobrir a causa e a solução para tal problema.

2.2 No âmbito aprendizagem

2.2.1 O FRACASSO ESCOLAR

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analfabetismo, havia “78% de analfabetos entre as pessoas de dez anos ou mais” (FERRARO, 2008, p. 278). Segundo os últimos dados do Indicador de Alfabetismo Funcional (INAF), ainda em 2011 havia um índice de 27% de analfabetos entre 15 e 64 anos de idade no Brasil.

Vemos, ao consultar o dicionário, que o sinônimo para o verbo fracassar é “1. Despedaçar com estrépito. 2. Arruinar; quebrar. 3. Produzir ruído, fragor. 4. Ser malsucedido; falhar, malograr-se” (FERREIRA, 2005). A quarta definição é a que melhor designa o fenômeno fracasso escolar, por esse motivo o fracasso é o que a sociedade contemporânea renega, logo, o sucesso é o ideal que a família almeja para a sua prole. Sabe-se que a aprendizagem da leitura e da escrita é um conhecimento marcante para o sujeito, também é sabido que muitas vezes a criança que não consegue atender a demanda desses Outros da cultura e da educação11 aprender para um ideal capitalista, ter profissão, ganhar dinheiro para ascender-se socialmente é colocada pelo discurso como “fracassada” e,de acordo com Charlot (2000, p.14), “uma espécie de pensamento automático tende hoje a associá-la à imigração, ao desemprego, à violência, à periferia...”.

Utilizando um olhar retrospectivo sobre o fracasso escolar, vê-se que as explicações para a causa foram construídas sobre ideias preconceituosas acerca da raça, da classe socioeconômica, da questão cultural e da família da criança, geralmente considerada desestruturada e em impasse com a aprendizagem escolar. Pelo que se percebe no cotidiano escolar, o preconceito permanece até os dias atuais.

Patto (1999) expõe que já na transição do século XIX para o século XX, nos países capitalistas, as massas clamavam pela igualdade de oportunidades e pressionavam pela expansão do ensino. A expansão do sistema educacional e o aumento da demanda por escola consequentemente fez emergir as diferenças de rendimento escolar e o acesso desigual aos graus mais avançados e, com isso, a necessidade de uma explicação para estas diferenças de rendimento na aprendizagem escolar.

Perrenoud (2001) cita o surgimento do fracasso escolar na França para exemplificar o caso brasileiro, que foi idêntico.Ele diz que o fracasso surgiu quando quase todas as crianças foram reunidas e comparadas no exame para ingressar no ensino secundário12 e que era normal agrupar as crianças “nascidas para estudar” e as “nascidas para trabalhar”, e mais normal ainda era relacionar o sucesso ou o fracasso à origem social.

Em1879, a Psicologia entrou em vigor e passou a diagnosticar a capacidade intelectual, detectando cientificamente os “normais-anormais”, “aptos-inaptos” para a suposta

11Expressão utilizada por Cohen (2006, p.49) para referir-se aos três grandes Outros da cultura e da

educação,família, escola e Estado capitalista.

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nova organização social. A genialidade fora comprovada como herança hereditária. Pressupôs-se que os “anormais”, “inaptos” estavam entre a classe de trabalhadores pobres das cidades. A medicina também se ocupava dos casos de dificuldades de aprendizagem escolar, e para as crianças que não acompanhavam seus colegas na aprendizagem era recomendada a criação de pavilhões especiais para os duros da cabeça ou idiotas (PATTO, 1999, grifos da autora).Assim, essas crianças passaram a ser classificadas como anormais escolares e as causas para o fracasso procuradas nas anormalidades orgânicas. Ainda na última década do século XIX, instalou-se nas universidades dos países capitalistas europeus e norte-americanos uma crescente busca por instrumentos para medir as diferenças individuais. Por volta de 1930, a avaliação dos “anormais escolares” tomou significado de avaliação intelectual. Os testes de Quociente Intelectual13 (QI)influenciavam no destino escolar de muitos/as escolares e a criança “anormal” passa a ser nomeada de criança problema(PATTO, 1999).

O termo “criança-problema”, segundo Miranda (2006), surgiu no Brasil nessa mesma época por meio de Arthur Ramos para diferenciar alguns/as alunos/as dos alunos/as “anormais”. Outros termos como “carentes”, “desajustadas”, “imaturas”, “inaptas”, também foram utilizados para identificar as crianças que não tinham o mesmo ritmo de aprendizagem dos ditos normais. Lima (2006) expõe que a “criança-problema” surgiu nos discursos pedagógicos como uma questão especificamente educacional, como uma situação intermediária entre o aluno normal e o anormal, e as dificuldades eram atribuídas à inadequação do ambiente doméstico e não às características de origem biológica.

Assim, na década seguinte (1940)foi instalado um contingente de clínicas para orientação dos pais e professores, mas que, na verdade, funcionavam como fábricas de rótulos para crianças em situação de fracasso escolar, entre essas os/as filhos/as da massa trabalhadora dos centros urbanos (PATTO, 1999).Enquanto isso, a atribuição dos resultados mais baixos nos testes psicológicos à hereditariedade e à raça diminuiu e a explicação para a causa do fracasso escolar passa de racial para cultural. Os hábitos e práticas das classes dominadas não eram iguais às das classes dominantes, assim, então, passam a ser considerados indicativos de atraso cultural, de produção de crianças desajustadas (PATTO, 1999).

Já nas décadas de 1960 e 1970, a educação passou a ser pensada na lógica desenvolvimentista porque a época estava marcada por um crescimento econômico dirigido pelo Estado Nacional Desenvolvimentista. Foi quando prolongou-seo tempo de escolaridade

13Teste de verificação da inteligência desenvolvido aproximadamente em 1904 pelos médicos Alfred Binet e

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obrigatória, o que possibilitou os empregos qualificados que uma escolaridade mais longa permitia e despertou o interesse das camadas popularescom objetivo de ascensão social (CHARLOT, 2013).

Couto (2012) explica que durante os anos 1970-1980 o fracasso escolar ainda era explicado pela teoria da carência cultural disseminada nos anos 1960-1970 pela psicologia americana. Nessa teoria, a pobreza é vista como um fato social naturalizado e a cultura popular como pobre de estímulos para o desenvolvimento psíquico. As crianças eram consideradas deficientes de cultura, nessa classificação incluíam-se as crianças negras. Houve estudos que localizaram o problema nos aspectos emocionais, concluindo que a motivação dessas crianças não era suficiente para a demanda da educação formal, assim como as expectativas, autoconhecimento e atitudes também não eram páreas para o sucesso escolar (COUTO, 2012).

A partir da década de 1980, com o surgimento da globalização, ocorreu uma nova reestruturação do sistema capitalista e daí novas lógicas socioeconômicas foram criadas. São as lógicas de qualidade, eficácia e diversificação que recaem sobre trabalhadores, consumidores, produtos e serviços. Essas novas lógicas provocaram um recuo do Estado, por motivo de concorrência entre empresas, procura por mercados mais amplos e imposição de formas de descentralização e territorialização. Se o Estado recua nos assuntos econômicos, diminuem as taxas de importação, abrem-se as fronteiras, amplia-se a integração econômica de vários países. Esta é a lógica neoliberal que constitui a própria lógica da globalização. A escola também foi enquadrada nessa lógica que exige eficácia e qualidade, o que levou a um aprimoramento do ensino e estabeleceuessa exigência desde os anos iniciais, porém não foi considerada a existência do problema das desigualdades sociais (CHARLOT, 2013).

Gomes e Sena (2006)14, em seus trabalhos,relataram que um dos grandes problemas enfrentados por professores em sala de aula era a dificuldade de algumas crianças em aprender o que era ensinado, e ainda acrescentaram que o fracasso escolar foi um mal do século XX produzido e criado historicamente por médicos e psicólogos. A partir desses trabalhos foi detectado que dentro da escola os “bons” alunos eram separados dos “maus” alunos.Para isso, utilizavam a avaliação para nortear a enturmação, o remanejamento e a fixação de normas disciplinares e higiênicas. Os “bons” alunos eram os que realizavam o dever de casa, aprendiam a ler, faziam letra bonita, apresentavam hábitos de higiene com o corpo e com os materiais escolares, prestavam atenção e sabiam ouvir. Enquanto os “maus”

14As autoras organizaram alguns artigos baseados em pesquisas defendidas na Faculdade de Educação da

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alunos não aprendiam a ler e escrever, não tinham hábitos de higiene, tinham piolhos, se apresentavam com o uniforme, calçados e materiais sujos, não tinham assistência escolar em casa e os pais não compareciam à escola. Esses alunos eram nomeados de preguiçosos, malandros, desinteressados, sujos, lerdos, imaturos, outros (GOMES; SENA, 2006).

De acordo com Gomes e Sena (2006) o preconceito contra alunos/as oriundos/as de classe social desfavorecida surgiu carregado de vocabulário técnico, o que impôs certa credibilidade de que era um discurso legítimo e científico. As escolas impregnadas nesse discurso preconceituoso contra classes desfavorecidas economicamente justificavam as causas do fracasso nas famílias desestruturadas, sobretudo na ausência da mãe que precisava sair para trabalhar e assim deixava de oferecer assistência escolar aos filhos/as (GOMES; SENA, 2006).

Couto (2012), com base nas análises de Maria Helena Souza Patto (1999), discorre que no discurso, tanto no interior quanto no exterior das escolas, ainda é presente a tendência para explicar o fracasso escolar como consequência dos conflitos familiares, assim as crianças, os pais e o meio social se constituem como culpados desse atual fenômeno.

Vejamos no texto a seguir algumas análises acerca das pesquisas realizadas sobre o tema fracasso escolar.

2.2.1.1 O que as pesquisas dizem acerca do fracasso

Muitas pesquisas veem sendo realizadas para tentar desvendar as causas e propor uma solução para o fracasso escolar. De acordo com as análises de autoras como Patto (1999), Sirino; Cunha (2002),Angelucciet al (2004) eAmaral (2010), algumas pesquisas acerca do fracasso escolar resultamem teorias que contribuem para engendrarainda mais preconceitos às crianças e famílias oriundas de classes populares.

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1. As dificuldades de aprendizagem escolar da criança pobre decorrem de suas condições de vida, o que significa, ainda, a prevalência da teoria da carência cultural na versão da “presença das deficiências ou distúrbios no desenvolvimento das capacidades e habilidades psíquicas da clientela” (PATTO, 1999, p. 151). Em 1979, a ideia era de que o currículo era avançado para a cultura deficiente da criança pobre. Chegou-se até a pensar em adaptar o ensino à criança economicamente e culturalmente desfavorecida. Nos anos 1980 o/a aluno/a pobre não era provido das condições necessárias para a aprendizagem escolar: boa alimentação, família organizada, prontidão para aprender. As pesquisas ainda desvelam a pregnância aos estereótipos e preconceitos sociais quando a criança e a sua família não demonstram expectativas de futuro por meio dos estudos.

2. A escola pública é uma escola adequada às crianças de classe média e o professor tende a agir, em sala de aula, tendo em mente um aluno ideal (PATTO, 1999, p.153). No período de 1971 a 1981, as pesquisas diziam que a diferença cultural entre a escola e a criança faziam com que o fracasso não fosse questão de método e sim de conteúdos distantes da criança.

3. Os professores não entendem ou discriminam seus alunos de classe baixa por terem pouca sensibilidade e grande falta de conhecimento a respeito dos padrões culturais dos alunos pobres, em função de sua condição de classe média. O desconhecimento a respeito do/a aluno/a estava presente tanto no corpo docente quanto no conhecimento científico, assim, mesmo que o/a professor/a tentasse se informar, a literatura disponível o/a conduziria ao equívoco.

A pesquisa de Sirino e Cunha (2002) traz à tona situações cotidianas, explicitam que há uma tendência em associar o fracasso escolar à “deficiência” do/a aluno/a que muitas vezes é tratado/a como incompetente, restando ao/à professor/a incutir-lhe o saber. Aponta ainda que a escola assume a função estigmatizadora e atribui ao próprio sujeito a culpa pela sua exclusão.

Angelucciet al (2004) realizou um estudo das teses e dissertações defendidas no período de 1991 a 2002 na Faculdade de Educação e no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.Nesse estudo a autora expõe que os pesquisadores fazem diferentes abordagens à respeito da problemática, tais como problema psíquico, técnico, institucional e político.

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1991 a 2008 na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos (RBEP). Ela organizou a análise nos cinco eixos a seguir:

1. A criança e a família são as responsáveis pelo fracasso – nesse eixo destaca-se a visão dos docentes, que remete à condição socioeconômica e à organização familiar como fatores geradores do fracasso escolar, inclusive questões como separação do pais, desajuste familiar e ausência paterna. As causas do fracasso são vinculadas às condições de vida das crianças pobres, à falta de incentivo e apoio nos estudos. Os próprios autores contribuem para a disseminação de ideias preconceituosas quando recaem em teorias da deficiência cultural justificando os impasses na aprendizagem escolar na condição de pobreza da criança.

2. As implicações da formação profissional e da ação docente na produção do fracasso escolar – o fracasso é tido como resultado de métodos de ensino inadequados, incompetência docente. Nesse sentido, são a dedicação e as expectativas dos docentes depositadas nos alunos que predeterminam os seus comportamentos para o sucesso ou fracasso escolar. Inclui-se nesse eixo os fatores de formação que podem influenciar no rendimento escolar, tais como o distanciamento entre a teoria e a prática docente, a formação inicial mais curta e a formação continuada por meio da modalidade a distância.

3. A relação entre a escola, as condições intraescolares e a produção do fracasso escolar – o fracasso escolar é posto como fenômeno presente desde o surgimento das instituições de ensino público. As escolas que têm o ensino multisseriado também ganham sua cota de responsabilidade pelos índices de reprovação e evasão. Escola com imagem negativa tende a reforçar representações discriminatórias. O material didático descontextualizado da realidade dos alunos também aparece neste eixo.

4. As políticas públicas educacionais e o fracasso escolar – nesse eixo, Amaral (2010) analisou os trabalhos que tratam de instâncias maiores, distanciam-se do psicologismo e sugerem minimamente qualidade na educação para que todos tenham igualdade de oportunidades. Alguns trabalhos retratam a análise dos avanços para elaboração e implementação de políticas educacionais para que haja a permanência dos/as alunos/as nas escolas. Aparecem também os trabalhos que fazem um alerta às apreciações dos índices de redução da evasão e da repetência pela escola e pelo governo como correspondentes de uma melhoria do sistema educacional.

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passam a ser valorizados como uma possibilidade de reverter a situação do fracasso. Há críticas às tentativas de imposição das políticas,à atribuição da culpa a um sujeito e à ideia das diferenças culturais entre aluno/a pobre e professores/as. Os trabalhos propõem valorizar os saberes dos sujeitos que permeiam a instituição escolar sem preconceitos e superioridade.

Amaral (2010) analisa que nos quatro primeiros eixos as influências das teorias da diferença ou carência cultural ainda estão enraizadas no discurso que coloca os sujeitos alunos/as, família e professores/as como os/as responsáveis pelo fracasso escolar. Ela expõe que os estudos contemporâneos trazem novas discussões com novas abordagens para a questão do fracasso escolar e que nenhum deles referencia as marcas que ficam nos sujeitos que vivenciam as situações de fracasso.

Em suma, Vasconcelos (2010, p.48) coloca que “os estudos sobre o fracasso escolar têm se baseado numa ação discursiva na qual o fator causa está ou na sociedade capitalista ou na escola excludente e suas práticas, na família ou nos alunos”. A autora segue uma concepção de que o “fracasso escolar” é uma revelação do sujeito frente ao mal-estar da cultura, orientação freudiana para a relação sujeito e civilização.

É importante esclarecer que neste trabalho não pretendemos nos juntarmos aos/as diversos autores/as para tentar desvendar as causas do fracasso e descobrirmos mais uma teoria que sutilmente pode acabar sendo de cunho preconceituoso. A nossa intenção é relacionar a divulgação de resultados das avaliações sistêmicas com as situações de impasses/paralisações diante da aprendizagem escolar, bem como o que enunciam os sujeitos que vivem essa situação de fracasso na aprendizagem escolar.

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3 RELAÇÃO COM O SABER: DO UNIVERSAL AO PARTICULAR

No campo educacional não é comum aludir ao/a aluno/a como sujeito, o sistema educacional de avaliação reitera o entendimento do/a aluno/a como categoria universal. Segundo Charlot (2013), a escola é universal porque sua especificidade é divulgar o saber universal, cuja verdade depende da relação entre elementos em um sistema e não da sensibilidade de cada um. O/a professor/a trabalha nesse campo universal e deve ensinar, respeitar e registrar as diferenças dos/as alunos/as, ao mesmo tempo que o discurso oficial impõeque se deve ensinar igualmente a todos/as os/as alunos/as (Charlot, 2013).

Para aprender, de acordo com a concepção piagetiana colocada por Oliveira (2001), o sujeito deve estabelecer relação com o objeto a ser conhecido e formular suas hipóteses, reformulando o que for necessário até se aproximar ao máximo das hipóteses já existentes sobre aquele objeto, assim, finalmente, apropria-se do conhecimento construído socialmente. Já para Perrenoud (2001, p.24) “aprender é uma atividade complexa, frágil, que mobiliza a imagem de si mesmo, o fantasma, a confiança, a criatividade, o gosto pelo risco e pela exploração, a angústia, o desejo, a identidade”. Para que ocorra a aprendizagem é preciso

 Dar sentido ao que se faz e ao que se aprende;

 Sentir-se reconhecido, respeitado como pessoa e como membro de uma família e

de uma comunidade;

 Não se sentir ameaçado em sua existência, sua segurança, seus hábitos e sua identidade;

 Sentir-se compreendido e apoiado nos momentos de cansaço e fracasso; saber que se pode contar com a confiança dos outros, que o consideram capaz e desejoso de conseguir;

 Acreditar que alguém dá valor ao que se faz ou aprende;

 E, melhor que tudo isso, sentir que é amado... (PERRENOUD; 2001, p.24)

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3.1 A relação com o saber para Charlot

O movimento pelo qual o filho do homem se constrói se chama educação, e é por meio desse movimento que as gerações recebem o legado cultural das gerações antecedentes. Ao mesmo tempo em que o filho do homem recebe esse legado (isto é, aprende) ele se humaniza, socializa e se constrói como ser singular. Por esse motivo cada ser humano é diferente e tem desejos diferentes (CHARLOT, 2000; 2013)15.

A educação caracteriza-se por dois processos indissociáveis, um de autoconstrução, quando a criança educa-se (movimento de dentro), e outro de apropriação, quando a criança é educada (movimento de fora). Assim, o processo de humanizar-se passa pelo aprender por atividade intelectual e receber um patrimônio cultural. Ao mesmo tempo, esse processo torna-se um problema para o professor, que deve incentivar e valorizar a atividade intelectual dos alunos e transmitir-lhes um patrimônio acumulado há muitos séculos. Isso não é questão de o professor escolher uma pedagogia mais correta, tradicional ou construtivista (ambas atendem esses quesitos para o processo de humanização), mas sim umaquestão de as atividades de mobilização do aluno e da ação do professor estarem articuladas, ou seja, o processo de ensino e de aprendizagem precisam estar articulados. Caso isso não ocorra, o resultado do processo fracassa. Se o professor não oferece uma situação que possibilite ao aluno a apropriação do saber, o resultado do processo fracassa. Se o aluno não exerce atividade intelectual, o resultado do processo também fracassa. Quem sofre essas consequências? Por um lado, o aluno que sofre o fracasso escolar, e, por outro lado, o professor que sofre as cobranças pelo resultado que não depende só dele (CHARLOT, 2013). Esses resultados nomeados de fracasso escolar, segundo Charlot (2000), são: reprovação; não-aquisição de determinado conhecimento; alunos/as que não conseguem aprender ou a ler e/ou a escrever; fracasso numa determinada série ou no ensino superior.

É nesse ponto que surgem as várias concepções sobre a causa do fracasso, sendo a mais atual colocar a culpa na origem familiar da criança. Mas Charlot (2000) contesta que na verdade esses resultados não são o “fracasso” em si, são apenas situações de fracasso,histórias

15Bernard Jean Jacques Charlot nasceu em Paris, em 1944 e formou-se em Filosofia em 1967. Lecionou na

Universidade de Túnis, na Tunísia e em 1973 retornou à França, onde trabalhou durante quatorze anos na

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escolares que terminam mal, alunos/as que não acompanham o que é ensinado, que não adquirem os saberes ou demoram paraos adquirirem, que não são orientados para o que desejariam e que reagem com desordem ou retração. Para o autor, essas situações de fracasso escolar só podem ser estudadas em termos de relação com o saber, cuja definição é a relação de um sujeito com o mundo, consigo mesmo e com os outros. Realizar um estudo acerca do fracasso escolar em termos de posições sociais é correr o risco de permanecer no mesmo ponto, porque é o sujeito que deve ser considerado, não se pode analisar o social sem apreender modos de agir, pensar e sentir.

De acordo comCharlot (2000),para analisar uma relação com o saber é preciso deixar de pensar pelo viés da carência ou da deficiência sociocultural, ou seja, não ler a realidade em negativo. É preciso praticar uma leitura positiva da realidade, isto é, perguntar sobre a situação do/a aluno/a: qual atividade implementada por ele/a, qual o sentido da situação para ele/a, o tipo de relações mantidas por ele/a, enfim, ler a realidade de maneira diferente do que é lido como falta pela leitura em negativo. É preciso considerar que cada sujeito é singular, exemplar único da espécie humana, tem história, interpreta o mundo, dá sentido ao mundo, ocupa uma posição na sua história e na sua singularidade e é movido por desejos.

A questão central da relação do sujeito com o saber é interrogar o porquê e para quê o sujeito se mobiliza. Para compreender esse processo é preciso identificar quais móbiles nutrem, sustentam, contrariam, desviam ou bloqueiam esse processo de aprendizagem,poismobilização é algo interno, que ocorre dentro. O ser humano carrega em si uma ausência sob a forma de desejo, um desejo impossível de ser saciado. É esse desejo a mola da mobilização. É o desejo do mundo, do outro e de si mesmo que se torna desejo de aprender e saber (CHARLOT, 2000; 2013).

Charlot (2013, p. 41) também afirma que a relação com o saber e a escola na sociedade contemporânea sofreu mudança, a lógica neoliberal da concorrência tende a reduzir a educação à mercadoria escolar no mercado de empregos e de posições sociais, as crianças vão à escola para apenas “passar de ano” e “ter um bom emprego mais tarde”. Assim, essa nova relação trata o saber como recurso econômico e produz aprendizagens mecânicas, superficiais e desconectadas do sentido de saber e de uma verdadeira atividade intelectual, no entanto, “requer homens globalizados instruídos, responsáveis e criativos.” (CHARLOT, 2013, p.61).

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sucesso escolar. O que determina o sucesso ou o fracasso escolar é a relação que a criança estabelece com o saber, é algo que faz com que a criança tenha desejo ou não de saber, e, sobre esse particular, já se pode adiantar queé a posição da criança em relação ao par parental (alienação ou separação do desejo desses outros) que define as suas escolhas.

Opondo-se a essa lógica neoliberal que desconsidera o que é da ordem do particular e privilegia os altos índices nos resultadosdas avaliações sistêmicas, adaptandoo processo de ensino e aprendizagem a fins econômicos,o próximo texto discute questões do campo particular para indagar o que provoca o sujeito a querer ou recusar o desenvolvimento de uma atividade intelectual no processo de ensino e aprendizagem.

Bernard Charlot considera as relações do sujeito consigo mesmo, com outro e com o mundo e que algo o mobiliza para desejar aprender, mas a sociologianão ultrapassa os limites porque não considera a dimensão inconsciente do sujeito.Por esse motivo, a partir do próximo item abordaremos a questão do impasse do sujeito com a aprendizagem escolar com base na teoria freudiana e autores/as leitores/as de Lacan.

A Psicanálise apresenta-se como um campo de saber que tem como objeto de estudo, o sujeito do inconsciente. Cohen (2006) anuncia que a junção da psicanálise com a educação permite constatar que o fracasso escolar nem sempre é um sintoma, ele pode ser a expressão de mecanismos inibitórios.Por esse motivo utilizaremos estecampo de saberpara tratar da questão do sujeito com suas tensões inconscientes diante da aprendizagem escolar, visando entender a passagem das leituras sobre fracasso escolar e inibição.

3.2 A relação com o saber para a psicanálise

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“Trata-se do ser falante que, imerso na linguagem como todos nós,de repente ou aos poucos, apropria-se da tradição e de terceiros, exerce sua autonomia e cria uma arte original ou um discurso novo durante a construção de sua obra ou em sua análise” (WILLEMART, 2009, p. VII).

Mrech (2002, p. 139) aponta que a noção de sujeito na Psicanálise remete sempre ao sujeito do inconsciente, o sujeito cindido, e não ao indivíduo ou àpessoa completa e total. Sujeito cindido – $ – (S barrado) é cindido pelo plano da linguagem. “Ele está dividido entre consciente e inconsciente”, por isso não sabe imediatamente o motivo pelo qual age de determinada forma, o que também ocorre na sua relação com o saber.

3.2.1 O FRACASSO COMO UMA INIBIÇÃO

De acordo com Santiago (2005), a partir da década de 1940, a psicanálise se juntou aos instrumentos de análise de crianças que apresentavam dificuldades na aprendizagem escolar e passou a indicar normalidade intelectual e possíveis interferências da vida afetiva e familiar na constituição do comportamento e dificuldades na aprendizagem. Os diagnósticos precedentes à inserção da psicanálise eram elaborados pelo soberano discurso psicológico, pedagógico e médico, que indicavam “debilidade mental, preguiçosos, zonzos ou simplesmente maus alunos” (SANTIAGO, 2005, p.18) para o sintoma. Doravante, a prática analítica com essas crianças foi mostrando que as práticas educativas esfaceladas pelo discurso científico engendravam a segregação e a exclusão por meio do que os/as especialistas (médicos/as, psicólogos/as e pedagogos/as) passaram a classificar como fracasso escolar, o que levava ao “confinamento da subjetividade ao mais absoluto silêncio” (SANTIAGO, 2005, p.14). Couto (2012) afirma que os discursos dos campos psicológico, médico e sociológico, ao tentarem explicar o fracasso escolar pela ordem do universal, transformam em distúrbio tudo que foge à norma e enquadra o sujeito, juntamente com seu sofrimento, em categorias elaboradas para uma classificação.

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Tabela  1  –  Últimos  resultados  do  sistema  educacional  mineiro  –  Anos  Iniciais  do  Ensino  Fundamental   IDEB  2011  PROALFA 2012  PROEB/ Língua Portuguesa  2012  PROEB/Matemática 2012  Alcançou  6.0  Meta 5.7 87,31% alunos/as 3º ano nível recome
Tabela 2: Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB 2011.
Tabela 3 - Matriz de Referência – SAEB  Língua portuguesa – 5° ano do Ensino Fundamental
Tabela 4: Distribuição de alunos/as dos anos iniciais do Ensino Fundamental.
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Referências

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